Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1767/20.5BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 11/10/2022 |
Relator: | LURDES TOSCANO |
Descritores: | EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO POR CONTRA-ORDENAÇÃO INSOLVÊNCIA |
Sumário: | De acordo com o disposto nos arts. 61º e 62º do RGIT, o procedimento por contra-ordenação extingue-se com a morte do arguido, sendo que também a obrigação de pagamento da coima e de cumprimento das sanções acessórias se extingue com a morte do infractor. Ora à morte do infractor deve ser equiparada a extinção da pessoa colectiva arguida no processo de contra-ordenação, sendo que a sociedade se considera extinta pelo encerramento da liquidação (artº 160º do CSC). |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO O Representante da FAZENDA PÚBLICA, com os demais sinais nos autos, veio, em conformidade com o artigo 83º do RGIT, interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, de 28 de março de 2022, que declarou extinto o procedimento por contra-ordenação, em que se tinha aplicado à sociedade "C.... – E...., LDA”, a coima de €6.227,12 e custas administrativas no valor de 76,50, por infração ao disposto no art° 27 n°1 e 41 n°1 a) CIVA - Falta de pagamento do imposto (M) relativo a 2017/03 no montante de 19.490,22€. O Recorrente termina as alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: «I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que considerou, para efeitos contraordenacionais, que a sociedade Recorrente se encontra em situação equivalente à da morte do arguido ou do infrator, o que acarretou, como consequência, a extinção do procedimento por contraordenação e, bem assim, da obrigação de pagamento de quaisquer coimas. II. Enquanto causa de extinção da responsabilidade contraordenacional, a morte a que a lei se refere significa o fim da vida física de uma pessoa; é o acontecimento, físico e da natureza, que faz terminar a vida e constitui um momento inelutável da existência de cada indivíduo inerente à própria natureza do género humano, fazendo cessar a personalidade jurídica de acordo com o disposto no artigo 68°, n° 1 do CC. III. Neste aspeto, a "morte”, como categoria da natureza com relevância normativo- jurídica, é conatural ao homem, as pessoas coletivas como tal, não estão tocadas pelo momento da "morte” que faz cessar a personalidade da pessoa singular (artigo 68°, n° 1 do CC), pelo que se pode dizer que as pessoas coletivas, neste sentido, não "morrem”, embora, como entidades com extinção determinada por atos de vontade de criação e de extinção, possam extinguir-se, deixando, então, de ser construções instrumentais do homem para agirem como centros autónomos de imputação de direitos e deveres. IV. É que se é certo que, por força do disposto nos artigos 141° n° 1, e), 146, n° 2 e 160° n° 2, todos do CSC, as sociedades comerciais se dissolvem pela declaração de insolvência, também não deixa de ser verdade que, ao invés das pessoas singulares cuja personalidade cessa com a morte (artigo 68°, n° 1 do CC), aquelas pelo contrário mantêm a personalidade jurídica na fase da sua liquidação, cujo termo ocorrerá apenas aquando do registo do encerramento dessa liquidação. V. A sociedade, dissolvida pela declaração de insolvência, entra em liquidação, não se extingue (cfr. artigo 146° do CSC). A sua extinção só acontece mais tarde, com o registo do encerramento da liquidação, conforme determina o artigo 160°, n° 2, do CSC, ou seja, é necessário o preenchimento deste requisito de registo de encerramento da liquidação da sociedade para que se possa aceitar a inequívoca "morte" societária com a inerente produção dos efeitos extintivos a que se refere o artigo 61°, alínea a) do RGIT. VI. E, no caso da insolvência, só com o registo de encerramento do processo após o rateio final, se e quando o mesmo tiver lugar [cfr. art.° 234°, n° 3, do CIRE], sendo apenas neste momento que a extinção é equiparável à morte do arguido e não com a mera declaração de insolvência. VII. A declaração de insolvência não implica necessariamente a dissolução e liquidação da sociedade, pois pode decidir-se pelo seu encerramento e liquidação ou recuperação e manutenção em funcionamento (cfr. artigos 192°, 195°, n° 2, alínea c) e 209° a 216° do CIRE) acaso tal objetivo se mostre exequível e conforme ao deliberado em assembleia de credores (artigo 156°, n° 2 do CIRE). VIII. A responsabilidade pelo cumprimento das obrigações fiscais é imputável à pessoa coletiva insolvente e aos seus representantes legais. No período entre a declaração da insolvência e a deliberação de encerramento do estabelecimento, essa responsabilidade fica cometida àquele a quem tiver sido atribuída a administração da insolvência, podendo, por isso, os responsáveis continuarem a ser os anteriores titulares dos órgãos sociais competentes da pessoa coletiva insolvente, ou ser já responsável o administrador da insolvência nomeado, caso lhe seja atribuído poderes para a administração do património da insolvente. IX. Assim, à luz da premissa de que declaração de insolvência não determina a extinção da sociedade verificando-se a continuidade da respetiva personalidade tributária até ao registo do encerramento definitivo da liquidação, é entendimento da AT, no que respeita ao processo contraordenação, de que a dissolução da pessoa coletiva em decorrência da declaração da sua insolvência não constitui fundamento da extinção do procedimento contraordenacional ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 61° do RGIT, pois que não equivale à "morte” do infrator. X. A declaração de insolvência constitui fundamento de dissolução das sociedades comerciais, equivalendo à morte do infrator, em harmonia com o disposto nos artigos 61° e 62° do RGIT e no artigo 176°, n° 2, al, a) do CPPT, daí decorrendo a extinção do procedimento contraordenacional, XI. Com exceção, todavia, das situações em que não foi deliberado o encerramento do estabelecimento, seja pela aprovação de um plano de insolvência ou através da manutenção em atividade e reestruturação da empresa, na titularidade do devedor ou de terceiros, nos moldes também constantes de um plano, ou mesmo por o devedor ter deixado de se encontrar em situação de insolvência, que, nos termos legais al. c) do n° 1, do art. 230° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), determinam a cessação de todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência. XII. Nestas situações, expressamente excecionadas pelo STA, já a equivalência entre a dissolução de uma sociedade e a mote do infrator, para efeitos do disposto no art. 61.° RGIT, NÃO TEM LUGAR. TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DECISÃO SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR ACÓRDÃO QUE JULGUE O RECURSO DE CONTRAORDENAÇÃO TOTALMENTE IMPROCEDENTE. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA» **** A Recorrida C.... – E...., Lda., notificada para o efeito, optou por não contra alegar. **** Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. **** Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta. **** Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a questão objecto do recurso consiste em saber se incorre em erro de julgamento a decisão recorrida ao sufragar o entendimento de que, perante a insolvência da arguida, ocorre a extinção da responsabilidade contra-ordenacional e a consequente extinção do respectivo procedimento por contra-ordenação nos termos do art. 61º, al. a) do RGIT. **** II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. De facto A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto: « Com interesse para a prolação da decisão, julgo provados os seguintes factos: 1. A 07.07.2021, no âmbito do Processo n.° 1737/21.4T8VFX, a correr os seus termos no 1.° Juízo de Comércio de Vila Franca de Xira do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, foi proferida sentença, declarando a insolvência da "C.... – E...., Ld.°" - cfr. fls 7 e 8 da "Certidão Permanente", contante a fls. 60 e seguintes do SITAF e que se dá aqui por integralmente reproduzida; 2. A 08.04.2021, a sentença descrita no número anterior transitou em julgado - cfr. fls 7 e 8 da "Certidão Permanente", contante a fls. 60 e seguintes do SITAF e que se dá aqui por integralmente reproduzida; 3. A 25.08.2021, no âmbito do Processo n.° 1737/21.4T8VFX, referido em "1.", foi elaborado o "RELATÓRIO DO ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA", do qual resulta, entre o mais, o seguinte: "(...) X. PROPOSTA DO ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA Face a tudo o exposto, o Administrador de Insolvência propõe: 1. Que seja encerrado o estabelecimento compreendido na massa insolvente. 2. Que seja comunicado oficiosamente pelo Tribunal à Administração Fiscal a cessação da atividade da Insolvente ao abrigo do n° 3 do artigo 65° do CIRE com reporte à data da Declaração de Insolvência. 3. Que seja autorizado o Administrador de Insolvência a dar início às actividades de liquidação, conforme disposto no artigo 158° do CIRE. (...)" - cfr. "RELATÓRIO DO ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA", constante a fls. 90 e seguintes do SITAF e que se dá aqui por integralmente reproduzido. 4. Actualmente, a "C.... – E....,Lda." encontra-se em liquidação - facto não controvertido (cfr. requerimento do Administrador de Insolvência de 17.02.2022, constante a fls. 127 do SITAF e que se dá aqui por integralmente reproduzido e cujo teor não foi impugnado).»
Motivação da matéria de facto «Com interesse para a decisão, nada mais se julgou ou é de julgar provado ou não provado, tendo o Tribunal formado a sua convicção a partir da análise crítica dos documentos juntos aos autos, documentos que foram admitidos, não foram impugnados e se encontram especificadamente identificados em cada uma das alíneas do probatório, dando-se aqui por integralmente reproduzidos.» **** II.2. De Direito Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou verificada a extinção da responsabilidade contra-ordenacional da recorrente e, consequentemente, declarou extinto o procedimento por contra-ordenação. Para tal, apresentou a seguinte fundamentação, em síntese: «No caso vertente, verifico que, por sentença proferida a 07.07.2021, a sociedade Recorrente foi judicialmente declarada insolvente (cfr. facto provado "1."), tendo a sentença de declaração de insolvência transitado em julgado a 08.04.2021 (cfr. facto provado "2."), com o que se iniciou um percurso sem regresso rumo à liquidação do activo da sociedade, ao encerramento do respectivo estabelecimento e, por conseguinte, à extinção da sociedade, cessando todas as suas obrigações declarativas e fiscais. De tal sorte que resulta do relatório do Administrador de Insolvência que, após o trânsito em julgado da sentença declaratória da insolvência, este propôs o imediato encerramento do estabelecimento da sociedade insolvente, a Recorrente, a imediata comunicação oficiosa à Autoridade Tributária e Aduaneira da cessação da actividade da sociedade Recorrente, reportada à data da declaração judicial da respectiva insolvência, e o imediato início das diligências tendentes à liquidação do activo da sociedade Recorrente (cfr. facto provado "3."), estando esta última em curso (cfr. facto provado "4."). Neste conspecto, deixa de fazer qualquer sentido a instauração ou a prossecução de PCO contra a sociedade Recorrente ou a manutenção, na esfera da mesma, da obrigação de pagamento de coimas ou de sanções acessórias. Razão pela qual, para efeitos contra-ordenacionais, a sociedade Recorrente se encontra em situação equivalente à da morte do arguido ou do infractor, o que tem e aqui terá como consequência a extinção do procedimento por contra-ordenação e, bem assim, da obrigação de pagamento de quaisquer coimas.»
**** III – DECISÃO Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida. Sem Custas. Registe e notifique.
Lisboa, 10 de Novembro de 2022
-------------------------------------- [Lurdes Toscano] -------------------------------------- [Maria Cardoso] -------------------------------------- [Hélia Gameiro Silva] |