Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8156/14.9BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/26/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
NULIDADE DO PROCESSADO
ADMISSIBILIDADE
Sumário:I - Proferida sentença ou acórdão, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa – artigos 613/1 e 666/1 do CPC.
II - Estabelece o n.º 2 do citado art.º 613.º que «É licito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes».
III - O requerimento de nulidade do processado não consubstancia qualquer pedido de rectificação de erros materiais (art.º 614.º do CPC), nem de suprimento de nulidades do acórdão, que são, e só, as taxativamente previstas no art.º 615.º do CPC, nem preenche os requisitos de que depende a possibilidade de reforma do acórdão, prevista no art.º 616/2 do CPC.
IV - Como assim, é de indeferir por legalmente inadmissível.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO


C… – CENTRO COMERCIAL, S.A., vem a fls.630, reclamar para a conferência do despacho de 13/10/2017 da então Exma. Relatora (consta a fls.608) que que lhe indeferiu a arguição de nulidade do processado por não constar dos autos qualquer elemento que permita verificar que a P.I. de impugnação foi remetida a juízo por correio registado, maxime, o envelope de remessa, alegando para tanto o seguinte:
«1.º
Os autos de recurso em referência, têm por objeto a sentença do tribunal de 1.ª instância que julgou intempestiva a impugnação judicial deduzida pela ora reclamante, concluindo que a petição inicial deu entrada em juízo para além do prazo de 90 dias, isto porque, como surpreendentemente veio a constar da sentença, a p.i. só teria sido apresentada em 2 de julho.
2.°
A ora impugnante, no recurso apresentado junto deste douto Tribunal Central Administrativo, impugnou a decisão recorrida, colocando em crise o facto dado como provado segundo o qual a petição inicial terá dado entrada no referido dia de 2 de julho, dado que remeteu tal peça processual por correio registado, entendendo dever contar para efeitos de entrada em juízo a data do respetivo registo ex vi do artigo 103.°. n.°6 do CPPT e 150.°. n.°2, al. b) do CPC em vigor à data da entrada da p.i. em juízo.
Ora, através do douto acórdão proferido nos autos, ficou a ora reclamante a saber que, afinal, nada consta no processo que permita aferir a data de envio da peça processual:
"compulsado todo o processo não se mostra demonstrado qual a data de envio da peça processual, restando apenas o carimbo de entrada no TAF de Sintra" (v. acórdão proferido).
Em face de tai surpreendente revelação - de que, no processo, não consta informação atestando o envio da peça processual por correio registado -, a ora reclamante arguiu a nulidade do processado por entender que "o processo judicial deve por natureza incorporar todo o expediente documental expedido pelas partes e dirigido ao Tribunal" - v. requerimento de arguição de nulidade.
Por despacho da Senhora Desembargadora Relatora, entendendo-se que a reclamante veio reclamar "por não constar da decisão o elemento que permite verificar que a PI de impugnação foi remetida a juízo por correio registado" (sic.), foi decidido que:
“analisado o processado não se determina qualquer nulidade pois a PI deu entrada com carimbo de recepção e tal facto jurídico consta do processo." (sic, v. despacho recorrido).
6.°
Ora, salvo o devido respeito, esta decisão no pode ser aceite como uma decisão justa e equitativa, nem reflete a adequada interpretação e aplicação do Direito.
Desde logo, entende a ora reclamante que o despacho sob reclamação não se encontra fundamentado - contrariamente ao que a lei impõe (v. artigos 205.°, n. ° 1 da Constituição da República e 155.° do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º do CPPT) -, não se mostrando acompanhado de fundamentos suficientes e congruentes que permitam à ora reclamante apreender as razões de facto e de direito subjacentes ao indeferimento.
8.°
Tanto mais que nunca a Reclamante colocou em causa que a p.i. exibisse um carimbo de receção (nela aposto pela secretaria do tribunal), o que esteve e está em causa é a data da expedição desse articulado pelo correio e a surpreendente notícia da inexistência de qualquer documentação no processo que evidencie o facto da p.i. ter sido remetida por correio, pois nos termos da lei "a petição inicial pode ser remetida a qualquer das entidades referidas no n.°1 pelo correio, sob registo, valendo, nesse caso, como data do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal" (v. art. 103.°, n.°6 do CPPT e artigo 150.°, n.° 2, al. b) do CPC em vigor à data da entrada da p.i. em juízo).
Contrariamente ao que parece pressuposto no despacho de indeferimento reclamado, entende a ora reclamante que do processo deve sempre constar, senão o próprio envelope e carta que acompanha a remessa da petição, pelo menos uma cota lavrada com a menção de que esse articulado foi remetido ao tribunal por correio registado e, em qualquer caso – sempre - a referência do respetivo registo pelos CTT, não podendo tais faltas ser imputadas ao impugnante.
10.º
A faculdade das partes remeterem as peças por correio registado (v. artigo 103.°, n.°6 do CPPT e artigo 150.°, n.° 2, ai. b) do CPC em vigor à data da entrada da p.i. em juízo), não envolve qualquer especial ónus a cargo do remetente para juntar aos autos documentação para prova da data de entrega da peça processual nos serviços dos CTT — o que sempre seria um ato inútil dado que tal informação é suposto constar do processo.
11.º
Muito menos um tal ónus se prefiguraria às partes num quadro em que tal questão de facto — saber se a p.i foi remetida por correio e saber qual a data da sua remessa — não fosse suscitada por forma a evidenciar a necessidade de as partes desenvolverem atividade de prova para infirmar qualquer facto concreto deduzido como exceção a esse respeito.
12.°
Sublinhe-se que, no caso dos autos, no tribunal de 1.ª instância nunca sequer se suscitou a questão de facto de saber se P1 havia ou não sido remetida pelo correio ou em que data teria sido remetida, nem nunca, até à sentença, se suscitou a questão só se dever considerar a impugnação como interposta na data do carimbo de receção aposto na p.i. pela secretaria, tendo a "questão da caducidade" sido sempre tratada por relação à inobservância do termo inicial do prazo de 90 dias para impugnar e nunca em relação ao termo final desse prazo, referente a qualquer controvérsia com a data de entrada da p.i. em juízo (cfr. autos).
13.°
O despacho ora reclamado, ao indeferir a arguição de nulidade deduzida, parece adotar implicitamente um entendimento contrário ao da reclamante, no sentido de tal documentação/informação não dever estar incorporada no processo e, nessa medida, traduz uma decisão inaceitável e contrária às normas vigentes e aplicáveis, designadamente os artigos 103.º, n.° 6 do CPPT e 150.°, n.° 2, al. b) do CPC em vigor à data da entrada da p.i. em juízo) que se mostram violados.
14.°
Trata-se, para além disso, de decisão que ofende as regras de repartição do ónus da prova e os princípios da justiça, da proporcionalidade e da tutela judicial efetiva, nas suas dimensões presentes no direito tributário e processual tributário.
15.°
Salvo o devido respeito, a nulidade arguida não poderia deixar de ser julgada procedente, tanto mais pelas consequências que a falta de tal documentação/informação no processo veio a originar, com a decisão que veio a ser tomada no sentido da intempestividade da entrada da petição em juízo.

NESTES TERMOS,
Deve o despacho reclamado ser revogado e substituído por outro que declare a nulidade processual assinalada, com as legais consequências, designadamente, se necessário, determinando a pratica dos atos necessários a incorporar nos autos a informação devida e pertinente quanto à expedição da p.i. por correio registado e à data do respetivo registo de entrega aos CTT.».

Ouvida a parte contrária, respondeu assim (consta a fls.646):
«
»».



II. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA

É este o teor do despacho reclamado:
«


».

Apreciando.

Como decorre dos autos e fazendo uma sinopse dos factos para sua melhor compreensão, a ora reclamante (C…), impugnou a liquidação de taxas de licença de publicidade cobrada pela Câmara Municipal de Cascais relativamente aos anos de 1996 a 2002 e o agravamento referente a este último ano de 2002.

A Mma. Juiz do TAF de Sintra suscitou oficiosamente a questão da tempestividade da impugnação, tendo notificado a impugnante nos seguintes termos (vd. despacho de 09/01/2014, a fls.483):
«(…) notifique a impugnante para, querendo, se pronunciar… sobre a excepção de caducidade do direito de acção (…)»

Respondeu a impugnante nos termos que constam de fls.485, destacando-se o seguinte:
«
1. A Impugnante não foi notificada de qualquer articulado onde se mostre suscitada a questão de caducidade ignorando por isso os termos de facto e de direito em que possa assentar tal questão a que alude o douto despacho notificado.
2. Desta forma, a impugnante não se encontra em condições de emitir pronúncia consciente sobre tal matéria, reservando-se ao direito de o fazer esclarecidamente quando vier a ser notificada de tal questão e dos parâmetros em que assenta, o que desde já se requer.
3. Em qualquer caso, chama-se desde já a atenção para a circunstância de a impugnação deduzida nos autos assentar também na arguição de nulidade dos actos impugnados, o que pode ter lugar a qualquer tempo (v. art. 102.º/3 do CPPT)».

Em seguimento, foi proferida sentença que julgou verificada a excepção de caducidade do direito de acção e absolveu a Fazenda Pública do pedido (cf. fls.510, vol. II dos autos).

Da sentença foi interposto recurso para o TCAS.

Por ac. deste TCAS de 09/06/2016, a fls. 573, foi decidido:
«
1. Ordenar o desentranhamento e restituição ao Recorrente do documento que juntou às alegações de recurso, a fls.532 do processo, condenando-se o mesmo em multa no montante de 2UC – art.º 27.º do RCP;
2. Negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida».

A Recorrente apresentou requerimento de arguição de “nulidade do processado” (consta a fls.591 dos autos).

Por despacho da Exma. Relatora de 13/10/2017, a fls. 608 dos autos, o requerimento foi indeferido por inadmissibilidade legal.

Da decisão da Exma. Relatora foi apresentada a presente reclamação para a conferência (consta a fls. 630), que agora cabe apreciar e decidir.

Proferida sentença ou acórdão, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa – artigos 613/1 e 666/1 do CPC.

Estabelece o n.º 2 do citado art.º 613.º que «É licito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes».

O requerimento de nulidade do processado não consubstancia qualquer pedido de rectificação de erros materiais (art.º 614.º do CPC), nem de suprimento de nulidades do acórdão, que são e só as taxativamente previstas no art.º 615.º do CPC, nem preenche os requisitos de que depende a possibilidade de reforma do acórdão, prevista no art.º 616/2 do CPC, nomeadamente os previstos na sua alínea b), porquanto o documento junto com as alegações do recurso e que pretensamente poderia implicar decisão diversa da proferida, já não consta do processo (cf. supra, ponto 1. do dispositivo do ac. de 09/06/2016, a fls. 573).

Como assim e sem necessidade de maiores considerandos, indefere-se a reclamação e mantém-se o impugnado despacho da Relatora do processo.

III. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em indeferir a reclamação e manter o despacho reclamado.

Condena-se a Reclamante nas custas do incidente, pelo mínimo legal.

Lisboa, 26 de Maio de 2022



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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha