Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1917/10.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/12/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IRC
ABATE DE MEDICAMENTOS
PROVA
Sumário:I - Tendo a AT colocado em causa, de forma sustentada, a indispensabilidade do custo com abate de medicamentos, cabe ao contribuinte o ónus da prova de que os custos são indispensáveis.
II - A prova a produzir pelo contribuinte deve conter o nível de detalhe tal que permita uma conexão efetiva entre o escriturado e a realidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

T…, S.A. (doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 21.10.2020, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), referente ao exercício de 2006.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“A. O presente Recurso vem interposto da Douta Sentença proferida no âmbito do processo identificado em epígrafe, a qual, em síntese, julgou improcedente o pedido de anulação da Liquidação Adicional de IRC n.° 2010 8……….., relativa a 2006, no valor global de € 188.689,81, incluindo a liquidação de juros compensatórios, no valor de € 20.873,58;

B. O Douto Tribunal a quo, de uma forma fácil, por mera transcrição, decidiu o presente processo, ao acolher o sentido da improcedência do correspetivo processo de 2006 em sede de IVA, conforme decidido no mesmo Tribunal, e confirmado em recurso pelo Douto TCA Sul.

C. Como nota prévia, respeitosamente aqui se salienta que a sociedade Recorrente não litiga por litigar; o Imposto está pago e recorrer implica, pelo contrário, o necessário acréscimo de custos com o processo; Recorre porque sabe que a justiça tem sido absolutamente cega no presente caso e, porque estamos num Estado de Direito, não quer admitir desistir de solicitar aos Tribunais que analisem a situação com rigor e diligência, sem facilitismos, ligeirezas ou com conclusões técnicas precipitadas.

Neste contexto, roga coragem ao Douto Tribunal de recurso para que tudo analise sem influências - designadamente sem considerar a regra do precedente/stare decisis, sem relevância no nosso ordenamento jurídico - com isenção, rigor, atento o contexto da atividade farmacêutica, porque não quer deixar de acreditar que é possível uma correta valoração de facto e, nesse sentido, alcançar a justiça no caso concreto.

Veja-se então,

D. Salvo melhor opinião, os factos não provados, bem como o teor da fundamentação da Douta Sentença sob recurso assentam numa dupla dúvida:

(1) Nas divergências entre as datas das “ Guias de acompanhamento ” dos resíduos da T… para a P…, datadas de 30 de Junho de 2006, e as datas das “ Guias de saída de armazém ”, dadas de 4 a 7 de Julho de 2006, bem como nas divergências quanto ao teor desses últimos documentos com o “ mapa de destruição ” .

2) Não estar provado que os medicamentos transportados e destruídos pela P… (já que se encontram identificados em KG, caixas e paletes) correspondem ao custo registado contabilisticamente na T….

Veja-se então, na opinião da Recorrente, onde estão os “erros de julgamento” de cada uma dessas duas linhas de fundamentação:

Quanto às ‘Guias de acompanhamento ’, ‘guias de saída’ e ‘mapas de destruição’

E. Existe, desde logo, uma errada valoração factual que resulta da análise e confronto do ‘Mapa de Destruição’ - Doc. n.° 5 da PI e facto provado E) - e as ‘Guias de Saída de Armazém’ n.°s 001… a 001…., 11…. a 00…. - Doc. n.° 12 da PI, factos O) e P) dados como provados -, porquanto, da análise do teor desses documentos conclui-se que todos os medicamentos identificados nessas “ Guias de Saída de Armazém ” constam todos do referido ‘Mapa de Destruição', sendo ainda certo que a soma das referidas ‘Guias de Saída’ totaliza o valor contabilizado como custo do exercício de 2006, e que foi totalmente desconsiderado pelos Serviços de Inspeção Tributária.

F. Ou seja, da análise desses 3 documentos da contabilidade da T… resulta que existe uma absoluta correspondência e identidade dos medicamentos registados nos mesmos, ao contrário do que se indicia ou se conclui a Douta Sentença sob recurso.

G. Saliente-se: a única diferença - para mais - registada no “ mapa de destruição ” (e que não foi custo fiscal!) é absolutamente normal, e não resulta de nada obscuro, ilegal ou incompreensível....e para tanto basta aferir do procedimento de controle interno da T… nesse processo de abate, conforme densamente explicado, incluindo pelas Testemunhas ouvidas nos autos:

(i) após a elaboração do ‘Mapa de Destruição' com a seleção e identificação dos medicamentos para abate (por código/ designação/ quantidade ( ‘Qtd.’ )/ Valor unitário/ Valor Total/ Motivo ( ‘1 - Produto devolvido' ou ‘2 - Produto que expirou o prazo de validade no nosso armazém') - e (ii) sucessiva aprovação pela Administração da sociedade, (iii) os medicamentos eram então validados e contados fisicamente no Departamento de gestão de stocks e, nesse procedimento, podiam ser detetadas diferenças entre o “ mapa de destruição ” (cf. Doc. n.° 5 da PI, que totalizava € 622.184,90), e o valor que, afinal, deveria ser (e foi) efetivamente destruído e, nesse âmbito, contabilisticamente relevado - que, no caso, foi de € 610.240,65, numa diferença/redução de € 11.944,05 - cf. Doc. n.° 11 e lista de diferenças apuradas, cf. Doc. n.° 13, todos juntos à PI e para os quais se remete para os devidos efeitos legais;

H. Ou seja, da análise cruzada daqueles documentos - e da prova testemunhal - é possível concluir, de forma perentória, que tal diferença (€ 11.944,05) justifica-se, essencialmente, pelas pequenas diferenças de quantidades de alguns produtos indicadas no “ Mapa de destruição ” face aos que foram destruídos, pela extensão de medicamentos que eram enviados para abate, e por estes apenas serem confirmados aquando da verificação física dos mesmos, em momento anterior ao abate.

Mais:

I. Sendo as ‘Guias de Acompanhamento de resíduos’ Modelos oficiais do Ministério do Ambiente, um documento legal sem listagem de produtos anexos - ao apenas permitirem referir genericamente as “ quantidades ”, no caso, 33 paletes, 4 caixas e 3 paletes - conclui-se ainda que a dúvida do Douto Tribunal a quo apenas poderia respeitar às diferentes datas - 30 de Junho de 2006 das "guias de acompanhamento de resíduos ” e as datas de 4 a 7 de Julho de 2006 das “ guias de saída ” de armazém.

J. Ora, respeitosamente se saliente, aqui reside um grande equívoco de valoração factual do Douto Tribunal a quo: as datas são obrigatoriamente divergentes porque as "guias de acompanhamento de resíduos ” do Ministério do Ambiente são documentos que acompanham os resíduos/transporte, enquanto as "guias de saída de armazém ” são documentos contabilísticos internos, necessariamente posteriores ao facto a registar/transporte/saída de bens, pois mais não são que o registos contabilísticos em "SAP ” que retira informaticamente os bens do stock/armazém contabilístico da sociedade.

K. Pelo exposto, as diferentes datas não resultam de nenhum procedimento incorreto, inaceitável ou irresponsável; tal diferença de datas resulta da prática contabilística comum/normal que não pode ser ignorada por desconhecimento ou erro de raciocínio: as “ guias de saída de armazém ” são documentos de suporte contabilístico interno e não “ guias de transporte ” para movimentar stocks, para que possam ou devam estar datadas com a mesma data da movimentação física dos bens, pelo contrário!

L. De tudo o exposto, e quanto à primeira linha de fundamentação, resulta da valoração e da natureza/função dos documentos juntos aos autos, que as datas dos sobreditos documentos contabilísticos nada têm de errado, havendo ainda uma absoluta correspondência entre os medicamentos registados no "mapa de destruição ” e nas "guias de saída de armazém ”, sendo a valoração contrária expressa na Douta Sentença sob recurso um inquestionável erro de julgamento de facto, que aqui se peticiona.

Que medicamentos foram destruídos em 2006

M. Afastadas cabalmente as dúvidas/erro de julgamento supra, não pode o Douto Tribunal de recuso deixar de decidir que foram os medicamentos contabilizados - identificados no “ mapa de destruição ” e nas “ guias de saída de armazém ” - os que foram para abate através das referidas “ guias de acompanhamento de resíduos ” para a P….

Vejamos,

N. Salvo melhor opinião, em sede de IRC não se pode aplicar a presunção do artigo 86.° do CIVA (presunção de venda), não havendo qualquer inversão do ónus da prova; antes importa(va) fundamentar os indícios sob os quais se considera que não foi feito o abate de medicamentos ou os motivos pelos quais os mesmos não são considerados imprescindíveis para a manutenção a fonte produtora, nos termos do artigo 23.° do CIRC.

O. Termos em que se poderá concluir que a única fundamentação legalmente a relevar em sede de IRC será a de que as “ guias de acompanhamento de resíduos ” não cruzam de forma direta com o registo contabilístico dos medicamentos levados para destruição, o que terá levado a AT a ter duvidado da existência desse abate.

P. Com o devido respeito, ninguém duvida que se verificou um abate efetivo massivo ou substancial de medicamentos da T… - em concreto, foram destruídos cerca de 5.350 Kgs (cinco mil, trezentos e cinquenta kilos!) de medicamentos -, através da sociedade P… (ver guias de acompanhamento de resíduos do Ministério do Ambiente, talões de pesagem, faturação emitida, guias de exportação de resíduos, declarações sob honra emitidas pela P… ....).

Q. Então, porque motivo deve o Douto Tribunal concluir que esse abate de medicamentos - real e comprovado - é o que está registado na contabilidade e não qualquer outro:

a. Porque a contabilidade da T… nunca mereceu qualquer desconfiança, nem nunca foi colocada em questão pelos serviços de inspeção tributária;

b. Porque inequivocamente só se verificou um único (grande) abate de medicamentos no ano de 2006 (prova testemunhal e documental e facto a dar como provado nos autos);

c. Porque existe uma absoluta correspondência, quer temporal, quer na "grande quantidade de medicamentos” em causa (5.350 Kgs para € 610.240,85);

d. Porque não estamos perante bens de consumo - como ‘batatas’, ‘ovos’ ou ‘calças’ -, antes perante medicamentos, que sendo bens de saúde pública num contexto de elevada complexidade e responsabilidade na destruição dos mesmos, face à respetiva toxicidade (o que só pode ser feito por entidades certificadas; veja-se que alguns dos medicamentos foram exportados para inceneração, em face da elevada toxicidade - Doc. n.° 10 da PI);

e. Porque admitir o contrário seria considerar como provável que os 5.350 KG de medicamentos destruídos pela P… não tinham registo contabilístico - numa empresa certificada ?? vieram donde? - como seria também admitir/presumir que os medicamentos com o valor contabilístico material e relevante de € 610.240,85 foram destruídos pela T…, de uma outra qualquer forma (?), ou foram vendidos em mercado negro (?) - novamente: não estamos perante bens de consumo para que se possa tão livremente considerar essas hipóteses como verossímeis, sem que se apresentem os mínimos indícios em sentido contrário, os quais sempre seriam criminosos.

R. E é exatamente neste ponto que, não havendo qualquer presunção legal aplicável em sede de IRC, cumpre o Douto Tribunal de Recurso aferir se não existe falta de fundamentação legal, e não no sentido referido na Douta Sentença recorrida - i.e., no sentido de se compreender o itinerário cognitivo que conduziu às correções realizadas -, antes no sentido de a AT não ter fundamentado concretamente ou factualmente as razões das correções realizadas em sede de IRC, para além de menções vagas e abstratas e/ou meros juízos conclusivos.

S. Ao concluir que a presunção prevista no art.° 86.° do Código do IVA é aplicável em sede de IRC e não foi ilidida, o Douto Tribunal a quo acaba, a final, por aceitar a posição da AT de que tal presunção só pode ser ilidida mediante apresentação de autos de abate e comunicações prévias, - o que não tem qualquer correspondência com o teor literal da norma contida no artigo 86.° do Código do IVA, incorrendo em erro de julgamento da matéria de facto, e violando os princípios constitucionais da proporcionalidade, e da proibição da indefesa.

T. Por tudo o exposto, em face ao objeto comercial exclusivo da T… - enquanto empresa do setor farmacêutico - e por raciocínio, verosimilhança, por causa/efeito, elevada probabilidade e até por exclusão de partes, só se poderá ter como provado nos autos que os medicamentos contabilizados na conta # 69343 - Abates por destruição - produto acabado, com o valor de € 610.240,85, foram efetivamente destruídos por abate, pela sociedade P….

U. E que o referido montante era, e é, efetivamente custo da Recorrente, nos termos do art.° 23.° do Código do IRC, na redação em vigor à data dos factos, devendo-se revogar a Douta Sentença aqui recorrida, na devida conformidade.

V. Por fim, note-se que nos presentes autos a Recorrente requer, para além da anulação da liquidação adicional de IRC sub judice, no valor total de € 188.689,81, com a restituição do referido montante, requer ainda o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido do imposto e até à restituição do mesmo, nos termos e para os efeitos do art.° 43.° da Lei Geral Tributária.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis,

deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, com a revogação da douta sentença recorrida e consequente anulação da liquidação adicional de irc sub judice

Por resultar de toda a prova carreada para os presentes autos a efetiva destruição/abate dos medicamentos cujo montante contabilístico no valor total de 610.240,85 foi totalmente desconsiderado como custo do exercício de 2006 pelos Serviços de Inspeção Tributária da Autoridade Tributária,

Condenando-se ainda, em conformidade, a Autoridade Tributária à restituição do valor do imposto indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, até integral restituição.

Pois só assim se fará a costumada justiça!”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Verifica-se erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

b) Verifica-se erro de julgamento, dado resultar provado que os medicamentos, cujo abate foi registado na contabilidade, foram efetivamente destruídos?

c) Há erro de julgamento, por não ser aplicável, em sede de IRC, a presunção prevista no art.º 86.º do CIVA e por haver falta de fundamentação legal?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) A Impugnante tem por objeto social: “ a) a industria e comércio de produtos especialidades farmacêuticas, medicamentos, produtos químicos, dietéticos, dermo cosméticos e alimentar, b) prestação de serviços nas áreas médico farmacêuticas terapêuticas e farmacológicas; c) comercio importação e exportação de especialidades farmacêuticas, medicamentos, produtos químicos biológicos, dietéticos, produtos e preparações veterinárias; d) comercio importação e exportação de aparelhos médico-cirúrgicos, e) prestação de serviços na área da indústria farmacêutica, designadamente de informação medica, telemática ou informática ” – cf. doc. 2 junto à p.i. .

B) Em cumprimento da Ordem de Serviço OI 2008……., de 11.04.2008, a ora impugnante foi alvo de um procedimento de inspeção tributária em relação ao ano exercício de 2006, no âmbito de acompanhamento permanente, na sequência d o qual foi elaborado o Relatório Final, cujo teor, bem como dos respetivos anexos, aqui se dá por reproduzido, e do qual resulta, além do mais, e no que caso mais releva, o seguinte:

“ [ ... ]

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

[ ... ]

Conta 69343 - Abates por Destruição - Produto Acabado

Foi registado na conta 69343 - Abates por Destruição - Produto Acabado, o valor de € 610.240,85.

Em 5-02-2010, por Ofício Nº 105…, foi notificado (Anexos 1 e 2) para apresentar, fotocópia do Auto de Abate e Comunicação ao Serviço de Finanças. Também foi solicitado ao contribuinte, por email (Anexo1), que apresentasse, fotocopia da guia do transporte para o centro de reciclagem/cineração, indicação do destino a dar aos bens e comprovativo da entrega no centro de reciclagem/cineração, no sentido de comprovar a natureza do custo e simultaneamente comprovar que os mesmos não foram transmitidos a outra entidade.

O contribuinte, enviou os seguintes elementos: Declarações n.º 9…/2006 e 96…/2006, emitidas pela empresa P…, com a indicação de que foram levantados os produtos farmacêuticos, no dia 30-06-2006, recepcionados posteriormente no Parque Industrial Q… do B…, com a finalidades de serem destruídos, de acordo com os métodos legais adequados a cada tipo de resíduos.

Foi ainda apresentada Guia Modelo A, de Acompanhamento de Resíduos, emitida pelo Ministério do Ambiente, em que se verifica que o transportador e destinatário dos bens foi a empresa P….

O contribuinte não apresentou a Comunicação ao Serviço de Finanças, com a indicação do local, dia e hora, de forma a que os agentes de fiscalização, pudessem, proceder ao devido controlo. Também não elaborou o Auto de Abate, identificando os bens, quantidades e valores testemunhado por pessoas, que deveriam ter presenciado aquele facto.

Assim, não ficou comprovado que os bens, registados como custo, foram destruídos, por abate ou destruição, uma vez que, apenas foram apresentadas declarações emitidas pela empresa P…, e pelo Ministério do Ambiente, em que apenas é possível verificar que os bens foram entregues à firma P….

Efectivamente, não comprovou a destruição do valor registado na conta 693… – Abate por Destruição.

Sendo a destruição de montante significativo, deveria ter o cuidado de se munir de Auto(s) de Abate(s) testemunhado presencialmente, e também não efectuou comunicação prévia ao Serviço de Finanças da sua área. Estas faltas impossibilitaram a comprovação de abate dos bens por parte da Administração Fiscal. Deste modo não podemos considerar regular, o registo da conta 69…, porque nos termos do artigo 23º do CIRC, não ficou demonstrada a necessidade do custo para a intenção do proveitos/ou ganhos para a manutenção da fonte produtora. E ainda, regularizado o IVA, a favor do Estado, no valor de € 128.150.58, uma vez que se presumem transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que não se encontrem em qualquer dos locais indicados, porque não existem provas de que os bens, se encontram na empresa ou que foram destruídos.

[ ... ]

2006

IRC - € 610.240,85

IVA - € 128.150,58

[ ... ]

VIII. AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO

[ ... ]

Da análise dos documentos remetidos concluímos o seguinte:

- Conforme foi referido pelo contribuinte, não apresentou a Comunicação ao Serviço de Finanças, nem o Auto de Abate.

- Da análise dos documentos apresentados não se consegue confirmar quais os bens que foram enviados à empresa P… e que eventualmente constam das Guias apresentadas, porque nestes documentos não se encontram discriminados, de forma: a podermos identificá-los e confirmarmos que efectivamente foram destruídos. Da análise das guias, apenas vem mencionado “medicamentos diversos”.

Por este motivo era essencial, apresentar a Comunicação enviada ao Serviço de Finanças e o Auto de Abate porque estaria efectivamente comprovado que os agentes de fiscalização exerceram o controlo do destino dado aos bens.

Com a Comunicação ao Serviço de Finanças, teria de anexar lista discriminativa dos bens a destruir (Referência, quantidade, valor unitário e valor global). Também, esta informação discriminada, possibilita a verificação das mesmas por parte da Empresa Responsável pela Destruição, no acto de recepção para destruição/reciclagem. Deste modo, a recepção por parte da empresa P… e as Guias de Acompanhamento de Resíduo (GAR) do Município do Ambiente, nada esclarecem quanto aos bens recebidos/destruídos.

Por outro lado, o Auto de Abate exigido, na confirmação do Abate dos Bens, também deveria discriminar as mercadorias abatidas.

Efectivamente, a falta de informação referida, impossibilita o cruzamento dos bens abatidos nas várias fases do abate físico e abate contabilístico, em apreço.

Relativamente ao disposto no artigo 86 º do Código do IVA, temos de acrescentar que esta disposição do CIVA, conduz ao artigo 74 º da Lei Geral Tributária, ou seja, o ónus da prova recai, sobre quem o invoque.

Deste modo terá o sujeito passivo de provar de forma discriminada (com identificação da referência, quantidade, valor unitário e valor global) o valor contabilisticamente abatido.

Face ao exposto, mantêm-se as correcções que foram propostas.

[ ... ] ” – cf . o Relatório Final de Inspeção (RIT) junto à p.i. sob doc. 3 .

C) Ato impugnado: Em 04.08.2010, com base nas correções efetuadas no âmbito da inspeção referida acima, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2010 831………., relativa ao exercício de 2006, que apurou a pagar a quantia de € 188.689,81, sendo € 20.873,58 relativos a juros compensatórios, com data limite de pagamento voluntário em 20.09.2010 – cf . doc. 1 junto à p.i.

D) Em 13. 09.2010 a impugnante pagou a quantia a totalidade do valor da liquidação referida em C) – cf. doc. 4 junto à p.i.

E) Em 11.05.2006, a Impugnante aprovou o “Mapa de Destruição”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual constam os nomes dos medicamentos objeto de destruição respetivos códigos, quantidades (unidades), valor unitário de cada produto e valor total de cada um deles, bem como o motivo da destruição (produto devolvido e/ou que expirou o prazo de validade) – cf. doc. 5 junto à p.i.

F) O “Mapa de Destruição” a que se refere a alínea que antecede indica o somatório do valor das mercadorias objeto de destruição, € 622.184,90, e mostra-se assinado pelo diretor industrial, enquanto responsável pela destruição dos medicamentos do Grupo – cf. doc. 5 junto à p.i. e prova testemunhal.

G) Em 30.06.2006 foi preenchida a “Guia de Acompanhamento de Resíduos” n.º 69……., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta designadamente o seguinte:

Designação do resíduo: Medicamentos - Diversos

N º Embalagens ou recipientes: 33 Paletes

Destinatário: P…, Lda

Recepção: aceite

Quantidade 4727 .

– cf. doc. 6 junto à p.i. e prova testemunhal.

H) Em 30.06.2006 foi preenchida a “Guia de Acompanhamento de Resíduos” n.º 698…., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta designadamente o seguinte:

Designação do resíduo: Medicamentos - Citostático

Nº Embalagens ou recipientes: 4 Cx

Destinatário: P…, Lda.

Recepção: aceite

Quantidade: 34

– cf. doc. 6 junto à p.i. e prova testemunhal.

I) Em 30.06.2006 foi preenchida a “Guia de Acompanhamento de Resíduos” n.º 69……, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta designadamente o seguinte:

Designação do resíduo: Medicamentos - Diversos

Nº Embalagens ou recipientes: 2 Paletes

Destinatário: P…, Lda.

Recepção: aceite

Quantidade: 588

– cf. doc. 6 junto à p.i. e prova testemunhal.

J) Os documentos a que se referem as alíneas G), H) e I) não indicam, no item “Quantidade Kg ” qualquer valor – cf. doc. 6 junto à p.i .

K) Em 04.06.2006 a Impugnante emitiu a “Requisição Interna” para o fornecedor “P…, Lda”, da qual consta, além do mais a seguinte “descrição e justificação”:

Recolha, transporte, triagem, trituração, reciclagem e incineração de medicamentos diversos:

(+/- 580 0Kg) x 0,80 € + IVA

(+/- 30Kg) x 2,15 € + IVA CITOSTÁTICO

Entrega: 29/30 de Junho

– cf. doc. 7 junto à p.i. e prova testemunhal.

L) Em 10.07.2006 a “P…, Lda” emitiu em nome da Impugnante a fatura n. º B488, referente às Guias de Acompanhamento n. º s 6989…, 698… e 698…, no valor total de € 5.210,03, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual foi feito constar que “Os serviços prestados foram concluídos em: 07-07-2006” – cf. doc. 8 junto à p.i .

M) Em 10.07.2006 a “P… Lda” emitiu a Declaração n. º 959/2006, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual é referido, além do mais, ter recebido os produtos levantados a 30.06.2006, referentes às “Guias de Acompanhamento” n º s 69… e 6989….. – cf. doc. 9 junto à p.i .

N) Em 03.07.2006 a “P… Lda ” emitiu a Declaração n. º 9…/2006, declarando ter recebido os produtos levantados a 30.06.2006, referentes à Guia de Acompanhamento n. º 698… – cf. doc. 9 junto à p.i .

O) Em 04.07.2006, 05.07.2006, 06.07.2006 e 07.07.2006, a Impugnante emitiu as “Guias de Saída” n. º s 0011…, 0011…, 0011…, 0012…, 0012…, 0012…, 0012…, 0012…, 0012….0012…, 0012…, 0012…, 0012…, 0013…, 0013…,0013…, 0013…, 013…, 0013…, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, identificando os medicamentos pelo nome, lote, validade, quantidade, valor unitário e valor total – cf. doc. 12 junto à p.i .

P) As “Guias de Saída” n. º s 0011…,0011…, 0011…, 0012…, 0012…, 0012…, 0012…, 0012…, 0012… contêm a menção “Produto destruído conforme mapa destruição aprovado pela Administração” – cf. doc. 12 junto à p.i .

Q) As “Guias de Saída” n. º s 0012…, 0012…, 0012…, 0012…, 0013…, 0013…, 0013…, 0013…, 0013…, 0013…, 0013…, 0013…, 0013… e 0005… contêm a menção “Produto destruído conforme mapa destruição aprovado pela Administração – 11 de Maio de 2006” – cf. doc. 12 junto à p.i .

R) Dão-se aqui por reproduzidos os documentos juntos à p.i. sob doc. 10, relativos a “Movimento Transfronteiriço de Resíduos” em que figura na qualidade de exportador a “P… Lda” e o destinatário um adquirente localizado fora de Portugal – cf. doc. 10 junto à p.i .

S) A petição inicial que originou os presentes autos foi remetida a este TAF por correio registado de 17.12.2010 – cf . fls. 3 do suporte físico dos autos”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não resultou provado que os medicamentos identificados no “Mapa de Destruição” a que se referem as alíneas E) e F) correspondem aos medicamentos a que respeitam as “Guias de Acompanhamento” e “Guias de Saída” mencionadas em G), H), I) e O)”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do tribunal, quanto aos factos provados, formou-se com base no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas supra, bem como na prova testemunhal produzida em audiência nos casos especificamente identificados, tendo as testemunhas inquiridas (P… e A…), ambas com ligação profissional à impugnante, prestado depoimento com rigor e isenção, revelando terem conhecimento do ponto de vista genérico dos procedimentos internos habituais conducentes a destruição de medicamentos, sem contudo, esclarecer sobre os concretos factos com relevo para a decisão do mérito da causa, nomeadamente sobre se os medicamentos identificados no “Mapa de Destruição” a que se referem as alíneas E) e F) correspondem àqueles a que respeitam as “Guias de Acompanhamento” e “Guias de Saída” mencionadas em G), H), I) e O), razão pela qual se deu tal facto por não provado”.

II.D. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Considera, desde logo, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro no julgamento da matéria de facto, entendendo ser de aditar os seguintes factos:

1) As únicas ‘mercadorias’ comercializadas pela T… são medicamentos e especialidades farmacêuticas;

2) No exercício de 2006 não foi realizada qualquer outra operação de destruição ou abate de produtos (conforme prova testemunhal produzida, se conclui das rúbricas da contabilidade - extrato anual da conta junta como Doc. n.º 11 da PI, e se infere do próprio Relatório de Inspeção Tributária);

3) A par da separação ‘física’ dos medicamentos para abate/destruição, estes medicamentos eram registados numa Lista elaborada pelo Departamento de Logística da Recorrente, denominado ‘Mapa de Destruição' [como eram ainda contabilisticamente registados numa conta 95 -armazém de destruição];

4) O referido ‘Mapa de Destruição’ identificava os medicamentos para abate por código/designação/ quantidade (‘Qtd.’)/Valor unitário/ Valor Total/ Motivo ('1 - Produto devolvido' ou ‘2 - Produto que expirou o prazo de validade no nosso armazém') - cf. Doc. n.° 5 junto à PI e facto F) dos factos provados nos autos;

5) O ‘Mapa de destruição', com o valor de medicamentos global de € 622.184,90, era (e foi) remetido para validação/aprovação da Administração da Recorrente, o que sucedeu em 11.05.2006, através da assinatura da Administradora Executiva, Exma. Sr. a Dr. a M… (ver assinatura aposta no final do Doc. n.° 5 da PI);

6) Seguidamente, aos nível dos procedimentos de controlo, os medicamentos iram para o Departamento de gestão de stocks, para se validar pontualmente toda a informação, e nesse procedimento (de contagem) podiam ser detetadas diferenças entre o "mapa de destruição” (cf. Doc. n.° 5 da PI, que totalizava € 622.184,90), e o valor que, afinal, deveria ser destruído e, nesse âmbito, contabilisticamente relevado - que, no caso, foi de € 610.240,65, numa diferença/redução de € 11.944,05 - cf. Doc. n.° 11 e lista de diferenças apuradas, cf. Doc. n.° 13, todos juntos à PI e para os quais se remete para os devidos efeitos legais;

7) A recolha dos medicamentos da T… destinados a abate/destruição, pela P…, foi efetuada em 30 de Junho de 2006 - vd. Doc. n.° 9 da PI - Declarações e talões de pesagem da P… juntos à PI, para os quais se remete para todos os devidos efeitos legais, e ainda as ‘Guias do Ministério do Ambiente’, todas datadas de 30/06/2015, n.°s 6989……/698….. e 698…… (Doc. 6 da PI), que referem expressamente que, na referida data, a sociedade P… procedeu à recolha, na sede da T…, de 'medicamentos-diversos'/ ‘medicamentos -citostático';

8) Decorre da análise das referidas Guias que o ‘volume’ de medicamentos recolhidos foi significativo, porquanto, no campo referente à 'quantidade' (em kg) é indicado que foram recolhidos: 4.727 Kgs/ 34 Kqs/ 588 Kqs (e, sendo essa entidade uma terceira entidade, de recolha de lixo industrial para reciclagem ou destruição, necessariamente sem a inclusão do valor comercial dos bens a destruir, dado essa ser uma informação exclusiva e interna dos seus clientes);

9) O "grande volume ” de medicamentos recolhidos - que totalizaram 5.349 kg - foi transportado para as instalações da P…, sitas no Parque Industrial Q… - B…, e que foram “ registados de acordo com o Decreto-Lei 239/97, de 9 de setembro, com a finalidade de serem destruídos de acordo com os métodos legais adequados a cada tipo de resíduo", referindo ainda que os resíduos “ não terão outro fim a não ser o acordado ou ao qual são destinados, não havendo qualquer perigo para o ambiente, saúde pública, mercados paralelos ou outros";

10) Na Fatura da P…, junta como Doc. n.° 8 à PI, é indicado de forma expressa o ‘Tipo de Tratamento’ dado aos medicamentos recolhidos, a saber, aos ‘medicamentos-diversos’ de "Triagem, trituração, reciclagem e incineração", e aos ‘medicamentos- Citostáticos’ de "Reembalagem, armaz. Temp. e incineração";

11) Todos os medicamentos identificados nestas “Guias de Saída de Armazém” constam do referido ‘Mapa de Destruição’;

12) A soma das referidas Guias de Saída totaliza o valor contabilizado como custo do exercício de 2006, e que foi totalmente desconsiderado pelos Serviços de Inspeção Tributária, nos termos que aqui se resumem:

13) Sendo as referidas ‘Guias de Acompanhamento de resíduos’ Modelos oficiais do Ministério do Ambiente, um documento legal sem listagem de produtos anexos ao referirem genericamente apenas as “quantidades” - 33 paletes, 4 caixas e 3 paletes -, conforme exemplo que se reproduz (Doc. n.° 6).

14) Porque o Departamento Financeiro da T… não paga serviços sem a correspondente requisição interna, no âmbito do procedimento interno de contratação de serviços externos foi emitida em 4.07.2006, a 'Requisição Interna’ n.° 04…../2006, a favor da P…, Lda . - cf. Doc. n.° 7 junto à PI e para o qual remetemos para todos os devidos efeitos legais - a qual refere textualmente que o serviço externo ‘requisitado’ foi de “recolha, transporte, triagem, trituração, reciclagem, incineração de medicamentos diversos

(+/- 5800kg) x 0,80€ + IVA

(+/- 30 Kg x2,15€ + IVA citostáticos”;

15) O valor do serviço prestado pela P… varia em função do volume/peso dos medicamentos a destruir;

16) A T… não dispunha - nem dispõe -, de ‘balanças’ para fazer tal pesagem e, nesse âmbito, para poder fazer uma estimativa dos KGs dos bens a destruir, logo, do valor dos serviços a requisitar/pagar;

17) Pelo que, tal requisição só era feita e entregue à Administração da T… depois de se obter a estimativa, por parte da P…, do peso dos medicamentos efetivamente recolhidos - o que não tem subjacente nenhum motivo obscuro, pelo contrário, é normal, compreensível, tem aderência aos documentos, e foi plenamente explicado pelas testemunhas, em especial Senhor A… em sede de Audiência de Julgamento;

18) A estimativa é depois “acertada”, pela pesagem efetiva dos medicamentos recolhidos pela P…, conforme Declarações de pesagem e destruição, incluindo talões de pesagem, emitidos por essa entidade terceira e que se juntaram como Doc. n.° 9 da PI, os quais são secundados pelas faturas dessa entidade datadas de 10.07.2006, as quais remetem para as Guias de Acompanhamento (Doc. n.° 6);

19) Por fim, as guias de saída de armazém foram emitidas sucessiva e sequencialmente, logo nos dias úteis seguintes - a 4, 5 e 7.07.2020 -, sempre após a confirmação efetiva de saída dos bens de armazém, com o intuito de registar contabilística (e informaticamente) a “saída” dos bens de armazém levados para abate, fazendo sempre remissão para o “mapa de destruição” aprovado pela Administração;

20) Foram esses medicamentos - identificados no “mapa de destruição” e nas “guias de saída de armazém” - os que foram para abate através das referidas “guias de acompanhamento de resíduos” para a P….

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (1).

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados (2).

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus não foram integralmente cumpridos.

Concretizando, desde já se refira que não é admissível a alusão, de modo global, ao depoimento das testemunhas inquiridas, sem ser dado cumprimento às exigências já mencionadas, no sentido de identificar quer o concreto depoimento quer a sua concreta passagem na gravação efetuada.

Feito este introito, procedamos a esta primeira apreciação

Assim, atendendo à enumeração supra efetuada, verifica-se que não foram cumpridos os pressupostos do art.º 640.º do CPC, concretamente do disposto no art.º 640.º, n.º 1, al. b) e/ou n.º 2, al. a), do CPC, nos seguintes casos:

i. Alíneas 1), 15) e 16) – não foi indicado qualquer meio de prova;

ii. Alínea 3) – não foi indicado o concreto meio de prova documental (não obstante a expressão [f]icou provado documentalmente) e não foi dado cumprimento às exigências legais, já descritas anteriormente, quanto à prova testemunhal;

iii. Alínea 17) – não foi dado cumprimento às exigências legais, já descritas anteriormente, considerando que o meio de prova indicado se consubstanciou em prova testemunhal.

Assim, como é referido, em todos estes casos ou não é especificado o meio de prova que sustenta o entendimento da Recorrente, ou, quanto à prova testemunhal, é indicado o meio de prova, mas não o concreto momento da gravação relevante.

Como tal, nesta parte, rejeita-se o recurso.

No entanto, o recurso é de admitir quanto às demais alíneas. É de sublinhar que, em dois casos, apenas em relação à prova documental foram cumpridos os requisitos previstos no art.º 640.º do CPC, não o tendo sido quanto à prova testemunhal. São eles as alíneas 2) e 6), sendo que a apreciação será feita apenas atendendo à prova documental.

Passemos, então, à apreciação do alegado:

¾ Facto supra identificado sob a alínea 2):

2) No exercício de 2006 não foi realizada qualquer outra operação de destruição ou abate de produtos (conforme prova testemunhal produzida, se conclui das rúbricas da contabilidade - extrato anual da conta junta como Doc. n.° 11 da PI -, e se infere do próprio Relatório de Inspeção Tributária).

Como já referimos supra, a apreciação aqui centrar-se-á na prova documental indicada, uma vez que a prova testemunhal foi referida de forma desconforme às exigências constantes do art.º 640.º do CPC.

Por outro lado, a formulação proposta não pode ser aceite, porquanto parte do princípio de que houve uma operação de abate de medicamentos, questão que justamente se discute in casu.

O que resulta provado, como base na prova indicada, é que, na contabilidade da Impugnante, no exercício de 2006, foi apenas registado, na conta 693…, um abate para destruição, no valor de 610.240,85 Eur.

Ora, esta situação não é minimamente controvertida, como se extrai do relatório de inspeção tributária (RIT), a que se refere o facto B).

Como tal, indefere-se o requerido aditamento, por irrelevante.

¾ Factos supra identificados sob as alíneas 4) e 5):

4) O referido ‘Mapa de Destruição’ identificava os medicamentos para abate por código/designação/ quantidade (‘Qtd.’)/Valor unitário/ Valor Total/ Motivo ('1 - Produto devolvido' ou ‘2 - Produto que expirou o prazo de validade no nosso armazém') - cf. Doc. n.° 5 junto à PI e facto F) dos factos provados nos autos.

5) O ‘Mapa de destruição', com o valor de medicamentos global de € 622.184,90, era (e foi) remetido para validação/aprovação da Administração da Recorrente, o que sucedeu em 11.05.2006, através da assinatura da Administradora Executiva, Exma. Sr. a Dr. a M… (ver assinatura aposta no final do Doc. n.° 5 da PI).

Quanto aos factos 4) e 5) propostos, os mesmos já resultam dos factos E) e F) mencionados em II.A.

Com efeito, dos mesmos consta a referência aos campos do mencionado mapa, ao facto de tal mapa ter sido aprovado pela Impugnante a 11.05.2006 e ao somatório do valor total ali indicado.

Como tal, indefere-se o aditamento requerido, em virtude de se tratar de factualidade já resultante da sentença recorrida.

¾ Facto supra identificado sob a alínea 6):

6) Seguidamente, aos nível dos procedimentos de controlo, os medicamentos iram para o Departamento de gestão de stocks, para se validar pontualmente toda a informação, e nesse procedimento (de contagem) podiam ser detetadas diferenças entre o "mapa de destruição” (cf. Doc. n.° 5 da PI, que totalizava € 622.184,90), e o valor que, afinal, deveria ser destruído e, nesse âmbito, contabilisticamente relevado - que, no caso, foi de € 610.240,65, numa diferença/redução de € 11.944,05 - cf. Doc. n.° 11 e lista de diferenças apuradas, cf. Doc. n.° 13, todos juntos à PI e para os quais se remete para os devidos efeitos legais.

Como já referimos supra, a apreciação aqui centrar-se-á na prova documental indicada, uma vez que a prova testemunhal foi referida de forma desconforme às exigências constantes do art.º 640.º do CPC.

Assim, quanto a este facto, não se considera poder aditar-se o mesmo nos termos pretendidos.

Com efeito, da prova documental em causa, não se pode extrair o alegado em termos de procedimentos de controlo.

O que se extrai é apenas o que já resulta provado, ou seja, o valor total inscrito nos mapas de destruição e o valor contabilisticamente registado [cfr. factos B) e F)].

O documento 13, junto com a petição inicial, para o qual se remete, é um mero quadro, sem qualquer identificação da sua proveniência em termos autoria, data da mesma e contexto em que foi efetuado.

Como tal, indefere-se o requerido.

¾ Facto supra identificado sob a alínea 7):

7) A recolha dos medicamentos da T… destinados a abate/destruição, pela P…, foi efetuada em 30 de Junho de 2006 - vd. Doc. n.° 9 da PI - Declarações e talões de pesagem da P… juntos à PI, para os quais se remete para todos os devidos efeitos legais, e ainda as ‘Guias do Ministério do Ambiente’, todas datadas de 30/06/2015, n.°s 698…/698… e 6989…. (Doc. 6 da PI), que referem expressamente que, na referida data, a sociedade P… procedeu à recolha, na sede da T…, de 'medicamentos-diversos'/ ‘medicamentos -citostático'.

A formulação efetuada não tem adesão com a documentação indicada pela Recorrente.

Com efeito, não se pode extrair dos documentos em causa senão o que já resulta dos factos G) a I), ou seja, o teor das guias de acompanhamento de resíduos (GAR), e dos factos M) e N), atinentes às declarações emitidas pela sociedade P…, Lda (doravante, P…), a que respeita o documento n.º 9, junto com a petição inicial.

A formulação adotada pela Impugnante visa, no fundo, fazer a conexão entre o mapa de destruição e os demais elementos documentais, designadamente as GAR e as declarações emitidas pela sociedade P….

Atentando nos elementos juntos aos autos, verifica-se, no entanto, que não se consegue fazer qualquer ligação entre os medicamentos constantes do mapa elaborado pela Recorrente e toda a restante documentação.

Aliás, as GAR usam, na parte cujo preenchimento é da responsabilidade da Impugnante, uma indicação em n.º de embalagens ou recipientes (cfr. documento n.º 6 junto à petição), não havendo qualquer discriminação dos medicamentos em causa.

Ainda que se conceda que o facto de um formulário definido nestes termos não poder condicionar a prova a efetuar, verifica-se que, de acordo com o ofício da sociedade P…, datado de 01.07.2010, é feita uma remissão, associando os números das GAR com os processos de notificação respetivos. Considerando tal remissão e compulsados os documentos de acompanhamento para transferências transfronteiriças de resíduos, verifica-se que o respeitante o PT/000054 faz menção a “6;9 paletes” e “47 volumes”, quando a GAR se refere a 4 caixas. Por outro lado, faz menção ao peso 24.780 kg, que não encontra correspondência em qualquer outro documento. Já o respeitante ao PT/0029… refere, em 3 dos 4 movimentos assinalados como relevantes, em 48 volumes por cada movimento, quando a GAR se refere a 33 paletes. Em termos de peso, 3 dos 4 movimentos têm a indicação 18.020 kg, 16.920 kg e 17.320 kg e o restante nada diz a esse respeito.

Acresce que nenhum dos documentos tem menções equivalentes às adotadas no mapa de destruição.

Ora seja, não se consegue fazer ligação entre estes dados e os constantes do mapa mencionado em E) e nem mesmo ligação dos dados entre si.

Assim, não se pode dar como provado o alegado pela Recorrente, que, como referimos, no fundo, visa fazer a ligação entre os mapas de destruição e os demais documentos, o que não se afigura possível, como, aliás, decorre da factualidade não provada.

Como tal, indefere-se o requerido.

¾ Facto supra identificado sob a alínea 8):

8) Decorre da análise das referidas Guias que o ‘volume’ de medicamentos recolhidos foi significativo, porquanto, no campo referente à 'quantidade' (em kg) é indicado que foram recolhidos: 4.727 Kgs/ 34 Kqs/ 588 Kqs (e, sendo essa entidade uma terceira entidade, de recolha de lixo industrial para reciclagem ou destruição, necessariamente sem a inclusão do valor comercial dos bens a destruir, dado essa ser uma informação exclusiva e interna dos seus clientes).

Refira-se, antes de mais, que a análise desta parte da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto tem de ser lida a par com o facto J), mencionado em II.A.

Deste facto consta o seguinte:

J) Os documentos a que se referem as alíneas G), H) e I) não indicam, no item “Quantidade Kg ” qualquer valor – cf. doc. 6 junto à p.i.”.

Compulsadas as mencionadas guias, verifica-se que há dois campos para preenchimento da quantidade em quilogramas, um a preencher pelo produtor / detentor e outro a preencher pelo destinatário.

No caso, o campo a preencher pelo produtor / detentor estava em branco, estando apenas preenchido o campo preenchido pelo destinatário.

Como tal, defere-se em parte o requerido, desprovido das considerações subjetivas constantes da proposta de redação, sendo que tal deferimento redundará numa alteração do facto J) nos seguintes termos:

“J) Os documentos a que se referem as alíneas G), H) e I) não indicam, no item “Quantidade Kg”, a preencher pelo produtor/detentor, qualquer valor, e indicam, no item “Quantidade Kg”, a preencher pelo destinatário, os valores 4.727, 34 e 588 – cf. doc. 6 junto à p.i.”.

¾ Facto supra identificado sob a alínea 9):

9) O "grande volume ” de medicamentos recolhidos - que totalizaram 5.349 kg - foi transportado para as instalações da P…, sitas no Parque Industrial Q… - B…, e que foram “ registados de acordo com o Decreto-Lei 239/97, de 9 de setembro, com a finalidade de serem destruídos de acordo com os métodos legais adequados a cada tipo de resíduo", referindo ainda que os resíduos “não terão outro fim a não ser o acordado ou ao qual são destinados, não havendo qualquer perigo para o ambiente, saúde pública, mercados paralelos ou outros".

O referido pela Recorrente corresponde ao teor do documento n.º 9, junto com a petição inicial (acrescido de algumas considerações de cariz subjetivo), concretamente o teor das declarações n.º 9…/2006 e 9…/2006, contidas no mencionado documento.

Ora, tal já decorre dos factos M) e N).

Como tal, indefere-se o requerido.

¾ Facto supra identificado sob a alínea 10):

10) Na Fatura da P… junta como Doc. n.° 8 à PI, é indicado de forma expressa o ‘Tipo de Tratamento’ dado aos medicamentos recolhidos, a saber, aos ‘medicamentos-diversos’ de " Triagem, trituração, reciclagem e incineração", e aos ‘medicamentos- Citostáticos’ de " Reembalagem, armaz. Temp. e incineração".

Este facto proposto resulta de L) do probatório.

Como tal, indefere-se o requerido.

¾ Factos supra identificados sob as alíneas 11) e 12):

11) Todos os medicamentos identificados nestas “Guias de Saída de Armazém” constam do referido ‘Mapa de Destruição’.

12) A soma das referidas Guias de Saída totaliza o valor contabilizado como custo do exercício de 2006, e que foi totalmente desconsiderado pelos Serviços de Inspeção Tributária, nos termos que aqui se resumem:


O proposto não se trata de factos, mas sim de conclusões, extraídas da análise da demais factualidade – aliás, referida pela própria Recorrente nas alegações.

Como tal, indefere-se o requerido.

¾ Facto supra identificado sob a alínea 13):

13) Sendo as referidas ‘Guias de Acompanhamento de resíduos’ Modelos oficiais do Ministério do Ambiente, um documento legal sem listagem de produtos anexos ao referirem genericamente apenas as “quantidades” - 33 paletes, 4 caixas e 3 paletes -, conforme exemplo que se reproduz (Doc. n.° 6).

Considera-se ser de aditar um facto, a este respeito, atenta a prova documental produzida, ainda que contendo maior densificação do que a referida pela Recorrente.

Assim, é de aditar o seguinte facto:

T) As guias de acompanhamento de resíduos foram preenchidas de acordo com o modelo oficial do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, constando, das mesmas, designadamente, os seguintes campos para preenchimento:

a) Quantidade – a preencher pelo produtor / detentor;

b) Condições de acondicionamento do resíduo (tipo, material e número de embalagens) – a preencher pelo transportador;

c) Quantidade – a preencher pelo destinatário (cfr. documento n.º 6, junto com a petição inicial).

¾ Facto supra identificado sob a alínea 14):

14) Porque o Departamento Financeiro da T… não paga serviços sem a correspondente requisição interna, no âmbito do procedimento interno de contratação de serviços externos foi emitida em 4.07.2006, a 'Requisição Interna’ n.° 04…/2006, a favor da P…, Lda . - cf. Doc. n.° 7 junto à PI e para o qual remetemos para todos os devidos efeitos legais - a qual refere textualmente que o serviço externo ‘requisitado’ foi de “recolha, transporte, triagem, trituração, reciclagem, incineração de medicamentos diversos

(+/- 5800kg) x 0,80€ + IVA

(+/- 30 Kg x2,15€ + IVA citostáticos”.

No que de factual decorre do proposto, resulta que tal já se encontra abrangido pelo facto K), mencionado em II.A.

Quanto ao demais, trata-se de considerações que não resultam da prova documental, extravasando-a.

Como tal, indefere-se o requerido.

¾ Facto supra identificado sob a alínea 18):

18) A estimativa é depois “acertada”, pela pesagem efetiva dos medicamentos recolhidos pela P…, conforme Declarações de pesagem e destruição, incluindo talões de pesagem, emitidos por essa entidade terceira e que se juntaram como Doc. n.° 9 da PI, os quais são secundados pelas faturas dessa entidade datadas de 10.07.2006, as quais remetem para as Guias de Acompanhamento (Doc. n.° 6)

Quanto à primeira parte do facto proposto, o mesmo relaciona-se com as alegadas estimativas, cuja apreciação não fazemos nesta sede, por falta de cumprimento dos requisitos constantes do art.º 640.º do CPC, referidos supra.

O que não se relaciona com tal estimativa tem a ver com o teor dos talões de pesagem e das faturas, que já decorrem dos factos G) a I), L) a N).

Como tal, indefere-se o requerido.

¾ Factos supra identificados sob as alíneas 19) e 20):

19) Por fim, as guias de saída de armazém foram emitidas sucessiva e sequencialmente, logo nos dias úteis seguintes - a 4, 5 e 7.07.2020 -, sempre após a confirmação efetiva de saída dos bens de armazém, com o intuito de registar contabilística (e informaticamente) a “saída” dos bens de armazém levados para abate, fazendo sempre remissão para o “mapa de destruição” aprovado pela Administração.

20) Foram esses medicamentos - identificados no “mapa de destruição” e nas “guias de saída de armazém” - os que foram para abate através das referidas “guias de acompanhamento de resíduos” para a P….

O que de factual se extrai do proposto encontra correspondência nos factos F) e O) a Q).

O demais proposto não resulta da mencionada prova documental.

Quanto à ligação entre os medicamentos elencados no mapa de destruição e nas guias de saída e GAR, a mesma, pelos motivos que já referimos anteriormente, não se encontra provada.

Com efeito, inexiste qualquer elemento objetivo que permita efetuar tal ligação, dado que, como referimos, enquanto o mapa de distribuição e as guias de saída contêm uma identificação por tipologia de produto, os demais elementos documentais, designadamente as GAR, têm indicações globais (caixas, paletes), que impedem a identificação dos concretos resíduos a que respeitam.

Como tal, indefere-se o requerido.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento, dada a demonstração da efetiva destruição dos medicamentos

Considera, desde logo, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto, da apreciação da matéria de facto provada, decorre que todos os medicamentos identificados nas guias de saída de armazém constam do mapa de destruição, entendendo ainda que, da prova produzida, decorre que os medicamentos registados na contabilidade como abatidos foram efetivamente destruídos.

Vejamos então.

In casu, a Recorrente foi objeto de ação inspetiva, no âmbito da qual foi, designadamente, analisada a conta 693… – Abates por destruição, tendo sido pedidos os elementos demonstrativos do valor inscrito como tal.

Face aos elementos facultados pela Impugnante, a administração tributária (AT) considerou, naquela sede, que não ficou demonstrado que os bens registados como custo tivessem sido destruídos, pelo que, ao nível do IRC, foram feitas correções ao sustentadas no disposto no art.º 23.º do CIRC (desconsideração de custos) e, ao nível do IVA, que não está aqui em causa, foram feitas correções ao abrigo do art.º 86.º do respetivo código.

Vejamos então.

Em termos de disciplina atinente especificamente aos custos (gastos), há que, desde logo, atentar no art.º 23.º do CIRC, nos termos do qual:

“Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora …”.

Decorre, pois, que entre custo (gasto) contabilístico e custo (gasto) fiscal não existe uma absoluta coincidência.

Quanto aos custos que sejam fiscalmente relevantes, para que os mesmos sejam considerados, é necessário, neste quadro normativo, que se demonstre a sua efetiva existência e a sua indispensabilidade.

No tocante ao requisito da efetiva existência, para aferir da mesma é preciso que tais custos estejam suficientemente documentados/comprovados. Tal resulta, desde logo, do corpo do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, que utiliza o advérbio “comprovadamente” (3).

Sendo certo que, em regra, a efetiva existência de um custo é aferida e comprovada pela fatura respetiva, que faz com que haja uma presunção de veracidade do custo que documenta, a mesma pode ser comprovada por outro documento, que, se dotado de algumas insuficiências, poderá ser complementado através de recurso a outros meios de prova, designadamente meios complementares de prova documental e testemunhal (4).

Como referido por António Moura Portugal (5), “… para efeitos de IRC, a exigência de prova documental nesta sede não se confunde com a exigência de factura, bastando, para comprovação de que o custo foi incorrido, a existência de simples documento interno (…), acompanhada por outros meios de prova que inculquem no julgador a convicção que a operação material teve lugar e que efectivamente foi necessária para a obtenção dos proveitos”.

Por outro lado, o art.º 23.º do CIRC remetia, à época, para o conceito de indispensabilidade do custo. O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo poder-se-á aferir da respetiva indispensabilidade, para “… a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

A noção de indispensabilidade pode ser construída, desde logo, pela negativa, nos seguintes termos:

¾ Não pode associar-se ao êxito de gestão, dado que são os riscos da própria atividade empresarial, que não podem retirar o caráter de indispensabilidade a um determinado custo, não abrangendo, pois, o juízo de razoabilidade (consagrado no pretérito art.º 26.º do Código da Contribuição Industrial);

¾ No mesmo seguimento, a indispensabilidade de um custo não se confunde com a sua oportunidade ou conveniência: “O poder da Administração é rigorosamente vinculado, não existindo margem de livre apreciação por parte da mesma, visto que não há aqui que formular juízos de oportunidade mas de tipo cognoscitivo. Pelo que tal indispensabilidade é rigorosamente controlada pelo Tribunal, não estando em causa qualquer especial saber técnico, juízo de imediação ou valoração pessoal daqui emergente ou quaisquer outros elementos imponderáveis” (6).

A indispensabilidade associa-se, pois, ao facto de um custo ser necessário, de se apresentar como habitual à obtenção de proveitos ou ganhos ou à manutenção da unidade produtiva.

A noção de indispensabilidade não pode ser encarada como abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal) (7), abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim. Portanto, mais do que uma análise objetiva do custo, tem de se aferir subjetivamente a sua indispensabilidade.

Não sendo indispensável um custo, não integra a previsão normativa do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, podendo, pois, ser por esta via desconsiderado.

Em termos de ónus da prova, há ainda que sublinhar que, sendo certo que cabe ao contribuinte o ónus da prova de que os custos são indispensáveis, a montante, cabe à AT o ónus de fundadamente pôr em causa essa indispensabilidade (8), sendo o ónus do contribuinte balizado pelos termos em que a AT funde a sua posição (9).

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, como resulta provado, a Impugnante inscreveu na sua contabilidade, na conta 69…… - Abates por Destruição - Produto Acabado, o valor de 610.240,85 Eur.

Para demonstração da efetividade de tal abate por destruição, a Impugnante apresentou os seguintes documentos:

a) Mapa de destruição, de 11.05.2006, do qual constam os nomes dos medicamentos, respetivos códigos, quantidades (unidades), valor unitário de cada produto e valor total de cada um deles, bem como o motivo da destruição (produto devolvido e/ou que expirou o prazo de validade), e cujo valor total era de 622.184,90 Eur.;

b) As guias de acompanhamento de resíduos;

c) Requisição interna;

d) Fatura e declarações emitidas pela Prolixo;

e) Guias de saída.

As guias de saída e o mapa de destruição (para o qual aquelas remetem) contêm, entre outros elementos, uma descrição dos vários medicamentos, com indicação do lote, data de validade, quantidade, valor unitário, sendo que o valor total das guias de saída corresponde ao valor inscrito na contabilidade (que, como se vê, tem uma ligeira discrepância face ao valor inscrito no mapa de destruição). Sublinha-se, tal como o Tribunal a quo, o facto de apenas parte das guias de saída remeterem inequivocamente para o mapa de destruição referido em E) do probatório.

No entanto e acima de tudo, ao contrário do que refere a Recorrente, não se consegue fazer uma conexão entre as guias de saída e o mapa de destruição, de um lado, e qualquer elemento que demonstre a efetiva destruição dos medicamentos em causa, do outro.

Com efeito, seja os elementos que se extraem das guias de acompanhamento de resíduos, seja a requisição interna, sejam a fatura e as declarações emitidas pela P…, conexionando-se entre si, não se consegue aferir a sua ligação com a listagem de medicamentos subjacente à inscrição contabilística. Foi, aliás, a esta conclusão que chegou o Tribunal a quo e que motivou o facto não provado mencionado em II.B. e foi a ela que chegou também este Tribunal, na análise da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto (cfr. II.D., supra).

Foi esta impossibilidade, mais do que discrepâncias entre datas ou entre o mapa de destruição e as guias de saída, o que sustentou o entendimento do Tribunal a quo.

Todos os demais documentos apresentados contêm referências mensuradas ou em quilogramas, ou em paletes, ou em caixas, referências essas que não permitem fazer qualquer ligação com a listagem discriminada dos medicamentos que foram contabilizados como tendo sido destruídos.

Não se põe em causa que alguns dos documentos apresentados, concretamente as GAR, tenham uma estruturação oficial distinta daquela utilizada pela Recorrente, tratando os elementos em causa de forma genérica. No entanto, isso não invalida que a Recorrente, que deve ter a sua contabilidade organizada e sustentada em documentação que permita cabalmente demonstrar o escriturado, não devesse ter diligenciado no sentido de ter na sua posse qualquer elemento de prova que permitisse demonstrar que os medicamentos contabilizados como abatidos o foram efetivamente. E essa prova não foi feita nos termos exigíveis.

Reiteramos: a documentação apresentada, seja as GAR, seja a facultada pela sociedade Prolixo, não tem elementos que permitam fazer a conexão com o mapa de destruição e/ou as guias de saída, não permitindo, em consequência, demonstrar a efetividade do concreto abate de medicamentos contabilizado em 2006.

No mesmo sentido, a propósito do IVA, já se pronunciou este TCAS, no Acórdão de 24.09.2015, proferido nos autos 957/11.6BESNT.

Face ao exposto, carece de razão a Recorrente.

III.B. Quanto ao erro de julgamento, por não ser aplicável, em sede de IRC, a presunção prevista no art.º 86.º do CIVA e por haver falta de fundamentação legal

Considera, por outro lado, a Recorrente, que não se pode aplicar, em sede de IRC, a presunção prevista no art.º 86.º do CIVA, havendo falta de fundamentação legal.

Vejamos.

Como já referimos supra, a correção em sede de IRC sustentou-se no art.º 23.º do CIRC, tendo a AT, de forma sustentada, considerado não demonstrada a indispensabilidade do custo em causa.

Ao contrário do que a Recorrente refere, em sede de IRC não se lançou mão da presunção prevista no art.º 86.º do CIVA, mas sim da desconsideração do custo – logo, inexiste qualquer falta de fundamentação legal, que expressamente decorre do RIT.

Como já referimos, sendo posta, de forma sustentada, como foi, a indispensabilidade do custo, cabe ao contribuinte demonstrar o contrário.

O que não foi feito, nos termos já expostos em III.A.

Há uma lacuna em termos de prova da efetividade do custo, nos termos contabilizados, que cumpria à Recorrente demonstrar, o que não ocorreu, como já tivemos ocasião de explanar.

A circunstância de existirem os elementos emitidos pela Prolixo não permite extrair conclusão distinta, pelo seu teor genérico, que não permite densificar a concreta origem dos produtos aos mesmos subjacentes.

Atendendo às regras do ónus da prova a que já nos referimos, a falta de prova da Impugnante reverte contra si.

Como tal, também nesta parte não assiste razão à Recorrente.

Nessa sequência, resulta prejudicada a apreciação do peticionado quanto ao direito a juros indemnizatórios.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 12 de maio de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)


______________________________
(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
(2) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
(3) Cfr., a título exemplificativo, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.03.2005 (Processo: 00340/03) e de 23.04.2015 (Processo: 06468/13).
(4) Cfr. Tomás de Castro Tavares, «Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos», Ciência e Técnica Fiscal, 396, p. 123.
(5) A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 204.
(6) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.09.1998 (Processo: 021515). V. igualmente os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017 (Processo: 0627/16) e de 24.09.2014 (Processo: 0779/12).
(7) Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017 (Processo: 0627/16), e jurisprudência no mesmo citada.
(8) V., v.g., os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30.11.2004 (Processo: 07375/02) e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11.01.2007 (Processo: 00070/01 – PORTO).
(9) Sobre o ónus do contribuinte, v. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.10.2012 (Processo: 05014/11).