Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:616/09.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:03/02/2023
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:DECISÃO SINGULAR
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
NULIDADE DO ACÓRDÃO POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - Se o coletivo que proferiu o acórdão aderiu integralmente ao que a Relatora havia decidido em singular, não se vislumbra qualquer exigência adicional de motivação da deliberação, como defende a Requerente. Tal adesão traduz a manifestação de carácter de Tribunal coletivo que revestem os Tribunais Superiores, nos quais a regra é a decisão judicial demandar a intervenção de três juízes e, no mínimo, de dois votos conformes

II - A reclamação para a conferência não corresponde, nem se confunde, com um recurso da decisão proferida em singular.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
Arguição de nulidade

RELATÓRIO
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C………… H……………. SA, notificada da decisão sumária proferida ao abrigo do disposto no artigo 656º do CPC, a qual negou provimento ao recurso jurisdicional interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra que apreciou a impugnação judicial deduzida contra o ato tributário de liquidação adicional de IRC do exercício de 2005, no montante global de € 165.454,43, resultante de retenções na fonte sobre rendimentos pagos a sociedades não residentes, reclamou para a conferência de tal decisão, nos termos do disposto no artigo 652º, nº 3 do CPC, pedindo que sobre a decisão proferida recaísse um acórdão.
A conferência deliberou e foi proferido acórdão que confirmou e manteve inalterada a decisão reclamada.
A Recorrente discorda do acórdão, tendo interposto recurso para uniformização de jurisprudência, ao abrigo do disposto no artigo 284º, nº1, alínea a) do CPPT, dirigido ao STA.
No termo das conclusões de tal recurso, a Recorrente aponta ao acórdão proferido pelo presente coletivo as nulidades correspondentes à omissão de pronúncia e à falta de fundamentação.
Com efeito, aí se lê:
“99. Imediatamente após reproduzir ipsis verbis a sobredita Decisão Sumária, entendeu o douto Acórdão recorrido que “O acabado de expor (ou seja, a transcrição integral e tal e qual da Decisão Sumária) mantém-se inteiramente válido, sufragado por este colectivo, não se justificando, assim, alterar a decisão sumária reclamada.”.
100. Ou seja, o douto Acórdão recorrido não fundamentou o indeferimento da sobredita reclamação para a conferência, não fazendo qualquer apreciação fundamentada da mesma.
101. Por conseguinte, estamos perante uma (i) nulidade do douto Acórdão recorrido, por falta de pronúncia e falta de fundamentação, nos termos dos artigos 125º nº 1 do CPPT e 615º nº 1 b) e d) e nº 4 do CPC”.
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A parte contrária foi notificada do articulado junto, nada tendo dito.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos.
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Com dispensa dos vistos dos Exmos. Adjuntos vêm os autos à conferência para decisão.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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“Uma vez proferida a sentença (ou acórdão), imediatamente se esgota o poder jurisdicional do Tribunal relativo à matéria sobre que versa (cfr.artº.613, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Excepciona-se a possibilidade de reclamação com o objectivo da rectificação de erros materiais, suprimento de alguma nulidade processual, esclarecimento da própria sentença ou a sua reforma quanto a custas ou multa (cfr.artºs.613, nº.2, e 616, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.125, do C.P.P.Tributário).
Tanto a reclamação, como o recurso, passíveis de interpor face a sentença (ou acórdão) emanada de órgão jurisdicional estão, como é óbvio, sujeitos a prazos processuais, findos os quais aqueles se tornam imodificáveis, transitando em julgado. A imodificabilidade da decisão jurisdicional constitui, assim, a pedra de toque do caso julgado (cfr.artºs.619 e 628, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
A possibilidade de dedução do incidente de nulidade da sentença (acórdão) visa satisfazer a preocupação de realização efectiva e adequada do direito material e o entendimento de que será mais útil à paz social e ao prestígio e dignidade que a administração da Justiça coenvolve, corrigir do que perpetuar um erro juridicamente insustentável, conforme se retira do preâmbulo do dec.lei 329-A/95, de 12/12 (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.400/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/10/2011, rec.497/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/4/2013, proc.3013/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/7/2013, proc. 5594/12; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág.356 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.321 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.133 e seg.).
Tal como as sentenças de 1ª. Instância, os acórdãos proferidos pelos Tribunais Superiores podem ser objecto de arguição de nulidade. Além das nulidades previstas nas diferentes alíneas do artº.615, nº.1, do C.P.Civil, surgem-nos ainda duas situações decorrentes da colegialidade do Tribunal que profere o acórdão e que dão origem a nulidades específicas deste: o acórdão ser lavrado contra o vencido e, por outro lado, sem o necessário vencimento (cfr.artº.666, nº.1, e 667, do C.P.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/7/2013, proc.5594/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.7094/13; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág.356 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.133 e 134; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.59 e seg.)” – cfr. Ac. do TCA SUL, de 11/10/18, proc. Nº 380/17.9BESNT.
Vejamos.
Entende a Recorrente, ora Requerente, que o acórdão padece de nulidade por falta de fundamentação e omissão de pronúncia. Uma e outra nulidade surgem, aliás, formuladas de forma interligada, como se uma nulidade fosse consequência da outra.
Vejamos.
Considera a Requerente que o acórdão padece de falta de fundamentação por acolher na íntegra o teor da decisão sumária reclamada, sem sustentar fundamentadamente o indeferimento da reclamação para a conferência.
Nos termos do preceituado no artigo 615, nº.1, alínea b), do CPC e, bem assim, no artigo 125º, nº1 do CPPT, é nula a sentença (ou acórdão) quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Como é comummente aceite, para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afetar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade
Lido o acórdão em causa, é para nós claro que o mesmo não padece de falta de fundamentação.
O coletivo que proferiu o acórdão aderiu integralmente ao que a Relatora havia decidido em singular, não se vislumbrando qualquer exigência adicional de motivação da deliberação, como defende a Requerente. Tal adesão traduz, como se percebe, a manifestação de carácter de Tribunal coletivo que revestem os Tribunais Superiores, nos quais a regra é a decisão judicial demandar a intervenção de três juízes e, no mínimo, de dois votos conformes. Com o acórdão proferido em reclamação, substituiu-se o órgão excecional (o Relator) pelo órgão normal (a conferência como Tribunal coletivo) para proferir determinada decisão, decisão esta tomada por unanimidade e por adesão ao já decidido.
Em sede de reclamação para a conferência o que se pretende é apenas que sobre a matéria decidida em singular recaia um acórdão, o que se verificou. A reclamação para a conferência não corresponde, nem se confunde, com um recurso da decisão proferida em singular.
Neste sentido, não se aceita a invocada falta de fundamentação do acórdão assente na circunstância de o mesmo se ter limitado a aderir à fundamentação alinhada pela Relatora na decisão por si proferida.
Da mesma forma que nenhuma omissão de pronúncia se verifica no acórdão proferido, omissão esta que a Requerente sustenta pelas mesmas razões que a levam a considerar que o acórdão não está fundamentado.
O acórdão proferido em sede de reclamação para a conferência pronunciou-se sobre todas as questões colocadas em sede de recurso jurisdicional da sentença (o que, aliás, não vem posto em causa), pelo que nenhuma outra questão assumia autonomia para efeitos de se impor o seu conhecimento específico.
Lembremos que a nulidade por omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes, o que aqui, com todo o respeito por diferente posição, não se verifica. Repete-se, aliás, o que dissemos a propósito da invocada falta de fundamentação, pois nem se vislumbra autonomia na sustentação de tal invalidade.
Nestes termos, atenta a perspetiva que aqui acolhemos, improcedem as nulidades que vimos de analisar.
Face a tudo quanto ficou relatado, e sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente incidente de nulidade de acórdão, ao que se provirá na parte dispositiva que se segue.
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Sobre a interposição do recurso ao abrigo do artigo 284º, nº1, alínea a), oportunamente o Tribunal proferirá o despacho.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em INDEFERIR A REQUERIDA NULIDADE DO ACÓRDÃO
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Condena-se o requerente em custas pelo presente incidente, fixando-se a taxa de justiça em uma (1) U.C. (cfr.artº.7 e Tabela II, do RCP).
Registe.
Notifique.
Lisboa, 2 de março de 2023

(Catarina Almeida e Sousa)

(Hélia Gameiro)

(Ana Cristina Carvalho)