Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1888/15.6BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IVA,
FACTURAS FALSAS.
Sumário:Coligidos indícios sólidos e suficientes que traduzam uma probabilidade séria e elevada de que estamos perante uma operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura que obsta à dedução do IVA (cf. n.º 3 do art. 19.º do CIVA), cessa a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita prevista (art. 75.º da LGT), cabendo ao contribuinte o ónus da prova da realidade das transações.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

A L... & F... II Lda veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial por aquela deduzida, na qual peticiona a anulação das liquidações de IVA relativas aos exercícios de 2010, 2011 e respectivos juros compensatórios, no valor de EUR 148.477,31 e EUR 10.680,18 relativos a juros compensatórios.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A - Entendemos que existe erro de julgamento de facto e de direito, por errónea apreciação e qualificação jurídica dos factos vertidos no relatório de inspeção para a aplicação das regras do ónus da prova (artº. 75º da LGT), uma vez que não são descritos quaisquer indícios objetivos em como as aquisições efetuadas pela Impugnante não existiram, e que as operações são simuladas, para efeitos do nº. 3 do artº 19º do CIVA, única norma constante do relatório e que fundamenta, de direito, as correções aritméticas efetuadas pela AT e que deram origem às liquidações impugnadas, mas que não tem aplicação nestes autos;
B - Não se mostra demonstrada a divergência A em face da resposta da AT e da expressão “na totalidade”, o que significa que a AT entende ter sido demonstrado parcialmente o destino dos bens adquiridos e a isso responde a Reclamante: a AT admite que parte das compras constantes dessas facturas (nº. 50 e 29) tenham sido justificadas pela reclamante, pois refere que não fez prova da sua “totalidade”, o que significa, pelo menos, que a reclamante demonstrou a efectiva aquisição de fornecimento de perfil estrutural e de fornecimento de esquadros de tubo, que vendeu com diferentes designações (“tubos quadrados, tubos estruturais, tubos rectangulares), razão pela qual o inventário de 31.12.2010 não as reflecte, mas o essencial é que parte dessas vendas estão justificadas, pelo que o indício de operação irreal que a AT pretende com a invocação da divergência se encontra posta em causa, havendo inconsistência e subjetividade, pela AT, de um juízo de facturação falsa;
C - Em face do descrito nos pontos 11 e 12 destas alegações não pode revelar o indício de operação irreal que a AT pretende com a invocação da divergência B, havendo, também, inconsistência e subjetividade, pela AT, de um juízo de facturação falsa;
D - Em face do descrito nos pontos 13 e 14 destas alegações a divergência C referida pela AT não é um indício objetivo sólido e consistente da probabilidade elevada de que as faturas da D... Lda não titulam operações reais;
E - Estando parte dessas vendas justificadas pela AT, e a restante parte pelo contribuinte, o indício de operação irreal que a AT pretende com a invocação da divergência se encontra posta em causa, havendo inconsistência e subjetividade da AT de um juízo de facturação falsa;
F - Em face do descrito e fundamentado nos pontos 18 e 19 destas alegações o indício de operação irreal que a AT pretende com a invocação da divergência D se encontra posta em causa, porque não existe, havendo inconsistência e subjetividade pela AT de um juízo de facturação falsa;
G - Em face do descrito nos pontos 20, 21 e 22 destas alegações o indício de operação irreal que a AT pretende com a invocação da divergência E não existe, havendo inconsistência e subjetividade pela AT, de um juízo de facturação falsa;
H - Face ao resumido e transcrito nos pontos 23 a 25 destas alegações, o indício de operação irreal que a AT pretende com a invocação da divergência F não existe, havendo inconsistência e subjetividade, pela AT, de um juízo de facturação falsa;
I - Face ao descrito nos pontos 26 a 29 o indício de operação irreal que a AT pretende com a invocação da divergência G não existe, porque justificada, havendo inconsistência e subjetividade, pela AT, de um juízo de facturação falsa;
J - Tendo a reclamante justificado com a utilização em autoconsumo desses materiais adquiridos à D... Lda, nos pontos 30 a 31 destas alegações a divergência H só demonstra não haver tratamento contabilístico para essa situação, mas não permite à AT afirmar um indício de operação não real, havendo inconsistência pela AT, de um juízo de facturação falsa;
K - Não é suficiente a demonstração pela AT deste indício – destino dos bens adquiridos -, como forma de fazer cessar a presunção de veracidade da contabilidade a favor da Recorrente – artº. 75º da LGT-, pois o mesmo não é consistente, objetivo e sólido de modo a indicar que as faturas não titulam operações não reais, tanto que por diversas vezes, a AT admite a demonstração pela Reclamante de, pelo menos, parte substancial do destino dos bens adquiridos;
L - Estas subdivergências – A a H-, da divergência 2 – Destino dos bens adquiridos -, não são sequer, analisados, criticamente, na sentença em recurso, o que equivale a omissão de pronúncia que se sublinha como vício da sentença, e que se invoca;
M - A não apreciação da prova documental feita em juízo sobre o destino dos bens adquiridos à empresa D... Lda, que constituem mais dois milhares de faturas e de vendas a dinheiro (doc.s entregues no processo judicial em Junho de 2016 com os números de registo de 004680580 a 004681143), suportando os documentos 1 a 14 entregues com a petição inicial e esclarecedores, enquanto prova, do destinos dos bens adquiridos à D... Lda, constituem omissão de pronúncia intolerável por parte do Tribunal de primeira instância;
N - Acresce referir quanto à divergência 2 que a AT não teve em conta, o processo de comercialização da L... II Lda, pois as mercadorias adquiridas por grosso com determinada designação são modificadas e comercializadas com outra designação, após procedimentos próprios de retalho no comércio de ferragens, figurando no inventário com essa nova designação, sendo o facto de a AT não ter estudado o processo de ligeira modificação/transformação dos produtos adquiridos e que na venda têm outra designação numa empresa que esteve sujeita a procedimento de inspecção, equivalente à violação do princípio da verdade material, conforme o disposto no artigo 6º do RCPIT e 58º da LGT, por o procedimento de inspecção não ter visado a descoberta da verdade material, nem ter adoptado oficiosamente iniciativas adequadas a esse objectivo, o que conduziu a conclusões erróneas, como as que produziu;
O - E se a AT no relatório inspectivo nunca pôs em causa o acerto da contabilidade, e nunca afirmou que a contabilidade não estava devidamente organizada apontando erros e omissões concretos, não pode apontar como indício tal desacerto da contabilidade e da consistência de um juízo de facturação falsa ou operação simulada, sendo a justificação da AT de que a contabilidade está bem organizada e de que há possibilidade de verificar a matéria tributável, de IVA e de IRC, não pode ter como indício o desacerto da contabilidade, o que determina que falece o indício de faturação falsa a que a AT chamou de “Análise da contabilidade”;
P - Não há nos seis cheques, entregues à D... Lda, como meios de pagamento de faturas de aquisição – Divergência de meios de pagamento -, qualquer indício que permita à AT formular um juízo de que todas as operações de aquisição à D... Lda são operações falsas, antes, o pagamento de 10.000,00 €, titulado pelo cheque 7..., e os endossos legais dos restantes cheques feitos pelas D... Lda, permitem concluir por um juízo de operações reais destas aquisições da reclamante àquela empresa, como resulta dos pontos 42 a 45 destas alegações;
Q - Das 53 facturas de fornecimento da D... Lda, 19 correspondem a valores facturados inferiores aos valores de 9.500,00 € e a € 9.700,00, a que se refere o artº. 63º-C da LGT, na redação em vigor em 2010 e 2011, pelo que não pode ser indício de operação não real o meio de pagamento em numerário para essas facturas de fornecimento, em face do que dispõe o artº. 63º-C, nº. 3 da LGT, na redacção em vigor em 2010 e 2011, pois a reclamante não tem, legalmente, de demonstrar, por prova de meio de pagamento que permita a identificação do destinatário;
R - E quanto às restantes facturas de fornecimento, de valor superior, elas foram pagas, integralmente, conforme os respectivos recibos de quitação, constantes do Anexo 4 ao relatório, composto por 105 fls, sendo esses recibos provas documentais plenas, pelo que não pode ser indício de operação não real o pagamento em numerário comprovado por documento (recibo de quitação) conforme a prova constante do anexo 4 (Recibos em numerário) ao relatório da inspecção, sendo o incumprimento do pagamento dessas facturas, mera irregularidade sujeita a coima;
S - Tendo a AT por via do Serviço de Finanças de Benavente da sede da D... Lda interpelado a Recorrente para pagamento de créditos de € 215.649,91 e € 208.345,12 daquela empresa sobre a L... e F... II Lda, no âmbito de execuções fiscais em que era executada a D... Lda, dos quais a Recorrente reconheceu o valor de € 16.277,13, como consta do facto provado com o nº 21 na sentença em recurso, e como consta provado documentalmente, no processo administrativo de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, e tendo a Recorrente pago esse valor de € 16.277,13, fica demonstrada a veracidade das transacções que com aquele fornecedor se manteve em 2010 e 2011, sendo mesmo a evidência de que em 2010 e 2011, existiram transacções comerciais entre a D... Unipessoal Lda e a Impugnante, pelo que as aquisições de mercadorias de € 430.284,32 em 2010 e € 252.685,09 em 2011, feitas pela Impugnante à D... Lda se mostram provadas, em face da penhora de créditos reconhecida pela AT, de € 215.649,91, € 111.366,34 e de € 208.345,12, num total de € 535.361,37, o que revela que a AT, nesta divergência 4 relativa aos restantes meios de pagamento das transacções entre a Reclamante e a D... Lda, nada pode alegar que indicie um juízo válido e consistente de facturação falsa, a que acresce que o Estado que realiza inspeções tributárias e procedimentos administrativos conexos é o mesmo Estado unitário que procede à cobrança coerciva de dívidas, não podendo, num caso reconhecer a veracidade das transações, quando se trata de cobrança coerciva, e não as reconhecer, quando se trata de corrigir deduções de IVA nas aquisições de bens, conforme o descrito nos pontos 49 a 52 destas alegações;
T - Nos termos do Decreto-Lei nº. 147/2003, de 11/07, no artigos 2º., al. b) e 4º, na redação em vigor em 2010 e 2011, as faturas são documentos de transporte válidos, sendo as faturas emitidas pela D... Lda as guias de acompanhamento das mercadorias, pelo que não pode proceder esta divergência (Arquivo de documentos de transporte) que a AT elenca como sendo de o indício de operação irreal havendo inconsistência e subjetividade pela AT, de um juízo de facturação falsa, conforme os pontos 54 a 56 destas alegações;
U - Não pode ser indício de operação não real o pagamento em numerário para facturas de fornecimento, inferiores ou iguais a 20 vezes o salário mínimo nacional, em face do que dispõe o artº. 63º-C, nº. 3 da LGT, na redacção em vigor em 2010 e 2011, pois a reclamante não tem, legalmente, de provar, por prova documental esse pagamento, e no que respeita às restantes facturas de fornecimento, de valor superior, elas foram pagas, integralmente, conforme os respectivos recibos de quitação, constantes do Anexo 4 ao relatório, composto por 105 fls, sendo esses recibos provas documentais plenas, pelo que, também, não pode ser indício de operação não real o pagamento em numerário comprovado por documento (recibo de quitação) conforme a prova constante do anexo 4 ao relatório da inspecção, ainda para mais, exigido como crédito pela AT, em penhora de créditos, como já se evidenciou, conforme os pontos 57 a 60 destas alegações;
V - O perfil fiscal incumpridor de terceiros com que a Recorrente se relaciona comercialmente (D... Lda), não pode gerar sanções e prejuízo tributários para esta, em forma de correcções técnicas, como as apuradas, naquela acção inspetiva, sob pena de se negar o princípio da legalidade, da proporcionalidade e da justiça tributária – artº.s 7º. 8º e 9º da LGT, além de que se não cumpre o ónus de prova que sobre a AT impende nestes casos, tal como se decidiu no Ac. 06789/13, de 18.09.2014, do TCASul: ... “Ora, como está bem de ver, tais constatações são absolutamente irrelevantes para o fim visado, neste caso, pela AT. A falta de cumprimento das obrigações declarativas, por parte dos emitentes das facturas, é uma circunstância que apenas releva no plano das relações entre aqueles e a AT. Não cumprir obrigações declarativas pode desencadear actuações administrativas tendentes a averiguar/corrigir tal ocorrência, mas nada – absolutamente nada – releva para efeitos de traduzir um indício de operações simuladas com um qualquer adquirente de bens ou serviços. Como tal, para os efeitos pretendidos pela acção de inspecção, esta constatação é imprestável” para efeitos de correcção técnica a que se refere o artº. 19º. nº. 3 do CIVA, conforme pontos 61 a 63 destas alegações;
W - A descrição de falta de estrutura empresarial de terceiro, sem indicar a norma legal que o suporta, e desconexa do nº. 3 do artº. 19º do CIVA, que é a norma elencada como fundamentação de direito, é condenar ao insucesso essa divergência pelo que esta não pode proceder, que a AT elenca como sendo de o indício de operação irreal, havendo inconsistência e subjetividade pela AT, de um indício de facturação falsa;
X - Dessa descrição resultam elementos favoráveis à Recorrente: ali, se identifica a contabilidade de 2010 da D... Lda com elementos em divergência coma contabilidade da L... e F... II Lda, o que significa que há relações contratuais de compra e venda entre as duas empresas e que as operações em 2010, entre as duas empresas são reais e não fictícias, razão pela qual a descrição do comportamento fiscal do fornecedor D... Lda não integra o lote de indícios de operação não real, levando a um juízo de inconsistência e subjetividade deste argumento para efeitos das correcções técnicas levadas a cabo pela AT;
Y - Não se demonstrando com factos, com circunstância, tempo, modo e montantes porque razão a D... Lda, não tem estrutura empresarial, tem total falta de cooperação com a AT, não indicando quais os movimentos financeiros recolhidos que indiciam a não correspondência com os valores declarados, não indica quais as aquisições que justificam as vendas facturadas, não indicando quais são as divergências entre os valores recebidos pela D... e os que os clientes consideram pagos, não apresentando o relatório de inspecção da D... Lda e as razões pelas quais esta empresa apresentando declarações periódicas de IVA, elas não refectem “todas as operações supostamente efectuadas”, pelo que não pode esta descrição não exacta e não fundada da descrição do comportamento fiscal da D... Lda integrar o lote de indícios de operação não real, levando a um juízo de inconsistência e subjetividade deste argumento para efeitos das correcções técnicas levadas a cabo pela AT;
Z - A existência confirmada de uma nota de crédito anulando a fatura nº. 36, como se acha provado documentalmente nos autos de procedimento administrativo e de impugnação – quadro 2 a fls 8 do relatório -, inviabiliza a pretensa existência de simulação ou de faturação falsa e inviabiliza os indícios de operação simulada;
AA - Conclusão geral: Há erro de julgamento de facto e de direito, por errónea apreciação e qualificação jurídica dos factos vertidos no relatório de inspecção para a aplicação das regras do ónus da prova (art. 75.º da LGT), uma vez que não são descritos quaisquer indícios objectivos que as compras efectuadas pela Impugnante não existiram, que as operações são simuladas, como resulta das conclusões anteriores e dos pontos 1 a 69 destas alegações;
BB - Há, em face do apontado e descrito nos pontos 72 a 74 destas alegações, violação do disposto no artº. 74º da LGT, no que respeita à repartição do ónus de prova, vício que se invoca, como fundamentador da anulação de todas as liquidações reclamadas e sobre a qual a decisão de primeira instância se não pronunciou, pelo que se verifica omissão de pronúncia da sentença em recurso;
CC - Este facto de penhora e pagamento da mesma pela Recorrente, conforme pontos 76 a 78 destas alegações, sobejamente comprovado, incluindo no probatório da sentença, implica que a AT, ao penhorar os créditos da D... Lda sobre a Impugnante, está a reconhecer que as aquisições de mercadoria, em 2010 e 2011 feitas pela Recorrente à D... Lda, são verdadeiras, pois doutro modo, a contradição da AT é absoluta: É que não pode no processo de execução fiscal sobre a D..., Lda reconhecer os créditos e as vendas à reclamante, e ao mesmo tempo, no procedimento administrativo de inspecção e de liquidação, reconhecer o seu contrário!
DD - Esta incoerência da AT, referida na conclusão anterior, afasta a existência de “indícios sérios” de que as faturas de aquisição de bens à D... Lda não titulam operações reais, e ao invés, demonstram pela própria actuação da AT que os propalados indícios de faturação falsa não existem, termos em que são ilegais as liquidações impugnadas, por vício de falta absoluta de fundamentação, com violação dos artigos 23º do CIRC e 77º da LGT, dada a contrariedade da justificação, não tendo sido apreciado pelo Tribunal de 1ª. instância este facto e a sua consequência jurídica de ilegalidade das liquidações impugnadas, o que revela omissão de pronúncia, que se invoca;
EE - Por outro lado, em relação à anulação da factura nº. 36 emitida pela D... Lda , por via da emissão de uma nota de crédito pela Impugnante, como consta da relação do quadro 2, a fls 8 do relatório inspetivo, nada foi levado ao probatório, o que revela erro de julgamento sobre a matéria de facto, erro e vício da sentença que se invoca;
FF - Sendo certo que este aspecto contabilístico de prova de devolução de mercadoria adquirida, por nota de crédito, revela-se fundamental para dar coerência à aquisição real e verídica de mercadorias à D... Lda, por parte da Recorrente, sendo adequado pensar-se que uma nota de crédito comprova a existência de compras, sendo essa nota de crédito reveladora da relação comercial estável com a D... Lda, e como tal, cabendo à AT a prova de existência de operações não reais, essa nota de crédito, inviabiliza essa pretensa existência de simulação ou de facturação falsa, facto sobre o qual a sentença de primeira instância se não pronunciou, pelo que há omissão de pronúncia, que se invoca;
GG - De igual modo, resultam dos documentos anexos pela AT, no relatório de inspecção que as relações comerciais com aquele fornecedor foram reais e efectivas: O Anexo 2 contém um contrato de fornecimento de materiais ferrosos celebrado entre a D..., Lda e a L... e F... II, Lda, abrangendo todos os bens constantes das facturas de aquisição; As facturas constantes do Anexo 3 evidenciam como foram efectuados os pagamentos, e quais as viaturas utilizadas no transporte das mercadorias adquiridas: as viaturas de matrícula 3..., 4… e 5…, todas de marca Mitsubihi, modelo Canter, e portanto, aptas ao transporte de materiais ferrosos com elevado peso; Os recibos devidamente subscritos encontram-se documentados no Anexo 4 e evidenciam a forma de recebimento a dinheiro; Matéria de facto esta que não foi relevada no probatório, o que revela erro de julgamento sobre a matéria de facto, que se invoca;
HH - Mas esta inércia da inspecção e da AT – revelada nos pontos 83 a 85 destas alegações -, não se mostra conforme aos deveres legais de investigação da AT quanto à verdade material, gerando assim um défice de investigação que não pode deixar de enfraquecer a “prova indiciária recolhida” pela mesma AT, por incumprimento do princípio da verdade material contido no artº. 6º do RCPIT, vício do acto tributário impugnado e alegado e sobre o qual a decisão de 1ª. instância se não pronunciou, o que se invoca como vício da sentença;
II - Em todo o relatório da inspecção não foi posta em causa a regularidade global da contabilidade dos anos de 2010 e 2011, já que o reclamante tinha contabilidade organizada, sendo esta considerada regular – pontos III.1 do Relatório, fls 6 e 11, pelo que não faz sentido a catalogação das aquisições à D... Lda como operações não reais;
JJ - Como se demonstrou, em sede de direito de audição - que ainda faz parte do procedimento inspectivo -, e como se demonstrou em julgamento, pelas provas testemunhais de N... e C..., sobre transformação de materiais adquiridos e revendidos com outra designação, existência de desperdícios e aplicação de materiais ferrosos/mercadorias na construção de um pavilhão e aquisição e transporte das referidas mercadorias à empresa D... Lda -, foram apresentados documentos relevantes para mostrar a linearidade do procedimento do reclamante e suporte demonstrativo de compras reais à D... Lda, por demonstração do destino dos bens adquiridos, mas que a AT não valorou;
KK - Mais: foi explicado o processo negocial e de comercialização da Impugnante, as diversas linhas de facturas com origem e o destino das mercadorias, a sua modificação e a indicação dos aquirentes e as facturas de compra – depoimentos de N... (00:08:23 a 00:24:00) e Carlos Silvino (00:37:04 a 01:04:49), factos que a decisão em recurso se não pronuncia nem sequer eleva à categoria de factos comprovados o que revela erro de julgamento sobre a matéria de facto, que se invoca;
LL - Não é legalmente de aceitar a presunção de que o impugnante tinha conhecimento da situação de irregularidade do seu fornecedor D... Lda e dos fornecedores destes, até porque, tal informação só era acessível à própria Administração Tributária que também nunca notificou a Recorrente do relatório inspetivo à D... Lda, o que revela omissão de cumprimento do princípio do contraditório, vício da sentença que se invoca;
MM - Aceitando a AT, como aceita, a regularidade da contabilidade, o cumprimento de todas as obrigações fiscais pelo reclamante, incluindo o de pagamento e declarativas, e realçando, em julgamento, pela testemunha da Inspecção Tributária a total postura colaborante da Recorrente, rejeitando a AT documentos de prova (facturas, justificação das vendas e identificação das mercadorias vendidas e os clientes) apresentados pela reclamante, efectuando uma inspecção com claro défice instrutório e infundamentando as liquidações, negando deduções de IVA referentes à aquisição de mercadoria, mas ao mesmo tempo aceitando as vendas desse mesma mercadoria, impunha-se-lhe que demonstrasse (através de indícios objectivos outros que não aqueles que carreou e explicitou no discurso fundamentador do acto e que antes se referiram, uma vez que estes, no contexto daquela pressuposta aceitação, não têm a virtualidade pretendida) por que razão é que, objectivamente, se pode concluir que essas aquisições de mercadorias às D... Lda não se realizaram;
NN - Manifestamente, a administração tributária não fez essa demonstração e limitou-se a procurar justificar um pré-juízo que esteve presente desde o início do procedimento inspectivo que desencadeou as liquidações impugnadas: o de que todas as facturas emitidas pela D... Lda não correspondiam a efectivas operações;
OO - De tudo isto resulta que os indícios recolhidos pela administração tributária não permitem suportar, objectivamente e às luz das regras da experiência comum, a conclusão a que chegou e na qual fez repousar a decisão de corrigir a matéria tributável da recorrente e proceder à liquidação em litígio;
PP - A douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento porquanto em face do teor do relatório de inspeção tributária deveria ter concluído pela ilegalidade das liquidações adicionais de IVA por violação de lei e falta de fundamentação substancial.
QQ - Mesmo que não se entenda da forma como se alegou supra, i.é, que a Administração Tributária não fundamentou corretamente as liquidações de IVA aqui em causa, sempre se deveria ter decidido por PROVADO que as transações tituladas pelas facturas dos fornecedores indiciados e que se encontram juntos aos autos, tiveram por base negócios efetivamente realizados pela recorrente e o aludido fornecedor D..., Lda, em face dos documentos junto aos autos e da prova testemunhal produzida em juízo;
RR - Devem ser dados como provados, fixando-se nova base probatória, os factos referidos nas alíneas a ) a d) do artº. 101º destas alegações e dos artigos 102º e 103º;
SS - Da prova produzida em juízo (testemunhal e por declarações de parte) e dos documentos apresentados antes da impugnação e durante a mesma, deveria ter sido dado por ASSENTE e provado que as compras colocadas em crise pela AT, pelas faturas 29, 37, 41, 44, 46, 47, 50, 49, 48, 54, 52, 55, 56, 60, 59, 58, 57, 62, 63 64 e 65, de 2010 e as faturas 1 a 10, 12, 13, 14, 15, 17 a 24, 26,27, 29, 30, 32, 34, 36 e 37, emitidas em 2011, corresponderam a operações reais;
TT - Há um juízo pré-formado sobre a não realidade das transações em causa quer da AT quer do Tribunal, disso se dando conta no testemunho da Inspetora Tributária, para quem a falta de estrutura empresarial verificada em 2012, estando em causa aos exercícios de 2010 e 2011, é indício total e revelador de faturas falsas, a isso aderindo o Tribunal, sem qualquer apreciação crítica, sendo certo que o fundamento para aas correções de IVA assentam na suposta simulação, cfr. o artº. 19º, nº. 3 do CIVA e não conforme o nº. 4 do mesmo artº. do CIVA (falta de estrutura empresarial), artigo este que não consta da fundamentação do relatório e logo, das liquidações impugnadas;
UU - Devendo, igualmente, ter sido dado por assente que a recorrente emitiu a favor dos seus fornecedores os cheques e pagamentos em dinheiro, cuja prova está junta aos autos, e para a qual se remeteu em sede de impugnação, incluindo a recolhida pela AT;
VV - Assim, deve ser dado como assente e provado, em face dos documentos e testemunhos que: a) A Recorrente tinha estrutura organizacional, composta por empregados, viaturas, pavilhões e espaço de comercialização que se coaduna com a quantidade de mercadoria adquirida à D... Lda; b) A Recorrente tinha meios financeiros ( das vendas, dos suprimentos e dos créditos bancários) superiores a 2, 5 milhões de euros adequados a suportar as aquisições á empresa D... Lda de cerca de 800.000,00 euros nos dois exercícios em causa- 2010 e 2011;
WW - Não podia ter sido admitido como meio de prova, nem aceite todo o descritivo do relatório fiscal à empresa D... Lda, pois nunca foi dado o direito de contraditório à Recorrente;
XX - A douta sentença recorrida, porém desconsiderou, não só a documentação junta como também desconsiderou totalmente a prova testemunhal, refugiando-se no principio da livre convicção do julgador porquanto, segundo refere, as testemunhas arroladas pela recorrente não contataram com representantes ou motoristas da D... Lda, sendo certo que as testemunhas N..., C... e o declarante L... afirmaram ter tido contactos com motoristas daquela empresa e com a própria gerente da D..., pelo menos, aquando da celebração do contrato de metais ferroso e dos sucessivos pagamentos em dinheiro;
YY - De todo o exposto resulta que a actuação da Administração Tributária, é ilegal e carece de fundamentação, como obriga o disposto no artigo 77° n°1 da LGT e 125° do CPA, pelo que as liquidações de IVA subjacente à impugnação deverá ser ANULADO;
ZZ - Em face do exposto deverá a douta sentença ser revogada e ser substituída por outra que dê por provada a veracidade das transações postas em causa pela Administração Tributária e, por consequência julgar procedente a impugnação relativa às liquidações adicionais IVA do ano de 2010 e 2011.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, com o douto suprimento de V/Ex.ªs Venerandos senhores Doutores Juízes Desembargadores, deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado e, por consequência, revogar-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue totalmente procedente a impugnação relativa às liquidações de IVA dos exercícios de 2010 e 2011.
Assim se fará a Veneranda e costumada JUSTIÇA.»
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A recorrida, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.

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O Magistrado do Ministério Público ofereceu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma dos seguintes vícios:
_ omissão de pronúncia porquanto a sentença recorrida não analisou criticamente as subdivergências – A e H- da divergência 2, e face ao descrito nos pontos 72 a 74 das alegações de recurso (conclusão L) e M), e BB das alegações de recurso);

_ erro de julgamento de facto e de direito na apreciação e qualificação jurídica dos factos do relatório de inspeção, violando-se o disposto no art. 6.º do RCPIT e art. 58.º da LGT, o art. 63.º-C, o princípio da legalidade, da proporcionalidade e da justiça (artigos 7.º a 9.º da LGT) (conclusões A a K, N a AA, e CC a JJ, LL a PP, YY);

_ erro de julgamento de facto ao não se dar como provado determinados factos (conclusões KK, RR, SS, UU, VV das alegações de recurso), ao se ter desconsiderado a prova testemunhal (conclusão XX) nem deveria ter sido admitido como meio de prova nem ter sido aceite todo o descritivo do relatório de inspeção (conclusão WW). Mais entende a recorrente que logrou provar que as transações tituladas pelas faturas dos fornecedores indiciados tiveram por base negócios efetivamente realizados pela recorrente (conclusões QQ, TT, ZZ das alegações de recurso).


II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:


«1. Em 28/10/2009, foi constituída a L... & F... II, Lda., com sede em C..., colectada, a título principal, pela actividade de “ Comércio a Retalho Ferragens e Vidro Plano em Estabelecimentos Especializados”, CAE 47521, obriga-se com a assinatura de um gerente e a gerência pertence a L... e M... (cf. Certidão do Registo Comercial a fls. 138 e seguintes do Processo Administrativo Tributário, de ora em diante designado de PAT).
2. A D... Requintadas Unipessoal Lda. emitiu em nome da Sociedade L... & F... II, no ano de 2010, entre 26/10/2010 e 31/12/2010, vinte e duas facturas, no valor total de EUR 430.284,32, e no ano de 2011, até 31 de Março, emitiu trinta facturas, no valor total de EUR 310.802,66, constantes de fls. 158 a 211 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
3. Em 7/7/2012, impugnante foi objecto de uma acção de fiscalização externa de âmbito geral, para os anos de 2010 e 2011, em cumprimento da ordem de serviço n.º OI201200327 de 16/3/2012 (cf. relatório de inspecção a fls. 58 e seguintes do PAT).
4. Da acção de fiscalização referida no ponto que antecede, resultou o Relatório de Inspecção constante de fls. 58 a 136 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta em síntese, o seguinte:







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5. Em 2/1/2013, a Chefe de Divisão por delegação de competências do Director de Finanças, proferiu o despacho de concordância com o relatório final constante de fls. 53 e seguintes do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
6. Em 23/1/2014, a Administração Tributária emitiu as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios em nome de L... & F... II Lda., com data limite de pagamento de 31/3/2014:
- Liquidação adicional n.º 14004548, relativa a IVA do período de 10/10, no valor de EUR 10.071,81;
- Liquidação adicional n.º 14004549 de juros compensatórios, relativa ao período de 10/10, no valor de EUR 809,06;
- Liquidação adicional n.º 14004550, relativa a IVA do período de 10/11, no valor de EUR 9.860,07;
- Liquidação adicional n.º 14004551 de juros compensatórios, relativa ao período de 10/11, no valor de EUR 758,55;
- Liquidação adicional n.º 14004552, relativa a IVA do período de 10/12, no valor de EUR 70.427,83;
- Liquidação adicional n.º 14004553 de juros compensatórios, relativa ao período de 10/12, no valor de EUR 5.178,86;
- Liquidação adicional n.º 14004554, relativa a IVA do período de 11/01, no valor de EUR 17.492,83;
- Liquidação adicional n.º 14004555 de juros compensatórios, relativa ao período de 11/01, no valor de EUR 1.232,65;
- Liquidação adicional n.º 14004556, relativa a IVA do período de 11/02, no valor de EUR 34.605,90;
- Liquidação adicional n.º 14004557 de juros compensatórios, relativa ao período de 11/02, no valor de EUR 2.317,17;
- Liquidação adicional n.º 14004558, relativa a IVA do período de 11/03, no valor de EUR 6.018,87;
- Liquidação adicional n.º 14004559 de juros compensatórios, relativa ao período de 11/03, no valor de EUR 383,89;

7. Em 5/5/2014, a ora impugnante enviou ao Serviço de Finanças de Santarém, a “reclamação graciosa” constante de fls. 2 a 36 do PAT reclamação graciosa, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
8. Em 9/6/2014, a reclamante enviou ao serviço de Finanças um ficheiro Microsoft Excel que identificou como “Demonstração de Fluxos de Caixa, de 2010 e 2011, de L... & F... II, Lda. como documentos n.º 2 a 6 a anexar às Reclamações Graciosas de IRC e IVA daqueles exercícios” (cf. fls. 55 e 364 do PAT).

9. Em 2/7/2014 a Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Santarém procedeu à análise do ficheiro identificado no ponto que antecede, da qual resultaram, em síntese as seguintes conclusões:

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9. Em 21/7/2014, a Chefe de Divisão por delegação de competências do Director de Finanças proferiu o projecto de despacho de indeferimento da reclamação graciosa descrita no ponto que antecede, constante de fls. 399 do PAT reclamação graciosa, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, notificado à impugnante através do oficio n.º 2281 de 21/7/2014 (cf. oficio e registo a fls. 400 do PAT reclamação graciosa).

10. Em 8/8/2014, a Impugnante exerceu o direito de “audição prévia” nos termos constantes de fls. 404 a 435 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
11. Em 11/9/2014, a Chefe de Divisão por delegação de competências do Director de Finanças proferiu o despacho de indeferimento da reclamação graciosa descrita no ponto que antecede, constante de fls. 458 do PAT reclamação graciosa, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
12. Em 15/9/2014, a impugnante recepcionou o aviso de recepção que acompanhou o envio postal do ofício n.º 2727, de comunicação do despacho descrito no ponto que antecede (cf. oficio, registo e AR a fls. 459 do PAT reclamação graciosa).
13. Em 14/10/2014, a Impugnante enviou à Direcção de Finanças de Santarém a petição de recurso hierárquico constante de fls. 3 a 37 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
14. Em 12/8/2015, o Subdirector-Geral da Direcção de Serviços do IVA emitiu o despacho de indeferimento do recurso hierárquico descrito no ponto que antecede, constante de fls. 63 do PAT – RH, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
15. Todas as facturas emitidas pela "D..., Unipessoal Lda." à ora Impugnante, constantes de fls. 159 a 186 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, contêm a mesma referência identificativa dos diversos materiais, “004”, a mesma referência “N/transporte”, “N/instalações” e hora de descarga “23:59”.
16. Algumas das facturas emitidas pela "D..., Unipessoal Lda." à ora Impugnante, tem a mesma data de emissão, com poucos minutos de intervalo relativamente à hora de carga, de que são exemplo as facturas n.º 46 e 47, 48, 49 e 50, 52 e 54, n.º 57, 58, 59 e 60 de 30/12/2010 e as facturas n.º 62, 63, 64, 65 e 66 de 31/12/2010 (cf. facturas constantes a fls. 159 a 186 do PAT).

17. Nas facturas constantes de fls. 186 a 208 emitidas pela "D..., Unipessoal Lda." à ora Impugnante, consta o único traço distintivo das características enumeradas no ponto 12 que antecede, a referência a três veículos ligeiros de mercadorias da propriedade de L... e F... Lda., cujo gerente é comum à ora impugnante.
18. No Relatório de Inspecção Tributária realizado à "D..., Unipessoal Lda." foi apurado que os principais clientes a quem foram emitidas facturas com liquidação de IVA no quarto trimestre de 2010 foram a “V...”, “L... & F..., Lda. e “L... & F... II, Lda.” (cf. informação a fls. 392 do PAT).
19. A Sociedade "D..., Unipessoal Lda." está registada na Conservatória de Salvaterra de Magos, colectada pela actividade principal de “Revestimentos de Pavimentos e Paredes”, CAE 43330 e pelo secundário de “Comércio por grosso de Madeira Bruta e Produtos derivados”.
20. Em 26 de Outubro de 2010, a sociedade "D..., Unipessoal Lda." tem como sede um apartamento sem qualquer referência societária, declarou unicamente o pagamento de trabalho dependente à sua sócia gerente R..., possui uma única viatura ligeira de mercadorias (cf. informação a fls. 385 do PAT).
21. A “D..., Unipessoal Lda." declarou ser credora da reclamante no valor de EUR 215.649,91 e do valor de EUR 208.345,12, dos quais a reclamante reconheceu o valor de EUR 16.277,13.

Consideram-se não provados com interesse para a decisão da causa, atenta a causa de pedir:
A. Não provado que a D... – UNIPESSOAL, LDA. Transaccionou as mercadorias mencionadas nas facturas n.º 29, 37, 41, 44, 47, 46, 50, 49, 48, 54, 52, 55, 56, 60, 59, 58, 57, 62, 63, 64 e n.º 65 emitidas entre 26/10/2010 e 31/12/2010 à Impugnante “L... & F... II, Lda., no valor total de 430.284,32 e as mercadorias mencionadas nas facturas n.º 1 a 10, 12, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 26, 27, 29, 30, 32, 34, 36, 37, emitidas entre 6/1/2011 e 30/3/2011 no valor total de EUR 310.802,66 (A impugnante não apresenta qualquer prova ou indicio da sua realização, apesar de juntar documentação no sentido de provar a existência de fluxos financeiros de caixa para a realização dos pagamentos em numerário das facturas em causa. Arrolou três testemunhas que prestaram depoimento sobre a actividade da sociedade Impugnante, mas desconheciam por completo ou presenciaram qualquer relação comercial com a empresa D... – UNIPESSOAL, LDA., acresce que algumas das testemunhas prestaram um depoimento direccionado e pouco credível, os meios de prova não se afiguraram suficientes para comprovar a correspondência com a realidade da transacção das mercadorias facturados, pelos valores das facturas emitidas no espaço de tempo de seis meses e cujo código de designação das mercadorias era sempre o mesmo, valores para os quais a Impugnante não apresenta disponibilidade financeira, tendo-se socorrido de alegados suprimentos do sócio gerente, valores que pelo mesmo nunca foram declarados. Acresce que as mercadorias alegadamente adquiridas não aparecem no inventário do ano de 2010 e de 2011 respetivamente, a alegada venda de produtos relacionados/derivados das mesmas é muito inferior às quantidades alegadamente adquiridas. As referências das datas de entrega, carga e descarga das mercadorias nas facturas apresenta sérias contradições que impossibilitam a sua correspondência com a realidade.
A inexistência de condições formais e materiais por parte da sociedade emitente, que substancialmente constitui uma sociedade sem correspondência corpórea, não possui imobilizado, armazéns, a sede encontra-se constituída num apartamento habitacional, com um única sócia gerente, sem trabalhadores, que emitiu facturas à impugnante, à L... & F... Lda. gerida pelo mesmo gerente L... e à sociedade V..., Sociedade esta, que emitiu dois cheques do B... à D... – UNIPESSOAL, LDA., posteriormente endossados a L...).

B. Não provado o pagamento por parte da impugnante das facturas descritas no ponto que antecede e que imputou como custos a deduzir nos anos de 2010 e 2011 (A impugnante não apresenta qualquer prova ou indicio do pagamento das facturas desconsideradas pela AT, uma vez que os únicos seis cheques emitidos pela Impugnante foram posteriormente endossados e levantados ao balcão pela mesma pessoa que prestou depoimento no sentido de que tal levantamento era lhe pedido constantemente por P.... Os restantes pagamentos eram alegadamente efectuados com numerário que provinha das vendas, que era previamente depositado na conta bancária da sociedade).
*

A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada. Foram ouvidas as testemunhas arroladas pela impugnante, N... trabalhador da impugnante, A... trabalhador da L... & F... Lda., C... e J…, contudo não prestaram um depoimento credível relativamente aos factos relevantes para prova das alegadas transacções comerciais tituladas pelas facturas desconsideradas, nenhuma das testemunhas conheceu ou estabeleceu contacto com representantes, vendedores, motoristas ou veículos da D... – UNIPESSOAL, LDA, as declarações de parte do gerente da Impugnante L... não constituem um meio de prova credível, além de vagas, estão desacompanhadas de outros meios de prova coadjuvantes ou complementares, legalmente necessários à comprovação dos factos identificados em A e B.
Cumpre deixar presente que, relativamente à matéria de facto, o juiz deve basear a sua decisão, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da razão de ser das coisas [cfr. artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC)]. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei, designadamente quanto aos documentos autênticos, que nos termos do artigo 371.º do Código Civil, têm força probatória plena, ou quando os factos estejam plenamente provados por acordo ou confissão das partes, é que não domina na apreciação das provas produzidas este princípio da livre apreciação.»
****

Conforme resulta dos autos, com base na matéria de facto supra, a Meritíssima Juíza do TAF de Leiria julgou improcedente a impugnação da liquidação de IVA do ano de 2010 e 2011.

A recorrente não se conforma com o decidido, invocando, desde logo, omissão de pronúncia porquanto a sentença recorrida não analisou criticamente as subdivergências – A e H- da divergência 2, e face ao descrito nos pontos 72 a 74 das alegações de recurso (conclusão L) e M), e BB das alegações de recurso).

Apreciando.

Nos termos do disposto no art. 125.º do CPPT, constitui nulidade da sentença “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar”.

Por isso, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litigio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais exceções invocadas), excetuadas aquelas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

In casu, não se verifica a omissão de pronúncia porque a Meritíssima Juiz a quo apreciou as questões invocadas pela Impugnante na sua p.i., não tendo de se pronunciar sobre argumentos.

Na verdade, as questões invocadas na p.i. prendem-se com a não demonstração pela da verificação da operação simulada para a aplicação do art. 19.º, n.º 3 do CIVA, bem como pela demonstração efetiva da aquisição dos bens constantes das faturas reputadas como falsas. É verdade que a respeito destas questões a recorrente invocou vários argumentos, detalhando cada uma das divergências, porém todos entroncam na questão da falta de fundamentação substancial, ou seja, a correspondência dos motivos enunciados pela AT com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a atuação no caso concreto, questões que foram devidamente conhecidas na sentença recorrida.

Pelo exposto, não se verifica a invocada omissão de pronúncia.

Invoca ainda a recorrente, erro de julgamento de facto e de direito na apreciação e qualificação jurídica dos factos do relatório de inspeção, considerando que não são descritos quaisquer indícios objetivos em como as aquisições efetuadas pela Impugnante não existiram, e que as operações são simuladas para efeitos do n.º 3, do art. 19.º do CIVA, violando-se o princípio da verdade material (art. 6.º do RCPIT e art. 58.º da LGT). Mais invoca, que não foi colocada em causa a regularidade global da contabilidade. Por outro lado, entende que não constituem indícios: o pagamento em numerário de algumas faturas face ao disposto no art. 63.º-C da LGT e quanto aos restantes meios de pagamento em numerário existe recibo de quitação; a ausência de meios de transportes porque as faturas são documentos de transporte válidos; o perfil incumpridor de terceiros, sob pena de violação do princípio da legalidade, da proporcionalidade e da justiça (artigos 7.º a 9.º da LGT), sendo certo que não se indica a norma legal que suporta a falta de estrutura empresarial de terceiro; a anulação da fatura n.º 36 pela existência de uma nota de crédito inviabiliza a existência de simulação ou faturação falsa. Mais argumenta que a veracidade das operações se verifica face ao processo de execução fiscal, e face aos documentos anexos ao relatório de inspeção comprova-se a existência de relações comerciais com o fornecedor “D..., Lda” foram verdadeiras. Finalmente, argumenta que à Impugnante nunca foi notificado o relatório de inspeção da sociedade “D..., Lda”, não se dando cumprimento ao princípio do contraditório, e por isso não se pode presumir que a Impugnante tenha conhecimento (conclusões A a K, N a AA, e CC a JJ, LL a PP, YY).

Apreciando.

Vejamos, antes mais, o direito aplicável ao caso dos autos.

Está em causa nos autos correções de IVA ao abrigo do disposto no art. 19.º, n.º 3 do CIVA.

O IVA assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.

Este imposto funciona, pois, pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs.

Como determina o 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º, da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE, de 28 de novembro),“[e]m cada operação, o IVA, calculado sobre o preço bem o serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”.

O direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica que é a neutralidade. No entanto, o exercício desse direito obedece a requisitos objetivos e subjetivos.

O exercício do direito à dedução do imposto tem por requisitos objetivos o facto de o imposto suportado dever constar de fatura passada na forma legal (36.º, n.º 5, do CIVA), de se tratar de IVA português, e não se tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º do CIVA, e como requisitos subjetivos exige-se que o sujeito passivo tenha direito à dedução do IVA, e que os bens e serviços deverão estar diretamente relacionados com o exercício da atividade em causa.

Por outro lado, “não confere direito à dedução de IVA o «imposto que resulte de operação simulada», constante de vulgarmente chamadas “faturas falsas” – de acordo com o n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA.” – Acórdão do STA de 27/02/2008, proc. n.º 01062/07 (atualmente, dispõe o n.º 3 do art. 19.º do CIVA na Redação do DL nº 197/2012, de 24 de agosto, com entrada em vigor em 1 de janeiro de 2013 que “[n]ão pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura”).

Do acórdão de Tribunal de Justiça (TJ) do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), Bonik, de 6 de dezembro de 2012, C-285/11, reiterado pelo acórdão Maks Pen EOOD, de 13 de fevereiro 2014, C-18/13 resulta que constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA, instituído pela legislação da União o direito dos sujeitos passivos a deduzir do IVA sobre os bens adquiridos e os serviços que lhes foram prestados a montante.

Seguindo de perto aqueles acórdãos, temos que o direito a dedução previsto nos artigos 167. ° e seguintes da Diretiva 2006/112 faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Porém, a luta contra a fraude, a evasão fiscal e os eventuais abusos é um objetivo reconhecido e incentivado pela Diretiva IVA, pelo que os sujeitos passivos não podem fraudulenta ou abusivamente invocar as normas do direito da União, competindo às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais recusar o direito a dedução se se demonstrar, à luz de elementos objetivos, que este direito é invocado fraudulenta ou abusivamente, seja quando o próprio sujeito passivo comete uma fraude fiscal, seja quando um sujeito passivo sabia ou deveria saber que, com a sua aquisição, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA, o que faz que seja considerado participante nessa fraude, independentemente da questão de saber se retira ou não benefícios da revenda dos bens ou da utilização dos serviços no quadro das operações tributadas que efetuou a jusante, incumbindo às autoridades fiscais competentes fazer prova bastante de que os elementos objetivos estão reunidos (neste segundo caso, de acordo com o TJ, o direito a dedução só pode ser recusado a um sujeito passivo se, à luz de elementos objetivos, se demonstrar que este sujeito passivo, ao qual foram fornecidos os bens ou prestados os serviços que estão na base do direito a dedução, sabia ou deveria saber que, ao adquirir estes bens ou estes serviços, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA cometida pelo fornecedor ou por outro operador a montante ou a jusante na cadeia destes fornecimentos ou destas prestações) e aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar se as autoridades fiscais em causa provaram a existência desses elementos objetivos.

No Despacho proferido pelo Tribunal de Justiça (TJ) do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no Caso Menidzherski Biznes Reshenia , Processo C-572/11, de 4 de Julho de 2013 decidiu que “[o]s artigos 168.°, alínea a), e 203.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, bem como os princípios da neutralidade fiscal e da proteção da confiança legítima, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que seja recusado ao destinatário de uma fatura o direito a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado mencionado nessa fatura quando as operações a que esta última se refere não foram efetivamente realizadas, ainda que o risco de perda de receitas fiscais não exista por o emissor da referida fatura ter pago o imposto sobre o valor acrescentado nesta indicado. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, de acordo com as regras nacionais relativas à produção de prova, uma apreciação global de todos os elementos e de todas as circunstâncias de facto do litígio que lhe foi submetido para determinar se tal sucede com as operações a que as faturas em causa no processo principal dizem respeito.”

Relativamente às regras do ónus da prova vigente no nosso direito interno, nas situações em que as faturas (ou documentos equivalentes) são emitidas na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto refletirem não tiveram lugar, é à AT que cabe o ónus da prova da verificação dos respetivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua atuação, considerando o princípio da legalidade administrativa. Por outro lado, ao contribuinte cabe provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, ou seja, a efetiva existência das alegadas transações (cf. Acórdãos do STA de 30/04/2003, proc. n.º 0241/03, de 24/04/02, proc. n.º 102/02, de 17/04/02, proc. n.º 26.635, de 09/10/02, proc. n.º 871/02 e de 14/11/01, proc. n.º 26.015).

Na verdade, o art. 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita: “[p]resumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.

O que significa que, se a AT não demonstrar a falta de correspondência com a realidade do teor das declarações, contabilidade e da escrita, estas são consideradas verdadeiras (nesse sentido, cf. Diogo Leite de campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª ed., Vislis, 2012, p. 664).

Para tanto, é suficiente que a AT demonstre a existência de “indícios fundados” (indícios que devem ser objetivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais) para fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte, prevista no art. 75.º da LGT , não se impondo a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente refletem e comprovam.

Por outras palavras, a AT não necessita de demonstrar a falsidade das faturas, basta-lhe evidenciar a consistência daquele juízo, invocando factos que traduzam uma probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade (art. 75.º da LGT).

A AT também não necessita de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratório, no intuito de enganar terceiros – cf. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende (cf. nesse sentido, entre outros, acórdãos do Pleno da secção do CT do STA de 16/11/2016 e proc. n.º 0600/15, de 19/10/2016, proc. n.º 511/15).

“ (…) II - Para que a AT proceda à correcção do lucro tributável por desconsideração dos custos suportados por facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.
III - Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar esses custos, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito de deduzir os custos ao lucro tributável) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.” - cf. acórdão do Pleno da secção do CT do STA de 16/11/2016, proc. n.º 600/15.

Por conseguinte, se necessário, a AT poderá recorrer à prova indireta “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, de ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém diretamente, mas indiretamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” (cf. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, 1972, pág. 154).

A Autoridade Tributária pode lançar mão de elementos obtidos através de fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, porém, não se pode bastar com esses elementos (indícios externos), tem necessariamente de obter alguns indícios junto do contribuinte (indícios internos) que, ainda que conjugado com aqueles outros, conduzam à elevada probabilidade de que as faturas não correspondem a operações efetivas (faturas falsas ou fictícias).

É que nos termos do disposto no art. 63.º da LGT sob a epígrafe, “Inspeção”, “os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes”, e diremos que se trata de um poder-dever, considerando o princípio do inquisitório consagrando no art. 58.º do mesmo diploma: “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.”

Face ao direito supra exposto aplicável ao caso dos autos, importa desde já concluir que a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento, na medida em que, a AT logrou cumprir com o seu ónus da prova, recolhendo indícios objetivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais que legitimam a sua atuação.

Em sede de procedimento inspetivo a Administração Tributária, fundamentou materialmente a conclusão a que chegou elencando os seguintes “factos-índice”.

Ø Dos indícios obtidos relativamente à fornecedora «D..., Unipessoal Lda
- o sujeito passivo não tem estrutura empresarial que lhe permita realizar efetivamente todas estas operações, pois não dispõe de pessoal não dispõe de armazém e não dispõe de viaturas que lhe permitam fazer estes transportes.
- não foram encontradas aquisições que justifiquem as vendas faturadas;
- os movimentos financeiros recolhidos pela derrogação do sigilo bancário não correspondem ao recebimento dos valores faturados;
- não colaboração total do sujeito passivo ou seu representante legal consubstanciada na inexistência/recusa de apresentação dos elementos da contabilidade, não existindo nomeação de nenhum representante nomeado pela sócia gerente;
- O sujeito passivo não apresenta declarações periódicas de IVA desde o período 1103T, e apenas apresentou a modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2010, estando em falta:
- as declarações periódicas de IVA de 1106t, 1109t e 1112t, prevista na alínea c) do n.° 1 do artigo 29.° conjugado com o artigo 41.° ambos do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA);
- declaração anual de informação contabilística e fiscal de 2011, prevista na alínea c) do n.° 1 artigo 117.° conjugado com o artigo 120.° ambos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas;
- declaração modelo 22 de IRC relativa ao período de tributação de 2011, prevista na alínea b) do n.° 1 do artigo 117.° conjugado com o artigo 120.° ambos do Código do imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.
- As declarações periódicas de IVA apresentadas pelo sujeito passivo não refletem todas as operações “supostamente efetuadas” pelo sujeito passivo, situação essa que se verifica nos períodos 1012t e 1103t.

Ø Dos indícios obtidos junto da contabilidade «L... & F... II, Lda»
- as faturas emitidas e constantes dos autos, foram na sua totalidade emitidas nos últimos três meses do ano de 2010 e nos primeiros três meses do ano de 2011, num valor total de 831.446,69€.
-De 53 faturas emitidas, apenas cerca de 19 são de valor inferior a 20 vezes a retribuição mínima mensal, em vigor em 2010 e 2011, nos termos do artigo 63.°-C da LGT, pelo que as restantes deveriam ter sido pagas através de meio de pagamento que permitisse a identificação do destinatário, o que também não se verificou.
-Da análise às faturas, os serviços de inspeção tributária verificaram contradições várias como por exemplo a identificação das mercadorias sempre com o mesmo código "004”, contradições dos dias e horas de entrega, sempre cerca da meia-noite, com apenas alguns minutos de variação entre elas.
-Do cruzamento das mesmas com a contabilidade da sociedade devedora originária, relativamente ao destino dado aos bens adquiridos, verifica-se que as vendas efetuadas relativamente a produtos derivados das compras tituladas pelas faturas, os materiais alegadamente adquiridos e não vendidos não constam do inventário a 31/12/2010 e a 31/12/2011.
- Relativamente às faturas, cujo conteúdo refere o transporte a realizar por viaturas da empresa fornecedora, a inexistência de outros documentos de transporte prende-se com o facto de o mesmo ser realizado acompanhado da própria fatura, contudo, relativamente às faturas que referem uma das três viaturas da propriedade da sociedade devedora originária, terceiro na operação comercial, deveria haver evidência documental desse transporte e essa evidência não foi trazida ao processo.
- No que se refere à coincidência de que os seis cheques emitidos, foram endossados e levantados ao balcão e os restantes pagamentos em numerário foram realizados com numerário que alegadamente não foi depositado em contas bancárias da sociedade devedora originária, aliado a todos os elementos recolhidos pela administração tributária, não permite a verificação dos movimentos financeiros, pelo contrário indicia um claro aproveitamento de faturação falsa ou de favor.
- Operações económicas justificam a existência de fluxos financeiros, mas o contrário não, ou seja, a existência da aparência de fluxos financeiros não comprova só por si as transações económicas subjacentes.
- O circuito financeiro parcialmente e deficitariamente demonstrado não é acompanhado do circuito documental legalmente obrigatório e indícios contabilísticos da sua existência material.

Ponderando os indícios recolhidos junto do fornecedor (indícios externos) e dos elementos constantes da contabilidade da Impugnante (indícios internos), conjugados uns com os outros, outra conclusão não poderia levar que não aquela que foi extraída pelo Tribunal «a quo», i.e. a existência de uma probabilidade séria e elevada de que os bens subjacentes às faturas não foram efetivamente adquiridos por aquela sociedade.

Ou seja, a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento de facto e de direito na apreciação e qualificação jurídica dos factos do relatório de inspeção, porque efetivamente são descritos indícios objetivos em como as aquisições efetuadas pela Impugnante não existiram, e que as operações são simuladas para efeitos do n.º 3, do art. 19.º do CIVA.

Com efeito, embora a circunstância da emitente das faturas não cumprir com as suas obrigações declarativas, isoladamente, não constitui um indício consistente e sólido para chegar à conclusão a que chegou a Administração Tributária, porém, numa análise conjunta, com os demais elementos recolhidos internamente junto da contabilidade da Impugnante, que supra enumerados, não se pode deixar de concluir que a AT reuniu indícios, sólidos e objetivos que numa análise concatenada e ponderados à luz da experiência, são suficientes para traduzirem uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais.

Ao contrário do que invoca a recorrente, não se verifica violação do princípio da verdade material pela AT (art. 6.º do RCPIT e art. 58.º da LGT), porque durante todo o procedimento inspetivo solicitou à Impugnante todos os elementos contabilísticos necessários para que esta pudesse dissipar os indícios que foram coligidos. Aliás, a esse respeito sublinhe-se que mesmo no âmbito do exercício do direito de audição prévia os inspetores tiveram o cuidado de analisar os documentos adicionais que foram facultados, bem como toda a argumentação ali expendida.

Por outro lado, o facto de não se ter sido colocada em causa a regularidade global da contabilidade não obsta às correções efetuadas. É que o fundamento das correções assenta na imaterialidade de algumas transações subjacentes a algumas faturas, ou seja, o que se coloca em causa não é a totalidade da contabilidade e sua documentação, mas tão-somente a inexistência das transações relativamente a alguns documentos (faturas) que constam dessa contabilidade.

Ora, a recorrente vem afirmar que vários dos factos enunciados no relatório de inspeção não constituem indícios, nomeadamente, o pagamento em numerário de algumas faturas face ao disposto no art. 63.º-C da LGT e quanto aos restantes meios de pagamento em numerário existe recibo de quitação; a ausência de meios de transportes porque as faturas são documentos de transporte válidos; o perfil incumpridor de terceiros, sob pena de violação do princípio da legalidade, da proporcionalidade e da justiça (artigos 7.º a 9.º da LGT), sendo certo que não se indica a norma legal que suporta a falta de estrutura empresarial de terceiro; a anulação da fatura n.º 36 pela existência de uma nota de crédito inviabiliza a existência de simulação ou faturação falsa.

Mas sem razão.

Ora, tal como supra já referimos, a verificação de per se, isoladamente de cada um destes indícios poderiam, efetivamente não ser suficientes para sustentar a imaterialidade das operações subjacentes às faturas em causa. Contudo, considerados em conjunto constituem indícios consistentes que suportam devidamente a correção. Aliás, repare-se que no relatório de inspeção, em resposta ao direito de audição prévia da Impugnante salienta-se, e bem que “não é apenas um facto, mas o concurso de vários, que contribuem para a verificação dos indícios com forte probabilidade destas faturas não corresponderem a operações reais”.

Sublinhe-se que, ainda que alguns dos pagamentos em dinheiro pudessem ser admitidos à luz das normas jurídicas em vigor à data dos factos, a verdade é que, face a existência de todos os outros indícios, acabam por reforçar a imaterialidade das operações subjacentes às faturas. Na verdade, a existência de pagamentos em dinheiro não permite determinar o efetivo beneficiário dessas quantias.

Por outro lado, não se verifica qualquer violação do princípio da legalidade, da proporcionalidade e da justiça (artigos 7.º a 9.º da LGT), conforme invoca a recorrente, na medida em que estes foram alguns dos muitos outros indícios, inclusive vários indícios apurados junto da contabilidade da própria Impugnante. Não há qualquer violação do princípio do contraditório porque o relatório de inspeção da sociedade “D..., Lda” não tinha de ser notificado à Impugnante, bastando que os elementos relevantes desse relatório fossem elencados no relatório de inspeção da impugnante, fazendo parte da sua fundamentação, enquanto indícios a considerar para sustentar as correções.

Também não colhe a argumentação de que no relatório de ação de inspeção não se indica a norma legal que suporta a falta de estrutura empresarial de terceiro, porque, estamos no plano factual, em que os inspetores recolhem elementos com base nos quais chegaram à conclusão da falta de estrutura empresarial, não tendo de indicar qualquer norma jurídica para o efeito. É o princípio do inquisitório (art. 58.º da LGT) que impõe a realização de todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material.

Quando à argumentação de que anulação da fatura n.º 36 pela existência de uma nota de crédito inviabiliza a existência de simulação ou faturação falsa, não lhe assiste qualquer razão. Aliás, tal facto demonstra que os inspetores tributários não hesitaram em deixar cair determinada correção quando assim se impunha, em pleno respeito dos princípios que devem nortear a sua atuação (art. 55.º da LGT).

Finalmente, não colhe a argumentação da recorrente de que a veracidade das operações se verifica face ao processo de execução fiscal, e face aos documentos anexos ao relatório de inspeção comprova-se a existência de relações comerciais com o fornecedor “D..., Lda” foram verdadeiras, como infra se demonstrará, porque, para além do mais, a verdade é que a existência de tais relações comerciais não provam o que é necessário provar, que é a existência de cada uma das transações constantes das faturas concretamente colocadas em causa pela AT. Ademais, o facto de algumas dívidas estarem em cobrança coerciva também nada prova, a não ser que existe imposto que é exigível e que não foi entregue nos cofres do Estado.

Em suma, foram coligidos indícios sólidos e suficientes que traduzam uma probabilidade séria e elevada de que estamos perante uma operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura que obsta à dedução do IVA (cf. n.º 3 do art. 19.º do CIVA), indícios que são não só externos, mas também internos, ou seja, com base na contabilidade da própria Impugnante, que sustenta o recusar do direito a dedução porque existem indícios sólidos de que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente, na aceção da jurisprudência do TJ. Portanto, importa concluir que cessou a presunção legal de veracidade das declarações da Impugnante, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita prevista (art. 75.º da LGT), e nessa medida, cabe-lhe o ónus da prova da realidade das transações.

Prosseguindo.

Nesta matéria, invoca a recorrente erro de julgamento de facto ao não se dar como provado determinados factos (conclusões KK, RR, SS, UU, VV das alegações de recurso), ao se ter desconsiderado a prova testemunhal (conclusão XX) nem deveria ter sido admitido como meio de prova nem ter sido aceite todo o descritivo do relatório de inspeção (conclusão WW). Entende a recorrente que logrou provar que as transações tituladas pelas faturas dos fornecedores indiciados tiveram por base negócios efetivamente realizados pela recorrente (conclusões QQ, TT, ZZ das alegações de recurso).

Vejamos.

Resulta das alegações de recurso que complementam as conclusões que a Impugnante cumpriu minimamente o ónus imposto pelo art. 640.º do CPC.

Pretende a recorrente que se dê como provado factos relacionados com “o processo negocial e de comercialização da Impugnante, as diversas linhas de faturas com origem e o destino das mercadorias, a sua modificação e a indicação dos adquirentes e as faturas de compras” com base nos depoimentos de N... e Carlos Silvino (conclusão KK). Entende que devem ser dados como provados os factos referidos nas alíneas a) a d) do art. 101.º, 102.º e 103.º das alegações de recurso (conclusão RR).

Pretende ainda a recorrente que seja dado por assente os seguintes factos (conclusão VV):

a) a recorrente tinha estrutura organizacional, composta por empregados, viaturas, pavilhões e espaço de comercialização eu se coaduna com a quantidade de mercadoria adquirida à D..., Lda;

b) A recorrente tinha meios financeiros (das vendas, dos suprimentos e dos créditos bancários) superiores a 2,5 milhões de euros adequados a suportar as aquisições à empresa D..., Lda de cerca de 800.000,00€ nos dois exercícios em causa de 2010 e 2011.

Detalhando com as alegações de recurso que complementam as conclusões, com base na prova testemunhal a recorrente pretende que se dê como provado os factos infra enunciados, constantes dos artigos 101.º a 103.º, indicando e transcrevendo-se as passagens dos depoimentos que os suportam.

Refira-se desde já que é de corroborar a convicção do tribunal de 1.ª instância no que diz respeito quer ao aspeto direcionado dos depoimentos que lhe retiram credibilidade, quer o seu carácter demasiado genérico para a prova que cumpria fazer nos autos.

Na verdade, ouvido o suporte incorporado no SITAF que contém o registo da prova do depoimento de cada uma das testemunhas, destes apenas resultam descrições genéricas acerca dos factos, sem o necessário enquadramento espaço temporal rigoroso dos factos elencados nos artigos 101.º a 103.º das alegações de recurso, muito direcionado ao que foi perguntado, mas que nada adiantam sobre a concreta materialidade de cada uma das operações que subjaz às faturas reputadas de falsas.

Efetivamente, como infra fundamentaremos de forma complementar, é de indeferir toda a impugnação da matéria de facto, porque de um modo geral os factos enunciados, e que a recorrente pretende ver provados com base na prova testemunhal, não são os relevantes e necessários à prova exigida nos autos, desde logo, porque a formulação dos factos é demasiada genérica, quase sempre inapta à prova cabal da materialidade das transações em causa.

Face à circunstância de que cabe à Impugnante o ónus da prova da materialidade das operações em causa, o que se exigia nos autos para a resolução do litígio, era a prova de que cada um dos bens descritos nas faturas, naquelas quantidades exatamente descritas, e em determinada data claramente determinada, foram efetivamente transportados da “D...” para a Impugnante.

Mais cumpria provar que o preço constante em cada uma das várias faturas foi efetivamente pago à “D...”, afastando os indícios bem sedimentados no relatório de inspeção a esse respeito que colocam em causa a materialidade das operações (pagamentos contabilizados em dinheiros, cheques passados que não permitem determinar o beneficiário efetivo dos montantes), estabelecendo-se um nexo, uma ligação da qual resultasse que cada uma dessas faturas foi efetivamente paga à “D...”, pela recorrente, e esses pagamentos dizem respeito às mercadorias ali descritas, naquelas quantidades.

Por conseguinte, não se poderá dar como provados os factos enunciados na conclusão KK), RR) e VV) das alegações de recurso.

De forma complementar e sumária, diremos ainda:

i) A aquisição de mercadorias à empresa D..., Lda: não se dá como provado este facto porque, o que releva para a decisão dos autos não é a aquisição genérica de mercadorias às “D...”, mas a aquisição da mercadoria constante de cada uma das faturas, naquelas datas, e naquelas quantidades. Deveria ter sido prova individualizada de cada uma dessas aquisições, de modo a não restarem dúvidas, o que não se logrou fazer, sendo que os depoimentos indicados pela recorrente são demasiado genéricos e imprecisos para esse efeito;

ii) A transformação de produtos adquiridos e revenda com outra designação – não se dá como provado este facto porque ainda que as testemunhas tenham referido aspetos relacionados com esta circunstância e o modo como a recorrente labora, os depoimentos são demasiados genéricos e imprecisos, e por outro lado, este facto instrumental não é adequado a conduzir ao resultado pretendido pela recorrente que é o de tentar justificar as discrepâncias encontradas no inventário;

iii) a descarga de mercadorias de camião, na sede da empresa, com faturas emitidas pela “D...” - não se dá como provado este facto porque o que era necessário fazer ao nível de prova produzida era estabelecer um nexo claro e indiscutível entre as mercadorias constantes de cada uma das faturas e o seu transporte do fornecedor para a impugnante, o que manifestamente não se logrou fazer;

iv) a existência de meios de transporte da Impugnante que serviram para carregar mercadorias da “D...”, perto da sua sede, e a sua condução pelo colaborador, e pelo gerente da recorrente, bem como algumas mercadorias eram transportadas pela “D... – não se dá como provado este facto porque o que importava dar como provado era o transporte efetivo das mercadorias constantes de cada uma das faturas, e para tanto a prova deveria ter sido direcionada nesse sentido, fazendo prova efetiva do transporte de cada uma das mercadorias descritas em cada uma das faturas, o que não se logrou fazer;

v) o desperdício resultante da transformação de produtos adquiridos à “D...”, o seu conhecimento generalizado do circuito de distribuição dos produtos vendidos – não se dá como provado este facto porque ainda que as testemunhas tenham referido aspetos relacionados com esta circunstância, os depoimentos são demasiados genéricos e imprecisos, e por outro lado, este facto instrumental não é adequado a conduzir ao resultado pretendido pela recorrente que é o de tentar justificar as discrepâncias encontradas no inventário;

vi) a total colaboração com a administração tributária – não se dá como provado este facto porque o nível de colaboração da recorrente resulta inequivocamente do relatório de inspeção tributária, e comprova-se pela disponibilização concreta que foi sendo feita no âmbito da inspeção, sendo que os depoimentos não são em moldes de solidez a alterar o que daquele resulta;

vii) a utilização do autoconsumo de produtos adquiridos à “D...” na construção de um pavilhão - não se dá como provado este facto porque ainda que as testemunhas tenham referido aspetos relacionados com esta circunstância, os depoimentos são demasiados genéricos e imprecisos, e por outro lado, este facto instrumental não é adequado a conduzir ao resultado pretendido pela recorrente que é o de tentar justificar as discrepâncias encontradas no inventário;

viii) a existência de uma nota de crédito que anulou a fatura n.º 36 da “D...” – não se dá como provado este facto porque este já resulta inequivocamente do relatório de inspeção tributária;

ix) o pagamento pela recorrente de créditos da “D...”, Lda sobre a recorrente pagos em diversas tranches no âmbito de penhoras de créditos em execuções fiscais – não se dá como provado este facto porque o que importava provar nos autos era o pagamento efetivo à “D...” de cada um dos montantes respeitantes a cada uma das faturas desconsideradas pela AT, o que não se logrou fazer através do depoimento das testemunhas;

x) a existência de um contrato de fornecimento de bens para pagamento em dinheiro ou cheque entre a D... e a recorrente - não se dá como provado este facto porque este já resulta do relatório de inspeção tributária. Saliente-se a existência do contrato não prova a materialidade das operações, porque a sua existência é no plano formal, cumpria provar que cada um dos bens, naquelas quantidades, naquelas datas, o abrigo daquele contrato, foram efetivamente entregues e pagas;

xi) as vendas de bens eram no valor de cerca de 2,5 milhões de euros, sendo suficientes para pagar os fornecimentos das D... de 800.000€ - não de dá como provado este facto porque, considerando que se trata de montantes que devem estar inequivocamente refletidos na contabilidade, o que foi apurado no relatório de inspeção a este respeito é de se manter;

xii) a existência jurídica e o exercício da atividade até 2010 e a existência de uma viatura afeta à atividade até essa data –não se dá como provado este facto porque o que importava dar como provado era o transporte efetivo das mercadorias constantes de cada uma das faturas, e para tanto a prova deveria ter sido direcionada nesse sentido, fazendo prova efetiva do transporte de cada uma das mercadorias descritas em cada uma das faturas, o que não se logrou fazer;

xiii) os inventários não refletiam a realidade porque as mercadorias eram registadas com outra designação, após transformação – não se dá como provado este facto porque, considerando toda a informação a este respeito que foi detalhadamente densificada no relatório de inspeção, não se poderá retirar esta ilação pretendida pela recorrente com base nos depoimentos das testemunhas indicadas;

xiv) não havia guias de transportes porque as faturas eram documentos que acompanhavam as mercadorias – não se dá como provado este facto porque, considerando o relatório de inspeção, e que cabe à recorrente o ónus da prova da materialidade das transações, nesta matéria a questão da inexistência de guias é lateral, porque caberia provar, nos termos supra descritos, o transporte efetivo, e de forma individualizada e perfeitamente quantificada dos bens de cada uma das faturas;

xv) o contrato de fornecimento de metais ferrosos foi apresentado durante a ação de inspeção - não se dá como provado este facto porque a existência do contrato não tem relevância suficiente, não prova a materialidade das operações, porque a sua existência é no plano formal, cumpria provar que cada um dos bens, naquelas quantidades, naquelas datas, o abrigo daquele contrato, foram efetivamente entregues e pagas;

xvi) confirmou-se parcialmente as aquisições à “D...” que foram desconsideradas porque o emitente não tinha estrutura adequada às transações, mesmo que tenha recebido pagamentos em numerário e até 10.000 euros - não se dá como provado este facto porque a prova testemunhal não é apta para colocar em causa todos os indícios que a respeito dos pagamentos efetivos foram solidamente coligidos na inspeção, para além de que, as correções não se fundaram exclusivamente na falta da estrutura adequada, mas sim, num conjunto de indícios;

xvii) o contrato com a “D...” foi firmado em 2010 a pedido desta porque os preços materiais ferrosos e metálicos eram bons e concorrenciais, o que explica o pagamento em numerário e em cheque – não se dá como provado este facto porque in casu, o que releva não são as circunstâncias em que se acordaram pagamentos em dinheiro, mas se estes efetivamente ocorreram por relação a cada uma das faturas, e quem foram os efetivos destinatários.

Refira-se ainda que não há que dar como provado que recorrente emitiu a favor dos seus fornecedores os cheques e pagamentos em dinheiro (conclusão UU) porque, o que releva para a prova da materialidade das operações é os montantes em causa referente a esses cheques, e os pagamentos em dinheiro em causa tiveram por efetivo beneficiário o emitente da fatura, e que se destinaram a pagar o fornecimento de bens que aquelas faturas titulam, e que esses bens foram efetivamente fornecidos. Assim sendo, é de manter o facto dado como não provado na alínea B) da sentença.

Portanto, ao contrário do que pretende a recorrente (cf. conclusão SS e ZZ) de toda a prova produzida nos autos (documental, testemunhal e declarações de parte) não são suficientes para “dar como assente e provado que as compras colocadas em crise pela AT” e que são tituladas pelas faturas em causa nos autos, corresponderam a operações reais. Sublinhe-se, não basta provar a existência de relações comerciais com o fornecedor em causa, cumpria provar que relativamente a cada um dos fornecimentos, aqueles bens foram efetivamente transacionados.

Na verdade, a apreciação crítica da prova deve ser global, considerando não apenas a prova produzida em tribunal, mas também toda a prova que foi coligida no âmbito da ação de inspeção, que não foi apenas a falta de estrutura empresarial como insiste a recorrente, mas alicerça-se em dados de inspeção cruzada, consideram-se elementos atinentes ao fornecedor, mas também, e sobretudo consideram-se vários indícios que resultam a própria contabilidade da Impugnante, e nessa medida improcede o invocado na conclusão TT e VV.

Portanto, ao contrário do que entende a recorrente, e face ao supra exposto, na sentença recorrida fez-se uma correta valoração da prova junta aos autos, sendo que face à fundamentação da matéria de facto, não existe erro de julgamento, improcedendo, portanto, a conclusão XX das alegações de recurso, sendo, portanto, de manter como não provado o facto da alínea A) da sentença recorrida.

Ora, face à matéria dada como provada e não provada nos autos importa concluir, que a recorrente não cumpriu com o ónus da prova que sobre si recaía, não demonstrou, conforme lhe competia, a materialidade das operações constantes de cada uma das faturas em causa nos autos (cf. alínea A) dos factos não provados), e nessa medida, tal como se entendeu na sentença recorrida, a impugnação tem de ser julgada improcedente.


Pelo exposto, improcedem todos os fundamentos do recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida, e, portanto, negar provimento ao recurso.


Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)


Coligidos indícios sólidos e suficientes que traduzam uma probabilidade séria e elevada de que estamos perante uma operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura que obsta à dedução do IVA (cf. n.º 3 do art. 19.º do CIVA), cessa a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita prevista (art. 75.º da LGT), cabendo ao contribuinte o ónus da prova da realidade das transações.

II. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.


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Custas pela recorrente.

D.n.

Lisboa, 11 de fevereiro de 2021.


A Juíza Desembargadora Relatora

Cristina Flora



A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy.