Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 593/14.5BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 04/07/2022 |
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Relator: | LUÍSA SOARES |
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Descritores: | OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA GERÊNCIA DE FACTO |
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Sumário: | I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente. II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito. III - O ónus da prova da gerência de facto recai sobre a Fazenda Pública. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I – RELATÓRIO Vem a AT-Autoridade Tributária e Aduaneira interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição à execução deduzida por F..... contra a decisão de reversão proferida no processo de execução fiscal nº 157…… e apensos, instaurado originariamente contra a sociedade “P....., Lda.,”, por dívidas tributárias de IMI, IRS (retenções na fonte) e IVA do exercício de 2012 no montante total de € 3.030,03. A Recorrente apresenta recurso contra a decisão proferida pelo tribunal a quo, tendo nas suas alegações formulado conclusões nos seguintes termos: “I) Com a ressalva da devida vénia e também por melhor entendimento, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto, considera existir erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito; errando o douto Tribunal a quo quanto à aplicação do disposto nos art.°s 23° e 24, todos da LGT; bem como quanto ao disposto no art.º 204° do CPPT; art. 153° do CPPT, 64.º, 259º e 260.° todos do CSC. II) Decidiu a douta Sentença a quo pela procedência da oposição por considerar que a AT não cumpriu o ónus da prova que o artigo 24° da LGT lhe impõe, ao não carrear para os autos elementos de prova suficientes para concluir pelo exercício da gerência efetiva da devedora originária por banda da Oponente. III) No entanto, resulta dos autos que: · “A Opoente assinou, enquanto representante da sociedade referida em l, em 27/10/2008, escritura pública através da qual foi constituída hipoteca de um prédio da sociedade referida em 1. para garantia de dívidas desta última— cfr. doc. junto a fls. 137 a 142 dos presentes autos. · A Opoente assinou, enquanto representante da sociedade referida em l, em 28/09/2012, escritura pública através da qual foi celebrado contrato de dação em cumprimento de prédios da sociedade referida em 1. para pagamento de dívidas desta última— cfr. doc. junto a fls. 144 a 154 dos presentes autos. · A Opoente assinou, enquanto representante da sociedade referida em 1, contratos de abertura de contas bancárias em nome desta última— cfr. doc. junto a fls. 155 e 156 dos presentes autos. · A Opoente assinou, enquanto representante da sociedade referida em I, em 30/12/1998, escritura pública através da qual foi constituída propriedade horizontal num prédio da sociedade referida em 1. — cfr. doc. junto a fis. 157 a 165 dos presentes autos.” IV) Tudo conforme se mostra expresso nos pontos 25 a 28 do probatório. V) O artigo 24° da LGT exige a gerência de facto para que possa operar-se a reversão, e, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que aquela gerência de facto não se presume pela gerência de direito, sendo que, como a Lei não define no que consiste a gerência, têm a doutrina e a jurisprudência referido que, como tal, se deve considerar aquela em que os gerentes/administradores praticam atos de disposição ou de administração, de acordo com o objeto social da sociedade, em nome e em representação desta, vinculando-a perante terceiros, atento os contornos normativos que dela é feita nos artigos 252°, 259°, 260°, 408° e 409° do CSC [veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul no processo 06732/13 de 31-10-2013]. VI) Assim, é gerente/administrador aquele(s) que exterioriza a vontade das sociedades nos seus negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, praticando atos que traduzem tarefas de fiscalização, aprovação de contratos, pagamentos, assinaturas de diversos documentos que vinculem a sociedade, perante clientes, fornecedores, bancos, Estado, trabalhadores. VII) Perante o quadro factual resultante do probatório, não pode a Fazenda Pública concordar com a desconsideração de tais funções percorrida na sentença em mérito, pois provando-se que a Oponente foi nomeada gerente e que no período temporal a que se reportam as dívidas exequendas assinou documentos necessários ao giro comercial da sociedade, vinculando-a perante terceiros, tem-se por verificada a gerência de facto. VIII) Assim e salvo o devido respeito, a prova ínsita nos autos e, as consequências necessárias que dali se aferem sustentam a posição da Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário, devendo ser considerada legítima a reversão contra a Oponente. IX) Nesta conformidade, fez a douta Sentença errada interpretação da prova e dos factos, e errada subsunção dos factos ao direito, pelo que deverá a mesma ser anulada e proferido acórdão que considere improcedente a presente oposição. Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta Decisão recorrida com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”. * * A Recorrida não apresentou contra-alegações.* * O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.* * Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão. II – DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente. Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao considerar a Oponente como parte ilegítima da execução fiscal por dívidas de IMI, IRS e IVA do ano de 2012. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, dão-se como provados os seguintes factos: 1. Em 22/10/2012 foi instaurado sobre a sociedade P....., Lda. o processo de execução fiscal n.º 157……. onde se encontra em cobrança dívida de IMI referente ao exercício de 2012 – cfr. fls. 1 a 3 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos. 2. Ao processo de execução fiscal foram apensos os seguintes processos de execução fiscal: a. N.º 157……, no qual se encontram em cobrança coerciva dívidas de IRS – retenção na fonte referente ao exercício de 2012, no valor de 293,25€; b. N.º 157….., no qual se encontram em cobrança coerciva dívidas de IVA referentes ao exercício de 2012, no valor de 161,00€; c. N.º 157….., no qual se encontram em cobrança coerciva dívidas de IVA referentes ao exercício de 2012, no valor de 543,15€; d. N.º 157…., no qual se encontram em cobrança coerciva dívidas de IVA referentes ao exercício de 2012, no valor de 333,50€; e. N.º 157….., no qual se encontram em cobrança coerciva dívidas relativas a coimas, no valor de 126,85€; - cfr. fls. não numeradas do processo de execução fiscal junto aos presentes autos. 3. Após a apensação referida em 2. encontravam-se em cobrança coerciva no processo de execução fiscal referido em 1. dívidas no valor global de 3.156,88€ - cfr. fls. 6 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos. 4. Em 21/08/2013 foi elaborado pelo órgão da execução fiscal “Projecto de Reversão” com o seguinte conteúdo: “…Em face das diligências que antecedem, verifica-se a inexistência ou a insuficiência de bens penhoráveis à Executada, P....., Lda.… Não havendo bens da devedora originária, ora executada que respondam pelo pagamento da dívida, estão pois verificadas as condições previstas nos termos do n.º 2 do art.º 153º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), para o chamamento à execução, dos responsáveis subsidiários, de acordo com a legislação em vigor no momento do exercício do seu cargo e no momento de constituição de responsabilidade, revertendo assim contra estes a execução. 1.Relativamente ao facto tributário. Verifica-se que o facto tributário ocorreu já na vigência da Lei Geral Tributária (LGT), assim, nos termos da alínea a) do n.º 1 do seu art.º 24º, os gerentes e administradores serão subsidiariamente responsáveis pelas dividas da sociedade, mediante prova de culpa a efectivar pela Administração Tributária. Como não dispõe este Serviço de Finanças de elementos que permitam concretizar a referida prova, não é possível efectivar a responsabilidade latente. 2. Relativamente à obrigação de pagamento: Verifica-se que a obrigação de pagamento ocorreu já na vigência da Lei Geral Tributária (LGT), assim, nos termos da alínea b) do n. 1 do seu art.º 24º os gerentes e administradores que exerçam, ainda que somente de fado, funções de gestão em pessoas colectivas ou equiparadas, serão subsidiariamente responsáveis pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. Assim, em face da informação que antecede e considerando os momentos de constituição da responsabilidade subsidiária, ao conjugar estes com a legislação então vigente temos que é (são) (solidariamente) responsável (eis) pelo pagamento das seguintes importâncias por dívidas de IMI, IRS – Ret. Fonte, IVA e Coima: … F..... responde pelo pagamento e € 3.030,03 , relativo ao seu período de gerência. Face ao disposto no n° 4 do art.º 23º e do art.º 60º da Lei Geral Tributária (LGT), proceda-se à notificação do(s) interessado(s), para efeitos do exercido do direito de audição prévia, fixando-se c praza de 15 dias a contar ou notificação, devendo aquela ser exercida por escrito…” – cfr. fls. 13 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos. 5. Na sequência de 4., pelo órgão da execução fiscal, com data de 21/08/2013 foi remetido à Opoente documento com o seguinte conteúdo: “Despacho para audição (reversão)” a qual apresentava o seguinte “Projecto da Reversão”: “…Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectiva e entidade fiscalmente equiparadas, por t, não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (art.º 24º,/n.º 1/b) LGT…” – cfr. fls. 16 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos. 6. Com data 21/08/2013 foi elaborada pelo órgão da execução fiscal “Notificação Audição – Prévia (reversão)” dirigida à Opoente, a qual apresentava o seguinte “Projecto da Reversão”: “…Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis devedor principal e responsáveis solidários sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23./n.º 2 da LGT). Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectiva e entidade fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (art.º 24º,/n.º 1/b) LGT…” – cfr. fls. 19 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos 7. A Opoente exerceu o direito de audição prévia referido em 6. – cfr. fls. 20 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos. 8. Subsequentemente a 7. foi elaborada informação pelos serviços do órgão da execução fiscal com o seguinte conteúdo: “…Vem a contribuinte alegar que renunciou à gerência da empresa executada nos presentes autos, conforme acta anexa, em 05/04/2008, pelo que não seria da sua responsabilidade as dívidas em causa no presente processo. – Verificada a acta e a certidão permanente da empresa, constatamos que efectivamente existiu renúncia ao cargo de gerência na referida data, tendo este acto sido apresentado a registo em 11-12-2012. – Contudo, nos termos dos art.ºs 3º alínea m) e 14º do Código do Registo Comercial conjugado com os art.ºs 64º e 166º do Código das Sociedades Comerciais, os actos sujeitos a registo só produzem efeitos após a data do respectivo registo, assim temos que a renúncia evocada apenas causou efeito em 11-12-2012, pelo que no período a que respeitam os impostos em dívida no presente processo a gerência ainda era da sua responsabilidade (2011 e Janeiro a Setembro 2012). Nesta conformidade, sou de parecer que deverá ser indeferido o solicitado, emitindo-se despacho para reversão…” – cfr. fls. 25 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos. 9. Sobre a informação referida em 8. foi, em 02/10/2013, proferido despacho com o seguinte conteúdo: “…Atenta a fundamentação infra, prossiga-se com a reversão, procedendo-se à citação executada por reversão, nos termos do artigo 160º do CPPT…” – cfr. fls. 25 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos. 10. Na sequência de 9. foi proferido despacho determinando a reversão do processo de execução fiscal referido em 1. sobre a Opoente – cfr. fls. 70 e 71 do processo de execução fiscal. 11. Na decorrência de 10. foi elaborada citação da Opoente para o processo de execução fiscal referido em 1., a qual apresentava o seguinte conteúdo: “… Fundamentos da Reversão… Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23º/n.º 2 da LGT): Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectiva e entidade fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (art.º 24º,/n.º 1/b) LGT…” – cfr. fls. 75 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos. 12. A citação referida em 11. foi remetida à Opoente por carta regista com aviso de recepção, tendo o respectivo aviso sido assinado em 29/10/2013 – cfr. fls. 76 e 75-A do processo de execução fiscal junto aos presentes autos. 13. O despacho de reversão referido em 10 e a citação referida em 11 e 12 foram revogadas pelo órgão da execução fiscal – cfr. fls. 79 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos. 14. Em 08/01/2014 foi proferido pelo órgão da execução fiscal despacho com o seguinte conteúdo: “… Através da instrução do presente processo da executada originária, P.....… verifica-se: 1. A sociedade foi constituída em 28-02-1991 … com o objecto «Projectos de Arquitectura, levantamentos topográficos, compra e venda de propriedades, prestações de serviços, cópias heliográficas, fotocópias, plastificações de cartões, todos os trabalhos de construção civil e revenda dos adquiridos»; 2. A sociedade iniciou a «actividade de gestoras de participações sociais não financeiras», para efeitos fiscais, em 0802-1991, encontrando-se cessada para efeitos de IVA à data de 2013-04-30, não se encontrando liquidada à presente data; 3. A dívida exequenda nestes autos ascende a €3.156,88… acrescida de juros de mora e custas, referente a IMI, IRS Ret. Fonte, IVA e coima… Dada a insuficiência dos bens da executada originária para solver a dívida decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada, deverão, nos termos dos art.º 23º, n.º 2 e 24º, n.º 1, al. b) da Lei Geral Tributária (LGT), dos art.º 148º, n.º 1, al. a), e 153º n.º 2, al. b), do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), ser chamados à execução os responsáveis subsidiários, pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. 5. De acordo com a consulta à certidão permanente da matrícula da empresa… e demais elementos extraídos do arquivo deste serviço de finanças, pode-se concluir que a sociedade, constituída soba forma de sociedade por quotas, tem/teve como sócios/gerentes:… F.....… Do apresentado, conclui-se que a gerência da sociedade nos períodos em causa, foi exercida por … e F..... traduzindo-se na prática de actos reveladores da gerência da executada:… escritura de Hipoteca outorgada em 27/10/2008, no Cartório Notarial sito em Sobral de Monte Agraço perante a notária P....., entre a Caixa G..... e a executada assinada pelos gerentes … e F..... em representação da mesma; - escritura pública de Dação em Cumprimento outorgada em 28/09/2012, no Cartório Notarial do Notário P....., entre a executada e o Banco C....., SA assinado pelos gerentes … e F.....… abertura de contas bancárias subscritas pela P....., representada pelos gerentes … e F....., e a Caixa G.....; Por despacho de 23-08-2013, foi projectada a decisão de reverter contra os responsáveis subsidiários… e F.....… determinando que se desse cumprimento ao disposto no art.º 60º da Lei Geral Tributária (LGT), tendo em vista a observância do n.º 4 do artigo 23º da mesma Lei. Assim se cumpriu, tendo os interessados virtuais revertidos… F....., exercido o direito de audição prévia… A sócia/gerente F....., apresentou de inédito com interesse para o processo: - que renunciou à gerência da empresa executada nos presentes autos, conforme acta que anexa, em 05/04/2008, pelo que não seria da sua responsabilidade as dívidas em causa no presente processo;… Quanto à sócia/gerente F..... terá que se considerar que, durante o período a que as dívidas dizem respeito: os actos anteriormente anunciados revelam uma verdadeira gerência de facto da executada; verificando-se a prática de actos de gerência em nome e interesse da sociedade. Pelo que não trazendo os interessados elementos novos que permitam alterar o sentido do projecto de decisão, deverá o mesmo manter-se. Face ao exposto , constatada a manifesta insuficiência de bens da originária devedora e provada a gerência de facto, tendo como fundamento legal o disposto no art.º 153º, n.º 2 alínea b) do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), ordeno a reversão da execução, contra os responsáveis subsidiários… e F.....… em relação à devedora originária, relativamente à dívida, a seguir discriminada, que está na base da instauração destes processos de execução fiscal, dado serem os gerentes à data a que a dívida exequenda se refere, nos termos do artigo 24º, n.º 1 al. b) da Lei Geral Tributária (LGT). A decisão tem o seu fundamento na responsabilidade subsidiária dos administradores pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento – artigos 23º e 24º, n.º 1 al. b) da Lei Geral Tributária (LGT). Atenta a fundamentação supra, proceda-se à citação dos executados por reversão, tendo em atenção o disposto no artigo 191º, n.º 3 do CPPT, para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra eles reverteu sem juros de mora nem custas (n.º 5 do artigo 23º da LGT…” – cfr. fls. 83 a 89 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos. 15. Na sequência de 14. foi proferido despacho determinando a reversão do processo de execução fiscal referido em 1. sobre a Opoente – cfr. fls. 90 e 91 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos. 16. Sobre a Opoente não foi determinada a reversão das dívidas referentes a coimas constantes do processo de execução fiscal referido em 2/e. – cfr. fls. 90 e 91 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos. 17. Na decorrência de 15. foi elaborada citação da Opoente para o processo de execução fiscal referido em 1., a qual apresentava o seguinte conteúdo: “… Fundamentos da Reversão… Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23º/n.º 2 da LGT): Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectiva e entidade fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (art.º 24º,/n.º 1/b) LGT…Identificação da dívida em cobrança coerciva… total: 3.030,03 EUR…” – cfr. fls. 94 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos. 18. A citação referida em 17. foi remetida à Opoente por carta regista com aviso de recepção, tendo o respectivo aviso sido assinado em 24/01/2014 – cfr. fls. 94 e 94-A do processo de execução fiscal junto aos presentes autos. 19. A Opoente consta como gerente da sociedade referida em 1., na respectiva certidão permanente do registo comercial, desde a sua constituição até 11/12/2012– cfr. doc. junto a fls. 46 a 48 dos presentes autos. 20. A Opoente assinou, enquanto representante da sociedade referida em 1, em 27/10/2008, escritura pública através da qual foi constituída hipoteca de um prédio da sociedade referida em 1. para garantia de dívidas desta última– cfr. doc. junto a fls. 137 a 142 dos presentes autos. 21. A Opoente assinou, enquanto representante da sociedade referida em 1, em 28/09/2012, escritura pública através da qual foi celebrado contrato de dação em cumprimento de prédios da sociedade referida em 1. para pagamento de dívidas desta última– cfr. doc. junto a fls. 144 a 154 dos presentes autos. 22. A Opoente assinou, enquanto representante da sociedade referida em 1, contratos de abertura de contas bancárias em nome desta última– cfr. doc. junto a fls. 155 e 156 dos presentes autos. 23. A Opoente assinou, enquanto representante da sociedade referida em 1, em 30/12/1998, escritura pública através da qual foi constituída propriedade horizontal num prédio da sociedade referida em 1. – cfr. doc. junto a fls. 157 a 165 dos presentes autos. 24. A presente acção deu entrada em 24/02/2014. Factos não provados. Com relevância para a pronúncia a emitir nos presentes autos, inexistem factos que importe dar como não provados. Motivação da decisão sobre a matéria de facto. A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes dos autos e no processo de execução fiscal apenso, referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados, merecendo a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.”. * * IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO O Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a oposição à execução fiscal nº 157….. e apensos, instaurada originariamente contra a sociedade P....., Lda., por dívidas de IMI, IRS e IVA do ano de 2012, tendo considerado que a Oponente, ora Recorrida, era parte ilegítima na execução fiscal em apreço, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, por entender em síntese que não se mostra provada a gerência de facto por parte da ora Recorrida. Para o efeito fundamentou-se a decisão nos seguintes termos “(…) E do acervo factual adquirido pelos presentes autos, nomeadamente 14. e 17. dos factos provados, conclui-se que o órgão da execução fiscal mobiliza apenas 3 factos sobre os quais assenta o seu juízo de que a Opoente exerceu de facto a gerência da sociedade devedora originária: o de que a Opoente celebrou em nome da sociedade devedora originária um contrato de hipoteca, um contrato de dação em cumprimento e que assinou contratos de abertura de contas bancárias em nome da devedora originária – cfr. 14. dos factos provados. Não mobilizando o órgão da execução fiscal algum outro facto que evidenciasse, na acepção legalmente exigida que supra demonstramos, o exercício da gerência de facto da sociedade devedora originária pelo Opoente. O órgão da execução fiscal limita-se a referir que a Opoente constava da certidão permanente do registo comercial da sociedade devedora originária como administradora da mesma e que a devedora originária ao tempo a que se referem as dívidas exequendas (2012) e que a Opoente assinou os contratos referidos no parágrafo supra, nada mais afirmando ou substanciando. Sendo esse – o despacho de 14. dos factos provados – o momento e local relevante para que se afira da legalidade da reversão operada, pois tudo o que assim não seja será de considerar como fundamentação à posteriori, que é legalmente inadmissível e, consequentemente, não é susceptível de sanar o acto ao qual a mesma se refira. Muito menos serão de considerar as alegações de facto que a Fazenda Pública empreenda em sede de contestação por intermédio das quais pretenda demonstrar o exercício da gerência de facto da revertida/Opoente, pois que o objecto do processo é a legalidade da decisão de reversão da execução fiscal sobre a revertida/Opoente. No caso dos presentes autos, o órgão da execução fiscal não enunciou nenhum facto (ocorrência da vida real) demonstrativo de que a Opoente tivesse uma acção decisiva no desenvolvimento da actividade da sociedade devedora originária. Sustentando-se o órgão da execução fiscal somente na circunstância de a Opoente constar como administradora da sociedade devedora originária na certidão do registo comercial e de ter assinado 3 contratos. O que, como já vimos, se mostra manifestamente insuficiente para que se possa concluir pelo exercício da gerência de facto pela Opoente. E isto porque, como bem já deixámos explícito nos excertos que supra transcrevemos, inexiste qualquer presunção legal que imponha a conclusão de que uma vez verificada a gerência de direito/nominal se tenha por verificada a gerência de facto da sociedade devedora originária. É certo que o Órgão da Execução fiscal, assim como a Fazenda Pública (esta já no âmbito do presente processo), vêm aludir a uns documentos em que a Opoente actua em nome e representação da sociedade devedora originária como forma de demonstrar factos de onde de se possa concluir pelo exercício da gerência de facto da Opoente na devedora originária. Mas conferidos os mesmos – 14. e 20. a 22. dos factos provados – constata-se que os mesmos se quedam por documentos, em número reduzidíssimo – 3 –, que consubstanciam uma assinatura de uma constituição de hipoteca, de uma dação em cumprimento e a abertura de contas bancárias, actos esses em que somente se evidencia a dimensão formal da gerência da sociedade devedora originária, porquanto, em virtude da circunstância da mesma constar como gerente de direito da sociedade em causa era necessária a sua intervenção em tais actos por forma a garantir a validade e eficácia formal de tais negócios. Não se podendo retirar dos mesmos que a Opoente haja tido qualquer papel definidor quer na realização de tal negócio e acto, quer nos concretos contornos que os mesmos revestiram. Isto é, da assinatura da Opoente nos instrumentos que consubstanciam 20. a 22. dos factos provados não se consegue retirar que a Opoente tenha praticados actos decisivos quer na decisão, quer na conformação de tais actos/negócios e muito menos que a Opoente tivesse uma influência decisiva na condução da vida da sociedade devedora originária. Factualidade que só por si, atenta a residual expressão que apresenta segundo aquilo que nos termos da experiência comum seria a normal actividade da devedora originária e de os actos em si considerados não demonstrarem a prática de actos definidores da actividade da sociedade devedora originária, a partir dos quais se possa concluir pelo exercício da gerência de facto da devedora originária pela Opoente, mostram-se de todo imprestáveis tais documentos a sustentar a conclusão de que a Opoente exerceu a gerência de facto da devedora originária. Secundando o entendimento aqui sufragado confira-se o enunciado no Acórdão TCA Norte, de 10/11/2016, processo n.º 00313/11.6BEBRG “…I - Para responsabilizar subsidiariamente o gerente pelas dívidas tributárias da sociedade, não basta a outorga de poderes «nominais» de gerência, exige-se precisamente o exercício dessas funções, o exercício efectivo dos poderes que recebe, e não apenas a aparência do seu exercício. II - A responsabilização subsidiária pressupõe o poder de controlar e determinar a vontade social, definindo o seu rumo e estratégia e tudo o que se relaciona com a sua estabilidade, progresso ou sobrevivência, exteriorizando as suas opções, incluindo as de pagar, ou não pagar, as dívidas tributárias. III - A distinção entre o mero gerente nominal do gerente efectivo reside no poder subjacente à realização dos actos. O gerente nominal, ou «meramente de direito», pode praticar actos aparentes de gerência, mas fá-lo desacompanhado dos inerentes poderes, normalmente a «mando» de alguém que na organização societária se resguarda de «assinar» e comprometer-se, mas que ainda assim detém o poder efectivo de controlar os destinos da sociedade incluindo os de «mandar assinar» documentos da sociedade, como gerente, alguém que, de facto, o não é. IV - Estas situações ocorrem na maior parte das vezes num contexto em que, de um lado, está o «gerente efectivo», regra geral o detentor do capital e do poder que lhe subjaz, que oculta essa qualidade (normalmente por dificuldades de financiamento junto da banca devido a antecedentes de incumprimento, ou por restrição do uso de cheques, etc.; do outro lado, está (quase sempre) um sujeito numa relação de dependência (filho, empregado, cônjuge) ou de favor, que por isso aceita «assinar», ou «dar o nome». V - Quando assim procede, quando «assina» ou «dá o nome», não o faz no uso de qualquer critério de oportunidade ou prossecução de interesse estatutário que não domina, mas sim para satisfazer um interesse pessoal alheio ao qual está vinculado ou subordinado por razões «não estatutárias». VI - Neste cenário, o mero gerente de direito pratica actos formais de gerência; porém, fá-lo na dependência do gerente efectivo que lhe determina a «oportunidade», o «que», o «como» e o «quando» fazer. A sua função «esgota-se» nas assinaturas e não «pode» (porque não tem o poder) ir para além disso…” – disponível para consulta em www.dgsi.pt – e ainda o exarado no Acórdão TCA Norte, de 21/06/2018, processo n.º 01602/13.0BEBRG: “…VI - De acto isolado praticado pela Oponente, em que, aparentemente, terá agido em representação da executada originária em momento concreto, não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que a mesma exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade…” – acórdão disponível para consulta em www.dgsi.pt. Assim sendo, e tendo sempre presente que a dúvida a respeito da efectividade da gerência da Opoente não aproveita à Fazenda Pública, que é a parte onerada com a prova desse facto, outra solução não resta ao presente Tribunal se não a de declarar que a Opoente não exerceu a gerência de facto da devedora originária, dando-se consequentemente como não verificado um dos pressupostos obrigatórios para a que a Opoente fosse revertida para a execução fiscal que serve de cenário aos presentes autos, falecendo, desse modo, in totum o direito do órgão da execução fiscal reverter a mesma sobre a Opoente. Procedendo, como procede, nos termos supra, a alegação de que não se verifica o pressuposto do exercício da gerência de facto da devedora originária pela Opoente impõe-se ao presente Tribunal concluir pela ilegitimidade da Opoente para a execução quanto à dívida contra ele revertida conformadora dos presentes autos nos termos do artigo 204º, n.º 1, alínea b) do CPPT, consequentemente procedendo a presente oposição com a devida extinção do processo de execução fiscal em relação à Opoente.”. A Recorrente não se conforma com o assim decidido invocando, também em síntese, que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito porquanto defende que, do quadro factual resultante do probatório mostram-se provadas as funções de gerente, porquanto a Oponente foi nomeada gerente e, no período temporal a que se reportam as dívidas exequendas assinou documentos necessários ao giro comercial da sociedade, vinculando-a perante terceiros, pelo que considera verificada a gerência de facto (cfr. conclusão VII das alegações de recurso). Vejamos então. Estando em causa dívidas tributárias de IMI, IRS e IVA do ano de 2012, o regime aplicável de responsabilidade subsidiária dos gerentes/administradores é o decorrente do art.° 24.° da Lei Geral Tributária. Consagra o nº 1 do art. 24.° da LGT: “Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”. Assim, do regime constante da disposição legal acima transcrita, resulta que o chamamento dos “administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados”, os quais são subsidiariamente responsáveis em relação à dívida e solidariamente responsáveis entre si, depende da verificação do exercício efectivo de gerência, ou seja a existência de uma situação de gerência de facto (Acórdão do STA de 09/04/2014, proc. n.º 0954/13), não bastando a mera titularidade do cargo de gerente, isto é, a gerência nominal ou de direito. A responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente ou administrador. Como se salienta no Acórdão do STA, de 02/03/2011 no recurso nº 0944/10, “Como se conclui da inclusão nesta disposição das expressões «exerçam, ainda que somente de facto, funções» e «período de exercício do seu cargo», não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções, ponto este que é pacífico, a nível da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo. Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto, à semelhança do que o artigo 13.º do CPT também já consagrava”. É também pacífico na jurisprudência o entendimento de que é à Fazenda Pública como titular do direito de reversão que compete fazer a prova da efectividade da gerência. Na verdade, ao abrigo do regime previsto no art.º 24.º, n.º 1, da LGT, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, se dê por provado o efectivo exercício da função de gerente, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova desse pressuposto da responsabilidade subsidiária, aí se incluindo o exercício de facto da gerência. Como também se referiu no já citado Acórdão do STA, de 02/03/2011 no recurso nº 0944/10 : “Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.). De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito. No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum. E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.). Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal. Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.» Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido. Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar. (…) Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/02/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório. Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil. Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus. (…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência. Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa. Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização. Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc. Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal. A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido. Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.”. Salienta-se que, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e acima mencionada, mesmo nas situações de comprovada gerência de direito, a Fazenda Pública não pode alhear-se da prova quanto à efectividade da gerência, sem prejuízo de o julgador poder inferir o exercício dessa gerência da globalidade da prova produzida. Na verdade, e tal como já referimos anteriormente, desde logo em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, fácil é concluir que não basta para a responsabilização das pessoas indicadas no artigo 24º, nº1 da LGT a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções. Assim, reitera-se que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto. E, salienta-se ainda que a prova da gestão de facto tem de ser evidenciada por referência a actos praticados pelos potenciais revertidos, susceptíveis de demonstrar esse efectivo exercício de funções, entendendo-se como tal a prática de actos com caráter de continuidade, efectividade, durabilidade, regularidade, com poder de decisão e com independência. Importa então analisar se a Fazenda Pública logrou provar a prática de tais actos, por forma a considerar-se o exercício da gerência de facto por parte da Recorrida. In casu resultou assente que a Recorrida foi nomeada gerente de direito da sociedade devedora originária, em conjunto com o outro sócio (cfr. ponto 19 do probatório e documento que o suporta). Resultou ainda assente que: - A Oponente assinou em 27/10/2008, escritura pública através da qual foi constituída hipoteca de um prédio da sociedade para garantia de dívidas desta última (cfr. ponto 20 do probatório); - A Oponente assinou em 28/09/2012, escritura pública através da qual foi celebrado contrato de dação em cumprimento de prédios da sociedade para pagamento de dívidas desta última (cfr. ponto 21 do probatório); - A Oponente assinou contratos de abertura de contas bancárias em nome da sociedade (cfr. ponto 22 do probatório) e; - A Oponente assinou em 30/12/1998, escritura pública através da qual foi constituída propriedade horizontal num prédio da sociedade (cfr. ponto 23 do probatório). Defende a Recorrente que, provando-se que a Recorrida foi nomeada gerente e que “no período temporal a que se reportam as dívidas exequendas assinou documentos necessários ao giro comercial da sociedade, vinculando-a perante terceiros, tem-se por verificada a gerência de facto”. (cfr. conclusão VII das alegações). Contudo importa relevar que a dívida exequenda reporta-se ao ano de 2012, e em rigor, dos actos invocados pela Fazenda Pública como prova da gerência de facto, apenas a assinatura da escritura de dação em cumprimento em 28/09/2012, se enquadra naquele âmbito temporal e configura a prática de um acto, pela Recorrida, em representação da sociedade devedora originária. Com efeito, para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de actos isolados, mas antes pela existência de uma atividade continuada. Dir-se-á, portanto, que a gerência é, assim, antes do mais, a investidura num poder.
Destarte, consistindo a gerência de facto de uma sociedade comercial no efetivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam pela vinculação e representação da sociedade, nomeadamente, através das relações com os clientes, com os fornecedores, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade, ter-se-á de concluir face a todo o exposto que, in casu, nada foi demonstrado no sentido de a Recorrida ser um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo pacto social, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros.
Assim não concordamos com a relevância dada pela Recorrente aos pontos 20 a 23 da matéria de facto, com base nos quais pretende atribuir força suficiente para se considerar verificado o exercício da gerência de facto por parte da Recorrida. Na verdade, a circunstância de a Recorrida ter assinado em 28/09/2012 a escritura de dação em cumprimento não é suficiente para que se possa inferir que tenha efectivamente exercido a gerência da sociedade devedora originária, já que se trata, claramente, da prática de um acto isolado. Ou seja, a prática de um acto isolado pela Recorrida em que terá agido em representação da executada originária nesse concreto momento, não é susceptível, à luz das regras de experiência comum, de levar à conclusão de que a mesma exerceu, de facto, a gerência da devedora originária, já que o exercício da gerência constitui uma actividade continuada.
Dito isto, perante o circunstancialismo fáctico provado (e não impugnado), temos assim que concluir não ter a Fazenda Pública produzido prova demonstrativa de que a Recorrida tenha exercido a gerência de facto, sendo que, como antes já dissemos, era sobre a Fazenda Pública que recaía o ónus de provar o exercício da mesma. (veja-se no mesmo sentido Ac. TCA Sul de 03/12/2020 proc. 2883/12.2BELRS referente à mesma oponente).
Pelo que, tal facto, per se, desacompanhado de actos que manifestem e exteriorizem a vontade societária não permitem ilidir o ónus probatório que impende sobre a administração tributária.
Lisboa, 7 de Abril de 2022 Luisa Soares Vital Lopes Susana Barreto |