Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:33/10.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:LUISA SOARES
Descritores:IRS;
MAIS-VALIAS;
DECLARAÇÃO;
PRESUNÇÃO DE VERACIDADE.
Sumário:I - Apenas se admite o afastamento da veracidade das declarações apresentadas quando a administração tributária demonstre inequivocamente a existência de um facto tributário não reflectido nessas declarações ou divergente do declarado, através de elementos carreados para o procedimento, tendo em vista ilidir a presunção da veracidade das mesmas consagrado no art. 75º, nº 1 da LGT.

II - Competindo à administração tributária a prova dos factos constitutivos do direito de tributar, nos termos do art. 74º, nº 1, da LGT, e não tendo recolhido prova suficiente da existência do facto tributário, não poderia a mesma proceder à correcção da matéria tributável declarada.
Nº do Volume:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem a Fazenda Pública interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por J........... contra o indeferimento do recurso hierárquico apresentado após o indeferimento da reclamação graciosa referente a liquidação de IRS do ano de 2001 no montante de € 52.981,76.

A Recorrente, nas suas alegações formulou conclusões nos seguintes termos:

“A - Pelo elenco de razões supra arroladas, ressalve-se melhor entendimento, visa o presente Recurso reagir contra a douta Sentença que julgou parcialmente procedente a presente impugnação judicial, no que se refere ao pedido de anulação dos actos de indeferimento do recurso hierárquico e da reclamação graciosa e, consequentemente do acto de liquidação de IRS n.° .........., referente ao ano de 2001, no valor total de € 52.981,76, uma vez que, não valorou a prova documental.

B - A fundamentação da Sentença recorrida assenta, em síntese num défice instrutório, uma vez que recai sobre a AT a prova dos factos constitutivos do direito de que se arroga a actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos, também, compete à AT, devendo nos termos do disposto no artigo 58.° da LGT, realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, o que não logrou fazer.

C - A ora Recorrida era proprietária, desde 21.JAN.1998, de um prédio misto designado por lote 309, sito na Rua ………n.° 75 e 75 A na Aroeira, freguesia de Charneca da Caparica, concelho de Almada, inscrito na matriz sob o artigo .......... e, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o artigo n.° .........., no qual estava Implantada uma moradia em fase de acabamento de construção.

D - Em 01.OUT.1999, a ora Recorrida apresentou a declaração Modelo 129, indicando que a data da conclusão das obras da moradia em crise, ocorreram a 30.SET.1999, sendo desactivada a inscrição referente ao artigo .......... (prédio misto) dando origem ao artigo matricial n.° .........., tendo, inclusivamente, eliminado, desde 01.OUT.1999, esse lote de terreno na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada.

E - Em 08.NOV.2000, foi outorgado contrato promessa compra e venda entre a ora Recorrida, na qualidade de promitente vendedora e, P.........., casada com C.........., na qualidade de promitentes compradores, cujo objecto foi um prédio misto, onde estava implantada uma moradia em fase de acabamento de construção.

F - Em 18.ABR.2001 foi outorgada escritura pública compra e venda entre a ora Recorrida e os intervenientes atrás mencionados, cujo objecto foi um terreno para construção.

G - Após a outorga da escritura pública, mormente a 14.SET.2001 a ora Recorrida dirigiu um requerimento ao Chefe do Serviço de Finanças de Almada - 3, solicitando a anulação da declaração para a inscrição do prédio urbano na matriz, através do Modelo 129, alegando não ser possível efectuar a construção planeada e, dada como concluída em 01.OUT.1999, solicitando a reactivação do artigo ...........

H - Atendo o supra exposto torna-se de imediato claro que as obras da moradia existente no artigo .......... foram concluídas em 30.SET.1999, conforme participação em 01.OUT.1999, pela ora Recorrida (Modelo 129), encontrando-se também, já descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada, e eliminado o lote de terreno.

I - Quando a ora Recorrida outorga a escritura pública de um lote de terreno, inscrito sob o artigo matricial .........., está a alienar algo que, ela própria mandou eliminar da matriz, ou seja, o objecto da escritura pública não existia.

J - Sendo certo que, só após a outorga da escritura pública é que em 14.SET.2001, a ora Recorrida solicitou a anulação da declaração para a inscrição do prédio urbano na matriz, isto porque, sem essa inscrição o negócio não se tinha podido realizar.

K - Analisada a caderneta predial (carreada aos autos, constante a fls. 17) concluímos que o objecto da coisa alienada, foi um prédio em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente, nomeadamente uma moradia unifamiliar em alvenaria coberta a telha, sita na Rua…………., Lote …… n.° 75, ……., …….Charneca da Caparica, composto por cave, r/c e 1.° andar, destinado a habitação, inscrito na matriz no ano de 2000.

L - Assim, e porque existe um nexo de causalidade entre a caderneta predial e a escritura pública do imóvel, já que aquela traduz “ipsis verbis" a alienação do imóvel em crise, dúvidas não podem restar que, o que esteve, sempre, subjacente ao negócio foi a venda da moradia, contrariando o defendido pelo tribunal “a quo".

M - Pelo que, é forçoso valorar que o objecto da presente alienação foi uma moradia constante no contrato promessa pelo preço de € 364.122,46, devidamente verificada a sua existência quer como nós é referenciado no relatório de inspecção quer através da caderneta predial carreada para os autos.

N - A ora Recorrida foi convidada por duas vezes a participar na decisão conjuntamente com a AT, ainda, na fase do procedimento, quer durante a acção inspectiva N/Ofício n.° 65078 datado de 12.0UT.2005 (artigos 60.° da LGT e 60.° do RCPIT) quer em sede de reclamação graciosa - N/Ofício n.° 091625 datado de 08.NOV.2007 (artigo 60.° da LGT), contudo, decidiu não exercer a faculdade de que dispunha, preferiu que a AT decidisse sozinha, contrariando todo o fundamentado pelo tribunal “a quo", nomeadamente quando refere que existiu por parte da AT um défice instrutório.

P - Atento o supra exposto, só nos resta concluir que a AT detinha prova suficiente que lhe permitia apurar os rendimentos derivados da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis da categoria “G” cujo valor da realização foi de € 364.122,46, afigurando-se-nos que o tribunal “a quo” desvalorizou a prova documental carreada aos autos.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA”.
* *
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
* *
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento por ter desvalorizado a prova documental constante dos autos e ter julgado procedente o pedido de anulação da liquidação de IRS de 2001, considerando que cabia à administração tributária o ónus da prova quanto aos factos que determinaram a liquidação e aplicando o disposto no art. 100º , nº1 do CPPT face à dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a decisão da causa, considera-se provada a seguinte factualidade:
A) Em 08/11/2000, foi outorgado entre a Impugnante e C.......... e P.........., o instrumento, intitulado "Contrato de promessa de compra e venda", constando do mesmo, nomeadamente, o seguinte: «(...)
A PRIMEIRA CONTRAENTE é dona e legitima proprietária de um prédio misto, com a área de 1126,71m2, designado pelo Lote….., sito em Aroeira, freguesia da Charneca da Caparica, concelho de Almada, descrito sob o nº .........., na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada, onde está implantada uma moradia em fase de acabamento de construção, conforme projecto em anexo e que faz parte integrante do presente contrato, sito na Rua……., nº 75 e 75 A, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .......... e em relação ao qual foi emitida a licença de construção n.° 556/98 e válida até 23/04/2001. (...)
1- Os SEGUNDOS CONTRAENTES declaram que aceitam a obra no estado em que ela se encontra, sendo que não assumem quaisquer responsabilidades quanto à execução e materiais da obra, anteriores e posteriores à presente aceitação, excepto no que diz respeito à execução da obra da sua própria responsabilidade, de acordo com o aludido n.°2 da 5ª cláusula do presente Contrato Promessa de Compra e Venda.
2- Para efeitos do n.° anterior, a PRIMEIRA CONTRAENTE compromete-se, desde já, a assumir eventuais dívidas existentes e relacionadas com a construção da referida moradia, nomeadamente com materiais, fornecedores, arquitectos, engenheiros, empreitada, etc, que tenham sido contraídas em data anterior à presente aceitação da obra ou que digam respeito à continuação da construção da moradia, relativamente às obras que ficarão a seu cargo.
3- A PRIMEIRA CONTRAENTE obriga-se a liquidar todas as facturas inerentes à referida obra e relativas ao período em que a mesma foi executada pela direcção da PRIMEIRA CONTRAENTE, ainda que as aludidas facturas venham a ser emitidas em data posterior àquela direcção.
1 - O preço acordado para a prometida compra e venda é de Esc. 73 000 000$00 (setenta e três milhões de escudos) - que inclui as obras, que ficarão, após a realização deste contrato de promessa, a cargo e sob a direcção da PRIMEIRA CONTRAENTE, discriminada na cláusula seguinte (...)
1 - Até à realização do contrato definitivo ficarão a cargo e sob a direcção da PRIMEIRA OUTORGANTE, determinadas obras para terminar o acabamento da aludida moradia, concretamente:
a) Fornecimento e colocação de piso e calçada portuguesa no exterior da moradia, 
b) Fornecimento e montagem de todo o sistema de electricidade;
c) Fornecimento e montagem de todo o sistema de canalização de águas e esgotos,
d) Fornecimento e montagem dos portões de entrada e dos gradeamentos,
e) Todos os trabalhos de carpintaria de toda a moradia, excepto os referentes aos móveis de cozinha;
f) Reparações das fissuras das moradias;
g) Fornecimento e colocação de todo o pavimento a colocar no interior da moradia,
h) Fornecimento e montagem das portadas de alumínio nos 4 quartos do primeiro andar e afinações das janelas e varandas das moradias,
i) Pintura de toda a moradia e respectivo logradouro.
2 - Fica a cargo e sob a responsabilidade dos SEGUNDOS OUTORGANTES:
a) A execução da cozinha;
b) Fornecimento das tintas, para que a PRIMEIRA OUTORGANTE, possa pintar a moradia e respectivo logradouro,
c) Fornecimento e montagem das caldeiras e lâminas do sistema de aquecimento central,
d) Arranjo do jardim da moradia.
6.°
1 - A escritura de compra e venda deverá ser celebrada até 30 de Abril do ano de 2000, podendo este prazo ser prorrogável por mais 60 dias, se entretanto ainda não houver licença de habitabilidade da referida moradia.» - cf. Documento n.° 3 junto com a petição inicial;

B) Em 18/04/2001 foi outorgado no Cartório Notarial de Almada, entre a Impugnante e C.......... e P.........., o instrumento de escritura pública de Compra e venda, mútuo com hipoteca e procuração, através do qual a Impugnante, primeira outorgante, declarou vender aos segundos, pelo preço de 22 540 000$00 (€112.429,05) o prédio rústico, designado Lote……., sito em Aroeira, freguesia da Charneca da Caparica, concelho de Almada, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Almada sob o número OITO MIL SEISENTOS E QUARENTA E SETE, inscrito na matriz predial sob o artigo .........., constando do mesmo, nomeadamente o seguinte:
«(...) Disseram os segundos outorgantes: - Que aceitam a venda nos termos exarados. (...) Que destinam a parcela de treze milhões quinhentos e vinte e quatro mil escudos do presente empréstimo para aquisição do terreno ora efectuada e os restantes oito milhões quatrocentos e setenta e seis mil escudos vão ser utilizados na mencionada construção (...).» - cf. Documento n.° 2, junto com a petição inicial cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;

C) Em 14/09/2001, a Impugnante dirigiu requerimento ao Chefe da 3ª Repartição de Finanças de Almada, solicitando a anulação da declaração para inscrição de prédio urbano na matriz, Modelo 129, apresentado pela signatária em 01/10/1999, alegando não ter sido possível efectuar a construção planeada e até dada como concluída naquela declaração, solicitando ainda a reactivação do Artigo n.° ........, referente à parcela de terreno a que o mesmo se reporta - cf. Documento n.°4 junto com a petição inicial;

D) Em 21/03/2002, a Impugnante entregou a declaração de rendimento modelo 3, sem o Anexo G - cf. fls. 28 do processo administrativo tributário;

E) Em 28/05/2003, a Impugnante procedeu à entrega do modelo de declaração de substituição, com anexo G, inscrevendo no campo 401 do quadro 4, os valores de realização de € 112.429,05, de aquisição € 57.361,76 e despesas e encargos € 5736,18 - cf. fls. 29 e 34 do processo administrativo tributário;

F) A Impugnante foi objecto de um procedimento de inspecção tributária, realizado pela Direcção de Finanças de Lisboa, ao abrigo da ordem de serviço n.° 200503872, emitida em 22/06/2005, com vista ao controlo fiscal interno dos rendimentos derivados da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, tendo sido elaborado o relatório de inspecção - cf. relatório de inspecção a fls. 24 do PAT que se dá por integralmente reproduzido;

G) Concluiu a equipa de inspecção que a Impugnante «auferiu no exercício de 2001, rendimentos derivados da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis Categoria G - cujo valor de realização foi de € 364.122,46, referente à alienação de um prédio misto, com a área de 1126,71m2 designado por Lote……., sito na Rua ……….nº 75 e 75 A na Aroeira, freguesia da Charneca da Caparica, concelho de Almada, descrito sob o nº .........., na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada, onde estava implantada uma moradia em fase de acabamento de construção, inscrito na matriz sob o Art. ..........(...). A transmissão da propriedade realizou-se através da escritura pública celebrada em 2001/04/18 no 1.° Cartório Notarial de Almada, no entanto o valor pelo qual a referida escritura foi celebrada foi de € 112.429,05 (Anexo II), não coincidindo com o valor do contrato promessa apresentado pela vendedora do imóvel Joana Latino, no qual refere que o valor de transmissão do imóvel é de 73.000.000$00 (364.122.46€) tendo sido estabelecido o correspondente plano para o pagamento integral do valor acordado para a transacção. (...)»

H) Em consequência da acção inspectiva foi proposta a correcção oficiosa do Anexo G do Modelo 3, como a seguir se discrimina: 

Data de Realização
Valor



    Realizaçao
Data de inscrição
Valor

atribuído

Encargos
18-04-2001
    364.12,46€
01/10/99
85.092,43€5.735,18€
(...) - cf. Relatório de inspecçao a fls. 29, que se dá por integralmente reproduzido, integrado no processo administrativo apenso;

I) Em 03/11/2005, pela Directora de Finanças adjunta, por subdelegaçao, foi proferido despacho de concordância com o proposto no Relatório da Inspecção e com o parecer emitido com o seguinte teor: «Concordo com o teor e fundamentos da informação prestada.
Face à situação de facto verificada e, em pormenor exposta no ponto II, folhas 4.7 e 5.7 do relatório, nada tenho a opor quanto à correcção efectuada nos termos do n.°4 do artigo 65° do IRS, decorrente da omissão de rendimentos auferidos no exercício de 2001, derivados da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis - categoria G, cujo ganho proporcionado está sujeito a IRS, conforme disposto na alínea a) do n.°1 do artigo 10.°, conjugado com o preconizado nos artigos 44° e 45°, todos do Diploma já citado.
Do facto, e conforme apurado nos termos da alínea a) do n°4 do referido no art.° 10°, conjugado com o disposto no art. 52° do CIRS, e descrito no ponto III (cfr. fls. 5.7 e 6.79, resulta uma Mais-valia fiscal a tributar, no valor de €113.415,41.
Não obstante ter sido notificado nos termos e para os efeitos dos art°s 60.° da L.G.T. e do R.C.P.I.T., o Sujeito Passivo não exerceu o seu Direito de Audição.
Para efeitos de liquidação adicional, foi elaborado o respectivo Documento de Correcção Único (DCU).» - cf. Relatório de inspecção;

J) Em 28/11/2005, foi emitida liquidação n.° .........., com valor a pagar de € 52.167,65 - cf. fls. 8 e 17 do PAT;

K) Em 05/12/2005, foi emitida nota de cobrança n.° ........, com o valor a pagar de € 52.981,76 - cf. fls. 15 do PAT;

L) Em 16/03/2006, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRS do exercício de 2001 - cf. Documento de fls. 1 e seguintes do processo administrativo tributário;

M) A Impugnante autorizou a Administração Fiscal a aceder às suas contas bancárias para a verificação do preço de venda do imóvel - cf. artigo 18.° do requerimento de reclamação graciosa e documento de fls. 20 do processo administrativo tributário;

L) A Administração Fiscal não efectuou diligências no sentido de aceder às contas bancárias da Impugnante;

M) Em 02/11/2007, pelo Director de Finanças Adjunto, da Direcção de Finanças de Lisboa, por delegação, foi proferido despacho de concordância com a proposta de indeferimento da reclamação graciosa, aposta sobre parecer de 15/03/2007, onde consta, nomeadamente, o seguinte:
«Atento o teor da petição de reclamação, os elementos constantes dos autos, bem como a informação anexa, resulta que, em face da análise factual que conduziu à liquidação de IRS reclamada, designadamente à alienação de um imóvel já existente na matriz (terreno para construção), quando foi devidamente verificada a existência de uma moradia em fase de conclusão, não é credível a diferença entre o preço constante do contrato promessa e o da escritura de aquisição do imóvel inexistente. Quanto à alegação da caducidade, tendo a reclamante sido devidamente notificada em 20/12/2005, a liquidação é legal. Nestes termos sou de parecer que a reclamação deverá ser indeferida.» - cf. Documento de fls. 35 e seguintes do PAT;

N) Em 13/12/2007, pelo Director de Finanças Adjunto, da Direcção de Finanças de Lisboa, por delegação, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação Graciosa, convertendo em decisão final o projecto de decisão por não ter sido exercido o direito de audição prévia - cf. fls. 43 e seguintes do processo administrativo tributário;

P) Em 12/03/2008, a Impugnante apresentou recurso hierárquico - cf. fls. 3 e seguintes do processo de recurso hierárquico;

Q) Em 22/05/2009, a Directora de Serviços do IRS, por subdelegação, proferiu despacho de indeferimento do recurso hierárquico, exarado sobre informação, onde consta, nomeadamente, o seguinte: «(...) Analisado o recurso hierárquico, verifica-se que os fundamentos apresentados são os constantes na reclamação graciosa, não apresentando a contribuinte quaisquer factos novos capazes de alterar o sentido da decisão da mesma. (...) Assim, e uma vez que concordamos com os argumentos explanados na informação prestada pela Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa (datada de 2007DEZ07) sobre a qual recaiu o despacho do Sr. Director de Finanças Adjunto, por delegação, datado de 2007DEZ13 que suportou a decisão recorrida, subscrevemos toda a argumentação exposta nessa informação (a fls. 43 dos autos) que aqui damos por reproduzida e como fazendo parte desta informação, pelo que somos de opinião que não assiste razão à recorrente, devendo ser indeferido o presente recurso» - cf. fls. 23 e seguintes do processo de recurso hierárquico;

R) Em 09/10/2009 a Impugnante tomou conhecimento do indeferimento do recurso hierárquico - cf. fls. 31 dos autos do PAT;

S) Em 05/01/2010, foi apresentada, no Tribunal Tributário de Lisboa, a presente Impugnação - cf. carimbo aposto a fls. 2 e seguintes dos autos. 
* *
Não resultou provado nos autos que o valor real da transmissão do imóvel foi € 364.122,46, tal como constante do contrato promessa e não € 112.429,05, como decorre da escritura pública de compra e venda celebrada.
A convicção do tribunal, baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente, nos documentos constantes dos mesmos e do processo administrativo tributário apenso, conforme indicado em cada uma das alíneas do probatório”.
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Do probatório supra transcrito, constata-se a existência de lapso material na indicação das alíneas L e M (indicação repetida) e omissão da alínea O), pelo que de acordo com o disposto no art. 662º, nº 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT, cumpre corrigir tal lapso, procedendo-se à alteração por correcção da indicação sequencial das alíneas após a alínea M) do probatório, passando este a ser o seguinte:
“ L) (…)

M) (…)

N) A Administração Fiscal não efectuou diligências no sentido de aceder às contas bancárias da Impugnante;

O) Em 02/11/2007, pelo Director de Finanças Adjunto, da Direcção de Finanças de Lisboa, por delegação, foi proferido despacho de concordância com a proposta de indeferimento da reclamação graciosa, aposta sobre parecer de 15/03/2007, onde consta, nomeadamente, o seguinte:
«Atento o teor da petição de reclamação, os elementos constantes dos autos, bem como a informação anexa, resulta que, em face da análise factual que conduziu à liquidação de IRS reclamada, designadamente à alienação de um imóvel já existente na matriz (terreno para construção), quando foi devidamente verificada a existência de uma moradia em fase de conclusão, não é credível a diferença entre o preço constante do contrato promessa e o da escritura de aquisição do imóvel inexistente. Quanto à alegação da caducidade, tendo a reclamante sido devidamente notificada em 20/12/2005, a liquidação é legal. Nestes termos sou de parecer que a reclamação deverá ser indeferida.» - cf. Documento de fls. 35 e seguintes do PAT;

P) Em 13/12/2007, pelo Director de Finanças Adjunto, da Direcção de Finanças de Lisboa, por delegação, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação Graciosa, convertendo em decisão final o projecto de decisão por não ter sido exercido o direito de audição prévia - cf. fls. 43 e seguintes do processo administrativo tributário;

Q) Em 12/03/2008, a Impugnante apresentou recurso hierárquico - cf. fls. 3 e seguintes do processo de recurso hierárquico;

R) Em 22/05/2009, a Directora de Serviços do IRS, por subdelegação, proferiu despacho de indeferimento do recurso hierárquico, exarado sobre informação, onde consta, nomeadamente, o seguinte: «(...) Analisado o recurso hierárquico, verifica-se que os fundamentos apresentados são os constantes na reclamação graciosa, não apresentando a contribuinte quaisquer factos novos capazes de alterar o sentido da decisão da mesma. (...) Assim, e uma vez que concordamos com os argumentos explanados na informação prestada pela Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa (datada de 2007DEZ07) sobre a qual recaiu o despacho do Sr. Director de Finanças Adjunto, por delegação, datado de 2007DEZ13 que suportou a decisão recorrida, subscrevemos toda a argumentação exposta nessa informação (a fls. 43 dos autos) que aqui damos por reproduzida e como fazendo parte desta informação, pelo que somos de opinião que não assiste razão à recorrente, devendo ser indeferido o presente recurso» - cf. fls. 23 e seguintes do processo de recurso hierárquico;

S) Em 09/10/2009 a Impugnante tomou conhecimento do indeferimento do recurso hierárquico - cf. fls. 31 dos autos do PAT;

T) Em 05/01/2010, foi apresentada, no Tribunal Tributário de Lisboa, a presente Impugnação - cf. carimbo aposto a fls. 2 e seguintes dos autos.”. 
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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A Recorrente invoca no presente recurso erro de julgamento defendendo que, a administração tributária detinha prova suficiente para apurar os rendimentos derivados da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis da categoria G cujo valor de realização foi de € 364.122,46 e que o Tribunal a quo desvalorizou a prova carreada nos autos ao considerar existir deficit instrutório, discordando da fundamentação da sentença ao ter entendido que recaía sobre a administração tributária a prova dos factos constitutivos do direito à liquidação.

No presente recurso importa então decidir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento na parte que julgou procedente a impugnação de IRS do ano de 2001.

Por ser relevante para a apreciação do recurso, destacamos que o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão nos seguintes termos: “Na sequência de acção inspectiva realizada, a Administração Fiscal procedeu à correcção dos valores referentes às mais-valias geradas, por considerar não ser o valor de transmissão, o constante da escritura de compra e venda de € 112.429,05, mas antes o valor constante do contrato promessa celebrado que é de € 364.122,46.
Em face desta correcção foi liquidado IRS referente ao exercício de 2001.
Contra esta liquidação veio a Impugnante deduzir a presente impugnação alegando que a Administração Fiscal não considerou que os objectos dos contratos de promessa e da compra e venda são distintos, o que justifica a diferença de valores.
Invoca ser objecto do contrato promessa de compra e venda, um prédio misto «onde está implantada uma moradia em fase de acabamento de construção», sendo objecto do contrato de compra e venda, um lote de terreno destinado à construção.
Considera insuficiente a invocação pela Administração Fiscal, da simples divergência entre o preço declarado no contrato promessa e o preço declarado na escritura, para se efectuar a correcção aos valores declarados.
Vem também a Impugnante alegar deficit instrutório, por, quer na reclamação graciosa, quer em requerimento autónomo deduzido, se ter disponibilizado para a quebra de sigilo bancário, impondo tal facto que a Administração Fiscal indagasse junto das instituições bancárias sobre os movimentos financeiros efectuados pela Impugnante, o que não aconteceu.
A Fazenda Pública, por sua vez, considera que o objecto da escritura de compra e venda não se encontra correto, uma vez que no local existe uma moradia em fase de conclusão.
Mais alega que a Impugnante não dá a conhecer quaisquer provas ou elementos referentes à execução das obras que alega não terem ocorrido, não sendo assim possível verificar a probabilidade da diminuição do preço contratado.
Cumpre apreciar
Na construção do conceito de rendimento tributário, o código do IRS (CIRS), adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo o qual, a base de incidência deste tributo, abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo as mais-valias, vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico, incluindo-se nestas as mais- valias prediais.
A alínea a) do n.° 1 do artigo 9.° do CIRS dispõe que constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as mais-valias, sendo estas constituídas, conforme prevê a alínea a) do n.° 1 do artigo 10.° do CIRS, pelos ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis. (…)
Ao constatar a divergência de valores de transmissão do imóvel, constantes do contrato promessa e do contrato de compra e venda, a Administração Fiscal lançou mão do disposto neste artigo, determinando ser o valor correto de transmissão, o constante do contrato promessa de compra e venda (cfr. Alínea H) do probatório).
A determinação do valor de transmissão nos termos do mesmo tem que ser fundamentada por imperativo da citada disposição legal, cumprindo assim aferir, se basta a invocação de uma simples divergência entre o preço declarado no contrato promessa e o preço declarado na escritura, para efectuar a correcção aos valores declarados.
(…)
Resulta provado nos autos, a alteração dos termos em que as partes decidiram contratar (cfr. Alíneas A) e B) do probatório).
De facto, constata-se dos termos do contrato promessa, nomeadamente da cláusula 1.a, que o objecto do mesmo é um prédio misto, onde se declara estar implantada uma moradia em fase de acabamento.
Verifica-se igualmente, nos termos da cláusula 5ª que, ficariam a cargo da primeira contraente, ora Impugnante, as obras identificadas na mesma, destinadas ao acabamento da moradia, devendo a escritura ser celebrada apenas depois de emitida a licença de habitação (cfr. Alínea A) do probatório).
Conclui-se pelo exposto, que a vontade das partes, era, nos termos deste contrato promessa, vender e adquirir, respectivamente, um terreno com uma moradia "acabada" e pronta a habitar.
Do contrato de compra e venda, resulta que, é transmitido um terreno destinado a construção urbana, tendo os segundos contraentes, celebrado um contrato de mútuo em que, parte do valor mutuado é destinado à construção da moradia (cfr. Alínea B) do probatório).
Constata-se, assim, que houve uma alteração na vontade das partes e nos termos em que as mesmas decidiram contratar.
A administração tributária, no relatório de inspecção limita-se, contudo, a constatar a divergência de valores, propondo a correcção oficiosa das mais-valias, por considerar que o valor da realização foi de € 364.122,46, concluindo ter sido alienado um prédio misto, "onde está implantada uma moradia em fase de acabamento de construção" (cfr. Alíneas F) e G) do probatório).
Não resulta fundamentado no relatório referido, os motivos pelos quais a Administração Fiscal desconsiderou os termos em que as partes celebraram o contrato de compra e venda.
De facto, é alegado que se trata de um prédio misto, com uma moradia em fase de acabamento de construção, mas, tal não diverge do igualmente considerado pela Impugnante.
Apesar da escritura de compra e venda consignar que se trata de um terreno para construção, não nega a Impugnante que no mesmo existe uma moradia inacabada, constando do artigo 14.° da petição inicial que a diferença do preço de venda resulta do facto de a Impugnante não ter concluído a construção.
Deveria, assim a Administração Fiscal ter feito constar do relatório, os factos concretos em que se baseou para não ter considerado a alteração aos termos do contrato.
Não basta alegar que constava do contrato promessa um plano para pagamento integral do valor acordado, uma vez que tal plano teve um contexto inicialmente acordado e que não tem exacta correspondência com o que veio a ser consagrado na escritura de compra e venda.
Não se descortina, porém, no relatório de inspecção, qualquer justificação concreta para não ser considerado o valor de transmissão declarado.
Tão pouco podemos identificar as razões, em concreto, que levaram a Administração Tributária a proceder à correcção em causa, pois que, do relatório da inspecção não resulta a mínima alusão à razão pela qual assim se procedeu, desconhecendo-se, inclusive, se a Administração Fiscal quando efectuou a inspecção se certificou se as obras foram efectivamente executadas e em que estado se encontrava a moradia.
O que se constata é que a Fazenda Pública procura, a posteriori, justificar a razão da tributação em sede de IRS, nomeadamente, na informação junta aos autos e mesmo na informação elaborada no âmbito da reclamação graciosa e que, ainda assim se revela insuficiente.
Apenas decorre da informação anexa ao despacho de indeferimento da reclamação graciosa, em termos genéricos, não ser credível a diferença entre o preço constante do contrato promessa e o da escritura de aquisição do imóvel inexistente (cfr. Alínea N) do probatório).
Na verdade, a tese da Impugnante tem sustentação não só no facto de ter ocorrido uma alteração da vontade contratual entre as partes, entendimento que decorre da análise comparativa do teor das obrigações contratuais definidas pelas partes nos contratos, como tem fundamento reforçado no facto de a Impugnante ter requerido em 14/9/2001 a anulação da declaração de inscrição do prédio urbano na matriz (cf. alínea C) dos factos assentes) invocando como fundamento de tal pedido que não foi possível efectuar a construção planeada e até dada como concluída solicitando a reactivação do artigo matricial n.° ........ referente à parcela de terreno.
A todo o exposto acresce ainda o facto de a Impugnante ter autorizado o acesso às suas contas bancárias e de não ter a Administração Fiscal efectuado quaisquer diligências no sentido de esclarecer qual o valor efectivo da transmissão efectuada (cfr. Alíneas L, e M do probatório), demonstrando vontade de tornar clara e transparente a situação tornando ainda mais verosímil a situação fáctica que invoca.
Tem assim razão a Impugnante, quando alega que não basta invocar uma simples divergência entre os valores declarados.
O alegado consubstancia deficit instrutório e, recaindo sobre a Administração Fiscal a prova dos factos constitutivos do direito de que se arroga, a actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos também lhe compete, devendo, nos termos do artigo 58.° da LGT, realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, o que não logrou fazer.
Dispõe o artigo 100.°, n.° 1 do CPPT que «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.» Reflecte este artigo, a regra geral sobre o ónus da prova, constante do artigo 74.°, n.° 1 da LGT (idêntica à regra geral prevista no n.° 1 do artigo 342° do CC), nos termos da qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração e dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
Como refere Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, Vol. II, 6a edição, 2011, Áreas Editora, pág. 133 «(...) o n.0 1 do art. 100.0, n.° 1, do CPPT consubstancia um norma de caracter geral de que resulta recair sobre a administração tributária o ónus da prova dos factos que relevam para a quantificação da matéria tributável. (...)»
No caso em análise, já vimos, que era à Administração Tributária, que cabia o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito de proceder à determinação do valor de transmissão do imóvel, por entender existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão.
Assim sendo, cabendo à Administração Tributária o referido ónus da prova, relativamente aos factos que determinaram a correcção efectuada, há lugar à aplicação do disposto no artigo 100.° do CPPT, porquanto, a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário, deve ser decidida contra a administração, pois competia-lhe afirmar e provar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação.
Nesta conformidade, procede o invocado pela Impugnante, determinando-se a anulação dos actos impugnados que indeferiram a pretensão da Impugnante bem como da liquidação efectuada, relativamente a IRS de 2001.”

A Recorrente alega que sentença fez errada interpretação dos factos defendendo que não foi valorada correctamente a prova documental, porquanto esteve sempre subjacente ao negócio a venda da moradia, concluindo que a administração tributária tinha prova suficiente que lhe permitia apurar os rendimentos derivados da alienação onerosa de direitos reais da categoria G cujo valor de rendimento foi de € 364.122,46 (cfr. alínea P) das conclusões das alegações).

Da matéria assente, na perspectiva da Recorrente, o que esteve sempre subjacente ao negócio foi a venda da moradia, pelo que deve ser valorado que o objecto da alienação foi uma moradia constante do contrato promessa pelo preço de € 364.122,46 (cfr. alíneas L) e M) das conclusões das alegações).

Vejamos a situação fáctica constante do probatório.

A Recorrida era proprietária de um prédio misto descrito sob o nº .......... na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada, onde está implantada uma moradia em fase de acabamento de construção, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .........., tendo sido emitida licença de construção sob o nº 556/98 válida até 23/04/2001. A Recorrida celebrou um contrato promessa de compra e venda, sendo o preço de € 364.122,46 (73.000.000$00), ficando ainda acordado que seria da responsabilidade da Recorrida a conclusão das obras de acabamento da moradia como consta da cláusula 5ª do contrato (cfr. alínea A) do probatório). Resulta evidente que o objecto do contrato promessa de compra e venda é um prédio misto, onde se declara estar implantada uma moradia em fase de acabamento, ficando a cargo da promitente vendedora a conclusão das obras da moradia, revelando que a vontade contratual das partes seria a compra e venda de um terreno com uma moradia pronta a habitar.

Do probatório resulta ainda que em 18/04/2001 foi outorgada a escritura de compra e venda, mútuo com hipoteca e procuração mediante a qual foi transmitido pelo preço de € 112.429,05 (22.540.000$00) um terreno destinado a construção urbana, tendo os segundos contraentes, celebrado um contrato de mútuo em que, parte do valor mutuado é destinado à construção da moradia (cfr. alínea B) do probatório), tendo o tribunal a quo considerado que ocorreu uma alteração da vontade contratual, apesar da escritura de compra e venda mencionar que se trata de um terreno para construção, atendeu ao facto de a Recorrida não ter negado que existe uma moradia inacabada, mencionando no art. 14º da petição inicial que a diferença de preço de venda resulta do facto de não ter concluído a construção.

Na sequência de acção inspectiva realizada, a Administração Fiscal procedeu à correcção dos valores referentes às mais-valias geradas, por considerar não ser o valor de transmissão, o constante da escritura de compra e venda de € 112.429,05, mas antes o valor constante do contrato promessa celebrado que é de € 364.122,46 (cfr. alínea H) do probatório), e com base nessa divergência de valores efectuou a correção oficiosa das mais-valias, por considerar que o valor da realização foi de € 364.122,46, concluindo ter sido alienado um prédio misto, "onde está implantada uma moradia em fase de acabamento de construção" (cfr. Alíneas F) e G) do probatório).

O Tribunal a quo entendeu que a administração tributária não justifica concretamente as razões para ter desconsiderado o valor da transmissão constante da escritura de compra e venda ademais destacando que a Recorrida autorizou o acesso às suas contas bancárias, não tendo a administração tributária efectuado quaisquer diligências no sentido de esclarecer qual o valor efectivo da transmissão efectuada, se o valor declarado na escritura de compra e venda, se o valor declarado no contrato promessa (cfr. alíneas M) e N) do probatório), tendo aplicado o disposto no nº 1 do art. 100º do CPPT e consequentemente anulou a liquidação.

Considerando que nos termos do art. 75º da LGT presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, e que de acordo com nº 1 do art. 74º da LGT o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, deve entender-se que os factos tributários constantes na declaração de rendimentos para efeitos de IRS do ano de 2001 apresentada pela Recorrida são verdadeiros.

No entanto, tratando-se de uma presunção legal, o legislador admite a sua ilisão através da produção, por parte da Administração Tributária, de prova em sentido contrário.

Daí que apenas se admita o afastamento da veracidade das declarações apresentadas quando a administração tributária demonstre inequivocamente a existência de um facto tributário não reflectido nessas declarações ou divergente do declarado, através de elementos carreados para o procedimento, tendo em vista ilidir a presunção da veracidade das mesmas.

Desta forma competia à administração tributária a prova dos factos constitutivos do direito de tributar, nos termos do art. 74º, nº 1, da LGT, e não tendo a mesma recolhido prova suficiente da existência do facto tributário, tendo ainda desconsiderado a possibilidade de acesso, autorizado pela Recorrida, aos dados bancários no sentido de apurar qual o valor efectivo do preço de venda do imóvel, e apurar o valor da transmissão para efeitos da tributação das eventuais mais-valias, não poderia ter procedido à correção que originou a liquidação impugnada

Atento o acima exposto e considerando os factos elencados no probatório resulta assim que a interpretação e valoração da prova documental efectuada pelo tribunal a quo mostra-se correcta concluindo-se ser improcedente o presente recurso.


V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente em ambas as instâncias.
Lisboa, 14 de Janeiro de 2021


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Cristina Flora e Tânia Meireles da Cunha].
Luisa Soares