Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1932/15.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/12/2022
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:COIMA
CONTRA-ORDENAÇÃO
PRESCRIÇÃO
PROCEDIMENTO.
Sumário:I – Para efeito da análise da prescrição do procedimento contra-ordenacional importa ter presente o preceituado no artigo 33º do RGIT, tomando-se em consideração as causas de interrupção e de suspensão nele previstas, bem como as previstas na lei geral (RGCO).
II –
No entanto, é de aplicar ao procedimento contra-ordenacional tributário o disposto no nº 3 do artigo 28º do RGCO, quando estabelece queA prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO


S…, LdA, melhor identificada nos autos, apresentou recursos das decisões administrativas de aplicação de coimas e de fixação de custas administrativas, proferidas no âmbito dos processos de contraordenação n.º 31072014060000089259 e 3107201406000089267, instaurados pelo Serviço de Finanças de Lisboa – 8, por infrações das normas previstas no CIRC, CIRS e CIVA, nos anos de 2011 e 2012.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 08 de novembro de 2021, declarou “extintos, por prescrição, os procedimentos por contra-ordenação.”.

Não concordando com a sentença, a fazenda pública veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«A. Salvo o devido respeito, andou mal o douto Tribunal ao determinar a prescrição dos procedimentos de contraordenacionais n.os 31072014060000089259 e 3107201406000089267.

B. De acordo com o artigo 28.º n.º 1 al. d) do RGCO o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional interrompe-se com a aplicação da coima pela autoridade administrativa.

C. No caso concreto, tendo o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 8, proferido decisão de aplicação de coima, em 27.01.2015 e 23.02.2015, iniciou-se, assim, a contagem de um novo prazo de prescrição,

D. Deste modo, contado o prazo prescricional de sete anos e meio, a partir 23.02.2015, verifica-se que o mesmo ainda não se consumou.

E. Pelo que, ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo, na sentença recorrida o disposto nos arts. 33º do RGIT e 27º-A e 28º do RGCO.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a reclamação judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!


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A Recorrida, S…, notificada do recurso interposto, apresentou as suas contra-alegações:

«“Deste modo, contado o prazo prescricional de sete anos e meio, a partir 23.02.2015, verifica-se que o mesmo ainda não se consumou”

Como é bom de ver, o prazo de prescrição não se conta desde a data da instauração do processo de contra-ordenação – 23.02.2015 – mas desde a data de cometimento da imputada prescrição.

Como constam da matéria de facto dada como provada e não impugnada os factos datam de 2011 e 2012.

Sem necessidade de qualquer outra consideração verifica-se ser destituída de qualquer fundamento o recurso interposto.»


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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. A 18.06.2014, no Serviço de Finanças de Lisboa - 8 e contra a S…, Ld.ª, foi instaurado o PCO n.º 3107201406089259 - cfr. capa do PCO, constante a fls. 1 do mesmo e que se dá aqui por integralmente reproduzida;

2. Do AUTO DE NOTÍCIA que deu origem à instauração do PCO n.º 3107201406089259 resulta, entre o mais, o seguinte:

(…)




(…)

- cfr. AUTO DE NOTÍCIA, contante de fls. 1-verso a fls. 3 do PCO e que se dá aqui por integralmente reproduzido;

3. Na mesma data (18.06.2014), no Serviço de Finanças de Lisboa - 8 e contra a S…, Ld.ª, foi instaurado o PCO n.º 3107201406089267 - cfr. capa do PCO, constante a fls. 1 do mesmo e que se dá aqui por integralmente reproduzida;

4. Do AUTO DE NOTÍCIA que deu origem à instauração do PCO n.º 3107201406089267 resulta, entre o mais, o seguinte:

(…)




(…)

- cfr. AUTO DE NOTÍCIA, contante de fls. 1-verso a fls. 2-verso do PCO e que se dá aqui por integralmente reproduzido;


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Factos não provados

«Com interesse para a decisão a proferir, não se provou:
5. Que os PCO autuados sob os n.ºs 3107201406089259 e 3107201406089267 tenham estado suspensos na pendência de impugnações judiciais de cuja decisão dependia a qualificação dos factos imputados à S…, Ld.ª.»

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Motivação da decisão de facto

«Com interesse para a decisão que se segue, nada mais se julgou ou é de julgar provado ou não provado, tendo o Tribunal formado a sua convicção a partir da análise crítica dos documentos juntos aos autos, que foram admitidos, não foram impugnados e se encontram especificadamente identificados em cada uma das alíneas do probatório, dando-se aqui, uma vez mais, por integralmente reproduzidos.

Dos autos não resultam quaisquer evidências de que alguma vez tenha sido ordenada a suspensão dos PCO em causa, o que permitiu julgar não provado o facto 5.»


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- De Direito


Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
Lidas as conclusões do recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública, verifica-se que a única questão que cumpre apreciar é a de saber se a sentença padece de erro de julgamento por ter considerado verificada a prescrição dos procedimentos contra-ordenacionais.

Concretamente, invoca a Recorrente que a aplicação da coima pela autoridade administrativa interrompe a contagem do prazo de prescrição, o que significa, no seu entendimento, que ainda não se encontram prescritos os procedimentos contra-ordenacionais.

Vejamos, então.

A sentença recorrida, proferida pelo TT de Lisboa, considerou prescritos os procedimentos de contra-ordenação em causa nos autos, com a seguinte fundamentação:

“(…) ressalvado o período de suspensão da contagem do prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação, que não pode ultrapassar seis meses, e independentemente da ocorrência ou não ocorrência de causas de interrupção da contagem desse prazo, a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade (cfr. artigo 28.º, n.º 3, do RGCO).

Significa isto que, no limite, a prescrição do procedimento por contra-ordenação terá lugar logo que se mostrem decorridos oito anos sobre a prática da infracção, pois, ressalvado o período máximo de suspensão (seis meses), ele terá sempre lugar logo que se mostre decorrido o prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação (cinco anos) acrescido de metade (dois anos e seis meses).

No caso em apreço e de acordo com os autos de notícia que deram origem à instauração, a 18.06.2014, dos PCO autuados sob n.ºs 3107201406089259 e 3107201406089267, nos quais vieram a ser proferidas as decisões de aplicação de coimas e de fixação de custas administrativas ora impugnadas, estão em causa infracções que, alegadamente, foram praticadas no ido ano 2011 e, a última delas, a 01.06.2012 (cfr. factos provados 1 a 4).

Tal significa que, se contado a partir da data em que, alegadamente, aquelas infracções foram praticadas, ou seja, por referência a última delas, se contado a partir de 01.06.2012, o termo final da contagem do prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação ocorreu a 01.06.2017.

Aqui chegados, considerando o prazo de legal de prescrição acrescido de metade, isto é, de dois anos e seis meses, e ressalvados os seis meses relativos ao período máximo de suspensão da contagem daquele prazo, verifico que a prescrição ocorreu, em definitivo e independentemente da ocorrência ou não de factos interruptivos da contagem, a 01.06.2020, ou seja, oito anos depois da alegada prática das referidas infracção.

Por maioria de razão, também se encontra prescrito o procedimento por contraordenação relativo às infracções alegadamente praticadas no ido ano 2011.

Face ao que fica dito e sem necessidade de mais amplas considerações, concluo que, nesta data, os procedimentos por contra-ordenação subjacentes às infracções descritas nos autos de notícia que estiveram na sua origem, prescreveu, em definitivo, a 01.06.2020, o que é e aqui será causa de extinção do mesmo.(…)”

Pretende a Recorrente que a prescrição dos procedimentos ainda não se verificou em virtude de o prazo da mesma se ter interrompido por força da aplicação das coimas pela autoridade administrativa em 27.01.2015 e 23.02.2015.

Adiante-se que não tem razão.

Estão aqui em causa, como resulta do probatório (pontos 1) e 4)), dois procedimentos contra-ordenacionais, o PCO nº 3107201406089259 e o PCO nº 3107201406089267.

Recuperamos o que se escreveu no Acórdão do STA de 30/04/2019, proferido no âmbito do processo nº 679/11, no que respeita à contagem do prazo de prescrição aqui em apreciação:

“(…) Dispõe o n.º 3 do artigo 33.º do RGIT que o prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral – a saber, os previstos nos artigos 27.º-A e 28.º do RGCO -, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º, e ainda no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contra-ordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento.

De qualquer modo, tem entendido este STA que é igualmente aplicável às contra-ordenações tributárias o limite máximo do prazo de prescrição do procedimento previsto no n.º 3 do artigo 28.º do RGCO, ou seja, a prescrição tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão – que não pode ultrapassar seis meses, nos casos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 27.º-A do RGCO, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade (cfr., entre outros, os Acórdãos deste STA de 20 de Dezembro de 2017, recursos n.º 084/17 e n.º 0224/17).(…)
Regressando ao caso dos autos, verifica-se que a recorrente pretende que a causa interruptiva elencada na alínea d) do nº1 do artigo 28 do RGCO implica o início da contagem do prazo de prescrição e, por assim ser, não estaria verificada a prescrição, que se contaria a partir de 23/02/2015.

É certo que, havendo causa de interrupção do prazo de prescrição, o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, uma vez que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição (cfr. n.º 2 do art. 121.º do Código Penal, ex vi art. 32.º do RCGO, ex vi art. 33.º, n.º 3 do RGIT).

Porém, importa considerar que, para efeitos do n.º 3 do artigo 28.º do RGCO, que estabelece um prazo de prescrição máximo do procedimento, apenas releva o tempo de suspensão, não sendo de considerar qualquer interrupção ocorrida no procedimento.

Ora, in casu, aplicando-se o disposto no art. 28.º, n.º 3 do RGCO, tornam-se irrelevantes as causas de interrupção do prazo de prescrição para a contagem deste prazo de sete anos e 6 meses (prazo de prescrição acrescido de metade), não assistindo razão ao invocado pela Fazenda Pública nas suas alegações de recurso.

Ora, no caso dos autos temos que as infracções mais recentes foram praticadas em 01.06.2012, o que significa que, como decidido, o prazo de prescrição acrescido de metade (sete anos e meio) somado com o prazo máximo de suspensão a considerar (seis meses), totalizando 8 anos, ocorreu em 01.06.2020, pelo que não tem razão a Recorrente.

Ou seja, sendo certo que a prescrição do procedimento ocorre quando esteja decorrido o respectivo prazo acrescido de metade, salvaguardando-se o prazo de suspensão (não sendo de considerar no cômputo, qualquer interrupção), temos por correcta a conclusão a que chegou a sentença recorrida de que já se tinha verificado a prescrição de ambos os procedimentos.

Improcede, nestes termos, a alegação recursiva, devendo ser negado provimento ao recurso.


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Sem custas.

Registe e Notifique.

Lisboa, 12 de Maio de 2022

(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Hélia Gameiro Silva)