Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12513/15
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:10/15/2015
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; MANIFESTA PROCEDÊNCIA; PERICULUM IN MORA; ÓNUS DA PROVA
Sumário:i) O critério de evidência, vertido no artigo 120.º, n.º 1, al. a) do CPTA, exige que perante a factualidade apurada, seja inquestionável o direito aplicável àqueles factos. A evidência a que o preceito se refere deve ser palmar, ostensiva, sem necessidade de demonstração por raciocínio complexo.
ii) Como parâmetro decisório do primeiro segmento do critério previsto na al. b), do nº 1, do art. 120º, do CPTA, respeitante ao periculum in mora, importa aferir da existência de um perigo de inutilidade da decisão a proferir no processo principal, ainda que meramente parcial, pela constituição de uma situação de facto consumado ou pelo receio de se produzirem prejuízos de difícil reparação.
iii) É ao Requerente da providência que compete demonstrar – ónus de alegação e de prova que lhe está cometido de acordo com as regras gerais do ónus da prova –, o (eventual) prejuízo derivado da execução do acto suspendendo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. Relatório

……………………………………., S.A. (Recorrente), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que deferiu a providência cautelar intentada, em coligação, por Regina …………………, Miguel………………, Maria……………………………….., Vitor ……………………., Tânia…………………, Beatriz …………………………., Rodrigo……………………….., Joaquim………….., Bertilde……………………………., José ………………………… e, em consequência, julgou procedente o pedido de suspensão de eficácia das deliberações de 9.04.2015 e de 21.04.2015, da autoria do Conselho de Administração daquela Entidade, que determinou a desocupação das construções com os n.ºs, 20-A, 28, 44 e 97 da Rua ………, n.ºs 118 e 130 da Rua ……………. e n.ºs 194 e 207 da Rua ……, sitas no Núcleo do Farol Nascente, Ilha da Culatra, em Faro e a sua posse administrativa para execução de obras de demolição.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

A) Salvo o devido respeito, a sentença recorrida sofre de erro de julgamento, por incompetência do tribunal em razão da matéria, uma vez que, no caso dos autos, os Requerentes identificaram, inequivocamente a causa principal de que pretendem seja dependente o pedido cautelar, que consiste no “reconhecimento do seu direito de propriedade”, sendo incontroversa a natureza civil dessa acção principal, pelo que deverá ser o tribunal civil o competente para a apreciação do pedido formulado.

B) A causa principal de que depende a presente providência, no que respeita à identificada pretensão é, pois, aquela em que se dirime a questão da propriedade ou posse; somente a título secundário é que foram invocados alegados vícios próprios dos actos administrativos que determinaram a demolição das construções

C) Nem se diga que a questão da propriedade é apenas uma questão prejudicial, e que haveria lugar a extensão da competência nos termos do artigo 15º do CPTA, uma vez que os próprios Requerentes declararam dirigir ao Tribunal Administrativo o pedido principal de “reconhecimento do seu direito de propriedade”.

D) Numa situação com a dos autos, em que os Requerentes identificam, inequivocamente, a causa principal de que pretendem seja dependente o pedido cautelar, e sendo incontroversa a natureza civil dessa acção principal, deverá ser o tribunal civil o competente para a apreciação do pedido formulado.

E) Com a devida vénia, a sentença recorrida operou uma errada interpretação e aplicação do artigo 10º, nº1 do CPTA, para julgar improcedente a excepção da ilegitimidade passiva da entidade Requerida invocada no artigo 30º e ss. da oposição, ou pelo menos a preterição de litisconsórcio necessário activo com o Estado português.

F) Desde logo, porque a acção judicial para dirimir a alegada questão da propriedade ou posse teria de ser proposta contra o Estado, e não contra a Requerida, na medida em que a questão central em causa é a discussão acerca do peticionado “reconhecimento do direito de propriedade” sobre aquelas construções e parcelas de terreno presuntivamente pertencentes ao domínio público, nos termos dos artigos 12º, nº1, al.ª a), parte final e 15º da Lei nº 54/2005, de 15/11, a única entidade com legitimidade passiva nessa acção será a pessoa colectiva pública de base territorial a quem pertencer a respectiva titularidade controvertida, ou seja, o Estado, nos termos dos artigos 3º e 4º da mesma Lei, alterada pela Lei nº34/2014, de 19/06.

G) Por outro lado, a pretensão relativa à questão da legalidade urbanística das ditas “casas”, segue a forma de acção administrativa comum, nos termos do artigo 37º, nº2, alínea a) do CPTA, e teria de ser proposta contra a respectivas entidades licenciadora que, tal como configurada a causa de pedir, seria a Câmara Municipal de Faro, nos termos do artigo 5º do DL n.º 555/1999, de 16 de Dezembro (e alterações subsequentes), sendo forçoso julgar procedente a excepção da ilegitimidade passiva, ou pelo menos a preterição de litisconsórcio necessário passivo - artigo 10º, nº1 do CPTA e artigo 33º, nº2 do C.P.C., determinante de despacho de rejeição, nos termos do artigo 116º, nº2, alínea c) do CPTA, ou absolvição do pedido do artigo 120º, nº1, al.ª b), parte final do CPTA.

H) Salvo o devido respeito, a Recorrente considera incorrectamente seleccionada e julgada a matéria de facto, por omissão de selecção e decisão sobre os factos alegados nos artigos 35º, 84º a 89º, 91º, 94º; 97º a 110º; 137º; 138º a 144º; 258º, 268º, 269º, 272º; 275º a 288º; 292º, 296º; 297º; 298º, 299º, 300º da Oposição, completados com os factos instrumentais, manifestamente relevantes para a boa decisão da causa, que devem ser dados como provados.

I) Os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida são:

- Quanto ao art. 35º – cf. doc. nº1 da Oposição

- Quanto aos arts. 84º a 89º - por acordo nos arts. 73º a 76º do R.I., pela diligência de prova requerida, e pela planta de síntese a que se referem os artigos 3º, nº1 e 37º, nº1 e 2, alínea e) do Regulamento do POOC Vilamoura - Vila Real de Santo António, anexa à Resolução de Conselho de Ministros n.º 103/2005, de 5/6/2005.

- Quanto ao art. 91º - cf. os actos suspendendos e fls… do processo instrutor

- Quanto ao art. 94º - por acordo, no artigo 59º do R.I.

- Quanto aos arts. 97º a 110º - cf. doc. nº2 da Oposição e a fls. 1467-1538, bem como fls. 1542 e ss.

- Quanto ao art. 137º – cf. doc. nº3 da Oposição

- Quanto aos arts. 138º a 144º e 258º - cf. fls… do processo instrutor

- Quanto ao art. 268º - cf. DL 92/2008.

- Quanto ao art. 269º - cf. doc. nº5 da Oposição

- Quanto ao art. 272º - artigo 412º, nº2 do CPC

- Quanto ao art. 275º a 279º - cf. doc. nº6 da Oposição

- Quanto aos arts. 280º a 286º e 292º - cf. docs. nº 6 e 7 a 10 da Oposição

- Quanto ao art. 287º - cf. artigo 3º dos Estatutos (a que se refere o n.º 1 do artigo 8.º do DL n.º 92/2008).

- Quanto ao art. 288º - cf. art. 37º, nºs 1, 5 e 6 do POOC).

- Quanto aos arts. 296º e 297º e 299º - cf. doc. nº2 da Oposição e a fls. 1467-1538, bem como fls. 1542 e ss. e o doc. nº11 da Oposição

- Quanto ao art. 298º - cf. doc. nº4 da Oposição

- Quanto ao art. 300º - cf. docs. nº2 e a fls. 1467-1538 , nº4 e nº11 da Oposição

J) O princípio da liberdade de julgamento não significa que o juiz é livre para escolher os factos e valorar a prova de forma subjectiva ou arbitrária, pois que o mesmo está vinculado ao indicado critério de selecção dos factos, bem como à força probatória fixada na lei, designadamente nos artigos 376º, nº1 e 358º, nºs 1 e 2 do Código Civil, sendo que a livre apreciação das provas não abrange os factos plenamente provados por documentos ou acordo – como disposto no artigo 607º, nº5, parte final do CPC.

K) Salvo o devido respeito, a sentença recorrida sofre de erro de julgamento, por não ter julgado faltar o requisito da instrumentalidade do pedido de suspensão, invocado nos artigos 39º e seguintes da Oposição, tal como foi configura a lide pelos Requerentes no artigo 140º do R.I., o que significa a ocorrência de “fumus malus” (Ac. do TCAS, de 12/01/2012, proc. nº 08327/11) - alínea b), do nº1, do artigo 120º, do CPTA.

L) Salvo o devido respeito, a sentença recorrida sofre de erro de julgamento, por não ter julgado faltar o requisito da instrumentalidade do pedido de intimação, invocado nos artigos 60º e seguintes da Oposição, tal como foi configura a lide pelos Requerentes no artigo 140º do R.I., o que significa a ocorrência de “fumus malus” (Ac. do TCAS, de 12/01/2012, proc. nº 08327/11) - alínea b), do nº1, do artigo 120º, do CPTA.

M) Salvo o devido respeito, a sentença recorrida sofre de erro de julgamento, por não ter julgado faltar o requisito do interesse em agir relativamente à pretensão a formular na acção principal relativa ao licenciamento de operações urbanísticas, invocado nos artigos 67º e seguintes da Oposição, tal como foi configura a lide pelos Requerentes no artigo 140º do R.I., o que significa a ocorrência de “fumus malus” (Ac. do TCAS, de 12/01/2012, proc. nº 08327/11) - alínea b), do nº1, do artigo 120º, do CPTA.

N) Não tendo os Requerentes apresentado qualquer requerimento para efectivação do invocado direito, designadamente o pedido de licenciamento de operações urbanísticas, é flagrante que não se verifica o preenchimento do pressuposto do interesse em agir, quanto à pretensão formulada, pelo que a sentença sofre de erro de julgamento.

O) A sentença recorrida sofre de erro de julgamento, por errada subsunção e estatuição do artigo 120º, nº1, al.ª a) do CPTA, bem como a violação da alínea b) do mesmo número, por não se encontrarem preenchidos os requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora, antes pelo contrário: é manifesta a falta de fundamento da pretensão.

P) O erro de julgamento da sentença recorrida resulta desde logo da matéria de facto dada por indiciariamente provada pela sentença (factos A) a K) do probatório), manifestamente insuficiente para sustentar as suas conclusões.

Q) Como é patente da simples leitura do R.I., toda a factualidade alegada, é manifestamente genérica, vaga, e insuficiente para constituir alegação e prova da posse, enquanto requisito da usucapião, designadamente o “corpus” e o “animus”, especialmente quando se invoca posse “não titulada” como neste caso, que requerem a substanciação de factos concretos, de acordo com os princípios do dispositivo e da susbtanciação, frontalmente violados pela sentença recorrida.

R) O mesmo se diga em relação à alegação de primeira e única habitação (arts.12º e 34º do R.I.), que não é suportada por quaisquer factos, nem provas, nem probatório.

S) Tanto basta para evidenciar a manifesta falta de condição de procedência da pretensão, tendo em conta a forma genérica e conclusiva como foi formulada, determinante por si só da absolvição do pedido (art. 120º, nº1, al. a) a contrario, do CPTA).

T) O fundamento utilizado pela sentença recorrida para conceder a providência se relacionam com a pretensa violação do artigo 37º do Regulamento do POOC (página 26-27 da sentença) – mas sem qualquer elemento factual que sustente esta conclusão, e cuja estatuição releva apenas para efeitos de realojamento, mas não obsta à demolição que é imposta directamente pelo artigo 37º do POOC Vilamoura- VRSA, que é um plano especial com eficácia plurisubjectiva, que vincula directa e imediatamente as entidades públicas e particulares.

U) Com efeito, a sentença recorrida operou uma errada interpretação e aplicação do artigo o 37º do POOC, porque o que resulta deste normativo é que, atento o espaço onde está inserida - que foi qualificado pelo POOC e não pela POLIS -, as construções terão que ser demolidas, uma vez que a área irá ser renaturalizada, sujeita à categoria de espaço natural envolvente e nela são interditas todas as obras de edificação.

V) A sentença recorrida ignorou que a definição das áreas e usos dos solos é feita pelo próprio POOC e não pela ora Recorrente ou pelas deliberações impugnadas. As razões ambientais existentes para a definição das áreas e respetivo uso foram ponderadas na elaboração do POOC. A Recorrente tem, nesta matéria, uma atividade vinculada, que se limita a dar execução ao estabelecido no plano especial, que não foi impugnado pelos Recorridos, nem cabe nesta sede discutir.

W) Sendo seguro que, nos termos do disposto no art. 37º do POOC Vilamoura-VRSA, as construções terão que ser demolida, ao contrário do invocado, o critério da primeira ou segunda habitação é apenas relevante em matéria de calendarização da demolição e de necessidade de indicação ou não de alternativa de edificação, bem como de criação de incentivos ao realojamento nos núcleos a reestruturar na mesma ilha.

X) No que respeita ao Edital 56/2012, emitido em 2012.03.01, pelo Presidente da Câmara Municipal de Faro (facto J) do probatório), a sentença considera não foi tido em conta no procedimento pela entidade Requerida (p. 35 da sentença) – nem deveria ter sido, dizemos nós –, porque os bens do domínio público hídrico estão sujeitos a título de utilização privativa emitida pelas autoridades hidráulicas, marítimas ou portuárias com jurisdição na área, e não pelas Câmaras Municipais.

Y) A sentença recorrida fez tábua rasa do artigo 163º e seguintes da Oposição, quando o certo é que, pelo menos desde o Século XIX, não é permitida, sem licença, a execução de quaisquer obras, quer permanentes, quer temporárias, nas costas do mar e das baías, enseadas e interior dos portos sujeitos à jurisdição das autoridades marítimas; sendo que estas licenças tinham de ser requeridas e concedidas pelo Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, nos termos do Decreto de 1 de Dezembro de 1887, conforme artigos 260º e seguintes do Regulamento dos Serviços Hidráulicos de 19/12/1892. O mesmo decorre do artigo 30º do DL nº468/71, ao tempo vigente.

Z) Decisivamente, a sentença recorrida é completamente omissa sobre a primeira e principal questão que está no cerne do “thema decidendum”, e que não foi sequer identificado na sentença, isto é, a alegada ofensa a direitos de propriedade privada, por via da posse “não titulada”, ao abrigo da figura da usucapião.

AA) Pelo que, ao não ter conhecido da questão que está no cerne do “thema decidendum”, a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia (art. 615º, nº1, al.ª d) do C.P.C.) ou, pelo menos, deve ser revogada por manifesto erro de julgamento.

BB) Andou mal, pois, a sentença recorrida, porque os Requerentes bem sabem, ou pelo menos não podiam ignorar, a manifesta falta de fundamento da sua pretensão, posto que o domínio público não é susceptível de aquisição por usucapião privado (art. 202º, nº 2 do Código Civil e arts. 18º, 19º e 20º do DL nº 280/2007).

CC) Não é compaginável o raciocínio da sentença recorrida, sendo absolutamente proibida por lei a manutenção de construções ilegais no domínio público marítimo, insusceptíveis de regularização, sendo certo que o artigo 37º do POOC, a Lei da Água e o DL nº226-A/2007 não prevêem, nem permitem, qualquer ocupação do domínio público hídrico afecto a fins habitacionais, nem mesmo a título precário.

DD) Basicamente, essas faixas de terreno, na situação aqui em apreço, qualificadas como leitos, estão sujeitas a uma presunção juris tantum de propriedade pública, cabendo aos particulares que invoquem direitos de natureza privada, elidirem essa presunção.

EE) Se quisessem alegar direitos de propriedade privada, impunha-se, pois, aos Requerentes, em face do regime prescrito no artigo 12º, nº1, al.ª a), parte final e do artigo 15.º da Lei nº 54/2005, de 15/11 (alterada pela Lei n.º 34/2014 de 19 de junho) e caso pretendessem que lhes fosse reconhecido o direito de propriedade sobre a parcela do leito em causa, que, através da competente acção e dos específicos meios de prova, elidisse a presunção de dominialidade que sobre ela incide, o que não fizeram.

FF) Não sendo proprietários das construções em apreço, não há que proceder a qualquer expropriação: este instituto só é aplicado quando é necessário que um determinado bem privado passe para a esfera pública, sendo que não é o caso dos autos.

GG) Basta atentar na relevância penal do crime de Violação de regras urbanísticas, previsto no artigo 278º-A, nº1 do Cód. Penal, aditado pela Lei nº 32/2010, de 02/09, para imediatamente e sem mais indagações ressaltar o fumus malus iuris, porque a pretensão dos Requerentes ofende o próprio bem jurídico objecto da tutela penal.

HH) Ao contrário da sentença recorrida, não se verifica o requisito do periculum in mora, desde logo, porque não se confirmou que as construções em apreço não são a residência dos Requerentes, sendo que a construção ilegalmente edificada, a descoberto de uso privativo, não tem qualquer valor comercial (art. 202º, nº2, C.C),

II) Tão-pouco se pode considerar atendível um fundado receio nestas circunstâncias, onde o prejuízo invocado é apenas indemnizatório; e não existe qualquer legítimo direito privado a tutelar, mas antes o bem público protegido e até mesmo criminalmente relevante, nos termos da Lei nº 32/2010, de 02/09, que aditou o crime de Violação de regras urbanísticas, no artigo 278º-A, nº1 do Código Penal.

JJ) Sem conceder, a douta sentença recorrida também operou uma errada ponderação dos interesses em presença, tendo violado o requisito previsto no artigo 120º, nº2 do CPTA, já que os danos que resultariam para o interesse público da hipotética concessão se mostram desproporcionais e muito superiores àqueles que poderiam resultar para o Requerente da sua recusa, conforme parecer do M.P. junto com a Oposição.

KK) Deve ser revogada a decisão quanto a custas, e as mesmas ficarem a cargo do recorrido, por se considerar que às mesmas deu causa, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 527.º e 539.º do Código de Processo Civil.

LL) Ao não ter julgado de acordo com as antecedentes conclusões, a douta sentença recorrida violou as sobrecitadas disposições legais.

Nestes termos, e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento a esta apelação e, consequentemente, revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra decisão que indefira a providência cautelar, por não provada, absolvendo-se a Recorrente do pedido, como é de JUSTIÇA!



Maria……………………………………………….. (Recorrida) contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, apresentando as seguintes conclusões:

1. A douta sentença recorrida não enferma dos erros de julgamento que lhe são imputados pela Recorrente;

2. Todas as conclusões da Recorrente em matéria de erro de julgamento assentam no pressuposto de que a qualificação que ela própria recorrente atribui à ilha da Culatra como leito do mar, e que por isso constituiria na sua totalidade domínio público marítimo não pode ser sindicada judicialmente por tal ter sido "certificado" pela Agência Portuguesa do Ambiente, IP.

3 . A dita "certidão" da Agência Portuguesa do Ambiente constitui porém mero artificio processual uma vez que a mesma não é subsumível à previsão do n.º 3 art.º 9.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, na sua actual redacção, nem podia sê-lo, porque ainda não foi publicada a Portaria que irá definir a forma e os critérios técnicos a observar na identificação das faixas de território que correspondem aos leitos ou margens das águas do mar, ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis que integrem a jurisdição da APA.

4 . Razão pela qual uma "certidão" com a declaração subscrita por um órgão da APA de que a Ilha da Culatra é considerada leito do mar, não possui a força probatória de um documento autêntico, contrariamente àquilo que a Recorrente sustenta, pois na verdade estamos perante uma questão de interpretação e integração de conceitos legais que incidem sobre matéria controvertida, a qual é indiscutivelmente da esfera de competência judicial, constituindo por isso a posição sustentada pela Recorrente uma flagrante violação do princípio da separação de poderes.

5. A douta sentença recorrida faz correcta selecção e apreciação dos factos e igualmente correcta interpretação da lei, maxime do art. 120.º do CPTA, não merecendo qualquer reparo.



Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.


Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 2. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

- Se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, por, nos termos da alegação da Recorrente, não ter tratado a principal questão que está no cerne do thema decidendum, e que não foi sequer identificado na sentença, isto é, a alegada ofensa a direitos de propriedade privada, por via da posse “não titulada”, ao abrigo da figura da usucapião.

- Se o Tribunal a quo errou ao não ter julgado verificada a falta de instrumentalidade da providência, uma vez que o pedido principal estará cometido aos tribunais judiciais (reconhecimento do direito de propriedade sobre os imóveis em causa);

- Se o Tribunal a quo errou ao não ter julgado verificada a excepção de ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio, dado não ter sido demandado o Estado;

- Se o Tribunal a quo errou ao não ter julgado verificada a excepção inominada de falta de interesse em agir relativamente à pretensão a formular na acção principal relativa ao licenciamento de operações urbanísticas;

- Se o Tribunal a quo errou na selecção da matéria de facto que efectuou, não tendo considerada factualidade alegada pelo ora Recorrente, a qual era e é essencial para a decisão da causa, para além de ter considerado factualidade provada sem a instrução que se impunha; e

- Se o Tribunal a quo errou ao ter deferido, ao abrigo da al. a) do art. 120.º do CPTA, a providência cautelar requerida de suspensão de eficácia das deliberações suspendendas, proferidas pelo Conselho de Administração da ………………………, SA, que, designadamente, determinou a demolição das construções em referência na ilha da Culatra.



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, a qual se reproduz ipsis verbis:

A) Na Acta nº 264 de 2015.04.09, é descrita a reunião da Entidade Requerida, com a respectiva ordem de trabalhos (cfr doc nº 1 da petição inicial);

B) Pelo ofício de 2015.04.10, da Entidade Requerida, a Requerente, Regina …………….., foi notificada da deliberação de 2015.04.09 (cfr doc nº 2 da petição inicial);

C) O Requerente, Miguel……………………, não recebeu notificação da Entidade Requerida, tendo tomado conhecimento em 2015.04.21, da deliberação de 2015.04.09 (por confissão – cfr artº 3º da petição inicial);

D) Pelo ofício de 2015.04.21, da Entidade Requerida, a Requerente, Maria……………………………….., foi notificada da deliberação de 2015.04.21 (cfr doc nº 3 da petição inicial);

E) Pelo ofício de 2015.04.21, da Entidade Requerida, a Requerente, Tânia…………………, foi notificada da deliberação de 2015.04.09 (cfr doc nº 4 da petição inicial);

F) Pelo ofício de 2015.04.14, da Entidade Requerida, a Requerente, Beatriz ……………….., foi notificada da deliberação de 2015.04.09 (cfr doc nº 5 da petição inicial);

G) Pelo ofício de 2015.04.14, da Entidade Requerida, o Requerente, Rodrigo …………………………, foi notificado da deliberação de 2015.04.21 (cfr doc nº 6 da petição inicial);

H) Pelo ofício de 2015.04.21, da Entidade Requerida, o Requerente, Joaquim………………….. e Bertilde……………………….., foram notificados da deliberação de 2015.04.21 (cfr doc nº 7 da petição inicial);

I) Pelo ofício de 2015.04.14, da Entidade Requerida, o Requerente, José……………………….., foi notificado da deliberação de 2015.04.21 (cfr doc nº 8 da petição inicial);

J) No Edital 56/2012 de 2012.03.01, do Presidente da Câmara Municipal de Faro, consta o seguinte:


(cfr doc nº 9 da petição inicial);

K) Data de Janeiro de 2010, a “Avaliação Ambiental do Plano Estratégico da Intervenção de Requalificação e Valorização da Ria Formosa”, elaborado pela Entidade Requerida (cfr doc junto com a oposição).



Não foram fixados factos não provados com interesse para a discussão da causa.

II.2. De direito

A Recorrente começa por suscitar a existência de nulidade da sentença por omissão de pronúncia com fundamento na circunstância de esta não ter tratado a principal questão que estará no cerne do thema decidendum e que não foi sequer identificado na sentença, isto é, a alegada ofensa a direitos de propriedade privada, por via da posse “não titulada”, ao abrigo da figura da usucapião.

Sem qualquer razão, porém.

Desde logo importa assinalar uma incongruência no raciocínio desenvolvido pela Recorrente: por um lado pretende que a sentença é nula por não ter tratado esta questão jurídica, por outro imputa erro de julgamento por nesta não se ter concluído pela incompetência absoluta dos tribunais administrativos para conhecer da mesma questão. E se a Recorrente argui o erro de julgamento efectuado pelo Tribunal a quo neste ponto, então é porque, afinal, conheceu (erradamente na sua perspectiva) a dita questão jurídica.

E a verdade é que o Tribunal recorrido apreciou a excepção da incompetência material suscitada em sede de saneador, este incluso na sentença recorrida.

Razões que determinam a improcedência da nulidade por omissão de pronúncia.

De seguida, vem a Recorrente sustentar que o Tribunal a quo errou ao não ter julgado verificada a falta de instrumentalidade da providência, uma vez que o pedido principal estaria cometido aos tribunais judiciais (reconhecimento do direito de propriedade sobre os imóveis em causa), que errou ao não ter julgado verificada a excepção de ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio, dado não ter sido demandado o Estado e que errou ao não ter julgado verificada a excepção inominada de falta de interesse em agir relativamente à pretensão a formular na acção principal relativa ao licenciamento de operações urbanísticas.

Vejamos então, com a sumariedade que se impõe, sendo que o seu conhecimento assuma prioridade por estarmos no campo de pressupostos processuais.

Compulsado o requerimento cautelar inicial e interpretada a causa de pedir dele constante, o que se retira é que o objecto do processo principal é a impugnação dos actos administrativos consubstanciados nas deliberações do Conselho de Administração da Requerida de 9.04.2015 e de 21.04.2015, que determinaram a demolição da casa de cada um dos Requerentes e a desocupação e a consequente tomada de posse administrativa para o efeito (cfr. os art.s 8.º, 9.º, 16.º, 18.º, 39.º , 40.º, 126 .º, 127.º, 128.º e 132.º do r.i.). Sendo que o objecto das providências cautelares requeridas é a suspensão da eficácia dos actos administrativos consubstanciados nas referidas deliberações do Conselho de Administração da Requerida, ora Recorrente, e a sua intimação para se abster de efectuar quaisquer trabalhos de intervenção ou demolição dos respectivos acessos e vias de circulação interna do Núcleo do Farol Nascente da Ilha da Culatra .

Donde, como alegado pela Recorrida, trata-se pois de um litígio do âmbito da jurisdição administrativa, nos termos do art. 4.º, n.º 1, al.s c) e d) do ETAF e art. 2.º, n.º 2, al. d) do CPTA.

Ou seja, a causa de pedir cautelar, na leitura integrada que nós fazemos, coincidente com o pedido indicado do processo principal é a ilegalidade das referidas deliberações do Conselho de Administração da Recorrente que determinaram a posse administrativa e a demolição das casas dos Requerentes. Nessa medida é inegável a competência material da jurisdição administrativa.

Por outro lado, sempre se terá que sublinhar que mesmo quanto à questão do direito de propriedade invocado, designadamente a aquisição por via da usucapião, tratar-se-á de questão prevista no artigo 15.º do CPTA (“extensão da competência à decisão de questões prejudiciais”). Nestes casos, como ensinam Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha: “Quando, para conhecer do objecto da acção perante ele proposta, da competência dos tribunais administrativos, o juiz administrativo se depara com a necessidade de previamente serem decididas uma ou mais questões da competência de tribunal pertencente a outra jurisdição, a lei consente-lhe a liberdade de tomar uma de duas atitudes: ou sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie, ou decidir a questão prejudicial com base nos elementos disponíveis no processo administrativo, hipótese em que os efeitos da decisão da questão prejudicial ficam restritos ao âmbito do processo do contencioso administrativo” (cfr. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.º ed., 2010, p. 144).

Pelo que não se verifica o apontado erro de julgamento.

Continuando, atalhando caminho, os Requerentes, e claro está a Recorrida, têm legitimidade para impugnar as assinaladas deliberações, pois alegam a titularidade de um interesse pessoal e directo resultante da lesão causada por esses actos nos seus direitos e interesses legalmente protegidos (art. 55.º, n.º 1, al. a), do CPTA), o que lhes confere interesse em agir. E consequentemente têm reconhecida a sua legitimidade processual para o presente processo cautelar.

E relativamente à arguida excepção de ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, dado não ter sido demandado o Estado, também a alegação da Recorrente tem que soçobrar. Com efeito, esta arguição está dependente da questão – já tratada – do direito de propriedade (v. supra) e da necessidade de esta acção ter que ser proposta contra o Estado; assim seria se fosse essa a questão a decidir, mas que não é como por nós explicitado anteriormente. Pelo que, não se prefigura a apontada preterição de litisconsórcio necessário passivo.

Pelo exposto, não procedem os erros de julgamento a que respeitam as conclusões A) a G) e K) a N) do recurso.

Posto isto, vem a Recorrente impugnar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, nos termos que constam da sua alegação e conclusões H) a I) do recurso.

Nos termos do artigo 640.º, n.º 1, do CPC, incumbe ao recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

E, de acordo com o n.º 2, no caso previsto na alínea b) do número 1, “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Resulta pois do citado artigo 640.º do CPC a consagração de um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, o qual impende sobre a aqui Recorrente e que a mesma, satisfez.

Com efeito, não só procedeu à identificação dos pontos julgados incorrectamente julgados, por omissão, como indicou os concretos meios probatórios que impunham diversa decisão (conclusões H) e I) do recurso).

Porém, na economia do presente recurso, a concreta apreciação da impugnação da matéria de facto não se mostra necessária. Com efeito, a factualidade fixada é suficiente para apreciar e decidir o mérito do recurso interposto. Vejamos porquê, o que nos leva a entrar no conhecimento do imputado erro de julgamento acerca do deferimento da providência ao abrigo da alínea a ) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.

Como se disse já a sentença recorrida deferiu o pedido cautelar porque, já numa análise perfunctória, resultou evidente que a actuação administrativa de referência era manifestamente ilegal. E assim assentou a sua decisão na referida alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.

É sabido que são características típicas das providências cautelares a instrumentalidade, a provisoriedade e a sumaridade (cfr. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 4.ª Ed., Coimbra, 2003, p. 295). A primeira daquelas características significa que a função e estrutura da providência cautelar está dependente de uma acção principal, a segunda que a tutela cautelar apenas alcança uma resolução não definitiva do litígio e o terceiro traço pressupõe uma cognição sumária da situação de facto e de direito. Esta sumaridade cognitiva, associada à urgência, manifesta-se num juízo de probabilidade ou de verosimilhança relativamente à existência do direito que se pretende acautelar.

E neste capítulo, por facilidade expositiva e não perdendo de vista que o presente meio é, como se acabou de caracterizar, instrumental e sujeito a uma regra de prova indiciária, importa mais uma vez referir que a impugnação da matéria de facto efectuada pela Recorrente se mostra aqui irrelevante para o sentido decisório, por ser insusceptível de alterar a conclusão a que se chegará e que é linear: não existe uma situação de manifesta procedência da causa principal.

Naquelas situações em que ocorre um relativo grau de incerteza, dispõe o artigo 120.º, n.º 1, alínea b), do CPTA que estas serão decretadas “quando (…) haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao conhecimento de mérito”. Ou seja, nestes casos a lei basta-se com um juízo de não-improbabilidade que decorre da adopção de um critério gradualista no que se refere à aparência de bom direito (esse critério será de indagação mais exigente quando esteja em causa a adopção de providência antecipatória do que a adopção de providência meramente conservatória).

Em síntese, se se considerar preenchida a previsão do artigo 120.º, n.º 1, alínea a), a providência será concedida sem ulteriores indagações (o que ocorreu na sentença recorrida); não sendo evidente a procedência da pretensão de fundo, a concessão da providência depende da demonstração do periculum in mora, em articulação com o critério do fumus boni juris, como resulta das alíneas b) e c) daquele n.º 1. Isto, sem prejuízo da limitação – pressuposto negativo – consubstanciada no princípio da proporcionalidade (art. 120.º, n.º 2) e, em qualquer dos casos, da observação das dimensões de necessidade e adequação (art. 120.º, n.ºs 3 e 4).

Ora, salvo o devido respeito, não se alcança como pode ter chegado o Tribunal a quo à conclusão de que os actos suspendendos eram manifestamente ilegais, ao que se percebe, por vícios de procedimento. Isto quando na própria sentença se refere que: “Em segundo lugar, concatenado com o que antecede, da prova documental, ressalta o teor do Edital 56/2012, emitido em 2012.03.01, pelo Presidente da Câmara Municipal de Faro, que necessita de uma indagação profunda e como tal, do conhecimento abalizado do histórico que o enformou e bem assim da sua compatibilização perante a situação de cada casa habitada pelos Requerentes na Ilha-barreira, o que, sem dúvida, deverá ser apreciado nos autos principais”.

Na verdade, a pretensão de fundo, admite discussão jurídica complexa, como a jurisprudência deste TCAS tem repetidamente dito (cfr., i.a., os ac.s de 28.05.2015, proc. n.º 12110/15, de 21.08.2015, proc. n.º 12328/15, e de 1.10.2015, proc. n.º 12434/15, por nós relatados), não podendo dar-se por verificado o pressuposto previsto na alínea a) do art. 120.º do CPTA. Como salienta o Ministério Público no seu parecer, o quadro normativo a aplicar e interpretar é complexo, sendo necessário trazer à colação, em face da alegação dos requerentes, o regime legal do domínio público marítimo, por um lado, sendo que, tal como alega a Recorrente, por outro lado, o fundamento utilizado pela sentença recorrida para julgar nesse sentido relaciona-se com a pretensa violação do artigo 37.º do Regulamento do POOC e que, independentemente da ausência de sustentação factual que sustente esta conclusão, releva apenas para efeitos de realojamento, mas não obsta à demolição que é objecto dos actos suspendendo.

Voltando ao teor do Edital 56/2012, emitido em 2012.03.01, pelo Presidente da Câmara Municipal de Faro (cfr. J) do probatório), e em que, segundo nos é dado perceber, a sentença elegeu como principal argumento para fundamentar a existência da manifesta ilegalidade da actuação administrativa de referência, certo é que a sua relevância é altamente discutível – pelo menos para o que estes autos importam –, porque os bens do domínio público hídrico estão sujeitos a título de utilização privativa emitida pelas autoridades hidráulicas, marítimas ou portuárias com jurisdição na área, e não pelas Câmaras Municipais. E neste ponto importará ainda considerar a Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, que estabelece a titularidade a dos recursos hídricos, designadamente os seus artigos 1.º, 3.º, 4.º, 10.º, n.º 1, e 15.º.

No domínio do caso concreto, sintetizando, compete proceder a um exame e apreciação exaustivo e completo da questão de fundo no âmbito da prolação de juízos de certeza próprios da acção principal e nela decidir sobre a pretensão dos Requerentes, concretamente no tocante à natureza que atribuem ao edificado a demolir de configurar e de este ser a sua primeira e única habitação para efeitos do disposto no art. 37.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Regulamento do POOC de Vilamoura/Vila Real de Santo António, nos termos já expostos supra (cfr., também o recentíssimo ac. deste TCAS de 1.10.2015, proc. n.º 12373/15). Assim, apresenta-se precipitada a conclusão alcançada pelo Tribunal a quo acerca do juízo que fez da manifesta procedência da pretensão principal.

Donde, procedendo o recurso nesta parte, tem pois a decisão recorrida que ser revogada.

Importa agora conhecer em substituição, pois que os autos fornecem os elementos para o efeito e as partes discutiram já amplamente as suas posições.

Tendo presente que interessa como parâmetro decisório do primeiro segmento do critério previsto na al. b), do nº 1, do nº 120º, do CPTA, respeitante ao periculum in mora, aferir da existência de um perigo de inutilidade da decisão a proferir no processo principal, ainda que meramente parcial, pela constituição de uma situação de facto consumado ou pelo receio de se produzirem prejuízos de difícil reparação. Deve o julgador proceder a um juízo de prognose ou de probabilidade das razões que determinam o receio de inutilidade da sentença a proferir na acção principal, pelo perigo da constituição de uma situação de facto consumado ou de se produzirem prejuízos de difícil reparação.

Ora, certo é que os Requerentes não procederam, como era seu ónus – ónus de alegação e de prova que lhe estava cometido seguindo as regras gerais do ónus da prova –, à alegação e prova de um qualquer facto concreto que sustentasse um eventual prejuízo derivado da execução do acto suspendendo, para além do que se refere aos efeitos típicos do acto suspendendo. Em bom rigor, a bandeira principal para sustentar a procedência do pedido cautelar que formulou consubstanciou-se na demonstração da ilegalidade do acto; ilegalidade esta que, como amplamente explicitado, não é evidente e cujo ulterior conhecimento escapa ao meio processual em uso.

Tal como proficuamente notado pelo Ministério Público no seu parecer, e igualmente alegado pela Recorrente (cfr. conclusões Q) e R) do recurso), os Requerentes da providência não carrearam para os autos factos ou provas que, de algum modo, permitam concluir que ali efectivamente residam, de forma permanente ou não, ou que os Requerentes se dediquem às artes da pesca. Isto não só no sentido de demonstrarem os danos e sua irreversibilidade advenientes da execução das deliberações suspendendas, como no sentido da afectação do invocado direito à habitação. E, repete-se, é ao Requerente da providência que compete demonstrar, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, o (eventual) prejuízo qualificado derivado da execução do acto suspendendo.

Assim, não ocorrendo uma inutilidade da decisão a proferir no processo principal, cuja decisão, a ser favorável ao ora Recorrido, sempre poderá ser por este usada (eventual direito a uma indemnização), nem se demonstrando minimamente que os requerentes da providência vivem na habitação em causa, nada mais tendo sido alegado de concreto para demonstrar a existência de prejuízos de difícil reparação, que assim se têm por não verificados, terá que concluir-se que a matéria de facto alegada e que ficou provada é, pois, insuficiente para demonstrar a existência do periculum in mora.

Perante a conclusão acabada de alcançar, não ficando demonstrado o periculum in mora, nada mais cumpre apreciar, ficando prejudicado o conhecimento atinente à ponderação de interesses que sempre o princípio da proporcionalidade imporia. Consequentemente, terá o pedido cautelar que ser indeferido.

Razões que determinam a procedência das conclusões de recurso também nesta parte e, consequentemente, do mesmo na sua totalidade e indeferida a providência cautelar requerida.



III. Conclusões

Sumariando:



i) O critério de evidência, vertido no artigo 120.º, n.º 1, al. a) do CPTA, exige que perante a factualidade apurada, seja inquestionável o direito aplicável àqueles factos. A evidência a que o preceito se refere deve ser palmar, ostensiva, sem necessidade de demonstração por raciocínio complexo.

ii) Como parâmetro decisório do primeiro segmento do critério previsto na al. b), do nº 1, do art. 120º, do CPTA, respeitante ao periculum in mora, importa aferir da existência de um perigo de inutilidade da decisão a proferir no processo principal, ainda que meramente parcial, pela constituição de uma situação de facto consumado ou pelo receio de se produzirem prejuízos de difícil reparação.

iii) É ao Requerente da providência que compete demonstrar – ónus de alegação e de prova que lhe está cometido de acordo com as regras gerais do ónus da prova –, o (eventual) prejuízo derivado da execução do acto suspendendo.





IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida; e, em substituição,

- Indeferir o pedido cautelar.

Custas em 1.ª instância pelos Requerentes e nesta instância de recurso pela Recorrida que contra-alegou.

Lisboa, 15 de Outubro de 2015



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Pedro Marchão Marques


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Maria Helena Canelas


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António Vasconcelos