Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1657/20.1BELSB-S1
Secção:CA
Data do Acordão:08/31/2021
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:PRÉ-CONTRATUAL;
EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO;
REQUISITOS PARA O LEVANTAMENTO
Sumário:i) Do art. 103.º-A, do CPTA resulta que o levantamento do efeito suspensivo automático é levantado quando “devidamente ponderados todos os interesses públicos e privados em presença, os prejuízos que resultariam da sua manutenção se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento” (n.º 4).

ii) Para que proceda o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático do acto de adjudicação, exige-se que esteja alegado pela Entidade demandada (ou pelos Contra-interessados) e que resulte provado nos autos que tal efeito provoca um prejuízo relevante – não apenas inconvenientes ou meros prejuízos decorrentes da suspensão imediata e automática dos efeitos derivados da impugnação judicial efectuada e que a esta são (naturalmente) inerentes - e superior ao que resultaria do seu levantamento.

iii) Apenas se se concluir pela superioridade dos danos resultantes da manutenção do efeito suspensivo automático face aos que advêm do seu levantamento, é que se deferirá o pedido de levantamento.

iv) Essa prova tem de referir-se a prejuízos existentes, concretos, ou a consequências que ocorram efectivamente, não a meras possibilidades ou susceptibilidades eventuais e teóricas.

v) Não tendo ficado minimamente demonstrado que a solução técnica que se pretende implementar através do Concurso em causa tem de ser implementada imediatamente, sob pena de o sistema da SCML deixar de funcionar, nem que a actual rede não serve as necessidades da SCML, não poderá sequer concluir-se pela relevância e respectiva superioridade dos prejuízos que resultam da manutenção do efeito suspensivo automático, que é aquele preceituado como regra geral pelo legislador da União e nacional.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório


A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA (SCML), interpôs recurso jurisdicional da decisão de 4.03.2021 do TAC de Lisboa que julgou improcedente o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático formulado pela SCML no âmbito da acção urgente proposta pela V... contra si, visando a impugnação do acto de adjudicação do contrato concursado à N… relativo ao concurso público internacional para a “Prestação de Serviços de Redes de Dados Distribuída e Centros de Dados Secundários para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa”.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

a) Andou mal a sentença a quo por ter julgado que os serviços a contratar pela SCML através do concurso púbico para a “Prestação de Serviços de Redes de Dados Distribuída e Centros de Dados Secundários para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa”, de que ela se encontra atualmente privada, não se revelam indispensáveis;

b) Errou a sentença por ter considerado que o risco maior para o interesse público não advinha da indisponibilidade dos serviços de comunicação, alojamento e processamento de dados global pela SCML, transferindo-o para a necessidade de obter uma solução técnica mais atualizada e robusta face à existente e de assegurar uma redundância do centro de dados principal usado por esta instituição, reforçando a segurança e inviolabilidade do seu sistema e precavendo os efeitos de uma falha total e catastrófica desse centro de dados;

c) Errou a sentença quando julgou que, à luz dos requisitos técnicos formulados para ambos os lotes a concurso, o contrato a celebrar concorria para a segurança e redundância dos sistemas de dados à disposição da SCML e para prevenir eventuais cenários de ataque informático ou de catástrofe, pelo que, se assim era, o que se impunha era dar como demostrado a existência de um risco sério de prejuízos graves e qualificados para o interesse público, que a SCML alegou atempadamente;

d) E relativamente curial que o risco de perda total de um centro de dados tem de ser mitigado pela existência de um centro de dados secundários dotado das infraestruturas necessárias, que é justamente o que está em causa neste pedido do levantamento do efeito suspensivo e, portanto, também no presente recurso;

e) Para não se perderem dados, é condição sine qua non que exista uma cópia armazenada noutro local e tais cópias, por si só, não são suficientes para lograr atingir esse desiderato porque, para além disso, é necessário sistemas, aplicações e demais infraestruturas para que os dados sejam acessíveis e utilizáveis pela SCML, especialmente o seu departamento de jogos sociais, embora a abrangência de entes aqui em causa seja bastante maior, entre eles, os que servem a ação social e os hospitais integrados na SCML, Unidade de Cuidados Integrados Maria José Nogueira Pinto, Unidade de Cuidados Integrados de São Roque, Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, Hospital Ortopédico de Sant´Ana e o futuro Hospital da Estrela (antigo Hospital Militar de Lisboa;

f) Os serviços de centro de dados redundante contratados há mais de uma década estão atualmente a ser prestados pela V... à SCML, assegurando a continuidade de alguns serviços críticos, como os de apoio ao Euromilhões ou ao Portal de Jogos, porém, desde o momento da contratação à V... foram criadas aplicações novas e outras viram aumentada a sua capacidade, criticidade e níveis de atividade;

g) O atual centro de dados secundário, quer a velocidade das comunicações, quer a exiguidade dos espaços físicos existentes, é dizer, o significativo aumento das necessidades da SCML ultrapassou o limite previsto para os serviços contratados, pelo que, contrariamente ao que se julgou na decisão recorrida, regista-se um déficit de armazenamento de dados;

h) Há o risco de a SCML pode ficar paralisada no seu todo, o que teria consequências nunca vistas em Portugal, pelo menos ao nível de uma instituição de índole social como é a SCML e há um número significativo de sistemas críticos que só existem no centro de dados principal e que cuja continuidade não está assegurada no centro de dados secundário, tanto que os serviços previstos no novo contrato incluem ligações de débito muito maior entre os centros de dados, o que permitirá replicar a totalidade dos dados atualmente existentes no centro de dados principal;

i) Na verdade, a (velocidade da) ligação atual não passa de 1Gb e está frequentemente esgotada, sendo que mesmo uma ligação 10 vezes superior a esse débito não acomodaria sequer as necessidades atuais, quanto mais as decorrentes dos novos Jogos Sociais que a SCML irá introduzir no seu portefólio;

j) O cenário de catástrofe não encontra devidamente salvaguardado pelo contrato em vigor celebrado entre a SCML e a V..., pelo que a eventual perda do centro de dados principal significará a perda irreparável da maior parte dos dados e sistemas aí existentes: alguns não essenciais apesar de a sua perda constituir prejuízo de grande vulto para a SCML, ao passo que a eventual perda de outros dados implicará a paragem das atividades da SCML durante meses ou mesmo em definitivo, como acima se deixou alegado;

k) Os serviços relativos ao centro de dados secundário assumem caráter essencialmente preventivo, motivo pelo qual o argumento (utilizado na decisão recorrida) segundo o qual a sua contratação só se torna iminente, imediata e irreversível num cenário pós-catástrofe é tão (pouco) pertinente como afirmar que um seguro contra acidentes só se justifica contratar depois da ocorrência de um acidente o que ou a administração de uma vacina faria apenas sentido quando se manifestem os sinais da doença;

l) Por outro lado, a decisão recorrida julgou, mal, que a SCML tem-se valido unicamente do seu centro de dados principal, na medida em que o centro de dados secundário ou centro de dados redundante está em utilização há mais de uma década, sendo presentemente contratados serviços à V..., as quais asseguram a continuidade de algumas missões críticas, tais como o apoio ao EuroMilhões ou ao Portal de Jogos;

m) Sucede que desde o momento da contratação à V... criadas aplicações novas e outras viram aumentada a sua capacidade, criticidade e níveis de atividade e esse acréscimo incidiu maioritariamente no centro de dados principal, uma vez que quer a velocidade das comunicações quer o espaço físico contratados impediram, por serem insuficientes, de o replicar para o atual centro de dados secundário: ou por outras palavras, o aumento das necessidades da SCML ultrapassou o limite previsto para os serviços contratados;

n) Mas há mais e igualmente ponderosas razões para se afirmar que a decisão recorrida decidiu mal porque existe um conjunto de instrumentos normativos de certificação e regras técnicas que impõem a existência de um data center secundário a entidades como a SCML, na sua qualidade de concessionário do jogo social do Estado;

o) Com efeito, a participação da SCML no consórcio do Euromilhões requer a obtenção da certificação de segurança World Lottery Association (WLA) Security Control Standard de 2016;

p) Se V. Exa. entender ser devido para efeitos de prova, a SCML indica (e faz a competente prova) neste recurso da certificação do Euromilhões e, bem assim, procurará explicar melhor (do que fez em primeira instância) quais são as eventuais consequências de a SCML ficar privada de um data center secundário;

q) O centro de dados atual acomoda esta exigência de certificação do Euromilhões e é através dos serviços de centro de dados redundante contratados desde há mais de uma década, (presentemente à V...) que se assegura, desde então, a continuidade, por exemplo, do apoio ao Euromilhões ou ao Portal de Jogos;

r) A inexistência de um data center secundário acarreta a impossibilidade da SCML garantir a conformidade com os dois normativos de segurança (WLA e ISO/IEC 27001), o que poderá resultar na perda das duas certificações de segurança associadas, o que por sua vez, poderá provocar a impossibilidade da SCML operar o Euromilhões em Portugal;

s) Acresce que a não contratação dos serviços a alojar no centro de dados secundário e a inerente falta de redundância de sistemas, inibirá a capacidade de resposta de alta disponibilidade exigida pela atividade do jogo social e constrange o lançamento no mercado de novos jogos sociais;

t) Desde logo, porque há hoje um número significativo de sistemas críticos que só existem no centro de dados principal e que cuja continuidade não está assegurada no centro de dados secundário: de igual forma, não valerá a pena apostar no lançamento de novos jogos sociais sem a desejada redundância geográfica com uma arquitetura de alta disponibilidade;

u) Um (indesejado, mas potencial) cenário de catástrofe não está devidamente salvaguardado pelo contrato atualmente em vigor, uma vez que, da eventual perda do centro de dados principal, decorrerá a perda irreparável da maior parte dos dados e sistemas aí existentes e muitos desses dados serão considerados dados não essenciais, apesar de a sua perda constituir prejuízo de grande vulto para a SCML. Par contre, a perda de outros implicará a paragem das atividades da SCML durante meses ou definitivamente;

v) Quanto aos prejuízos graves para a SCML e, consequentemente para o interesse público (indireto que seja), que a decisão recorrida entendeu não poder a sua identificação (como prejuízos graves para o interesse público) bastar-se com eventuais vulnerabilidades decorrentes da falta de redundância do centro de dados ao serviço da SCML e que, no caso em equação, não se vislumbrava que, da não pronta retoma da execução do ato suspenso, procederia um prejuízo iminente, imediato e irreversível para o interesse público, a SCML, para além do que acima expôs, vem alegar que a inexistência de um data center secundário acarreta um prejuízo incomensurável: a impossibilidade de se garantir a conformidade com os dois normativos de segurança WLA Security Control Standard de 2016 e ISO/IEC 27001, sem os quais resultará a perda das duas certificações de segurança associadas e a (mais do que certa) impossibilidade da SCML operar o Euromilhões em Portugal;

w) Não obstante, para quem não restem quaisquer dúvidas de que a SCML ficaria privada de operar o Euromilhões em Portugal se perdesse aquelas certificações, juntou-se ao recurso os atuais certificados ISO/IEC 27001 e WLA-SCS;

x) Alega a SCML que a existência de um data center secundário é vital para se manter o jogo social, designadamente o Euromilhões e que, caso o mesmo deixe de ser operado pela SCML, significa um perda de receita gritante, na medida em que o mesmo gerou receitas no valor de 727 milhões de euros em 2019 (cfr. relatório e contas de 2019, disponível em scml.pt), sendo o segundo jogo mais importante do portefólio de jogos socias da SCML, logo atrás da lotaria instantânea, também conhecido comummente como raspadinha;

y) As consequências de um desastre financeiro para a SCML têm, como é bom de ver, um efeito sistémico e, na verdade, tudo isso já consta detalhadamente da sentença recorrida, pelo menos no que se refere ao impacto financeiro lesivo que tal hecatombe na SCML pode gerar noutras entidades para as quais as suas receitas são encaminhadas por lei: gerando-se, consequentemente, um grave prejuízo para a SCML e para o Estado Português, que cumpre acautelar a todo o custo, juntamente porque do lado oposto, da Recorrida, só estão em causa questões comerciais e aspetos financeiros, mas sem qualquer repercussão especialmente nefasta para além disso, caso em que V. Exa. considerará que estão reunidas as condições legais que motivam o levantamento do efeito suspensivo automático ¯ caso contrário, pode afiançar-se, a SCML não o pediria, muito menos interporia recurso da decisão do TAC de Lisboa, razão pela qual a sentença deve ser revogada e substituída por outra que decrete o levantamento do efeito do efeito suspensivo que por ora ainda pende sobre o ato de adjudicação impugnado.

Juntou com o recurso 7 documentos.

A aqui Recorrida V... PORTUGAL – C..., S.A., apresentou contra-alegações expendendo conclusivamente o seguinte:

A. A sentença esteve bem ao julgar que não se verificava qualquer risco imi-nente que pudesse significar uma grave lesão para o interesse público.

B. A sentença esteve bem ao julgar que não ficou demonstrado que a solução técnica que se pretende implementar através do Concurso em causa tem de ser implementada imediatamente, sob pena de o sistema da SCML deixar de funcionar.

C. Ficou demonstrado que a actual rede serve as necessidades da SCML num horizonte de pelo menos mais dois anos, não tendo sido demonstrado o con-trário como competia à SCML.

D. O centro de dados secundário actual serve perfeitamente as necessidades da SCML, evitando até, melhor do que o que se pretende implementar, os ris-cos mencionados pela própria SCML pelo facto de o centro de dados princi-pal se encontrar em zona sísmica (Lisboa).

E. Não é verdade que os serviços estajhem a ser prestados há mais de uma década pela V..., tendo a rede actual menos de 5 anos de idade.

F. Não são verdade os valores de débitos que actualmente se disponibilizam na rede de dados gerida pela V... tal como alegado pela SCML, sendo antes bastante superiores e perfeitamente suficientes, não se verificando qualquer deficit de armazenamento de dados.

G. Não se verificava qualquer risco iminente que pudesse significar uma grave lesão para o interesse público, muito menos que a SCML possa ficar paralisada.

H. O sistema da SCML foi certificado em 2019, sendo esta certificação válida até 2022, estando já em uso a rede gerida pela V..., pelo que se não vislumbra como pretende a SCML demonstrar que corre o risco de perder as suas certificações.

I. Estando o sistema a funcionar perfeitamente, e não se verificando qualquer risco de paralisação da actividade da SCML, não se verificam também os prejuízos que daí poderiam decorrer.

J. Os riscos de carácter financeiro, que são inexistentes, estão ademais incor-rectamente valorizados pela SCML, pois que a sua actividade em 2020, e provavelmente em 2021, nada terá que ver com o que aconteceu em 2019.

K. Acrescente-se que os novos factos e os novos documentos juntos agora com este recurso não podem ser admitidos.

L. Mas se o forem, os mesmos concorrem antes em confirmar que a SCML não tem qualquer razão para que lhe seja concedido o levantamento do efeito suspensivo determinado pelo art.º 103.º-A do CPTA, como bem o decidiu o Tribunal a quo, e certamente o confirmará este Tribunal Superior.



Neste Tribunal Central Administrativo o Ministério Público foi notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, não tendo emitido pronúncia sobre o mérito da causa.


Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo (em turno) para decisão.

I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

- Se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento, de facto e de direito, quanto à ponderação de interesses efectuada a respeito dos prejuízos decorrentes para o interesse público e para os interesses privados em presença.



I. 1.1. Questão prévia: da junção de documentos com as alegações de recurso:

Em sede recurso, vem a aqui Recorrente requerer a junção de documentos, os quais têm por referência os art.s 31.º e 32.º do requerimento de recurso.

Pelo que importa, a título preliminar, emitir pronúncia sobre a admissibilidade da junção dos referidos documento (certidões/certificados vários relativos ao sistema de jogos).

Para a apreciação e decisão da presente questão prévia importa atentar no art. 651.º do CPC, que dispõe que: “[a]s partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.

Ou seja, a regra é a de que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância (v.g. quando a decisão proferida não era de todo expectável, tendo-se ancorado em regra de direito cuja aplicação ou interpretação as partes, justificadamente, não contavam).

Como se concluiu no ac. do STJ de 1.02.2011, proc. n.º 133/04.4TBCBT: “a junção de documentos na fase de recurso só colhe justificação – só não é impertinente e desnecessária – quando os mesmos visem a modificação da fundamentação de facto da decisão recorrida ou quando o objecto da decisão coloque ‘ex novo’ a necessidade de fazer a prova de factos com cuja utilização pelo julgador a parte não podia anteriormente contar”.

Ora, a admissibilidade de junção de (novos) documentos em sede de recurso, está limitada às situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a sua junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. O que não é o caso.

Tais documentos poderiam ter sido juntos em tempo processualmente adequado - que foi o do pedido do levantamento do efeito suspensivo automático - sem que tenha sido sequer apresentada justificação para a sua junção apenas nesta fase.

Pelo exposto, decidindo, porque a sua junção é agora inadmissível, acorda-se em não admitir os documentos juntos com o requerimento de recurso, devendo estes ser desentranhados dos autos e devolvidos à apresentante (o que se determinará no lugar próprio).


II. Fundamentação

II.1. De facto

Com relevo para a decisão do incidente, foi fixada a seguinte factualidade pelo TAC de Lisboa:

A) A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA lançou o procedimento de concurso público internacional para a “Prestação de Serviços de Rede de Dados Distribuída e Centros de Dados Secundário para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa” (19CC31CPI018), através de anúncio n.º 2019/S 235-576004, publicado no Jornal Oficial da União Europeia em 05.12.2019, bem como do anúncio (n.º 13376/2019) publicado no Diário da República nº 232, II Série, Parte L – Contratos Públicos, de 3.12.2019, do qual resulta, nomeadamente, o seguinte:

«(…)

2 - OBJETO DO CONTRATO

Designação do contrato: 19CC31CPI018 - Prestação de Serviços de Rede de Dados Distribuída e Centros de Dados secundário para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa

Descrição sucinta do objeto do contrato: Prestação de Serviços de Rede de Dados Distribuída e Centros de Dados secundário para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa

Tipo de Contrato: Aquisição de Serviços

Preço base do procedimento: Sim

Valor do preço base do procedimento: 7100000.00 EUR

(…)

O contrato envolve aquisição conjunta (com várias entidades)? Não

Contratação por lotes: Sim

(…)

6 - PRAZO DE EXECUÇÃO DO CONTRATO

Prazo: Anos

2 anos

O contrato é passível de renovação? Sim

Nº máximo de renovações: 3

(…)

9 - PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DAS PROPOSTAS

Até às 23 : 59 do 30 º dia a contar da data de envio do presente anúncio

10 - PRAZO DURANTE O QUAL OS CONCORRENTES SÃO OBRIGADOS A MANTER AS RESPETIVAS PROPOSTAS

120 dias a contar do termo do prazo para a apresentação das propostas

11 - CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO

Melhor relação qualidade-preço: Sim

Critério relativo à qualidade

Nome: NA

Ponderação: 0 %

Critério relativo ao custo

Nome: Fator A- 60 % + Fator B- 40%

Ponderação: 100 %

(…)»

B) O Programa de Concurso fixado para o procedimento concursal em referência, n.º 19CC31CPI018, contém, entre outras, as seguintes disposições:

«1. OBJETO DO CONCURSO

1.1 Constitui objeto do presente concurso público internacional a PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE REDE DE DADOS DISTRIBUÍDA E CENTROS DE DADOS SECUNDÁRIO PARA A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA de acordo com as cláusulas técnicas/especiais e Anexos do caderno de encargos.

1.2 O presente procedimento encontra-se organizado por 2 (dois) LOTES que são:

- LOTE A – REDE DE DADOS DISTRIBUÍDA;

- LOTE B – CENTRO DE DADOS SECUNDÁRIO.

2. IDENTIFICAÇÃO DA ENTIDADE ADJUDICANTE E DECISÃO DE CONTRATAR

2.1. A Entidade Adjudicante é a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, pessoa coletiva de direito privado e utilidade pública administrativa (…)

7. ELEMENTOS QUE CONSTITUEM AS PROPOSTAS

7.1. Na proposta, cada Concorrente manifesta a sua vontade em contratar e indica as condições em que se dispõe a fazê-lo.

7.2. As propostas devem ser constituídas pelos seguintes documentos:

7.2.1. Formulário do Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP), devidamente preenchido, conforme modelo constante do ANEXO I do presente Programa do Concurso;

7.2.2. Declaração com indicação do preço contratual global, conforme modelo constante do ANEXO II ao presente programa do concurso, observando o disposto no artigo 60.º do CCP;

7.2.3. A proposta deve ainda ser constituída, quanto ao LOTE A – REDE DE DADOS DISTRIBUÍDOS:

7.2.3.1. Formulário de preços, devidamente preenchido, que corresponde ao ANEXO III do programa de concurso, com todas as células de fundo verde preenchidas, com os preços correspondentes aos preços unitários de cada tipo de serviço, instalação e mensalidades, sendo estes os preços vinculativos em caso de divergência;

7.2.3.2. As células de fundo verde não preenchidas com um valor numérico serão entendidas como correspondendo a um valor proposto de 0€ (zero euros);

7.2.3.3. Os preços constantes da proposta correspondem a cada um dos serviços assinalados no ANEXO E do caderno de encargos, para os locais indicados no ANEXO F também, do caderno de encargos, e serão válidos durante todo o período de vigência do contrato a celebrar no âmbito do presente procedimento, aplicando-se quer aos serviços elencados nos ANEXOS do Caderno de Encargos, quer aos ajustamentos;

7.2.3.4. O preço de instalação de qualquer tipo dos serviços constantes no ANEXO E do caderno de encargos, não pode exceder o preço de 6 (seis) mensalidades do tipo de serviço correspondente;

7.2.3.5. Não pode exceder o preço base do LOTE A, o preço total resultante da soma dos preços constantes na proposta, sendo o preço de cada tipo de serviço multiplicado pelo valor correspondente nas “quantidades iniciais previstas” (“QIP”) constantes no Anexo E, e do montante fixo para os ajustamentos.

7.2.4. A proposta deve ainda ser constituída, quanto ao LOTE B - LIGAÇÕES CENTRO DE DADOS:

7.2.4.1. Formulário de preços, devidamente preenchido, que corresponde ao ANEXO IV do programa de concurso, com todas as células de fundo verde preenchidas com os preços correspondentes aos preços unitários dos serviços e mensalidades, sendo estes os preços vinculativos em caso de divergência;

7.2.4.2. Não pode exceder €800.000,00 (oitocentos mil euros) o preço dos serviços de Move descritos no REQ-B25, incluindo as certificações descritas no REQ-B30 al. b);

7.2.4.3. Não pode exceder €500.000,00 (quinhentos mil euros) a soma dos seguintes preços:

a) O dos equipamentos WDM descritos no REQ-B18;

b) O dos equipamentos de rede descritos no REQ-B20.

7.2.4.4. Não pode exceder o preço base do LOTE B a soma:

a) Do preço dos serviços de move descritos no REQ-B25, incluindo as certificações descritas no REQ-B30 al. b);

b) Do preço dos equipamentos WDM descritos no REQ-B18;

c) Do preço dos equipamentos de rede descritos no REQ-B20;

d) Do preço de 60 (sessenta) mensalidades do serviço de ligação por fibra escura descrito no REQ-B15;

e) Do preço de 60 (sessenta) mensalidades de alojamento de equipamento descrito no REQ-B12;

f) Do montante fixo para os ajustamentos.

7.2.4.5. Deve a proposta incluir 2 (duas) declarações comprovativas da experiência profissional do gestor de projeto que irá coordenar o Move, que atestem cada uma que coordenou com sucesso um Move distinto de centro de dados e que indique o número de bastidores envolvidos.

7.2.4.6. Localização precisa (latitude e longitude) dos centros de dados, de forma que permita identificá-los de forma clara;

7.2.4.7. Evidências, nomeadamente fotografias, do requerido em REQ-B4:

a) Construção antissísmica;

b) Sistema de proteção de descargas atmosféricas;

c) Sistema de prevenção de inundações e escoamento de águas pluviais;

d) Controlos antiterrorismo, nomeadamente barreiras de proteção no acesso ao edifício que resistam à tentativa de entrada forçada de um veículo pesado;

e) 2 (duas) caixas de acesso para cada operador de telecomunicações com dois caminhos distintos.

7.2.4.8. Ficheiros Kmz, com os traçados das fibras propostas;

7.2.4.9. Indicar o valor do “RTT (“Round-trip-time”) Máximo Garantido” que deverá ser inferior a 2ms (dois milissegundos) e ser expresso em milissegundos com uma casa decimal, conforme indicado no REQ-B19 a) do caderno de encargos.

7.2.4.10. A certificação da solução nos termos do REQ-B19 g).

7.2.5. O Concorrente deverá identificar para todos os requisitos do caderno de encargos, os pontos da proposta e a/s correspondente/s página/s que respondem a cada requisito e adicionar uma breve descrição, utilizando para o efeito uma tabela como a exemplificada em seguida:

7.3. O Concorrente deve apresentar outros documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar, contenham atributos da proposta, de acordo com os quais o Concorrente se dispõem a contratar, conforme a alínea b) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP.

7.4. Sem prejuízo do acima exposto, integram também a proposta quaisquer outros documentos que o Concorrente apresente por os considerar indispensáveis, nos termos do n.º 3 do artigo 57.º do CCP.

7.5. Todos os documentos da proposta devem ser redigidos em língua portuguesa.

7.6. Os preços indicados na proposta são expressos em Euros e não incluem o Imposto sobre o Valor Acrescentado.

7.7. Qualquer classificação de documentos que constituem a proposta deve ser previamente requerida pelos Interessados, nos termos do artigo 66.º do CCP.

(…)

11. CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO E CRITÉRIO DE DESEMPATE

11.1. Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 74.º do CCP, a adjudicação é feita segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa, de acordo com a modalidade de avaliação do preço ou custo, relativamente ao LOTE A.

11.2. E relativamente ao LOTE B a adjudicação é feita segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa, de acordo com a modalidade de avaliação, melhor relação qualidade-preço, nos termos da alínea a) do n.º 1, também do já citado artigo 74.ª do CCP, o qual é composto pelo modelo de avaliação das propostas (…)»

(cfr. doc. 1 junto com a petição inicial)

C) No Caderno de Encargos do concurso, consta o clausulado que se dá por reproduzido e do qual se retira:

«(…)

7. INÍCIO DE VIGÊNCIA E DURAÇÃO DO CONTRATO

7.1. Os contratos a celebrar na sequência do presente procedimento, por LOTE entram em vigor na data das respetivas assinaturas, e terão a duração contratual máxima de 5 (cinco) anos a contar daquela(s) data(s).

7.2. O período de duração inicial do(s) contrato(s), por LOTE, será(ão) de 2 (dois) anos, podendo ser renovados, por períodos iguais e sucessivos de 1 um ano, até à referida duração máxima, salvo se forem denunciados por qualquer das partes com uma antecedência mínima de 60 (sessenta) dias seguidos, através de correio registado com aviso de receção.

7.3. A duração contratual máxima de 5 (cinco) anos, determinada no ponto 7.1, justifica-se pelo volume das tarefas a executar pela SCML, o custo das tarefas a executar pelo adjudicatário, e o risco de que qualquer erro na execução de uma ou outras tenha um grande impacto no negócio da SCML.

7.4. Não obstante o disposto nos pontos anteriores, é ainda possível recorrer a um procedimento aquisitivo por ajuste direto para a celebração de um futuro contrato com o(s) adjudicatário(s) do presente procedimento, conforme previsto no ponto 22. do programa do concurso.

(…)

PARTE II – CLÁUSULAS TÉCNICAS

31. ÂMBITO

31.1. Com o presente procedimento pretende-se contratar o fornecimento de ligações de ambos os centros de dados à Internet, de uma solução de comunicações (VPN/MPLS) que interligue todas as dependências (“locais”) da SCML aos centros de dados principal e secundário, o acesso centralizado à internet, bem como outros serviços de telecomunicações conexos.

31.2. No âmbito do concurso está também o alojamento de um conjunto de equipamentos da SCML em instalações que constituirão o seu centro de dados secundários, bem como uma solução para comunicação de dados entre o centro de dados secundário e o centro de dados principal, estando este último localizado em Lisboa em instalações próprias da SCML.

32. LOTES

32.1. O objeto do contrato a celebrar divide-se nos seguintes LOTES:

32.1.1. LOTE A – REDE DE DADOS DISTRIBUÍDA - que inclui a ligação de todos os locais da SCML (incluindo centros de dados) entre si através de uma VPN/MPLS; a ligação de todos os locais da SCML à Internet através de firewall centralizado; a ligação dos centros de dados a entidades terceiras; a ligação dos centros de dados à Internet com serviço de proteção contra ataques DDoS (“distributed denial of service”); outros serviços conexos, como sendo ligações entre locais da SCML ou entre estes e terceiros, o envio/receção de SMS, firewall, ou a gestão de domínios DNS, conforme ANEXO E deste caderno de encargos.

As moradas dos locais, tipo, serviço e quantidades a utilizar são as referidas no ANEXO F deste caderno de encargos. Os locais remotos situam-se maioritariamente na cidade de Lisboa, existindo um número muito reduzido de locais fora da cidade.

32.1.2. LOTE B - CENTRO DE DADOS SECUNDÁRIO, - que inclui o serviço de ligação entre os centros de dados primário e secundário através de fibra escura, o fornecimento de equipamento de WDM e de rede local, o serviço de alojamento de equipamentos, o Move do equipamento para as novas instalações e reposição em estado de funcionamento idêntico ao original, e a certificação dos sistemas pelas empresas responsáveis pela sua manutenção, que deverá ocorrer mesmo que não haja mudança para outro centro de dados, cf. ANEXO G do presente caderno de encargos.

33. PRAZO DE IMPLEMENTAÇÃO PARA CADA LOTE

33.1. LOTE A - REDE DE DADOS DISTRIBUÍDA:

33.1.1. Ligações de dados aos centros de dados – 30 (trinta) dias seguidos após indicação da SCML;

33.1.2. Ligações a cada centro de dados efetuadas separadamente (em datas distintas), A executar em todos os dias da semana, incluindo sábados, domingos e feriados, à exceção das 3.ª e 6.ª feira;

33.1.3. Restantes ligações de dados – 120 (cento e vinte) dias seguidos (a executar apenas em dias úteis);

33.2. LOTE B - CENTROS DE DADOS SECUNDÁRIO:

33.2.1. ALOJAMENTO DE EQUIPAMENTOS EM CENTRO DE DADOS E LIGAÇÃO ENTRE CENTROS DE DADOS – Deverá estar disponível no prazo máximo de 30 (trinta) dias seguidos após confirmação pela SCML;

33.2.2. MUDANÇA - A mudança só poderá ser iniciada após notificação escrita pela SCML, e sempre e quando o alojamento referido no número anterior esteja disponível; uma vez iniciada, deverá estar concluída num prazo máximo de 10 (dez) dias seguidos, a contar da data da referida notificação pela SCML.

34. REQUISITOS

34.1. REQUISITOS COMUNS AOS 2 LOTES

REQ-C1 As soluções técnicas a implementar pelo(s) adjudicatário(s) no âmbito do presente procedimento deve(m) respeitar e cumprir toda a legislação e regulamentação técnica aplicáveis.

REQ-C2 O(s) adjudicatário(s) obrigam-se a cumprir os prazos de implementação apresentados para cada uma das componentes e aceites pela SCML; caso o incumprimento de quaisquer prazos pelo adjudicatário se deva a razões imputáveis à SCML, suspendem-se os efeitos do incumprimento desde 24 (vinte e quatro) horas antes da notificação, pelo adjudicatário à SCML, dessas mesmas razões até que as mesmas cessem.

(…)

34.2. REQUISITOS REFERENTES AO LOTE A - REDE DE DADOS DISTRIBUÍDA:

(…)

REQ-A12 Todas as ligações contratadas com redundância deverão ter redundância quer de meios físicos quer de equipamentos nos seguintes termos:

a) Os traçados dos meios físicos deverão ser distintos de modo a prevenir a possibilidade de falha simultânea de ambas as ligações;

b) Os meios físicos deverão dar entrada nos edifícios por pontos diferentes sempre que possível;

c) Os equipamentos de suporte a cada ligação deverão ser adequadamente configurados de modo a poder constituir, com os equipamentos ativos a que estejam ligados, ligação resiliente, de recuperação automática e sem pontos únicos de falha.

REQ-A13 O adjudicatário deve disponibilizar uma ferramenta online que permita à SCML consultar, em qualquer altura, informação atualizada (com o hiato máximo da última hora), de indicadores de desempenho e de indicadores de disponibilidade de serviço, monitorização e tempos de resposta, sendo que a informação a consultar deverá ser detalhada da seguinte forma:

a) Indicadores de desempenho: desempenho por largura de banda;

b) Indicadores de disponibilidade / anomalia:

i. Disponibilidade de rede;

ii. Taxa de ocupação média do circuito contratado;

iii. Descrição de anomalias e sua resolução;

iv. Tempo de resposta a anomalias; e

v. Tempo de reparação de anomalias.

Esta ferramenta deve ser disponibilizada no prazo de 60 (sessenta) dias seguidos, após assinatura do contrato.

(…)

34.3. REQUISITOS REFERENTES AO LOTE B – CENTRO DE DADOS SECUNDÁRIO

REQ-B1 Deve o adjudicatário alojar num centro de dados equipamento tecnológico da SCML, instalado em bastidores de 42U.

REQ-B2 O centro de dados não deve originar indisponibilidade anual superior a 0,01% do tempo, sendo a indisponibilidade calculada mensalmente.

REQ-B3 Medidas em linha reta todas as distâncias que se seguem, o centro de dados deve estar localizado:

a) Em território nacional;

b) A distância superior a 2,5 Km da orla marítima e do estuário do Tejo;

c) A altitude superior a 75m;

d) A distância superior a 200m de zonas inundadas ou de aluvião;

e) A distância superior a 1Km de possíveis fontes de perturbação, tais como linhas de transporte pesado ferroviário, aeroportos, indústrias pesadas e afins;

f) A distância superior a 5 Km quer das instalações atuais da DISTI (R. D...) quer das futuras (Av. J…), ambas em Lisboa;

g) Em local acessível através da rede rodoviária de forma rápida e sem obstáculos ou limitações, nomeadamente para carga e descarga de equipamento;

h) A distância inferior a 20Km de um acesso a uma autoestrada.

REQ-B4 O edifício onde esteja inserido o centro de dados deverá apresentar as seguintes características:

a) Construção antissísmica;

b) Sistema de proteção de descargas atmosféricas;

c) Sistema de prevenção de inundações e escoamento de águas pluviais;

d) Controlos antiterrorismo, nomeadamente barreiras de proteção no acesso ao edifício que resistam à tentativa de entrada forçada de um veículo pesado;

e) 2 (duas) caixas de acesso para cada operador de telecomunicações com dois caminhos distintos.

REQ-B5 Deverão ser disponibilizados à SCML, no centro de dados, os seguintes espaços, que deverão situar-se num raio de 50 (cinquenta) metros:

a) Zona de acesso exclusivo pela SCML onde serão instalados os respetivos equipamentos (“zona exclusiva”), fisicamente isolada através de barreira (parede, rede, grade ou semelhante) que se estenda desde o chão até ao teto, incluindo o chão e o teto falsos, apenas transponível através de mecanismo de controlo de acessos cuja permissão será definida pela SCML;

b) Zona destinada aos equipamentos dos operadores de comunicações (“zona de operadores”), fisicamente segregada da zona exclusiva;

c) Local para instalação de uma antena GPS (para o serviço de NTP) que tenha cobertura GPS adequada ao funcionamento do serviço, com ligação de rede à zona exclusiva;

d) Zona para (des)carga e (des)embalagem de equipamentos, fora da zona exclusiva, com área de pelo menos 12m2 (doze metros quadrados), contendo mesas ou bancadas de apoio;

e) Espaço e condições para a deslocação de equipamentos volumosos no interior do edifício, nomeadamente através de corredores, portas, rampas de acesso e monta-cargas (se e quando necessários);

f) Sala de operação, a utilizar pela SCML sempre que necessário, e garantidamente disponível caso a SCML tenha de operar em situação de contingência, com:

i. Ligações aos sistemas alojados na zona exclusiva;

ii. Capacidade para 10 (dez) pessoas sentadas (nomeadamente operadores, técnicos de sistemas e redes, e júri) e condições para operar um computador por pessoa;

iii. Acesso a uma linha e aparelho de FAX.

REQ-B6 A zona exclusiva da SCML deverá ter as seguintes características:

a) Situada em divisão com compartimentação corta-fogo, com paredes e portas com uma resistência mínima de 60 minutos (RF 60) e estanquidade ao fumo;

b) Condições de temperatura e humidade relativa compatíveis com os requisitos de funcionamento do equipamento a alojar;

c) Sistema de climatização redundante, independente e estruturado de modo a possibilitar a manutenção ou reparação de avarias sem necessidade de interromper o seu funcionamento;

d) Sistema de climatização integrado num sistema central de monitorização que permita detetar avarias e flutuações inesperadas das condições ambientais;

e) Sistema automático de deteção e extinção de incêndio, com agentes extintores adequados e compatíveis com os equipamentos a alojar;

f) Piso falso sobrelevado e/ou infraestrutura aérea para a passagem de cablagem;

g) Separação física dos diversos tipos de cablagem através da utilização de calhas e/ou esteiras de cabos;

h) Controlo de acessos através de duplo fator (Ex. através de cartão personalizado, pin ou biometria), bem como existência de registo de entradas e saídas;

i) Caso exista a necessidade de acesso à zona exclusiva por elementos estranhos à SCML; nomeadamente pela obrigatoriedade de permanência na mesma de equipamentos que possam necessitar de intervenções ou manutenção (como por exemplo, equipamentos de climatização), deve o adjudicatário dotar os bastidores da SCML de mecanismos de fechadura com chave, bem como controlar e registar o acesso às respetivas chaves de acordo com as permissões definidas pela SCML;

j) Existência de procedimento documentado a acordar com a SCML, que defina as condições de acesso à zona exclusiva da SCML e aos bastidores de comunicações;

k) Mesa de suporte e respetiva cadeira, bem como rato e teclado USB e monitor VGA.

REQ-B7 Após assinatura do contrato devem ser dadas evidências da existência:

a) De um plano de segurança aprovado pela autoridade competente, e em conformidade com os requisitos legais aplicáveis;

b) De procedimento documentado sobre o controlo de acesso ao edifício, às áreas técnicas e de suporte.

REQ-B8 A segurança e vigilância do centro de dados deverão apresentar as seguintes características:

a) Presença, controlo e vigilância permanentes por elemento humano;

b) Existência de sistema de controlo de acessos ao centro de dados e a todas as áreas técnicas de suporte;

c) Existência de alarme de deteção de abertura de portas do centro de dados e de todas as saídas de emergência;

d) Existência, no interior do centro de dados e zonas de circulação, de sistema de deteção e alarme de intrusão ligado a um sistema de gestão seguro por equipa especializada;

e) Existência, no interior do centro de dados e zonas de circulação – e especialmente na zona exclusiva – de sistema de vigilância tipo CCTV que permita a visualização e gravação remota, indicando o tempo de guarda dos registos de acordo com o legalmente estabelecido.

(…)

REQ-B15 Deverá ser fornecido o serviço de utilização de 2 (duas) ligações por fibra escura (um par de fibras por ligação, sendo uma para transmit e a outra para receive) entre o centro de dados secundário e o centro de dados principal, com:

a) Garantia de reparação, após notificação de falha, em 24 (vinte e quatro) horas no caso de falha de apenas uma ligação, e em 8 (oito) horas para reparação de pelo menos uma delas, no caso de falha de ambas, sendo que todas as despesas decorrentes da reposição do serviço correrão por conta do adjudicatário;

b) Distância mínima de 100m (cem metros) entre as fibras na totalidade do seu percurso, entre os centros de dados, com exceção dos últimos 200m (duzentos metros) junto a cada uma das extremidades, para o que deverão as propostas incluir o detalhe dos percursos das fibras em formato KMZ.

REQ-B16 É possível que, na vigência do contrato a celebrar em virtude do presente procedimento, o centro de dados principal seja transferido das instalações atuais para a Av. J... (o que se prevê que possa suceder em 2021), ou para outro lugar da Zona Metropolitana de Lisboa. Neste caso, deverá o adjudicatário:

a) Iniciar a sua mudança no prazo máximo de 30 (trinta) dias seguidos, após solicitado pela SCML, sendo que a SCML apenas pagará, dos serviços correspondentes às alíneas abaixo, aqueles que venha eventualmente a solicitar, podendo mesmo não os solicitar de todo;

b) Proceder à mudança das ligações por fibra escura do atual centro de dados primário para as novas instalações, podendo ser movida apenas 1 (uma) de cada vez, e devendo cada mudança estar terminada no prazo de 48 (quarenta e oito) horas após iniciada, e devendo ser garantida a sua conetividade lógica, incluindo eventual reconfiguração dos equipamentos WDM;

c) Fornecer 1 (uma) ou mais ligações por fibra entre o atual centro de dados primário e o novo, que permitam cada uma a comunicação a 10Gb/s; estas deverão ser entregues no prazo máximo de 42 (quarenta e dois) dias seguidos, e poder ser mandadas remover a qualquer momento da vigência do contrato, cessando de imediato os respetivos pagamentos.

REQ-B17 A mudança de ligações redundantes entre si, decorrente da mudança de instalações de qualquer dos centros de dados, deve ser efetuada uma ligação de cada vez e coordenada com a SCML, de modo a reduzir-se ao mínimo o tempo de indisponibilidade de serviço. Qualquer quebra de serviço decorrente da mudança de instalações que não seja programada e previamente acordada com a SCML será, para efeitos do cálculo dos níveis de serviço, considerada uma indisponibilidade não programada.

REQ-B18 Deverá o adjudicatário fornecer 4 (quatro) equipamentos de WDM (Wavelength Division Multiplexing), adequadamente configurados e funcionais, aos quais serão ligados, em ambos os centros de dados, quer as fibras a fornecer, quer equipamentos de LAN (Ethernet) e SAN (Fibre Channel). Os equipamentos em causa deverão ser:

a) Totalmente independentes entre si, sem partes comuns que possam originar falhas simultâneas;

b) Fornecidos com 5 (cinco) anos de manutenção incluídos, com garantia de reparação em 6 (seis) horas após notificação de falha.

REQ-B19 Deverá o conjunto constituído pelos equipamentos WDM e pelas ligações por fibra escura a fornecer:

a) Garantir, sob pena de aplicação mensal de penalidades proporcionais à dimensão do incumprimento, um RTT (“Round-trip-time”) máximo não superior ao valor do “RTT Máximo Garantido, devendo este último ser inferior a 2 ms (dois milissegundos) e estar expresso na proposta em milissegundos com uma casa decimal;

b) Constituir solução redundante que garanta a conetividade em caso de falha de qualquer dos equipamentos WDM fornecidos ou de qualquer das ligações de fibra;

c) Permitir efetuar-se, por cada ligação de fibra, pelo menos 4 (quatro) ligações Fibre Channel simultâneas à velocidade mínima de 8Gb/s por ligação Fibre Channel;

d) Cumulativamente, permitir efetuar-se, por cada ligação de fibra, pelo menos 4 (quatro) ligações Ethernet simultâneas à velocidade mínima de 10Gb/s por ligação Ethernet;

e) Permitir cifrar quer o tráfego Ethernet quer o tráfego Fibre Channel através de AES256-GCM ou equivalente;

f) Permitir cifrar, em simultâneo e por cada fibra, o tráfego de quaisquer 4 (quatro) ou mais das ligações disponíveis;

g) Permitir a replicação síncrona de dados entre os equipamentos de armazenamento de dados existentes na SCML (HPE 3Par 7x00 e 8x00), sendo obrigatória a certificação da solução, quer pelo fabricante do equipamento WDM a fornecer, quer pelo do equipamento de armazenamento de dados; estas certificações deverão aplicar-se e fazer referência explícita ao presente procedimento aquisitivo, e ser entregues com a proposta;

h) Ser objeto de certificação, após a instalação, pelo fabricante dos equipamentos de armazenamento de dados referidos, de que se encontram funcionais os mecanismos de replicação síncrona, as funcionalidades de suporte a VMware stretched cluster e as de peer persistence; esta certificação será efetuada a expensas do adjudicatário.

REQ-B20 Existem no centro de dados principal 2 (dois) equipamentos de rede HPE Flexfabric 5940 (part number: JH398A) com 3 (três) módulos cada (JH409A, JH180A e JH182A), e fontes de alimentação redundantes. Deverá o adjudicatário fornecer equipamentos de rede, destinados a ser conectados aos equipamentos de WDM, que satisfaçam integralmente os requisitos de uma das seguintes alíneas:

a) 2 (dois) equipamentos de rede equivalentes aos existentes no centro de dados principal, destinados a ser instalados no centro de dados secundário, que tenham suporte para VxLAN, o mesmo número de portas (ou superior) e transceivers da mesma velocidade que os equipamentos existentes, e que possam ser ligados a estes últimos através de ports SFP+ de forma a constituir 1 (uma) única entidade de configuração integralmente redundante;

b) 4 (quatro) equipamentos de rede equivalentes aos existentes no centro de dados principal, destinados a ser instalados nos centros de dados principal e secundário, que tenham suporte para VxLAN, o mesmo número de portas (ou superior) e transceivers da mesma velocidade que os equipamentos existentes, e que possam ser ligados entre si através de ports SFP+ de forma a constituir 1 (uma) única entidade de configuração integralmente redundante.

(…)»

(cfr. doc. 2 junto com a petição inicial)

D) Ao procedimento concursal n.º 19CC31CPI018, apresentaram proposta os seguintes concorrentes:

V... – C…, S.A.

M… – S…, S.A.

N… - C…, S.A.

(cfr. doc. 3 junto com a petição inicial)

E) Em 29.6.2020, o Júri do procedimento n.º 19CC31CPI018 reuniu e elaborou Relatório Preliminar em que procede à análise e avaliação das propostas, constante da “Ata n.º 3” que se dá por reproduzida, e da qual se extrai, designadamente:


«Imagem no original»

F) Notificada do Relatório Preliminar de análise e avaliação das propostas, no procedimento de concurso público internacional n.º 19CC31CP1018, a ora Autora exerceu o direito de audiência prévia, por via da pronúncia que se dá por reproduzida, requerendo a final ao Júri do procedimento que reavalie quer a proposta da Concorrente N… (para os Lotes A e B) quer a proposta da Concorrente M… (para os Lotes A e B), propondo a exclusão das mesmas e reordenando, consequentemente, a classificação final do Procedimento e propondo a adjudicação da sua proposta;

(cfr. doc. 4 junto com a petição inicial)

G) Em 22.7.2020, o Júri do procedimento reuniu e elaborou Relatório Final, vertido em “Ata n.º 4” se dá por reproduzida e da qual se respiga o seguinte:


«Imagem no original»

H) O sentido decisório expresso no Relatório Final veio a ser integralmente acolhido pela entidade adjudicante, que, por Deliberação n.º 1379/2020, da sessão ordinária da Mesa da SCML de 03.09.2020, autorizou a adjudicação do procedimento n.º 19CC31CPI018 – Prestação de Serviços de Rede de Dados Distribuída e Centros de Dados secundário para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, à empresa N… COMUNICAÇÕES, S.A., para ambos os Lotes, para a duração máxima dos 5 (cinco) anos, pelo preço contratual de 3.318.935,16 € (três milhões, trezentos e dezoito mil, novecentos e trinta e cinco mil euros e dezasseis cêntimos);

(cfr. doc. 6 junto com a petição inicial)

I) A ora Autora recebeu uma comunicação da plataforma “acinGov”, remetida por correio eletrónico datado de 8.9.2020, sobre o assunto “acinGov – Notificação da decisão de adjudicação - 19CC31CPI018”, informando da formalização da decisão de adjudicação no procedimento pré-contratual identificado, da entidade adjudicante SCML, à proposta da N… – Comunicações, S.A.;

(cfr. doc. 7 junto com a petição inicial)

J) A petição inicial da presente ação deu entrada em Tribunal no dia 22.9.2020;

(cfr. fls. 1 dos autos em paginação eletrónica)



II.2. De direito

O presente recurso jurisdicional vem interposto da sentença proferida pelo TAC de Lisboa que indeferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo do acto impugnado na acção de contencioso pré-contratual intentada pela V... PORTUGAL – C…, S.A., contra SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA (SCML), consubstanciado na adjudicação efectuada pela Deliberação n.º 1379/2020, em sessão ordinária da Mesa da SCML de 3.09.2020, no Concurso Público Internacional, com a referência de Processo n.º 19CC31CPI018, para a “Prestação de serviços de Rede de Dados Distribuída e Centros de Dados Secundário para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa”.

Para assim decidir, assentou a sentença recorrida no seguinte discurso fundamentador:

“(…)

O legislador implantou, nos números 2, 3 e 4 do artigo 103.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, revisto pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro de 2019 (CPTA), um mecanismo processual que mitiga a amplitude e a radicalidade inerentes à produção do efeito suspensivo automático que, em certas hipóteses, o legislador associa à impugnação de atos de adjudicação.

Quando pedido o levantamento do efeito suspensivo, importa, em primeiro lugar, apurar se efeito legal operou e, em caso afirmativo, sopesar os interesses (públicos e privados) em confronto seguindo o critério de decisão plasmado no n.º 4 do art. 103.º-A do referido Código.

Acerca da produção do efeito suspensivo, estabelece o art. 103.º-A, n.º 1 do CPTA, na redação aplicável: “[a]s ações de contencioso pré-contratual que tenham por objeto a impugnação de atos de adjudicação relativos a procedimentos aos quais é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 95.º ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º do Código dos Contratos Públicos, desde que propostas no prazo de 10 dias úteis contados desde a notificação da adjudicação a todos os concorrentes, fazem suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado”.

Observam, neste conspecto, Ricardo Pedro e António Mendes Oliveira, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos – Anotação à Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro”, Almedina, pp. 184 e 185, que “(…) em conformidade com o disposto na Diretiva-Recursos, no novo regime atribui-se o efeito suspensivo automático apenas aos contratos que estejam submetidos ao período de standstill (10 dias uteis) desde que sejam impugnados dentro desse período.

Os requisitos de admissibilidade da suspensão automática dos efeitos do ato impugnado ou da execução do contrato, se este já tiver sido celebrado, são:

i) estar em causa a impugnação de atos de adjudicação relativos a procedimentos aos quais seja aplicável:

a. O disposto no n.º 3 do artigo 95.º do CCP, que se refere às situações em que o contrato não tenha sido reduzido a escrito e a que não pode, porém, dar-se início a qualquer aspeto da sua execução antes de decorrido o prazo de 10 dias a contar da data de notificação da decisão de adjudicação (…), ou

b. na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º do CCP, que se refere às situações em que o contrato tenha sido reduzido a escrito e cuja outorga deve ter lugar no prazo de 30 dias contados da data da aceitação da minuta ou da decisão sobre a reclamação, mas nunca antes de decorridos 10 dias contados da data da notificação da decisão de adjudicação a todos os concorrentes. Deve ter-se em conta que, de acordo com o disposto no n.º 2 deste artigo, o prazo de standstill de 10 dias não é aplicável quando: o contrato tenha sido celebrado ao abrigo de um procedimento de ajuste direto ou de consulta prévia ou, nos demais procedimentos, quando o anúncio não tenha sido publicado no JOUE; se trate da celebração de contrato ao abrigo de acordo-quadro cujos termos abranjam todos os seus aspetos ou que tenha sido celebrado apenas com uma entidade, só tenha sido apresentada uma proposta;

ii) desde que propostas no prazo de 10 dias úteis contados desde a notificação da adjudicação a todos os concorrentes”.

Ou seja, as ações de impugnação da decisão de adjudicação apenas produzem o efeito suspensivo quando o procedimento pré-contratual adotado (com vista à celebração de contratos de empreitada e concessão de obras públicas, concessão de serviços públicos, de aquisição ou locação de bens móveis e de aquisição de serviços) tenha tido publicidade internacional e, mesmo nestes casos, apenas quando tenha sido apresentada mais do que uma proposta.

Refira-se que a possibilidade de escolha do procedimento de concurso público, não fundada em critérios materiais, com publicidade internacional é obrigatória quando igual ou superior aos limiares europeus aplicáveis aos contratos de concessão de serviços públicos e de obras públicas, de empreitada de obras públicas, de fornecimentos de bens, de prestação de serviços, de concursos de conceção, de serviços sociais e outros serviços específicos, bem como dos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais. Nos demais casos, pode não ser dada publicidade internacional a esse procedimento.

Estes limiares foram pela última vez revistos pelo Regulamento Delegado (UE) 2019/1827 (referente aos contratos de concessão de serviços públicos e de obras públicas), do Regulamento Delegado (UE) 2019/1828 (referente aos contratos públicos de empreitada de obras públicas, de fornecimentos de bens, de prestação de serviços e de concursos de conceção), e do Regulamento Delegado (UE) 2019/1829 (referente aos contratos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais), todos da Comissão Europeia datados de 30 de outubro de 2019, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2020.

Assim, para as empreitadas de obra pública, o limiar está atualmente fixado em €5.350.000; para a locação e aquisição de bens móveis e para a aquisição de serviços, o limiar está atualmente fixado em €139.000, se a entidade adjudicante for o Estado, e em €214.000, nos restantes casos, nos termos dos artigos 19.º e 20.º do Código dos Contratos Públicos.

Sumariando, o efeito suspensivo automático encontra-se reservado às situações em que o legislador associe à notificação da adjudicação a todos os concorrentes o chamado efeito standstill, consistente num termo suspensivo obrigatório, de natureza procedimental, que implica um compasso de espera até à celebração do contrato.

De igual modo, é necessário que a ação em que se impugne a decisão de adjudicação tenha sido intentada dentro desse período de standstill, escandido em 10 dias úteis.

In casu, face às circunstâncias de facto condensadas no probatório, não pode deixar de se concluir que o efeito suspensivo se desencadeou automaticamente com a propositura da ação, ex vi do art. 103.º-A, n.º 1 do CPTA.

Desde logo, o procedimento seguido pela entidade adjudicante foi o do concurso público com publicidade internacional, já que o anúncio da sua abertura foi também publicado no JOUE (cfr. ponto A do probatório).

Além disso, foram várias as propostas apresentadas a concurso e admitidas pelo respetivo Júri, como se infere dos pontos D e E do probatório, sendo que o n.º 2 al. d) do art. 104.º do CCP só afasta a aplicabilidade do período standstill caso tenha sido apresentada uma única proposta (o que não foi o caso).

Por fim, considerando que a concorrente, ora Autora, foi notificado da decisão de adjudicação no dia 8.9.2020 e que a presente ação foi instaurada em 22.9.2020 (cfr. pontos I e J do probatório), não foi excedido o prazo de impugnação com virtualidade suspensiva, que o legislador fixa em 10 dias úteis.

Por conseguinte, a propositura da presente ação suspendeu automaticamente os efeitos do ato de adjudicação praticado.

Assente que o efeito suspensivo se formou, importa averiguar se estão reunidas as condições legais para o seu levantamento. Como tem advertido a doutrina e a jurisprudência, a regra é a do efeito suspensivo automático perdurar enquanto estiver pendente a ação administrativa de contencioso pré-contratual urgente, podendo, todavia, ser excecionalmente levantado no âmbito de um incidente suscitado durante a pendência da ação, sempre que preenchida esteja a previsão normativa do n.º 4 do art. 103.º-A do CPTA.

Quer a Entidade Demandada, quer a Contrainteressada NOS, solicitaram o levantamento do efeito suspensivo, em momento processualmente próprio, porquanto o fizeram durante a pendência da ação, e antes do encerramento da discussão da causa (n.º 2 do art. 103.º-A do CPTA).

A decisão deste incidente processual, de natureza preventiva e cautelar, deve nortear-se pelo disposto no n.º 4 do art. 103.º-A do CPTA, com o seguinte teor:

“O efeito suspensivo é levantado quando, ponderados todos os interesses suscetíveis de serem lesados, o diferimento da execução do ato seja gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos”.

O critério de decisão a que a norma citada dá corpo supõe um juízo de ponderação global dos interesses envolvidos (públicos e privados). De acordo com Ricardo Pedro e António Mendes Oliveira, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos – Anotação à Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro”, Almedina, p. 192, “[s]e o resultado do referido juízo ponderativo for no sentido de o diferimento da execução do ato ser gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos então, numa dessas hipóteses deve ser levantado o efeito suspensivo.

Assim, parece que os critérios orientadores do juízo jurisdicional – juízo de ponderação de interesses/danos – a serem seguidos pelo juiz administrativo se devem recortar a partir dos resultados, isto é, deverá ter lugar o levantamento do efeito suspensivo se (e só se) ficar provado que a decisão de diferimento da execução do ato revela:

i) prejuízo grave para o interesse público, ou

ii) consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos”.

Pelo que, é mister que tenha ficado indiciada a probabilidade razoável de ocorrência de danos ou prejuízos, infligidos ao interesse público (desde assumam gravidade) ou a interesses privados, designadamente de contrainteressados (desde que claramente desproporcionados, por comparação com os danos derivados do levantamento), propiciados pela subsistência do efeito suspensivo dos efeitos do ato de adjudicação impugnado até ao trânsito em julgado da decisão da causa principal.

Como refere Ana Gouveia Martins, in CJA n.º 124, “Efectividade da tutela cautelar”, pp. 12 a 14, “o escopo que presidiu à consagração do efeito suspensivo automático no art.º 103.º-A, foi o de dar prevalência à reposição do respeito pelo regime da contratação pública por via da expurgação e correcção das ilegalidades do procedimento adjudicatório, malgrado as perturbações e prejuízos causados pela paralisação da execução dos contratos”, visando proporcionar uma tutela assente na reconstituição in natura em detrimento de uma tutela meramente ressarcitória.

Acrescenta a mesma Autora, na aludida obra, que “[o] critério adoptado no art. 103.º-A é, por conseguinte, o critério da ponderação de interesses, mas o efeito suspensivo só pode ser levantado se for invocada e demonstrada a ocorrência de prejuízos graves ou claramente desproporcionados que prevaleçam sobre os prejuízos para os interesses do concorrente, mormente, os resultantes do risco de já não ser possível retomar o procedimento pré-contratual para determinar quem nele seria escolhido como adjudicatário”.

Não basta, portanto, a existência de uma mera prejudicialidade para o interesse público, nem a existência de apenas consequências lesivas desproporcionadas, na medida em que o legislador terá, ele mesmo, necessariamente ponderado a possibilidade da existência de um prejuízo desse tipo (não qualificado) e não o afastou do alcance do efeito suspensivo (cfr., neste sentido, o acórdão do TCA-Sul de 24.11.2016, proc. n.º 13747/16, in www.dgsi.pt).

Em síntese, a chave de leitura da norma em apreço repousa na reserva do levantamento do efeito suspensivo automático para os casos em que seja possível antecipar que:

1. a não execução imediata do ato de adjudicação (ou do contrato já celebrado) infligirá uma lesão especialmente avultada do interesse público; ou (alternativamente)

2. o diferimento da celebração e execução do contrato acarreta para os interesses públicos ou privados contrapostos aos do autor, prejuízos que se mostram claramente superiores aos prejuízos que para o autor possam resultar da retoma do prosseguimento do procedimento pré-contratual na fase pós-adjudicatória; não revestindo relevo a este nível as normais consequências lesivas que o legislador já assumiu ao criar o efeito suspensivo.

Face ao estatuído no art. 103.º-A, n.º 4, do CPTA, conjugado com o disposto no art. 342.º n.º 1, do Código Civil, recai sobre a entidade demandada e os contrainteressados o ónus de alegar e provar que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos. Com efeito, valem aqui as regras gerais sobre o ónus de alegação e distribuição do ónus de prova (cfr. o acórdão do TCA-Sul de 10.12.2019, proc. n.º 854/19.7BELSB-S1, in www.dgsi.pt).

Volvendo ao caso em presença, ambas as requerentes do levantamento do efeito suspensivo automático convergem na alegação de um grave prejuízo para o interesse público, caso esse efeito se prolongue até ao trânsito em julgado da decisão da causa principal.

A questão nuclear submetida à apreciação deste Tribunal reconduz-se, pois, a saber se é razoavelmente de antever que a indisponibilidade dos serviços de rede de dados distribuída e centro de dados secundário para a Entidade Demandada Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, objeto do procedimento de contratação pública lançado, durante o tempo de vida deste processo, lesa gravemente o interesse público por esta prosseguido.

Antes de mais, a entidade adjudicante do procedimento pré-contratual aqui em questão, que é a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, embora não seja um ente público, é uma pessoa coletiva de direito privado e utilidade pública administrativa (cfr. o art. 1.º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 235/2008 de 03 de dezembro, doravante ESCML).

A atividade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa está subordinada a tutela governamental, exercida pelo membro do Governo que superintende a área da segurança social.

Essa tutela abrange, além dos poderes especialmente previstos nos estatutos, a definição das orientações gerais de gestão, a fiscalização da atividade da Misericórdia de Lisboa e a sua coordenação com os organismos do Estado ou dele dependentes (art. 2º dos ESCML).

Compreendem-se nos fins estatutários da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa desenvolver as atividades de serviço ou interesse público que lhe sejam solicitadas pelo Estado ou outras entidades públicas, e realizar fins de ordem social, nomeadamente ao nível da melhoria do bem-estar das pessoas, prioritariamente dos mais desprotegidos, abrangendo as prestações de ação social, saúde, educação e ensino, cultura e promoção da qualidade de vida (cfr. art. 4.º, n.ºs 1 e 2 dos ESCML).

Nesse âmbito, cabe-lhe assegurar a exploração dos jogos sociais do Estado, enumerados no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 56/2006, de 15 de março (na redação resultante do Decreto-Lei Nº 23/2018, de 10 de abril), em regime de exclusividade para todo o território nacional, e a consequente distribuição dos resultados líquidos, podendo, de igual modo, explorar outros jogos que venham a ser criados [art. 4.º, n.º 3 al. s) dos ESCML].

Os resultados líquidos dos Jogos Sociais do Estado são distribuídos por diversas entidades, incluindo, entre outros, os Ministérios da Administração Interna, da Solidariedade e da Segurança Social, da Educação, da Saúde e a própria SCML, concorrendo para o financiamento das suas iniciativas sociais, como se prevê no art. 3.º do aludido Decreto-Lei n.º 56/2006.

É notório e incontroverso nos autos que a exploração dos jogos sociais do Estado e de quaisquer outros jogos autorizados que sejam cometidos à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, tem uma base territorial disseminada por todo o país, com uma forte vertente online, encontrando-se disponíveis no sítio de internet mantido pelo respetivo Departamento dos Jogos apostas em grande número (senão todas) as modalidades de jogo social cuja gestão e exploração lhe incumbem.

Esta vertente online do jogo, e do próprio funcionamento da instituição, implica a disponibilidade de (pelo menos) um centro de dados, que acautele o armazenamento, a segurança e a continuidade operativa dos sistemas computacionais de que a rede informática em causa se serve.

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa já dispõe de um datacenter na região de Lisboa, encontrando-se em vigor um contrato celebrado entre esta e a ora A., com vigência máxima até 14 de agosto do ano corrente, que lhe assegura parte dos serviços correspondentes aos abrangidos pelo procedimento em apreço.

Invocam as requerentes do incidente que o procedimento pré-contratual em litígio reflete a necessidade de alteração técnica da solução em vigor para uma mais atualizada e adaptada aos seus atuais interesses e necessidades no que diz respeito a larguras de banda e à segurança dos dados e redundância dos serviços.

Segundo as suas alegações, o contrato a celebrar aportará à entidade adjudicante a infraestrutura necessária à total redundância geográfica do seu centro de dados principal, ou seja, que, em caso da falha total e catastrófica do centro de dados principal, o centro de dados secundário assegure a prestação da totalidade dos serviços falhados, a partir dos sistemas que a SCML aí instale.

Em ordem à materialização plena da compra em causa, será indispensável:

1. o centro de dados, a fibra escura e os equipamentos cujo fornecimento está previsto no Lote B;

2. as ligações do referido centro de dados à internet e à rede MPLS previsto no lote A;

3. um conjunto de equipamentos e licenciamento a adquirir em concursos públicos autónomos.

Compulsado o probatório, constata-se que o objeto do contrato a celebrar se divide em dois lotes:

«32.1.1. LOTE A – REDE DE DADOS DISTRIBUÍDA - que inclui a ligação de todos os locais da SCML (incluindo centros de dados) entre si através de uma VPN/MPLS; a ligação de todos os locais da SCML à Internet através de firewall centralizado; a ligação dos centros de dados a entidades terceiras; a ligação dos centros de dados à Internet com serviço de proteção contra ataques DDoS (“distributed denial of service”); outros serviços conexos, como sendo ligações entre locais da SCML ou entre estes e terceiros, o envio/receção de SMS, firewall, ou a gestão de domínios DNS, conforme ANEXO E deste caderno de encargos.

As moradas dos locais, tipo, serviço e quantidades a utilizar são as referidas no ANEXO F deste caderno de encargos. Os locais remotos situam-se maioritariamente na cidade de Lisboa, existindo um número muito reduzido de locais fora da cidade.

32.1.2. LOTE B - CENTRO DE DADOS SECUNDÁRIO, - que inclui o serviço de ligação entre os centros de dados primário e secundário através de fibra escura, o fornecimento de equipamento de WDM e de rede local, o serviço de alojamento de equipamentos, o Move do equipamento para as novas instalações e reposição em estado de funcionamento idêntico ao original, e a certificação dos sistemas pelas empresas responsáveis pela sua manutenção, que deverá ocorrer mesmo que não haja mudança para outro centro de dados, cf. ANEXO G do presente caderno de encargos» (cfr. ponto C do probatório).

O fulcro da questão suscitada consiste em saber se a paralisação da aquisição destes serviços pretendidos pela Entidade Demandada, até à decisão da causa principal, desencadeará consequências gravemente nefastas para o interesse público.

Em face dos elementos concretos apurados nos autos, a conclusão não pode deixar de ser negativa.

Como ponto prévio, refira-se que o acento tónico do risco para o interesse público não é posto na disponibilidade dos serviços de comunicação, alojamento e processamento de dados global, pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, mas na necessidade de obter uma solução técnica mais atualizada e robusta face à existente, e, particularmente, de assegurar uma redundância do centro de dados principal usado por esta instituição, reforçando a segurança e inviolabilidade do seu sistema e precavendo os efeitos de uma falha total e catastrófica desse centro de dados.

À luz dos requisitos técnicos formulados para ambos os lotes a concurso, no Caderno de Encargos, não nos invade qualquer dúvida de que o contrato a celebrar concorrerá para a segurança e a redundância dos sistemas de dados à disposição da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, e para prevenir eventuais cenários de ataque informático ou de catástrofe.

Contudo, o que se impunha aos interessados no levantamento do efeito suspensivo era alegar e provar um risco sério de prejuízos graves e qualificados para o interesse público.

Relativamente a este requisito, refere António Cadilha, op. cit., nota de pé de página n.º 12, que “parece ser de afastar a verificação desse requisito sempre que estejam em causa contratos que visem a realização de requisitos materiais de funcionamento dos serviços administrativos, sem reflexo direto na específica prossecução das atribuições a cargo do ente público contratante. E mesmo quando o interesse público visado com a celebração do contrato seja um interesse qualificado – ligado com a satisfação direta de necessidades coletivas concretas – isso não significa, automaticamente, que a paralisação do procedimento gere um grave prejuízo para o interesse público, sendo necessário que a entidade adjudicante prove que essa paralisação afeta, de forma irremediável ou particularmente grave, a prossecução das necessidades coletivas em causa (o que será, certamente, excecional)”.

Não se ignora que a exploração dos jogos sociais (de fortuna ou azar) legalmente cometida à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa - cujos proveitos não só contribuem, para custear a sua obra social, mas também são fonte de receitas de políticas sociais do Estado – satisfaz necessidades coletivas.

Simplesmente, não se afigura viável estabelecer uma ligação direta entre a suspensão da aquisição os serviços cuja contratação está em causa e a produção de prejuízos gravemente percucientes sobre tais necessidades coletivas.

Mesmo a admitir que a fruição de um sistema de dados com ligação segura e instantânea à internet e aboletado num centro de dados é essencial à atividade operacional daquela instituição e, reflexamente, nas necessidades coletivas a que a mesma permite acorrer, essa solução de comunicações (principal) está já assegurada por um contrato celebrado com a ora A., como admitem as requerentes do presente incidente.

O propósito da contratação cujo procedimento se acha suspenso é, antes, a aquisição de serviços relativos à interligação de dois centros de dados e dependências locais da SCML e centralização naqueles da ligação à internet, ao alojamento de um conjunto de equipamentos da SCML em instalações que constituirão o centro de dados secundários, bem como uma solução para comunicação de dados entre o centro de dados secundário e o centro de dados principal (entre outras funcionalidades acessórias).

Sendo certo que, como admite a Entidade Demandada, a materialização da instalação do centro de dados secundário e dos serviços a adquirir depende da aquisição de um conjunto de equipamentos e licenciamento a adquirir em concursos públicos autónomos (não tendo sido possível aferir se tais concursos foram já lançados e em que estado se encontram).

Destarte, revela-se impossível traçar um elo minimamente consistente entre a suspensão da aquisição dos serviços compreendidos neste procedimento pré-contratual e a lesão (num nível de gravidade legalmente exigida) do interesse público.

Não podendo a identificação de prejuízos graves para o interesse público bastar-se com eventuais vulnerabilidades decorrentes da falta de redundância do centro de dados ao serviço da SCML, que terão, quando muito, uma projeção meramente reflexa sobre as finalidades de interesse público que a exploração dos jogos ajuda a financiar.

Acolhendo-nos à doutrina do acórdão do TCA-Sul de 9.5.2019, proc. n.º 601/18.0BELRA-S1, in www.dgsi.pt, a regra (do efeito suspensivo) só pode ser invertida em situações atípicas ou extraordinárias, quando ocorram prejuízos ou danos graves e claramente desproporcionais para os interesses públicos ou contrapostos.

E, no caso em equação, não se vislumbra que, da não pronta retoma da execução do ato suspenso, procederá um prejuízo iminente, imediato e irreversível para o interesse público.

Por outro lado, se a criação de um centro de dados secundário e subsequente redundância dos sistemas computacionais em uso, permite minimizar a consumação de um cenário de catástrofe informática, esse risco não se apresenta concretizado, nem se prevê que, num futuro próximo recrudesça ou se intensifique face ao que já se vai registando ao longo do tempo em que a SCML se tem unicamente valido do seu centro de dados principal.

A tudo acresce que não foi devidamente explanado, nem demonstrado, em que medida a não contratação dos serviços a alojar no centro de dados secundário - e a inerente falta de redundância de sistemas - inibirá a capacidade de resposta de alta disponibilidade exigida pela atividade do jogo social, ou constrange o lançamento no mercado de novos jogos sociais.

Importando, ainda, salientar que, conquanto venha alegado que, em virtude do efeito suspensivo, a SCML continuará a usufruir de serviços que já não vão ao encontro das suas reais necessidades, e cuja dimensão fica aquém da que pretende atualmente, com o pagamento de valores que são consideravelmente superiores aos que resultam da celebração do contrato com a adjudicatária, tal cenário não representa um prejuízo grave (excecional, extraordinário) para o interesse público.

Não sendo, ademais possível estabelecer que a continuação do efeito automático previsto no art. 103.º-A do CPTA lesa de forma clamorosamente desproporcional os interesses contrapostos aos da A., por comparação com o prejuízo patrimonial que para a mesma derivaria da frustração pela não realização/execução do contrato objeto do procedimento e proventos/lucros daí decorrentes.

Consequentemente, não tendo ficado demonstrados os danos graves para o interesse público invocados pela Entidade Demandada e pela Contrainteressada, e exigidos pelo art. 103.º-A, n.º 4 do CPTA, na versão aplicável, o incidente de levantamento do efeito suspensivo, aqui em equação, tem necessariamente de improceder [sublinhados nossos]”.

Alega a Recorrente que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento quanto à ponderação de interesses efectuada a respeito dos prejuízos decorrentes para o interesse público e para os interesses privados em presença. Em suma, sustenta que “o cenário de catástrofe [alegado] não encontra devidamente salvaguardado pelo contrato em vigor celebrado entre a SCML e a V..., pelo que a eventual perda do centro de dados principal significará a perda irreparável da maior parte dos dados e sistemas aí existentes: alguns não essenciais apesar de a sua perda constituir prejuízo de grande vulto para a SCML, ao passo que a eventual perda de outros dados implicará a paragem das atividades da SCML durante meses ou mesmo em definitivo, como acima se deixou alegado”, sendo que “a (velocidade da) ligação atual não passa de 1Gb e está frequentemente esgotada, sendo que mesmo uma ligação 10 vezes superior a esse débito não acomodaria sequer as necessidades atuais, quanto mais as decorrentes dos novos Jogos Sociais que a SCML irá introduzir no seu portefólio”;

Mas o decidido é de manter.

De acordo com o regime legal supra enunciado, há que sopesar os interesses conflituantes em presença, impondo-se o levantamento do efeito suspensivo quando se verifique a superioridade do interesse público. Para que o juiz decida pelo levantamento, bastará que, de acordo com o juízo de ponderação a efectuar, conclua que os prejuízos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo automático se revelam superiores aos que podem resultar do seu levantamento. Ao fim e ao cabo, trata-se de regime que tem o seu lugar paralelo no critério de ponderação estabelecido a propósito das providências cautelares, seja o previsto no art.120.º, n.º 2, seja o previsto no artigo 132.º. n.º 4 (os processos que não são abrangidos pelo contencioso pré-contratual), ambos do CPTA.

De todo o modo, sempre haverá que concatenar-se o n.º 4 deste artigo 103.º-A, com o seu n.º 1, o qual prevê a suspensão automática dos efeitos do acto impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado. Como já se afirmou no acórdão de 24.11.2016 deste TCAS, proc. n.º 13747/16: “[n]ão basta, portanto, a existência de uma mera prejudicialidade para o interesse público, nem a existência de apenas consequências lesivas desproporcionadas, na medida em que o legislador terá, ele mesmo, necessariamente ponderado a possibilidade da existência de um prejuízo desse tipo (não qualificado) e não o afastou do alcance do efeito suspensivo.

Acompanha-se, portanto, a conclusão tirada pelo tribunal a quo quando afirma:

Em síntese, a chave de leitura da norma em apreço repousa na reserva do levantamento do efeito suspensivo automático para os casos em que seja possível antecipar que:

1. a não execução imediata do ato de adjudicação (ou do contrato já celebrado) infligirá uma lesão especialmente avultada do interesse público; ou (alternativamente)

2. o diferimento da celebração e execução do contrato acarreta para os interesses públicos ou privados contrapostos aos do autor, prejuízos que se mostram claramente superiores aos prejuízos que para o autor possam resultar da retoma do prosseguimento do procedimento pré-contratual na fase pós-adjudicatória;

não revestindo relevo a este nível as normais consequências lesivas que o legislador já assumiu ao criar o efeito suspensivo”.

É também esse o sentido que se retira da Directiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007, onde nos seus considerandos 22 e 24 se explanou que: “No entanto, para assegurar a proporcionalidade das sanções aplicadas, os Estados-Membros podem permitir que a instância responsável pela decisão do recurso não ponha em causa o contrato ou lhe reconheça determinados efeitos, ou todos eles, caso as circunstâncias excepcionais do caso em apreço exijam o respeito de certas razões imperiosas de interesse geral. Nesses casos deverão, em vez disso, ser aplicadas sanções alternativas. A instância de recurso independente da entidade adjudicante deverá analisar todos os aspectos relevantes a fim de estabelecer se existem razões imperiosas de interesse geral que exijam a manutenção dos efeitos do contrato”.// O interesse económico na manutenção dos efeitos do contrato só pode ser considerado razão imperiosa se, em circunstâncias excepcionais, a privação de efeitos acarretar consequências desproporcionadas. No entanto, não deverá constituir razão imperiosa o interesse económico directamente relacionado com o contrato em causa. [sublinhados nossos].”

Parafraseando uma passagem do ac. de 4.02.2021 deste TCAS, proc. 865/20.0BELSB-S1: “[l]logicamente, quando o legislador - europeu e nacional – impôs o regime da suspensão automática do acto de adjudicação e reduziu as possibilidades do seu levantamento aos casos excepcionais, pressupôs que todas as consequências naturais, normais, coevas, ou imediatamente decorrentes da não execução imediata do contrato seriam prejuízos que se assumiam como necessários e que se tinham como não tão relevantes quanto os interesses que se queriam proteger por via da aplicação do referido instituto da suspensão automática do acto de adjudicação”.

Não basta, portanto, a existência de mera prejudicialidade para o interesse público, nem as normais consequências lesivas derivadas do efeito suspensivo ope legis.

Como também já tivemos oportunidade de afirmar, “as alegadas consequências ao nível do procedimento tendente à celebração de contrato e à sua respectiva execução, por si, não são sequer atendíveis, pois que são consequências naturais da suspensão e que o legislador – nacional e da União - obviamente equacionou quando traçou o regime da suspensão ope legis (e consciente dessas consequências, não deixou de cominar com a suspensão automática a impugnação do acto de adjudicação; mais expressamente se referindo à suspensão do contrato). Com efeito, o legislador, que sabe e não pode desconhecer que a suspensão de um acto de adjudicação leva sempre implícito um prejuízo para o interesse público subjacente à aquisição que se pretenda realizar – e que é o prejuízo inerente ao facto de não se poder satisfazer o interesse público em causa enquanto se mantiver a suspensão -, não deixou de um modo muito claro sacrificar ope legis o dito interesse público” (ac. de 10.10.2019, proc. n.º 854/19.7BELSB, por nós relatado).

Ainda neste domínio, a propósito da alteração efectuada a este artigo pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, não deixam de referir, reconhecendo embora a simplificação do juízo ponderativo a efectuar, que do n.º 4 resulta que “para que possa ser determinado o levantamento do efeito suspensivo com fundamento na existência de grave prejuízo para o interesse público é, pois, necessário que, uma vez ponderados todos os interesses susceptíveis de serem lesados, o juiz possa concluir que o prejuízo para o interesse público é grave, não só porque é grave, em si mesmo, mas também porque é superior aos danos que, para o impugnante, resultariam do levantamento do efeito suspensivo” (cfr. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª ed., 2021, p. 892).

Ora, por um lado, como afirmado na sentença recorrida, as consequências para o interesse público aqui invocado não são imperiosas. São consequências normais da inexecução imediata do contrato, que não são susceptíveis de comprometer, nem de modo de modo grave nem relevante, o interesse público.

Por outro lado, a verdade é que, face ao que vem provado – e não houve impugnação da matéria de facto, pelo que o probatório se tem que considerar estabilizado -, a operacionalidade do sistema está devidamente salvaguardada pelo contrato actual com a V..., pelo que, não havendo novas necessidades que impliquem uma alteração da rede de dados actual, nem vindo provados factos que permitam minimamente presumir deficiências no seu funcionamento, não se poderá sequer concluir pela lesão do interesse público. Não há, ou pelo menos nada indicia que tal possa suceder no espaço temporal que mediará até à conclusão do processo (de natureza urgente), qualquer risco de paragem das actividades da SCML por causa da suspensão do acto de adjudicação em causa nesta acção.

E, por outro lado ainda, com particular aplicação ao caso que nos ocupa, tal como se concluiu no ac. de 4.02.2021 deste TCAS, no proc. 865/20.0BELSB-S1, já citado supra, a prova dos prejuízos tem de referir-se a prejuízos existentes, concretos, ou a consequências que ocorram efectivamente, não a meras possibilidades ou susceptibilidades eventuais e teóricas.

Em síntese, nada impede, face à factualidade assente, que a SCML mantenha a sua rede como tem feito nos últimos anos - sem que haja noticia de perturbações graves ou de menos-valias tecnológicas impeditivas do seu regular funcionamento -, garantindo a prossecução das suas atribuições legais e estatutárias.

Os prejuízos que resultam da manutenção do efeito suspensivo, devidamente ponderados, não são de molde a afastar a previsão do art. 103.º-A, n.º 1, do CPTA.

Neste capítulo, o discurso fundamentador da sentença recorrida é correto face ao alegado e à prova disponível, afirmando-se, o que aqui se reitera, o seguinte:

O fulcro da questão suscitada consiste em saber se a paralisação da aquisição destes serviços pretendidos pela Entidade Demandada, até à decisão da causa principal, desencadeará consequências gravemente nefastas para o interesse público.

Em face dos elementos concretos apurados nos autos, a conclusão não pode deixar de ser negativa.

Como ponto prévio, refira-se que o acento tónico do risco para o interesse público não é posto na disponibilidade dos serviços de comunicação, alojamento e processamento de dados global, pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, mas na necessidade de obter uma solução técnica mais atualizada e robusta face à existente, e, particularmente, de assegurar uma redundância do centro de dados principal usado por esta instituição, reforçando a segurança e inviolabilidade do seu sistema e precavendo os efeitos de uma falha total e catastrófica desse centro de dados.

À luz dos requisitos técnicos formulados para ambos os lotes a concurso, no Caderno de Encargos, não nos invade qualquer dúvida de que o contrato a celebrar concorrerá para a segurança e a redundância dos sistemas de dados à disposição da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, e para prevenir eventuais cenários de ataque informático ou de catástrofe.

Contudo, o que se impunha aos interessados no levantamento do efeito suspensivo era alegar e provar um risco sério de prejuízos graves e qualificados para o interesse público.

(…)

Não se ignora que a exploração dos jogos sociais (de fortuna ou azar) legalmente cometida à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa - cujos proveitos não só contribuem, para custear a sua obra social, mas também são fonte de receitas de políticas sociais do Estado – satisfaz necessidades coletivas.

Simplesmente, não se afigura viável estabelecer uma ligação direta entre a suspensão da aquisição os serviços cuja contratação está em causa e a produção de prejuízos gravemente percucientes sobre tais necessidades coletivas.

Mesmo a admitir que a fruição de um sistema de dados com ligação segura e instantânea à internet e aboletado num centro de dados é essencial à atividade operacional daquela instituição e, reflexamente, nas necessidades coletivas a que a mesma permite acorrer, essa solução de comunicações (principal) está já assegurada por um contrato celebrado com a ora A., como admitem as requerentes do presente incidente

(…)

Sendo certo que, como admite a Entidade Demandada, a materialização da instalação do centro de dados secundário e dos serviços a adquirir depende da aquisição de um conjunto de equipamentos e licenciamento a adquirir em concursos públicos autónomos (não tendo sido possível aferir se tais concursos foram já lançados e em que estado se encontram).

Ao invés os prejuízos decorrentes para a V... apresentar-se-ão presumidamente como relevantes. Neste ponto aceita-se o alegado pela aqui Recorrida quando conclui:

75. Sendo a V... a actual fornecedora, como o é há vários anos, perder este serviço – total ou parcialmente – causa-lhe prejuízos mais relevantes do que à N…, porquanto, muito embora o interesse contratual seja o mesmo relativamente ao Contrato em causa nestes autos, certo é que a N… sempre poderá, mais cedo ou mais tarde e caso a acção venha a ser julgada improcedente, celebrar esse mesmo contrato e executá-lo na íntegra sem perder um cêntimo da sua proposta.

76. Enquanto que se este Contrato puder entretanto prosseguir, a V... não só perde o contrato que vem legitimamente a executar – com as conse-quências que isso acarreta na sua estrutura, pensada e dimensionada para fazer a um serviço que se mantém há vários anos -, como pode mesmo perder a possibilidade de vir a executar o Contrato na sua totalidade, mesmo que a sua acção venha a ser julgada procedente.

Em suma, não nos deparamos com uma situação de superioridade do interesse público invocado pela SCML, mas apenas de inconvenientes ou meros prejuízos decorrentes da suspensão imediata e automática dos efeitos derivados da impugnação judicial efectuada e que a esta são (naturalmente) inerentes. E num juízo ponderativo, essa mera afectação tem necessariamente que decair.

Assim sendo, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a decisão recorrida, a qual não padece do erro de julgamento que lhe vem imputado.



III. Conclusões

Sumariando:

i) Do art. 103.º-A, do CPTA resulta que o levantamento do efeito suspensivo automático é levantado quando “devidamente ponderados todos os interesses públicos e privados em presença, os prejuízos que resultariam da sua manutenção se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento” (n.º 4).

ii) Para que proceda o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático do acto de adjudicação, exige-se que esteja alegado pela Entidade demandada (ou pelos Contra-interessados) e que resulte provado nos autos que tal efeito provoca um prejuízo relevante – não apenas inconvenientes ou meros prejuízos decorrentes da suspensão imediata e automática dos efeitos derivados da impugnação judicial efectuada e que a esta são (naturalmente) inerentes - e superior ao que resultaria do seu levantamento.

iii) Apenas se se concluir pela superioridade dos danos resultantes da manutenção do efeito suspensivo automático face aos que advêm do seu levantamento, é que se deferirá o pedido de levantamento.

iv) Essa prova tem de referir-se a prejuízos existentes, concretos, ou a consequências que ocorram efectivamente, não a meras possibilidades ou susceptibilidades eventuais e teóricas.

v) Não tendo ficado minimamente demonstrado que a solução técnica que se pretende implementar através do Concurso em causa tem de ser implementada imediatamente, sob pena de o sistema da SCML deixar de funcionar, nem que a actual rede não serve as necessidades da SCML, não poderá sequer concluir-se pela relevância e respectiva superioridade dos prejuízos que resultam da manutenção do efeito suspensivo automático, que é aquele preceituado como regra geral pelo legislador da União e nacional.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Não admitir a junção aos autos dos documentos apresentados pela Recorrente no âmbito do presente recurso, devendo proceder-se à sua devolução, o que se determina; e

- Negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.



Custas pela Recorrente, sendo pela mesma devidas custas incidentais, com taxa de justiça que se fixa no mínimo legal.

Notifique.

Lisboa, 31 de Agosto de 2021 (em turno)

Pedro Marchão Marques (relator).
Carlos Araújo
Vital Lopes

O relator consigna e atesta que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.