Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:810/10.0BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IRS
PPR
DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:
I. O princípio do inquisitório impõe que o juiz realize ou ordene todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade material.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 09.05.2017, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por M….. (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), relativa ao ano de 2007.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“A) A liquidação adicional de IRS ora impugnada resultou de correcções á matéria tributável de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal, em resultado de procedimento de inspecção interno.

B) Pelo facto da sociedade ….. Lda., NIF ….., entidade patronal da impugnante e marido, ter constituído a favor destes, quatro PPR Poupança Activa (…..), no valor líquido de € 75.767,72 e bruto de € 112.248,48.

C) A seguradora ….. deu cumprimento á obrigação prevista no artigo 127º do CIRS, e comunicou esses elementos á AT, onde consta a data, o número de apólice, o valor aplicado, os beneficiários e o valor aplicado.

D) De acordo com o artigo 2º/3 al. b) n.º 3 do CIRS o valor aplicado configura rendimento acessório de trabalho dependente dos respectivos beneficiários, uma vez que constitui um direito adquirido para os efeitos previstos no artigo 2º/9 do CIRS.

E) A douta sentença proferida pela Mª. Juíz a quo deu como provado que os referidos montantes aplicados na subscrição dos seguros de Vida a favor dos impugnantes, não se enquadravam na categoria de rendimento acessório do trabalho dependente, uma vez que não configuravam nenhuma vantagem económica para os impugnantes.

F) A douta sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto de direito e como tal deve ser revogada e substituída por outra que reponha a legalidade da tributação.

G) Salvo o devido respeito, não podemos concordar com o entendimento expresso na douta sentença, pois entendemos que a impugnante e o marido obtiveram efectivamente uma vantagem económica, ao serem beneficiários dos respectivos prémios planos de poupança reforma, sendo legalmente irrelevante as razões que levaram á sua constituição ou alienação.

H) De acordo com o artigo 2º/3 al. b) 3 do CIRS o legislador pretendeu tributar todas as remunerações acessórias auferidas pelos trabalhadores em razão da sua relação com a entidade patronal, nelas se incluindo os prémios despendidos pela entidade patronal com planos poupança reforma, desde que constituam para os respectivos beneficiários direitos individualizados e adquiridos.

I) A seguradora comunicou à AT, nos termos do artigo 127º do CIRS, que esses planos poupança-reforma constituíam direitos adquiridos para os respectivos beneficiários, nos termos do artigo 2º/9 do CIRS.

J) Na nossa modesta opinião parece irrelevante ou indiferente o destino a dar aos referidos planos poupança-reforma pelos impugnantes, pois esse facto não tem a virtualidade de afastar a incidência dos referidos prémios a IRS.

L) Não se pode por conseguinte, deixar de admitir que foi concedida aos trabalhadores a oportunidade de usufruir de um acréscimo patrimonial substancial, suportada pela entidade patronal, ainda que estes tenham optado por oferecê-lo como garantia a um empréstimo á sociedade.

M) O que aliás não se sabe pois dos autos não consta qualquer tipo de contrato que demonstre esse facto, apenas especulações.

N) É taxativa a inclusão dos prémios com planos poupança-reforma a favor dos trabalhadores na categoria de rendimentos acessórios do trabalho dependente, por configurarem uma vantagem económica, em virtude da concretização dogmática desse facto fora do âmbito genérico do preceito.

O) Em face do exposto, a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 2º/3 al. b) n.º3 do CIRS, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que mantenha a tributação do imposto liquidado aos impugnantes.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente, mantendo-se a liquidação de IRS, com o que se fará como sempre a tão costumada

JUSTIÇA”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“A) – O Ilustre Representante da Fazenda Pública interpôs recurso, considerando que a douta sentença proferida pela Mª. Juíza do Tribunal “a quo” não fez a melhor avaliação da matéria de facto, o que determinaria o erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito.

B) – O Ilustre Representante da Fazenda Pública entende que a douta sentença, objeto do presente recurso, incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e consequentemente em erro na aplicação do direito.

C) – Porém, não coloca em causa nenhum facto concreto onde se verifique o pugnado erro de julgamento.

D) – São as conclusões que delimitam o objeto do recurso, e nas conclusões formuladas pela recorrente não é colocada em causa a matéria de facto de forma clara e especificada.

E) – Na conclusão F) das alegações da Fazenda Pública escreve-se: “A douta sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto de direito e como tal deve ser revogada e substituída por outra que reponha a legalidade da tributação.”.

F) – E na conclusão J) refere-se “Na nossa modesta opinião parece irrelevante ou indiferente o destino a dar aos referidos planos poupança-reforma pelos impugnantes, pois esse facto não tem a virtualidade de afastar a incidência dos referidos prémios a IRS.”.

G) – Em nenhum destes pontos é colocado em causa a matéria de facto e o seu julgamento, as conclusões formuladas pela Fazenda Pública mais não são que uma mera discordância relativamente à interpretação das normas de IRS e integração dos factos nessas mesmas normas, ou seja, a recorrente não coloca em causa a matéria de facto dada como provada e/ou não provada, apenas se limita a discordar a interpretação dos mesmos.

H) – O presente recurso versa exclusivamente sobre matéria de direito.

I) – A impugnação da decisão da matéria de facto impõe que a recorrente, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 640º do CPC, especifique os pontos concretos que considera incorretamente julgados, bem como os concretos meios probatórios constantes do processo, ou de registo ou gravação nele realizado, e que impunham uma decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diferente da recorrida, o que não sucede no presente recurso.

J – Assim, as alegações da recorrente não podem ser genéricas, invocando que houve erro de julgamento quanto à matéria de facto, competia à recorrente, Fazenda Pública, a indicação dos factos que foram incorretamente julgados, o que não sucedeu no caso concreto.

L) – A Fazenda Pública não cumpriu com o “ónus de alegação”, o que determina a rejeição do presente recurso, com as legais consequências que dai advêm.

M) – No caso concreto não se verifica qualquer erro de julgamento, quer da matéria de facto, quer da matéria de direito.

N) – Ademais, entende a recorrida que o Tribunal “a quo” fez uma correta apreciação, quer dos factos, quer do direito, socorrendo-se dos princípios da livre apreciação da prova, pelo que não existem motivos para em sede de recurso ser alterada decisão sobre a matéria de facto e de direito.

O) – Em suma a douta sentença recorrida não merece qualquer reparo, pelo que se deverá manter no ordenamento jurídico.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida que determinou a anulação do ato tributário de liquidação de IRS do ano de 2007, fazendo-se, assim, a Costumada Justiça”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser este TCAS incompetente em razão da hierarquia.

Notificadas as partes do mencionado parecer, para efeitos de exercício do direito ao contraditório, as mesmas nada disseram.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

Questão prévia suscitada pelo IMMP:

a) É este TCAS incompetente para conhecimento do recurso, em razão da hierarquia?

Questão suscitada pela Recorrente:

b) Verifica-se erro de julgamento, na medida em que os valores relativos a planos poupança reforma (PPR) são rendimentos da categoria A de IRS, nada constando dos autos quanto ao contrato que esteve na base da decisão proferida?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. A Impugnante e o seu marido eram sócios da sociedade ….., Lda.”. (cfr. doc. nº 3 junto com a PI; RIT)

2. Em Março de 2007, a sociedade ….., Lda.”, constituiu a favor da Impugnante e do seu marido, quatro PPR Poupança Ativa (…..), correspondentes às apólices nºs ….., ….., …..e …... (cfr. doc. nº 3 junto com a PI; RIT)

3. A “….., S.A.” apresentou declaração modelo 14, na qual comunicou à Direção-Geral dos Impostos, os prémios únicos suportados com os contratos de seguro do ramo “vida”, referenciados em 2., indicando como beneficiários daqueles o NIF ….., correspondente à Impugnante, e o NIF ….., correspondente ao marido da Impugnante. (cfr. doc. nº 3 junto com a PI; RIT)

4. Por ordem de serviço nº OI ….., foi determinado o procedimento de inspeção interna, à Impugnante e o marido, E….., de âmbito parcial, incidindo sobre o IRS do ano de 2007. (cfr. RIT, doc. nº 3 junto com a PI)

5. Em 29.09.2009, foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária, com o seguinte teor:

(cfr. doc. nº 3 junto com a PI)

6. Em 26.10.2009, José Manuel Lourenço Gante, Chefe de Divisão, por subdelegação do Diretor de Finanças Adjunto de Leiria, publicada no Diário da República, 2ª série, nº 4, de 07.01.2008, proferiu o despacho que se transcreve:

“Concordo com o teor do presente relatório.

Com os fundamentos de facto e direito expressos no ponto III do Relatório altera-se o Rendimento em + 112.248,48 euros, a título de Cat. A, em relação ao ano de 2007 (mod. 3)”.

(cfr. doc. nº 3 junto com a PI)

7. Por ofício nº ….., a Impugnante e o marido, foram notificados do Relatório de Inspeção Tributária, constante do ponto 2. que antecede, bem como das correções ao rendimento do ano de 2007. (cfr. doc. nº 3 junto com a PI)

8. Em 04.11.2009, foi emitida, em nome da Impugnante e do seu marido, a liquidação nº ….., no montante de € 45.880,11, relativa a IRS do ano de 2007. (cfr. fls. 10 do procedimento de reclamação graciosa apenso)

9. Em 10.11.2009, foi emitido o documento de compensação nº ….., no montante de € 43.906,51, resultante de acertos efetuados, com data limite de pagamento de 16.12.2009. (cfr. doc. nº 2 junto com a PI)

10. Em 15.03.2010, a Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças de Leiria, reclamação graciosa da liquidação adicional de IRS do ano de 2007. (cfr. fls. 2 e seguintes da RG)

11. Por ofício nº ….., de 21.04.2010, a Impugnante foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada. (cfr. doc. nº 1 junto com a PI)

12. Por despacho (extrato) nº 4542/2005, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 43, de 02.03.2005, o Diretor de Finanças de Leiria, António Manuel Silva da Rocha Lourenço, delegou no diretor de finanças-adjunto, João José Ferragolo da Veiga, para, entre o mais, “sancionar os relatórios de ações inspetivas, bem como todas as informações concluídas pela Inspeção Tributária, nos termos do artigo 62º do RCPIT.” (cfr. Diário da República, 2ª Série, nº 43, de 02.03.2005)

13. Por despacho do Diretor-Geral dos Impostos de 19.04.20007, publicado, através de Aviso (Extrato) nº 12 632/2007, no Diário da República, 2ª série, nº 133, de 12.07.2007, foi nomeado, em comissão de serviço, no cargo de diretor de finanças-adjunto da direção de finanças de Leiria, João José Ferragolo da Veiga. (cfr. Diário da República, 2ª série, nº 133, de 12.07.2007)

14. Por despacho do Diretor-Geral dos Impostos de 11.11.2007, publicado, através de Aviso (Extrato) nº 78/2008, no Diário da República, 2ª série, nº 2, de 03.01.2008, foi renovada a comissão de serviço, no cargo de diretor de finanças-adjunto da direção de finanças de Leiria, João José Ferragolo da Veiga. (cfr. Diário da República, 2ª série, nº 133, de 12.07.2007)

15. Por Aviso (extrato) nº 333/2008, publicado no Diário da República, 2ªsérie, nº 4, de 07.02.2008, o Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Leiria, João José Ferragolo da Veiga, subdelegou no chefe de divisão de Inspeção Tributária II, licenciado José Manuel Lourenço Gante, a competência, para, entre o mais, “alterar os elementos declarados pelos sujeitos passivos para efeitos de IRS, nos termos do artigo 65º, nº 4, do Código do IRS correções até ao limite de € 250 000”, e “sancionar os relatórios de ações inspetivas, bem como todas as informações concluídas pela Inspeção Tributária, nos termos do artigo 62º do RCPIT”. (cfr. Diário da República, 2ªsérie, nº 4, de 07.02.2008)

16. A presente Impugnação deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal em 07.05.2010. (cfr. fls. 1 do suporte físico)”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Factos Não Provados

Não resultam provados quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa, tendo em conta as várias soluções de direito plausíveis”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto resultou da análise dos documentos e informações oficiais, não impugnados, juntos aos autos pelas partes e constantes do processo administrativo apenso (procedimento de reclamação graciosa), bem como nas posições assumidas nos articulados, tudo conforme foi referido em cada ponto dos factos assentes”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da incompetência em razão da hierarquia

Cumpre, antes de mais, apreciar a (in)competência em razão da hierarquia deste TCAS, suscitada pelo IMMP, em virtude de, na sua perspetiva, estarem apenas em discussão questões de direito.

Vejamos.

Atento o disposto no art.º 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF – redação vigente à época):

“Compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer:

(…) b) Dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito”.

Por seu turno, prescreve o art.º 38.º, al. a), do mesmo diploma que:

“Compete à Secção de Contencioso Tributário de cada tribunal central administrativo conhecer:

a) Dos recursos de decisões dos tribunais tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º”.

Por outro lado, nos termos do art.º 280.º, n.º 1, do CPPT (na redação então vigente):

“Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, no prazo de 10 dias, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo”.

Assim, compete ao Supremo Tribunal Administrativo o conhecimento de recursos, quando a matéria for exclusivamente de direito, competindo aos TCA o conhecimento dos demais.

Nos termos do art.º 16.º, n.º 1, do CPPT, a infração das regras de competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do Tribunal.

Para a aferição da competência em razão da hierarquia é fundamental atentar nas alegações e conclusões do recurso.

In casu, não se acompanha o entendimento do IMMP, atento o teor das conclusões formuladas, do qual resulta a alegação de uma errónea apreciação da matéria de facto (e consequente erro de julgamento de facto), ainda que não tenha sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto.

Face ao exposto, improcede a exceção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia.

III.B. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que os PPR tiveram como beneficiária a Impugnante, sendo irrelevante o destino dos mesmos (designadamente em termos de eventual garantia), acrescentando que, a este propósito, nada consta dos autos, sendo apenas invocadas especulações.

Vejamos então.

Nos termos do art.º 2.º do Código do IRS (CIRS):

3 - Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente:

(…)

b) As remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica, designadamente:

(…)

3) As importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários, bem como as que, não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários, sejam por estes objeto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade, ou, em qualquer caso, de recebimento em capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado;

(…)

9 - Para efeitos do disposto no nº 3) da alínea b) do nº 3, consideram-se direitos adquiridos aqueles cujo exercício não depende da manutenção do vínculo laboral, ou como tal considerado para efeitos fiscais, do beneficiário com a respetiva entidade patronal”.

In casu, como resulta do relatório de inspeção tributária (RIT), a administração tributária (AT) considerou que o prémio atinente aos PPR referidos em 2. do probatório constituíam remuneração de trabalho dependente, tendo efetuado a correção respetiva, uma vez que tais valores não tinham sido declarados.

O Tribunal a quo, a este respeito, entendeu que não se estava perante rendimentos de trabalho dependente. Extrai-se do discurso fundamentador da sentença, a este propósito, o seguinte:

“Ora, da factualidade aceite por ambas as partes, resulta que a celebração dos contratos de seguro do ramo “Vida” a favor da Impugnante e do seu marido, surgiram como forma de assegurar o pagamento do crédito concedido pelo B….., SA, à sociedade “….., Lda.”, da qual estes eram sócios. Estamos perante um conjunto de operações que surgem para beneficiar a instituição bancária mutuante, através do reforço das garantias do bom cumprimento do contrato de concessão de crédito.

De encontro ao que refere a Impugnante na petição inicial, no ano de 2007, data da constituição do contrato de seguro/PPR, a mesma e o seu marido, não eram os beneficiários primários de tal seguro. Com efeito, da concatenação de toda a factualidade, os beneficiários, nessa data, seriam por um lado a instituição que concedeu o crédito, na medida em que no capital afeto ao seguro constituía a garantia do cumprimento do contrato de crédito, e, por outro, poderíamos referir que a existir outro beneficiário seria a sociedade ….., Lda.”, na medida em que, muito provavelmente, sem a constituição daqueles contratos de seguro, não teria conseguido obter o financiamento.

Ainda, o facto da seguradora ….., ter cumprido a obrigação de comunicação da contratação do seguro e dos seus beneficiários, a verdade é que tal declaração, não demonstra só por si, que efetivamente naquela data a Impugnante e o seu marido, eram beneficiários diretos do capital segurado. Com efeito, e como bem refere a Impugnante, os mesmos apenas poderão ser considerados beneficiários de tal seguro/PPR, ao termo do pagamento do contrato de crédito, que previsivelmente acontecerá 8 anos após a sua constituição. Ta informação, que face ao exposto, se considera errónea, não pode ser vista pela Administração Tributária, sem mais, nomeadamente sem indagar da origem. Até porque, vejamos, numa situação de resgate por incumprimento do contrato de crédito, nunca a Impugnante e o seu marido, serão beneficiários do seguro constituído. E funcionando como garantia do crédito, não têm como “salvar” para si o resgaste do capital”.

Ora, compulsada a sentença recorrida verifica-se que este raciocínio não encontra suporte na decisão proferida sobre a matéria de facto, na medida em que o contrato que terá sido celebrado entre a Recorrida e o B….. encontra-se apenas invocado em sede de direito de audição, não constando dos autos tal elemento documental.

No entanto, mais do que um erro de julgamento, consideramos estar-se aqui perante um défice instrutório, na medida em que, ao abrigo do princípio do inquisitório, o Tribunal a quo deveria ter ordenado a junção aos autos do mencionado contrato.

Com efeito, da circunstância de a AT em sede de direito de audição não ter se não afastado os argumentos aventados pelo contribuinte, face ao alegado teor do contrato, não conduz a que seja assente esse mesmo teor.

Logo, tal circunstância não exime o Tribunal de, perante um entendimento diferente, tratar de aferir as efetivas condições contratuais, pois apenas desta forma há certeza em torno do conteúdo das mencionadas condições.

Tal aferição apenas pode ser efetuada através da análise dos contratos celebrados, o que não ocorreu.

Ademais, o processo administrativo parece não estar completo, constando do mesmo uma informação de 08.09.2010, da qual resulta que os elementos enviados “foram extraídos do processo administrativo”.

Ora, o processo administrativo deve ser enviado completo, não cabendo à AT remeter apenas partes do mesmo. Sem esse envio completo também não é inteiramente alcançável o que ali foi junto que respeite aos PPR em causa (quer pela parte, quer pelo próprio banco).

Assim, não constando os mencionados elementos documentais dos autos, cumpre anular a decisão recorrida, nos termos do art.º 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, para que os autos retornem à 1.ª instância para efeitos de realização das diligências instrutórias pertinentes e posterior prolação de nova decisão que tenha em conta o resultado das mesmas.




IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Anular a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao Tribunal a quo para eventual ampliação da matéria de facto, após realização das pertinentes diligências de prova;

b) Custas pela Recorrida na presente instância, porque contra-alegou;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 13 de maio de 2021


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores António Patkoczy e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha