Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 63/15.4BEFUN |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 10/24/2024 |
Relator: | JORGE CORTÊS |
Descritores: | NULIDADE DE ACÓRDÃO. |
Sumário: | I. Não enferma de nulidade por omissão de pronúncia o Acórdão que reconhece o interesse em agir aos autores na acção intentada com vista à desaplicação de normas que fixam a tarifa fixa com base na qual são cobrados os montantes devidos a título de tarifa pela utilização do serviço de tratamento de resíduos sólidos urbanos. II. Não enferma de nulidade por omissão de pronúncia o Acórdão que reconhece o interesse em recorrer aos recorrentes que, confrontados com decisão de absolvição da instância, por falta do pressuposto processual da identificação das normas questionadas, reconhece o mesmo. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I- Relatório A Região Autónoma ………….. e a A……. – Águas ………………….., S.A., deduziram incidente de nulidade do Acórdão proferido pelo TCAS, em 27/06/2024, que concedeu provimento ao recurso, interposto pelos Municípios do Funchal, de Machico e de Santa Cruz, contra o saneador-sentença que absolveu da instância as demandadas. O Acórdão revogou o saneador-sentença, bem como julgou verificada a legitimidade processual activa dos municípios autores para pedirem a desaplicação da taxa fixa à sua situação concreta e a repristinação da sua situação de facto anterior à ocorrência da invocada ilegalidade, com a consequente prossecução dos autos para prolacção de sentença que conheça do fundo da causa, se nada mais obstar. Invocam, em síntese, o seguinte: «i) [N]as contra-alegações de recurso apresentadas, suscitou-se a falta de interesse em recorrer (cfr. § 3.° Da ausência de identificação de normas concretas impugnadas – falta de interesse em agir). ii) No ponto 16. das contra-alegações afirmou-se: "Na medida em que a falta de individualização das normas impugnadas impede a apreciação da pretensão impugnatória, consubstanciando uma exceção dilatória que importa a absolvição da instância, verifica-se que falece o interesse em recorrer por parte dos recorrentes, já que, mesmo em caso de procedência da instância recursiva, sempre continuariam a RAM e a ARM absolvidas da instância, nos termos do referido fundamento da sentença proferida pelo Tribunal a quo". iii) E no pedido formulado a final das contra-alegações indicou-se: "Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Ex.as: a) Deve verificar-se a falta de interesse em recorrer". iv) Analisado o douto Acórdão reclamado verifica-se que a questão da falta de interesse em recorrer suscitada nas contra-alegações de recurso não foi objeto de pronúncia. v) Diversamente, na identificação da posição assumida pelas recorridas, o Acórdão reclamado refere apenas "As recorridas finalizam as contra-alegações, incorporadas a fls. 196 e ss. -sitaf, pugnando pelo improvimento do recurso sem, no entanto, formular conclusões". vi) O que, como visto, não corresponde integralmente ao conteúdo das contra- alegações apresentadas, já que nelas foi suscitada uma questão prévia, que carecia de decisão, por se relacionar com os pressupostos de recorribilidade da sentença. vii) No mais, o Acórdão reclamado também não identifica uma única norma em concreto que possa constituir o objeto da ação, continuando por esclarecer que normas insertas nas Resoluções poderão estar em causa. viii) Sem prejuízo, e no que ora releva, verifica-se a omissão de pronúncia relativa à matéria da falta de interesse em recorrer tempestivamente apresentada. ix) O interesse em recorrer é determinado em função da utilidade que para a parte possa resultar do recurso (cfr. Castro Mendes, Teixeira de Sousa, Manual do Processo Civil, Vol. II, AAFDL, 2022, p. 168, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07/01/2021, processo n.° 4899/16.0T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), tendo a parte principal vencida interesse em recorrer se, por intermédio do recurso, "afastar o resultado negativo que da decisão resulta para a esfera jurídica do recorrente" (cfr. Mário Aroso de Almeida, Carlos Fernandes Cadilha, Comentário, cit., p. 1127). x) Razão pela qual a invocação da falta de interesse em recorrer consubstancia uma questão jurídica a decidir previamente ao conhecimento do recurso, como resulta do disposto no artigo 146.°, n.° 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (na redação aplicável aos autos, anterior ao Decreto-Lei n.° 214- G/2015, de 2 de outubro). xi) Já que a procedência do recurso, nos termos que constam do Acórdão reclamado, não afasta a procedência da exceção dilatória oportunamente invocada de falta de identificação de normas concretas na petição inicial que constituiu fundamento da sentença do Tribunal a quo. xii) O Tribunal a quo, perante o Acórdão que foi proferido, mantém incólume um dos fundamentos que o levaram a julgar verificada a falta de pressupostos da ação decorrente da ausência de identificação de normas impugnadas e, consequentemente, a conclusão de absolvição da instância. xiii) Trata-se, pois, de uma verdadeira questão processual que deveria ter sido objeto de decisão expressa pelo Tribunal Central Administrativo Sul. xiv) Não o tendo sido, verifica-se uma nulidade por omissão de pronúncia, que se deixa invocada, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 615.°, n.° 1, alínea d), do Código de Processo Civil. As contrapartes não emitiram pronúncia. X A Digna Magistrada do Ministério Público junto do TCAS emitiu parecer no sentido da improcedência da presente arguição.Observado o contraditório prévio, cumpre decidir. II – Direito 2.1. Através do requerimento em apreço, as reclamantes deduzem incidente de nulidade do Acórdão proferido nos autos pelo TCAS, em 27/06/2024. Invocam omissão de pronúncia sobre a questão prévia da falta de interesse em recorrer dos municípios reclamados e sobre a questão prévia da falta de identificação das normas impugnadas. O Acórdão reclamado decidiu prover o recurso interposto pelos municípios, revogar a sentença recorrida e julgar verificada a legitimidade processual activa dos municípios autores para pedirem a desaplicação da tarifa fixa à sua situação concreta e a repristinação da sua situação de facto anterior à ocorrência da invocada ilegalidade, com a consequente prossecução dos autos para prolacção de sentença que conheça do fundo da causa, se nada mais obstar. A sentença havia determinado a absolvição da instância das demandadas, por entender verificada a «excepção dilatória de falta de pressupostos da acção de impugnação de normas» Nos presentes autos, estão em causa os pedidos seguintes: “a) Sejam desaplicadas aos AA. por ilegais, as Resoluções n.º 870/2005, de 22 de junho, 1405/2006, de 19 de outubro e 130/2014, todas da Presidência do Governo Regional da Madeira, com as legais consequências. // b) Ser a entidade demandada condenada ao pagamento de 30.074.491,27€ (trinta milhões, setenta e quatro mil, quatrocentos e noventa e um euros e vinte e sete cêntimos) respeitante aos valores já liquidados pelos AA., desde a entrada em vigor da Resolução n.º 870/2005, de 22 de junho, até à declaração de inconstitucionalidade da mesma, nos termos do art.º 15.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, por responsabilidade do Estado-legislador por emanação de lei inconstitucional. // c) Ser a entidade demandada condenada ao pagamento de 5.691.855,87€ (cinco milhões, seiscentos e noventa e um mil, oitocentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e sete cêntimos) a título de juros indemnizatórios, até integral pagamento da quantia referida na alínea anterior.” O Acórdão sob escrutínio acolheu a pretensão recursória dos municípios recorrentes, estruturando, em síntese, a argumentação seguinte: «O objecto do litígio que cabe a este Tribunal conhecer reside na alegada falta de interesse em agir dos autores e na alegada falta de legitimidade processual activa para deduzirem o pedido anulatório e ressarcitório em apreço, dado que não se comprova a existência de lesão na sua esfera jurídica, adveniente da mera publicação das normas contidas nas Resoluções que fixam o tarifário em causa, as quais necessitariam de aplicação ao seu caso concreto. // Através da presente acção, os autores visam censurar a determinação da tarifa fixa, a acrescer à tarifa variável que deve ser liquidada pelos mesmos junto da empresa “A……. – Águas ………………, SA”, como contrapartida pela prestação do serviço de recepção e tratamento dos resíduos sólidos urbanos, por considerarem tal tarifa ilegal e inconstitucional. // As resoluções tarifárias em causa foram aprovadas pela Presidência do Governo Regional da Madeira, ao abrigo do disposto no artigo 18.º/2/c), do Decreto-Legislativo Regional n.º 28/2004/M, de 24/08/2004. A Base XIII do contrato de concessão do sistema de tratamento dos Resíduos Sólidos Urbanos da Região Autónoma da Madeira define os critérios e os parâmetros de fixação das tarifas em causa. Trata-se de tarifas a liquidar pelos municípios utilizadores como contrapartida pela utilização dos serviços de tratamento de resíduos em apreço (1). // Do probatório resulta, entre o mais, que os municípios utilizadores do sistema de tratamento de resíduos sólidos urbanos explorado pela “A……….. – Águas ……………….., SA”, celebraram com esta (2) «contrato de entrega por parte do município utilizador e de recepção por aquela dos resíduos sólidos produzidos no território desse município» (3) e que «[d]esde 01/07/2005 até 2015, a empresa concessionária do sistema de tratamento de resíduos sólidos urbanos tem cobrado aos municípios autores o valor das tarifas em causa, através da emissão de facturas, as quais têm sido pagas pelo destinatário, pelo menos em parte» (4). // (…) // No caso em exame, os municípios autores são utilizadores do sistema de tratamento de resíduos sólidos urbanos, explorado, em exclusivo, pela “A……… – Águas e ………….., SA”, constituindo o referido tratamento e valorização uma atribuição dos próprios municípios (artigo 23.º/2/k) e n) da Lei n.º 75/2013, de 12.09 [Regime jurídico das autarquias locais - RJAL]. As tarifas em apreço correspondem à contrapartida pecuniária liquidada pelos utentes pela prestação do serviço mencionado. A fixação do tarifário correspondente, na medida em que se comprove a ocorrência das suas invocadas invalidades, pode constituir uma lesão da esfera jurídica dos autores, dado que os mesmos são utilizadores necessários do serviço público em referência. Nesta medida, a denegação aos autores, objecto da medida de taxação em apreço, do acesso à via contenciosa, com vista a obter a desaplicação das normas que fixam as taxas fixas questionadas levaria a uma situação de verdadeira indefensão dos mesmos, que o ordenamento jurídico-constitucional português não permite (artigo 268.º/4, da CRP). // (…) // Em face do exposto, impõe-se prover o recurso, revogar a sentença recorrida, julgar verificada a legitimidade processual activa dos municípios autores para pedirem a desaplicação da taxa fixa, inscrita em cada uma das resoluções da Presidência do Governo Regional da Madeira, discriminadas no probatório (5), à sua situação concreta e a repristinação da sua situação de facto anterior à ocorrência da invocada ilegalidade, com a consequente prossecução dos autos para prolacção de sentença que conheça do fundo da causa, se nada mais obstar». Do exposto resulta que, perante o saneador-sentença que absolveu as demandadas da instância, os municípios-recorrentes interpuseram recurso jurisdicional, junto do TCAS, tendo em vista a revogação do referido saneador-sentença e o conhecimento do mérito da causa, invocando erro de julgamento. Como resulta do seu teor, o Acórdão impugnado acolheu a pretensão dos recorrentes, seja porque as normas relativas às tarifas fixas são indicadas pelos recorrentes e identificáveis através da análise do probatório do mesmo (6), seja porque, atendendo à situação de vinculação obrigatória ao regime de tarifas em causa, por parte dos municípios recorrentes, os mesmos são directamente prejudicados com a aplicação das normas em presença (artigo 73.º/1/a), do CPTA), seja ainda porque as normas e os montantes liquidados aos recorrentes em nome do regime da tarifa questionado mostram-se discriminados nos artigos 23.º a 56.º da petição inicial. O seu interesse em agir e em recorrer contra decisão judicial que não conheça do mérito da causa foi patenteado no Acórdão reclamado, dado que os recorrentes pretendem a desaplicação das normas que fixam as taxas fixas das tarifas em causa, bem como a restituição dos montantes já liquidados. Em face do exposto, as alegadas omissões de pronúncia sobre questões de que cumpre conhecer não se comprovam nos autos. Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso. Dispositivo Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção do juízo comum da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em desatender ao presente incidente de nulidade de acórdão.Custas pelas reclamantes. Registe. Notifique. (Jorge Cortês - Relator) (1) V., sobre a qualificação da prestação pecuniária em causa, Susana Tavares da Silva, “Ainda a distinção entre taxas e preços”, CEDIPRE, Janeiro de 2019.(1º Adjunto – Vital Lopes) (2ª. Adjunta – Maria da Luz Cardoso) (2) Ou com a sua antecessora. (3) Alíneas d), g) e h). (4) Alínea k). (5) Alíneas b), e) e i), do probatório. (6) Alíneas b), e) e i), do probatório do acórdão do reclamado. |