Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05130/11
Secção:CT
Data do Acordão:10/27/2016
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IMI; VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO; SEGUNDA AVALIAÇÃO
Sumário:I. Se o contribuinte apresentou pedido de segunda avaliação ao abrigo do disposto no artigo 76º do CIMI, invocando que o valor patrimonial tributário se apresenta distorcido relativamente ao valor de mercado, o acto de segunda avaliação não poderia deixar de considerar a distorção invocada, fosse para a aceitar total ou parcialmente, fosse para fundadamente a rejeitar.
II. Tal significa que, sendo a finalidade do pedido da segunda avaliação apreciar as razões da discordância do interessado, naturalmente que no caso, o acto tributário sindicado está insuficientemente fundamentado, o que consubstancia vício de forma que determina a sua anulação (art. 268.º, n.º 3, art. 77.º da LGT e art. 125.º do CPA).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loures (Lisboa 2), datada de 17 de Junho de 2011, pela qual foi julgada procedente a impugnação judicial deduzida por L..., S.A. e S..., S.A. nos termos do artigo 134º, do C.P.P.T., relacionada com o acto de segunda avaliação efectuada ao lote de terreno para construção inscrito na matriz sob o artigo 9692, da freguesia de ....

A Recorrente termina as alegações do recurso formulando as seguintes Conclusões:
«I - O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória da total procedência da impugnação deduzida contra a segunda avaliação relativa à 1ª transmissão na vigência do IMI, de terreno para construção.
II - Quanto à fundamentação a sentença recorrida (síntese) refere que não se pode afirmar que se encontra devidamente fundamentada uma segunda avaliação que se limita a exarar os mesmos elementos e montantes considerados na primeira avaliação, presumindo que apenas há que considerar os valores objectivos que decorrem da lei, sem que justifique o porquê de no caso concreto, os valores da segunda avaliação serem tão discrepantes do valor a que o prédio foi transaccionado, e o valor patrimonial anterior.
III - Como se pode ler no preâmbulo do CIMI, aprovado pelo Dec.- Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, com a reforma da tributação do património sustentada por este diploma, e introduzida no CIMI e também no CIMT, “opera-se uma profunda reforma do sistema de avaliação da propriedade, em especial da propriedade urbana.
IV - Pela primeira vez em Portugal, o sistema fiscal passa a ser dotado de um quadro legal de avaliações totalmente assente em factores objectivos, de grande simplicidade e coerência interna, e sem espaço para a subjectividade e discricionariedade do avaliador”.
V - Desta forma, é nossa convicção de que o procedimento de avaliação assim concebido e plasmado nos art.ºs 38.º e segs. do CIMI é dotado de um elevado grau de objectividade, com uma insignificante margem de ponderação ou valoração por parte dos peritos intervenientes, pretendendo-se que a avaliação assente no máximo de dados objectivos.
VI - Tanto assim é que o art.º 61.º do CIMI refere qual a constituição da CNAPU:
a) Director-geral dos Impostos, que preside, podendo delegar no subdirector-geral responsável pelo departamento de gestão tributária competente;
b) Dois vogais indicados pelo Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação;
c) Um vogal indicado pela Associação Nacional de Municípios Portugueses;
d) Dois vogais indicados pela Direcção-Geral dos Impostos, sendo um secretário;
e) Um vogal indicado pelo Instituto Geográfico Português;
f) Um vogal indicado pelas associações de proprietários;
g) Um vogal indicado pelas associações de inquilinos;
h) Um vogal indicado pelas associações de construtores;
i) Um vogal indicado pelas associações de empresas de promoção e de mediação imobiliária;
j) Um vogal indicado pelos organismos representativos dos avaliadores.
2 – (…).
3 - Os membros da CNAPU são nomeados pelo Ministro das Finanças.”
mais diversas áreas profissionais e sociais, que garante a representatividade dos agentes económicos e das entidades públicas relevantes, reduz ainda mais o risco de subjectividade e discricionariedade das decisões.
VII - Também os coeficientes de localização que influem no cálculo do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção (art.º 45.º do CIMI) são valores aprovados por Portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU, in casu, a portaria 90/2006.
VIII - Já o zonamento (também regulado pela portaria n.º1426/2004) consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município, os quais, aquando da sua fixação pelos próprios municípios, atendem a diversas características da zona em que o prédio se situa, nomeadamente, as acessibilidades, a proximidade de equipamentos sociais, os serviços de transportes públicos e, mesmo, o elevado valor de mercado imobiliário (vide os art.ºs 42.º e 45, n.ºs 2 e 3, CIMI).
IX - Esta orientação que defende a objectividade das avaliações foi também sufragada pelo douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, tirado no Proc. 0239/09, de 2009/07/01, cujo ponto III passamos a transcrever na parte que aqui nos interessa:
“III – (…)
O procedimento de avaliação, configurado nos artigos 38.º e seguintes do CIMI, caracteriza-se, assim, agora por uma elevada objectividade, com uma curtíssima margem de ponderação ou valoração por parte dos peritos intervenientes, pretendendo-se que a avaliação assente no máximo de dados objectivos.
Desde logo, o coeficiente de localização previsto no artigo 42.º do CIMI é um valor aprovado por Portaria do Ministro das Finanças.
Valor esse que resulta da proposta da CNAPU na fixação do qual se têm em consideração, nomeadamente, as seguintes características: acessibilidades, proximidade de equipamentos sociais, serviços de transportes públicos e localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.
Por outro lado, o n.º 4 do mesmo preceito legal prevê ainda o zonamento que consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização em cada município e as percentagens a que se refere o n.º 2 do artigo 45.º do CIMI.
Trata-se, pois, de parâmetros legais de fixação do valor patrimonial com base em critérios objectivos e claros e, por isso, facilmente sindicáveis, bastando a indicação da localização dos prédios e a referência do quadro legal aplicável para que se compreenda como foi determinado o referido coeficiente.
Ou seja, encontramo-nos no domínio de zonas e coeficientes predefinidos e, portanto, indisponíveis para qualquer ponderação ou alteração por parte dos peritos intervenientes no procedimento de avaliação, e isto independentemente de se tratar de primeira ou segunda avaliação, pois não é o facto de se realizar uma inspecção directa ao imóvel a avaliar que pode levar ao desrespeito dos coeficientes predefinidos, mas antes serve essa inspecção para comprovar a justeza dos coeficientes a aplicar.
Neste contexto, a fundamentação exigível para a aplicação do coeficiente de localização apenas se podia circunscrever à identificação geográfica/física dos prédios (…), ao estabelecimento do coeficiente de localização aplicável e à invocação do quadro legal que lhe era aplicável.
(…)
Daí que se não possa, por isso, apontar qualquer ilegalidade ao procedimento de segunda avaliação aqui impugnado.”
X - Quanto ao facto de não se poder afirmar que se encontra devidamente fundamentada uma segunda avaliação que se limita a exarar os mesmos elementos e montantes considerados na primeira avaliação, presumindo que apenas há que considerar os valores objectivos que decorrem da lei, sem que justifique o porquê de no caso concreto, os valores da segunda avaliação serem tão discrepantes do valor a que o prédio foi transaccionado, e o valor patrimonial anterior, apenas se pode concluir que isso se deve quer à objectividade dos critérios, quer ao facto de a avaliação anterior assentar em pressupostos anteriores à entrada em vigor do CIMI.
XI - Deste modo, a douta sentença ora recorrida, a manter-se na ordem jurídica, revela uma inadequada interpretação e aplicação das normas legais e da ratio legis que as fundamentam, mormente do art.º do CIMI e da própria Portaria, incorrendo assim em erro de julgamento nos termos gerais do artigo 668.º do Código de Processo Civil

Contra-alegaram as Recorridas, os quais pugnam pela confirmação do julgado sustentando, nas Conclusões que apresentaram, após convite, o seguinte:
«i. Existe desajustamento entre o VPT e o valor de mercado do imóvel, porquanto, como resulta dos autos, o prédio foi adquirido no âmbito de um concurso público pelo valor de €5.910.000,00 e, em sede de segunda avaliação, foi atribuído ao mesmo imóvel o valor patrimonial tributário (VPT) de €7.115.970,00.
ii. Por via da regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT, o legislador veio afastar a regra geral de determinação do VPT prevista no n.º 1 do artigo 12.º do CIMT, determinando que, no caso dos bens adquiridos ao Estado ou às Autarquias Locais, o valor tributável para efeitos de IMT é o “preço constante do acto ou contrato”.
iii. Se, para efeitos de IMT e igualmente para efeitos de Imposto do Selo, no caso de bens adquiridos ao Estado ou às Autarquias Locais, o próprio legislador confirma como verdadeiro e inquestionável o preço constante do contrato, também para efeitos de IMI terá que ser reconhecido esse valor como sendo o VPT do terreno - porquanto se trata da mesma realidade económica e jurídica.
iv. Senão decisivamente, o preço de compra e venda, quando for manifestamente inferior ao VPT, deve, ao menos, ser considerado e levado em linha de conta, na determinação desse VPT.
v. Como resulta dos autos, no caso em análise a Recorrida fundamentou o seu pedido de segunda avaliação na distorção entre o VPT e o valor de mercado, sendo que, desde a entrada em vigor da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, permite-se que o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção possa ser fixado por aplicação do método comparativo dos valores de mercado ( Cfr. o n.º 4 do artigo 76.º do Código do IMI, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 93.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro.)
vi. Como ressuma da sentença sob recurso, o facto de a nova redacção do artigo 76.º do Código do IMI apenas ter entrado em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009, não constitui obstáculo à sua aplicabilidade à segunda avaliação, uma vez que se trata de norma de cariz procedimental (Cfr. Ac. STA de 18.11.2004, dado no proc. n.º 0765/09.).
vii. O Tribunal a quo julgou a impugnação procedente, por violação do disposto no artigo 76.º n.º 4 do CIMI, e, desse modo, absteve-se de conhecer os demais vícios invocados – o que, agora, impõe o seu conhecimento pelo Tribunal de Recurso ( Cfr. Arts.715.° n.º 2 e 726.° CPC, ex vi art. 2° al. e) CPPT.)
viii. Não se vislumbra em que se baseia a majoração do coeficiente de localização (Cl) em 0,85 na avaliação em apreço, tendo em conta que, como referido, o artigo 45.º CIMI não estabelece tal coeficiente para determinação do VPT de terrenos para construção.
ix. A não ser assim, verificar-se-ia uma dupla ponderação do factor “localização”, uma vez que a mesma já é considerada em 22% da percentagem do valor do terreno de implantação – como resulta claro da concatenação entre o disposto no artigo 45.º n.º 2 e 3, e artigo 42.º n.º 3 CIMI.
x. Também não se vislumbra em que se baseia a majoração do coeficiente de afectação (Ca) em 1,20, tendo em conta que o artigo 45.º CIMI não estabelece tal coeficiente para determinação do VPT de terrenos para construção, como se não entende em que se baseia a majoração do coeficiente de qualidade e conforto (Cq) em 1,00, tendo em conta que, como referido, o artigo 45.º CIMI não estabelece tal coeficiente para os terrenos para construção.
xi. É entendimento da nossa Jurisprudência Superior que:
«Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração de coeficientes de afectação (ca) e de qualidade e conforto (Cq).» (Sic, Ac STA de 18.11.2009, proc. 0765/09).
xii. Nos termos do artigo 40.º-A do CIMI (por remissão do artigo 45.º n.ºs 1 e 2 do CIMI), a avaliação deveria ter respeitado o coeficiente de ajustamento de áreas aí previsto (Caj).
xiii. A reunião e deliberação da comissão de avaliação que interveio na segunda avaliação não obedeceu às formalidades legais prescritas nos artigos 74.º n.º 3 e 76.º n.º 2 do CIMI.
xiv. Embora situado dentro dos limites legais, entre 0,4 e 2, definidos no artigo 42.º n.º 1 do CIMI, não foram explicitados pela Administração Fiscal (AF) quaisquer critérios, dentro dos elencados nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 42.º do CIMI, que terão conduzido à concreta fixação do Cl (coeficiente de localização) em 0,85, o mesmo sucedendo relativamente à Portaria n.º 1119/2009 de 30.09 que, alegadamente, fixa os coeficientes de localização, e estabelece um Cl mínimo de 0,70 e um Cl máximo de 1,40.
xv. Nada existe, no termo de avaliação, que permita à Recorrente – ou a qualquer outro Contribuinte colocado na sua posição – perceber qual ou quais das características do imóvel foram consideradas, e em que medida, para a determinação do coeficiente de localização de 0,85.
xvi. O n.º 3 do artigo 42.º do CIMI, ao referir os elementos que contribuem, ou podem contribuir, para a fixação do coeficiente de localização, o faz de modo MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO, ao referir que “na fixação do coeficiente de localização, têm-se em consideração, nomeadamente”, pelo que carece o Contribuinte de saber quais os factores que em concreto, foram considerados para a fixação do concreto coeficiente aplicado, de 0,85.
xvii. Na realidade é impossível ao Contribuinte (ou ao Tribunal) saber, com base nos elementos constantes dos autos, de que modo foi determinado o coeficiente de localização em 0,85,
xviii. É essa, de resto, a recente Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (Sic, Ac. STA, de 10.03.2011, dado no proc. n.º 0862/10, destaque nosso.) que, por lapidar, se deixa citada:
«(…) II - Tendo sido utilizado em actos de avaliação de imóveis determinado coeficiente de localização, entre os limites fixados no ponto 1.7 da Portaria n.º 982/2004, os actos só poderão considerar-se suficientemente fundamentados se se puder concluir que, com os elementos que lhe foram notificados e dos que foram fornecidos através de meios electrónicos e de informação da administração tributária, o destinatário a conhecer todos os elementos que foram relevantes para a avaliação.».
xix. Assim sendo, como é, a avaliação em causa padece de falta de fundamentação, em violação do disposto nos artigos 77.º n.º 1 e 2 e 84.º n.º 3 da Lei Geral Tributária (LGT), e 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) – o que, nos termos do artigo 125.º n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo (CPA), e acarreta a anulabilidade da avaliação.
xx. O Código do IMI, designadamente o n.º 3 do seu art. 42.º, não faz qualquer referência a “valores correntes de mercado”, mas essa consideração dos valores correntes de mercado é indispensável, pelo facto de ter sido expressamente exigida pela lei de autorização dada ao Governo (Lei n.º 26/2003, de 30 de Julho).
xxi. A violação dos sobreditos parâmetros, pelo Decreto - Lei autorizado, configura, pois, uma ofensa ao princípio constitucional da repartição de competências, originadora de violação directa da Constituição da República Portuguesa - o que vale por dizer que é organicamente inconstitucional o artigo 42.º n.º 2 e 3 a), b) e c) do CIMI, por violação do artigo 10.º n.º 1 da respectiva Lei de Autorização Legislativa, n.º 26/2003 de 20.07.
xxii. Analisada a Portaria aplicável (Portaria n.º 982/2004, de 04.08, com as alterações da Portaria n.º 1426/2004, de 25.11, da Portaria n.º 1022/2006, de 20.09 e da Portaria n.º 1119/2009 de 30.09), constata-se que esta não especifica os “zonamentos e respectivos coeficientes de localização” – estabelecendo, no seu n.º 3º, que os mesmos “são publicados no sítio www.e-financas.gov.pt, podendo ser consultados por qualquer interessado e em qualquer serviço de finanças.”.
xxiii. Ou seja, os coeficientes CONCRETAMENTE UTILIZADOS não estão FIXADOS na lei, apenas constando de Portaria os coeficientes mínimos e máximos, pelo que tais CONCRETOS COEFICIENTES apenas serão conhecidos (e, portanto, fixados) aquando da sua “publicação” no site das finanças, não estando publicados em Diário da República.
xxiv. Consultado o referido “site”, verifica-se que em nenhum lugar constam as “características” que terão fundamentado a fixação do concreto Cl atribuídos a cada um dos “zonamentos” dentro dos diferentes municípios, atenta a diferente destinação das edificações (Artigo 42.º n.º 2 e 3 do CIMI), não estando explicitado, em lugar algum, se foram, e em que medida foram, atendidas as ditas características elencadas, exemplificativamente, em a), b), c) e d) do n.º 3 do artigo 42.º do CIMI
xxv. Analisado o Anexo I da Portaria n.º 1119/2009, constata-se que o mesmo apenas estabelece, quanto aos coeficientes de localização, apenas os seus mínimos e máximos, e não os concretos coeficientes a aplicar nas avaliações - como é o caso do concreto coeficiente de 0,85, aplicado na avaliação em causa.
xxvi. Assim, não existe qualquer Portaria do Ministro das Finanças a aprovar os concretos coeficientes de localização, sendo que esse concreto coeficiente a aplicar no acto avaliativo, entre aqueles mínimo e máximo, apenas será conhecido (e, portanto, determinado) aquando da sua “publicação” no site das Finanças.
xvii. Tal significa, simultaneamente, que os concretos coeficientes não estão publicados em Diário da República, e que os concretos coeficientes não são fixados em diploma com força de lei.
xviii. Em matérias de incidência tributária, como é o caso (determinação do valor objecto de tributação, em sede de IMI), vigora o princípio constitucional da legalidade e tipicidade, e da reserva de lei formal (Artigos 8.º da LGT, 103.º n.º 1 e 2, 165.º n.º 1 i) e 198.º n.º 1 b) da CRP.), e as normas sobre tais matérias estão subordinadas a publicação em jornal oficial, sob pena de ineficácia jurídica e consequente falta de obrigatoriedade geral e abstracta (Cfr. artigos 5.º n.º 1 do Código Civil e 119.º da CRP.).
xxix. Por conseguinte, a definição do VPT mediante parâmetros e coeficientes determinados e publicados de outra forma que não a legalmente prevista - em Diário da República, e sob a forma de Lei em sentido formal e material - viola os referidos princípios e normas legais e constitucionais.
xxx. Em particular, a Portaria n.º 1119/2009, no seu ponto 3.º - quando remete para o site do Ministério das Finanças ou para os Serviços de Finanças locais, a publicação de alguns parâmetros de avaliação, como é o caso do Cl – mais não faz senão determinar a criação de regras legais através de um procedimento ad hoc e ilegal, tendo em conta que não se trata apenas da publicação de tais parâmetros, dado que a essa publicação não antecede qualquer acto legislativo, em sentido formal ou material, a definir, em concreto, os coeficientes a ser “publicados”.
xxxi. Nos termos do artigo 112.º n.º 1 da CRP apenas «São actos legislativos as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais», sendo que, de acordo com o n.º 5 do mesmo comando constitucional «Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, o poder de interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer um dos seus preceitos.» (Destaque nosso.).
xxxii. Não existe qualquer norma legal que permita afastar a obrigatoriedade de publicação no Diário da República dos concretos coeficientes em causa, e o D.L. n.º 287/2003 de 12.11, que aprovou o Código do IMI, não estabeleceu qualquer regime especial – e se o fizesse seria ilegal – susceptível de afastar as regras de publicação dos diplomas legais.
xxxiii. O artigo 1.º n.º 1 da Lei n.º 74/98 de 11/11, que estabelece o regime de publicação, identificação e formulário dos diplomas legais, estatui que «A eficácia jurídica dos actos a que se refere a presente lei depende da publicação.» ( idem.), dispondo o artigo 3.º n.º 3 al. b) do mesmo diploma que as Portarias são objecto de publicação na parte B da 1.ª série do Diário da República.
xxxiv. A Portaria n.º 1119/2009 não aprova, não estabelece e, portanto, não pode dar publicidade, nem ao “zonamento”, nem às “zonas homogéneas” do mesmo, nem, tampouco, ao coeficiente de localização CONCRETAMENTE UTILIZADOS PARA DETERMINAR O VPT EM CAUSA.
xxxv. A definição do VPT mediante parâmetros e coeficientes determinados e publicados de outra forma que não a legalmente prevista (em Diário da República e sob a forma de Lei em sentido formal e material), viola o disposto nos artigos 103.º n.º 1 e 2, 165 n.º 1 i) e 198.º n.º 1 b) da CRP.
xxxvi. Devem ter-se como materialmente inconstitucionais, por violação do disposto nos artigos 103.º n.º 2, 119.º n.º 1 h), 165.º n.º 1 i) e 198.º n.º 1 b) da CRP, os artigos 42.º e 62.º CIMI, quando interpretados no sentido de que não é necessário um acto legislativo que fixe zonamentos nos mesmos referidos, e o concreto coeficiente de localização a aplicar aos prédios neles localizados.
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O Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso e da confirmação do julgado.
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Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Com este pano de fundo, a questão a decidir consiste em saber: se a sentença fez correcto julgamento quando decidiu que o acto de segunda avaliação enferma de insuficiência de fundamentação por dele não constarem os motivos que determinaram a fixação do VPT (matéria tributável).

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A) As Impugnantes são as comproprietárias do lote de terreno para construção inscrito na matriz sob o art. 9692 da freguesia de ..., por o terem adquirido em 28.07.2004 (documento de fls. 17 e ss dos autos).
B) A impugnante "L..." é comproprietária na proporção de 60%; a S... na proporção de 40% (documento de fls. 17 e ss dos autos).
C) O terreno foi adquirido pelo preço de 8.480.000,00€, e, à data da escritura, tinha o valor patrimonial (VP) de 5.225.520,00€, determinado em 2003 (documento de fls. 17 e ss e fls. 23 dos autos).
D) A escritura foi precedida de contrato promessa de compra e venda celebrado em 02.09.2003 (documento de fls. 25 e ss dos autos).
E) Por se tratar de 1ª transmissão no âmbito da vigência do IMI, foi apresentada a correspondente declaração modelo 1, para actualização do VP inscrito na matriz (documento de fls. 38 e ss dos autos).
F) Em 10/10/2006, foram as Impugnantes notificadas do valor atribuído ao terreno, em sede de 1ª avaliação, 13.266.970,00€, conforme elementos e valores que consta do documento de fls. 41 dos autos e que aqui se dá por reproduzido (documento de fls. 41 e 43 dos autos, e fls. 6 do PA).
G) Não se conformando com este valor, ambas solicitaram, em 17/11/2006, ao abrigo do artigo 76° do CIMI, uma 2ª avaliação ao lote de terreno (requerimento de fls. 45 e ss dos autos e informação de fls. 6 do PA).
H) Na sequência do pedido mencionado na alínea anterior o Valor Patrimonial foi mantido, conforme elementos e valores constantes do documento de fls. 55 dos autos que aqui se dá por reproduzido (documento de fls. 55 dos autos e fls. 6 do PA).
I) Em 20/03/2007 as Impugnantes solicitaram, ao abrigo do artigo 37° do CPPT, a emissão e remessa de certidão que contivesse a totalidade das razões de facto e de direito subjacentes à manutenção do Valor Patrimonial em 13.266.970,00€, e o correspondente termo de avaliação ou relatório da comissão de avaliação (fls. 59 e ss dos autos e fls. 19 e 23 do PA).
J) Nesta sequência, por carta registada remetida a 04/04/2007, e recebida a 05/04/2007, foram as Impugnantes notificadas das certidões emitidas nos termos do artigo 37° do CPPT, conforme documentos de fls. 65 e ss e fls. 74 e ss, cujo teor aqui se dá por reproduzido (documentos de fls. 16, 17 e 18 do PA).
K) Os "fundamentos" da 2ª avaliação, efectuada em 09.02.2007, constam do termo de avaliação do processo de avaliação n° …, o qual, por sua vez, remete para a ficha de avaliação constante do mesmo processo, que repete os valores já considerados na 1a avaliação (documentos de fls. 65 e ss dos autos).
L) A p.i. foi apresentada a 4/07/2007 (cfr. envelope de remessa da p.i. a fls. 85 dos autos, no qual se encontra aposto a data da remessa via correio registado).

A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença baseou-se “ …na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso…”.

A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte “…Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados…”.
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B.DE DIREITO
Vem o presente recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loures (Lisboa 2) que concedeu provimento à impugnação judicial deduzida pela ora recorrida julgando procedente o vício de forma por falta de fundamentação do acto de segunda avaliação, efectuada ao lote de terreno para construção inscrito na matriz sob o artigo 9692, da freguesia de ....
A Mmª Juíza do Tribunal «a quo», após tecer vários e pertinentes considerandos quanto à obrigação de fundamentar os actos tributários, entendeu que o acto impugnado não dava a conhecer « [a]s razões que justificam a discrepância manifesta entre o valor da avaliação e o preço pelo qual o terreno foi transaccionado, sendo certo que, o objectivo da segunda avaliação é permitir ao contribuinte manifestar a sua discordância com a primeira avaliação, permitindo que as razões da sua discordância sejam efectivamente apreciadas.»
Contra este entendimento se insurge a Fazenda Pública, argumentando, que a fundamentação aposta no acto de segunda avaliação « (…) se deve quer à objectividade dos critérios, quer ao facto de avaliação anterior assentar em pressupostos anteriores à entrada em vigor do CIMI.».
Posto isto, vejamos então a sorte do recurso.
No caso vertente, o pedido de segunda avaliação de um terreno para construção formulado pela recorrida foi efectuado ao abrigo do artigo 76º do CIMI e do mesmo consta que: «o valor patrimonial está muito acima do valor de compra e do valor do mercado e de acordo com as regras de calculo constantes do art. 45º do CIMI não pode resultar um valor desproporcional e desajustado em relação ao valor e mercado».
Como é consabido, os actos tributários estão sujeitos a fundamentação (artigo 268.º, n.º 3, artigo 77.º da LGT e artigo 125.º do CPA).
A exigência de fundamentação de actos lesivos tendo em vista, relativamente aos destinatários, proporcionar-lhes a possibilidade de entenderem as razões por que quem decidiu tomou a decisão que tomou, visa permitir-lhes formar uma decisão conscienciosa sobre a impugnação de tais actos, pela generalidade de meios impugnatórios que a lei prevê, tanto os de natureza contenciosa como os de matéria administrativa.
Deve considera-se suficientemente fundamentado o acto de fixação do valor patrimonial tributário quando as fichas e o termo de avaliação contém a individualização do prédio avaliado, a sua identificação geográfica no respectivo concelho e freguesia, a indicação da percentagem e coeficientes legais aplicados, as operações de quantificação e as normas aplicadas, por tal permitir compreender o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pelos peritos avaliadores.
Diz o artigo 76º do CIMI, na parte que aqui revela:
«4- Não obstante o disposto no n.º 2, desde que o valor patrimonial tributário, determinado nos termos dos artigos 38.º e seguintes, se apresente distorcido relativamente ao valor normal de mercado, a comissão efetua a avaliação em causa e fixa novo valor patrimonial tributário que releva apenas para efeitos de IRS, IRC e IMT, devidamente fundamentada, de acordo com as regras constantes do n.º 2 do artigo 46.º, quando se trate de edificações, ou por aplicação do método comparativo dos valores de mercado no caso dos terrenos para construção e dos terrenos previstos no n.º 3 do mesmo artigo.
5- Para efeitos dos números anteriores, o valor patrimonial tributário considera-se distorcido quando é superior em mais de 15 % do valor normal de mercado, ou quando o prédio apresenta características valorativas que o diferenciam do padrão normal para a zona, designadamente a sumptuosidade, as áreas invulgares e a arquitetura, e o valor patrimonial tributário é inferior em mais de 15 % do valor normal de mercado.
6- Sempre que o pedido ou promoção da segunda avaliação sejam efetuados nos termos do n.º 4, devem ser devidamente fundamentados.»
No caso concreto dos autos, como já deixamos afirmado, na requerida segunda avaliação de prédio para construção foi invocado que o valor patrimonial tributário fixado se apresenta distorcido relativamente ao valor de mercado.
Resultando, da matéria assente (que não vem contestada), que: « Os "fundamentos" da 2ª avaliação, efectuada em 09.02.2007, constam do termo de avaliação do processo de avaliação n° …, o qual, por sua vez, remete para a ficha de avaliação constante do mesmo processo, que repete os valores já considerados na 1ª avaliação (documentos de fls. 65 e ss dos autos).» ( al.K) do probatório)
Desde modo, como refere a Mmª Juíza « (…) não se pode afirmar que se encontra devidamente fundamentada uma segunda avaliação que se limita a exarar os mesmos elementos e montantes considerandos na primeira avaliação, presumindo que apenas há que considerar os valores objectivos que decorrem da lei, sem que se justifique o porquê de no caso concreto, os valores da segunda avaliação serem tão discrepantes do valor a que o prédio foi transaccionado, e o valor patrimonial anterior.
Prescindir de tal fundamentação, significaria que as segundas avaliações se reduzem à aplicação da fórmula legal, os direitos dos contribuintes ficariam limitados à sindicância da legalidade apenas nos casos em que estivesse em causa erros de cálculo ou erros na aplicação das fórmulas, o que representaria uma restrição inaceitável dos direitos dos contribuintes.».
Para além do mais, conforme se salienta no Acórdão do STA de 02.05.2012, proferido no processo n.º 01131/11: « Antes da nova redacção dada ao art. 76º, nº 4, do CIMI, pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, o desvalor entre o valor patrimonial tributário e o valor de mercado podia servir de fundamento à anulação da segunda avaliação, enquanto manifestação ou refracção do princípio da proporcionalidade, em especial, nas suas dimensão da adequação e da proibição do excesso (…)» donde, se impunha dar a conhecer o caminho percorrido pela Administração Tributária que justifica a discrepância invocada, tanto mais, que a recorrida no requerimento de segunda avaliação fez constar que «o valor patrimonial está muito acima do valor de compra e do valor do mercado e de acordo com as regras de calculo constantes do art. 45º do CIMI (…)».
Daí que, a segunda avaliação não poderia deixar de considerar a distorção invocada, fosse para a aceitar total ou parcialmente, fosse para fundadamente a rejeitar. E, este segmento é totalmente omisso no acto impugnado.
Estamos desde modo a concluir, que nenhuma censura merece a sentença recorrida ao decidir anular o acto impugnado por vício de forma por falta de fundamentação.


IV. CONCLUSÕES
I. Se o contribuinte apresentou pedido de segunda avaliação ao abrigo do disposto no artigo 76º do CIMI, invocando que o valor patrimonial tributário se apresenta distorcido relativamente ao valor de mercado, o acto de segunda avaliação não poderia deixar de considerar a distorção invocada, fosse para a aceitar total ou parcialmente, fosse para fundadamente a rejeitar.
II. Tal significa que, sendo a finalidade do pedido da segunda avaliação apreciar as razões da discordância do interessado, naturalmente que no caso, o acto tributário sindicado está insuficientemente fundamentado, o que consubstancia vício de forma que determina a sua anulação (art. 268.º, n.º 3, art. 77.º da LGT e art. 125.º do CPA).

V. DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça devida ( Cfr. n.º 7 do artigo 6º do RCP) , no que tange às custas do recurso, porquanto se considera que a complexidade do mesmo não é excessiva e que a conduta processual das partes, se pode qualificar como correcta e de lisura.

Registe e notifique.
Lisboa, 27 de Outubro de 2016.


[Ana Pinhol]

[Jorge Cortês]

[Lurdes Toscano]