Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1611/21.6BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 11/21/2024 |
Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
Descritores: | JUROS COMPENSATÓRIOS FUNDAMENTAÇÃO FORMAL NEXO DE CAUSALIDADE ADEQUADA SIMULTANEIDADE TEMPORAL |
Sumário: | I - Na liquidação de juros compensatórios emitida por iniciativa da AT, cabe a esta o ónus da prova da reunião dos respetivos pressupostos, concretamente, tem de demonstrar o preenchimento dos elementos objetivos (ter havido atraso na liquidação de imposto, taxa, número de dias) e de um elemento subjetivo (o facto ser imputável ao sujeito passivo, a título de dolo ou negligência). II - No âmbito dos elementos objetivos, as exigências de fundamentação devem ser reduzidas ao mínimo, entendendo-se, nesse âmbito, que uma liquidação de juros compensatórios se encontra fundamentada quando indicar a quantia sobre a qual os mesmos incidem, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa ou taxas aplicadas, com menção desses elementos no próprio ato de liquidação ou por remissão para documento anexo. III - No concernente aos elementos subjetivos exige-se um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação, sendo certo que, a factualidade necessária ao preenchimento do referido conceito de culpa identifica-se com aquela que subjaz à correção da matéria tributável, ao próprio comportamento declarativo, e se o mesmo dimana inclusive de uma autoliquidação. IV - Existindo uma situação de autoliquidação, o conjuntamente liquidado plasmado no artigo 35.º, nº8 da LGT, não pode ter o alcance de simultaneidade temporal, mas sim o sentido de ter uma expressão quantitativa alocada ao imposto. |
Votação: | Unanimidade |
Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I-RELATÓRIO
F… & F… SUL, LDA, (doravante Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação apresentada contra os atos de liquidação de Juros Compensatórios (JC) com os n.ºs 202100000105381 e 202100000105379, no valor global de €15.558,26. *** A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: “A) A douta sentença, de que aqui se recorre considerou erradamente que “(…) compulsado o teor das demonstrações de liquidação de juros compensatórios constantes dos autos, é possível verificar que das mesmas constam todos os elementos acima mencionados, designadamente, a quantia sobre a qual os juros incidem, o período de tempo considerado, a taxa aplicável, bem como a circunstância de terem sido emitidos por força do retardamento da liquidação de imposto imputável à Impugnante, sendo, ainda, enumeradas as normas legais aplicáveis.” B) Concluindo, a douta sentença que in casu não se verificava o invocado vício de falta de fundamentação das liquidações impugnadas , por estarem presentes, nas respetivas demonstrações todos os elementos necessários à respetiva compreensão, não se vislumbrando uma qualquer constrição do direito de defesa. C) Acrescentando, ainda, o tribunal a quo na douta sentença, que “(…) o facto de as liquidações de juros compensatórios em causa terem sido materializadas em atos subsequentes à autoliquidação do imposto devido pela Impugnante, como sucedeu, não lhes retira a sua natureza nem o que verdadeiramente está na sua origem, ou seja, o retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido por facto imputável ao sujeito passivo, inexistindo a invocada violação do disposto no nº 8 do artigo 35º da LGT.” D) Concluindo, erroneamente, a douta sentença de que aqui se recorre, “conclui-se não padecerem os atos de liquidação de juros compensatórios dos vícios que lhes vêm assacados, o que conduz à improcedência da presente impugnação judicial, como adiante se determinará.” E) Ora, salvo o devido respeito, não pode a Recorrente conformar-se com tal decisão. F) Em 19 de julho de 2021, foi a aqui Recorrente notificada dos atos de liquidação de juros compensatórios números 202100000105381, referente a Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) do período de exercício de 201809T, no valor de €5.477,67 (cinco mil quatrocentos e setenta e sete euros e sessenta e sete cêntimos). G) E, bem assim, nessa mesma data, foi a Recorrente notificada do ato de liquidação de juros compensatórios número 202100000105379, referente a Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) do período de exercício de 201803T, no valor de €10.080,59 (dez mil e oitenta euros e cinquenta e nove cêntimos). H) Ora, os juros compensatórios podem definir-se como os que constituem compensação para o credor, por certas utilidades concedidas ao devedor, tendo a função de completar a indemnização devida, assim, reparando o credor prejudicado do ganho perdido, até que tenha conseguido a reintegração do seu crédito. I) No âmbito do direito tributário os juros compensatórios podem configurar-se como tendo a natureza de uma verdadeira cláusula penal legal, aparecendo como um agravamento “ex lege” ao imposto, sendo incluídos na liquidação deste e arrecadados juntamente com ele, tendo os mesmos prazos de cobrança, e estando sujeitos ao mesmo prazo prescricional, sobre ambos podendo incidir o cálculo de juros de mora (cfr. prescreve o artigo 83º do CPPT e artigo 38º da LGT). J) Neste sentido, a responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma situação em que exista um dívida de imposto (que serve de base ao calculo dos juros), verificados os seguintes pressupostos: (a) Atos ou omissões que levem a um atraso na estruturação de uma liquidação; ou (b) Não pagamento de imposto que deva ser efetuado antecipadamente (sem prévia notificação do sujeito passivo pela administração tributária); ou (c) Não pagamento de imposto que foi retido ou que devia ter sido retido e entregue à administração tributária; ou (d) Reembolso superior ao devido; ou (e) Atraso na liquidação ou entrega do imposto ou reembolso indevido imputáveis ao contribuinte, isto é, quando exista nexo de causalidade entre a atuação do contribuinte e aquele atraso ou reembolso; ou (f) Que o retardamento ou reembolso seja imputável ao contribuinte a título de culpa. K) Acresce que, nos termos do disposto no artigo 35º nº 9 da LGT, na liquidação de juros compensatórios devem ser discriminados os montantes da dívida do imposto e dos juros explicando-se com clareza o respetivo cálculo e distinguindo-se de outras prestações devidas. Esta exigência de demonstração do cálculo dos juros compensatórios integra-se no dever geral de fundamentação expressa e acessível dos atos lesivos constitucionalmente imposto (cfr. artigo 268º nº 3 da CRP). L) O conhecimento integral do itinerário valorativo e cognoscitivo seguido pela entidade que liquidar os juros compensatórios não dispensará: (i) A indicação do montante dos juros, separado do montante de tributo. (ii) Os termos iniciais e final da contagem dos juros. (iii) A taxa ou as taxas e os períodos a que se reporta cada uma delas, se não for a mesma, a taxa aplicada para cálculo da totalidade dos juros. (iv) A indicação dos diplomas legais que consagram a responsabilidade por juros compensatórios e os que preveem as taxas aplicadas. (v) A situação fática violadora da lei, que justifica a liquidação dos juros ou os factos que levaram a Autoridade Tributária a concluir que o atraso na liquidação se deveu a atuação culposa do contribuinte. M) Assim, da breve análise dos atos de liquidação dos juros compensatórios objeto dos presentes autos, se constata que os mesmos não se encontram devidamente fundamentados, nomeadamente, não alega a Autoridade Tributária qualquer facto que justifique a liquidação dos juros compensatórios, nem se a atuação do contribuinte foi culposa. E porquê. N) Desta forma, verifica-se nos atos de liquidação ora impugnados, uma clara e inequívoca violação do estatuído no artigo 35º da Lei Geral Tributária. O) Acresce que, a ilegalidade dos atos tributários de liquidação de juros compensatórios, resulta, ainda da circunstância de estes não se encontrarem integrados na própria dívida do imposto, ou seja, do facto de terem sido liquidados autonomamente. P) Com efeito, nos atos de liquidação de juros compensatórios, consta a menção de que os mesmos foram praticados nos termos do artigo 96º do Código do IVA e do artigo 35º da LGT. Q) Esta natureza dos juros compensatórios, como componente da dívida global de impostos, resulta hoje, com evidência, do preceituado no artigo 35º nº 8 da LGT. R) Pois que, dispõe o nº 8 daquele artigo 35º da LGT, que “os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados.” S) Assim, os juros compensatórios não podem ser liquidados autonomamente, mas, ao invés, deviam tê-lo sido conjuntamente com os atos de liquidação de IVA (neste sentido, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, 3ª Edição, Vislis Editora, Pág. 165). T) Desta forma, andou mal o Tribunal a quo, ao considerar que os juros compensatórios apenas poderiam ser liquidados pela Autoridade Tributária em momento posterior àquela autoliquidação. Pois que sendo o IVA um tributo que funciona em conta corrente, aquando da entrega da declaração de substituição de IVA pela recorrente é emitida uma liquidação adicional de IVA. U) E, nesta liquidação adicional de IVA emitida na sequência da entrega da Declaração de Substituição de IVA para além de constar o valor do imposto a entregar ou do reembolso a que o sujeito passivo terá direito, deve constar também a liquidação dos juros compensatórios. V) O que in casu não sucedeu. W) Consequentemente, por os atos de liquidação de juros compensatórios, ora impugnados, terem sido praticados de forma autónoma dos atos de liquidação de IVA, a existir, a que respeitam, são os mesmos contrários à lei, e por tal violadores do disposto nos números 8 e 9 do artigo 35º da Lei Geral Tributária, devendo em conformidade, e também por esta razão, serem anulados. X) Pelo que, com a devida vénia, sempre terá de se afirmar que andou mal o Tribunal a quo, ao considerar que os atos de liquidação de juros compensatórios, ora impugnados seriam de manter na ordem jurídica. Y) Concomitantemente, impõe-se a substituição da sentença recorrida, por outra que considere nulos os atos de liquidação de juros compensatórios por violação do disposto no artigo 35º da LGT. Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V/ Exas. deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, e consequentemente ser a sentença proferida pelo Tribunal a quo revogada e substituída por outra que declare nulos os atos de liquidação de juros compensatórios ora impugnados.” *** A Recorrida DRFP, notificada para apresentar contra-alegações, optou por não o fazer. *** O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. *** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir. *** II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos: A. Em 07/07/2021, a Impugnante apresentou a declaração periódica de IVA relativa ao período de 2018/03T, na qual apurou o montante de €79.350,00 de IVA a entregar ao Estado, constando da mesma, designadamente, o seguinte: “ «Imagem em texto no original»
(…)” (cfr. Documento de fls. 2 e 3 do PAT apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais); B. Em 07/07/2021, a Impugnante apresentou a declaração periódica de IVA relativa ao período 2018/09T, na qual apurou o montante de €51.750,00 de IVA a entregar ao Estado, constando da mesma, designadamente, o seguinte: “ «Imagem em texto no original»
…).” (cfr. Documento de fls. 6 e 7 do PAT apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais); C. As declarações periódicas de IVA mencionadas nas antecedentes alíneas A. e B. deram origem à emissão das liquidações de IVA com os n.ºs 2021 37006019 e 2021 37006094, respetivamente (cfr. Documentos de fls. 4 e 8 do PAT apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
D. Em 07/07/2021, na sequência da entrega das declarações periódicas de IVA e apuramento do imposto a entregar ao Estado pela Impugnante mencionadas nas anteriores alíneas A. e B., esta procedeu ao pagamento do montante de imposto apurado para os períodos referidos (cfr. Documentos de fls. 5 e 9 do PAT apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais); E. Em 19/07/2021, a Impugnante foi notificada de dois atos de liquidação de juros compensatórios com o n.º 202100000105379, referente a Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) de 201803T, no montante de €10.000,59, e com o n.º 202100000105381, referente a IVA de 201809T, no montante de €5.477,67, nos seguintes termos: (…) «Imagem em texto no original»
(…)” «Imagem em texto no original»
(cfr. Documentos n.ºs 1 e 2 juntos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais); F. Não tendo a Impugnante procedido ao pagamento voluntário dos montantes apurados nas liquidações mencionadas na alínea anterior, foram instaurados os processos de execução fiscal com os n.ºs 3069202101166565 e 3069202101166573 (cfr. Documentos de fls. 10 a 13 do PAT apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). *** A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte: “Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.” *** Mais se consignou na decisão sobre a matéria de facto que a mesma “[t]eve por base toda a prova produzida nos autos, designadamente os documentos juntos aos autos pelas partes e constantes do PAT e não impugnados, como melhor exposto nos vários pontos do probatório.” *** III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
In casu, a Recorrente, não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra os atos de liquidação de JC n.ºs 202100000105379 e 202100000105381, nos valores de €5.477,67 e €10.080,59, respetivamente. Mais importa ter presente que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, na medida em que os atos de liquidação de JC em contenda, padecem, por um lado, do vício de falta de fundamentação formal e, por outro lado, preterem o consignado no artigo 35.º, nº 8, da LGT, por não terem sido liquidados em conjunto com a liquidação de imposto. Vejamos, então. Comecemos por aferir se o Tribunal a quo incorreu no erro de julgamento atinente à falta de fundamentação formal dos juros compensatórios, começando por convocar o respetivo quadro normativo. Dispõe o atual artigo 96.º do CIVA, sob a epígrafe de “juros compensatórios e de mora” que: “1. Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação ou tenha sido recebido reembolso superior ao devido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios nos termos do artigo 35º da lei geral tributária. Atenta a aludida remissão há que ter presente o disposto no artigo 35.º da LGT, sob a epígrafe de “juros compensatórios” do qual dimana que: “1 - São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária. No concreto particular do dever de fundamentação dos atos administrativos, importa ter presente que a fundamentação é, desde logo, uma imposição constitucional, porquanto a CRP, no n.º 3, do seu artigo 268.º, garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos. Ao nível dos atos tributários, encontra-se, especificamente, previsto no artigo 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que: “1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. 2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”. Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente” (1-cfr. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.º edição, 2012, página 675..) Assim, a fundamentação terá de ser expressa, clara e congruente (2-neste sentido vide Acórdãos do STA, de 17.03.2011, proc. n.º 0964/10, de 12.03.2014, proc. n.º 01674/13, de 09.09.2015, proc. n.º 01173/14, integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.). “[C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual. Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto (3-Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01674/13, de 12 de março de 2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt.)”. Sendo de relevar, neste concreto particular, que na liquidação de juros compensatórios emitida por iniciativa da AT, cabe a esta o ónus da prova da reunião dos respetivos pressupostos, concretamente, tem de demonstrar o preenchimento dos elementos objetivos (ter havido atraso na liquidação de imposto, taxa, número de dias) e de um elemento subjetivo (o facto ser imputável ao sujeito passivo, a título de dolo ou negligência). No âmbito dos elementos objetivos, importa ressalvar que a Jurisprudência do STA e dos TCA, vem entendendo, de forma uniforme, que no respeitante aos juros compensatórios, as exigências de fundamentação sejam reduzidas ao mínimo, entendendo-se, nesse âmbito, que uma liquidação de juros compensatórios se encontra fundamentada quando indicar a quantia sobre a qual os mesmos incidem, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa ou taxas aplicadas, com menção desses elementos no próprio ato de liquidação ou por remissão para documento anexo (4-Vide, designadamente, Acórdãos do STA, de 21.4.2010, proc. n.º 743/09; de 16.10.2010, proc. n.º 830/10; de 30.11.2011, proc. n.º 619/11; de 29.2.2012, proc. n.º 928/11; e de 14.2.2013, proc. n.º 645/12..) Como sumariado no acórdão do STA proferido no processo n.º 0805/15, datado de 09 de março de 2016: “Está cumprido o dever legal de fundamentação se na liquidação de juros compensatórios estão explicitados o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo - arts. 89º do CIVA e 35º da LGT) e se constam a indicação do imposto em falta sobre o qual incidem os juros, o período a que se aplica a taxa de juro, a taxa de juro aplicável ao período (feita por remissão para a taxa dos juros legais fixada nos termos do art. 559º nº 1 do CCivil) e o valor dos juros.“ Por outro prisma, e em conformidade com o plasmado no já citado nº 1, do artigo 35.º da LGT, a imposição e legitimação dos juros compensatórios exige um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação, sendo que a conduta do sujeito passivo deve ser censurável a título de dolo ou negligência, devendo, em todo o caso, indagar-se se a culpa está ou não excluída em concreto (5-Vide Acórdão do STA, proferido em Plenário, no processo nº 01490/13, de 22.01.2014).. Donde, para que sejam devidos juros compensatórios exige-se um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação (6-Vide Acórdão do STA, proferido em Plenário, no processo nº 01490/13, de 22.01.2014.). Sendo certo que, a factualidade necessária ao preenchimento do referido conceito de culpa identifica-se com aquela que subjaz à correção da matéria tributável, ao próprio comportamento declarativo, e se o mesmo dimana inclusive de uma autoliquidação (7-Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 02414/08, de 05.05.2009.). Feitos estes considerandos, e transpondo os mesmos para o caso vertente dimana inequívoco que as liquidações de juros compensatórios sub judice, não enfermam da arguida falta de fundamentação formal. Senão vejamos. Do recorte probatório dos autos, dimana que os atos de liquidação resultam de autoliquidações realizadas fora do prazo legal de entrega das respetivas declarações periódicas de IVA (cfr. artigo 41.º, nº1, alínea b), do CIVA), e não, inversa e erroneamente ao propugnado pela Recorrente, de liquidações adicionais decorrentes de entrega de declarações substituição. Com efeito, promana da aludida da factualidade assente que a 07 de julho de 2021, a Impugnante, ora Recorrente, apresentou a declaração periódica de IVA relativa ao período de 2018/03T, na qual apurou o montante de €79.350,00 de IVA a entregar ao Estado, e bem assim a declaração periódica de IVA relativa ao período 2018/09T, na qual apurou o montante de €51.750,00 de IVA a entregar ao Estado, tendo sido objeto do competente pagamento. Em resultado das asserções fáticas supra expendidas, a 19 de julho de 2021, a Impugnante, ora Recorrente, foi notificada dos dois atos de liquidação de juros compensatórios em contenda, nos valores de €10.000,59, e de €5.477,67, dos quais resulta, de forma perentória, a identificação do ato, do período de imposto, a concreta delimitação do período temporal, com clara menção à razão justificativa da sua emissão, concretamente, “retardamento da liquidação do imposto”, com referência à taxa e ao valor final a pagar, mediante alusão específica ao valor de imposto em falta. Dimanando, outrossim, no item epigrafado de “fundamentação”, as premissas de facto e de direito, inerentes à sua emissão, delas fluindo, de forma clara, os normativos que a legitimam, contemplando, in fine, a menção às garantias processuais e formas de reação. Logo, face ao supra expendido é, por demais evidente, que as liquidações em análise não padecem da arguida falta de fundamentação formal. Com efeito, dependendo, como visto, a responsabilidade por juros compensatórios do nexo causal adequado entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua atuação, quer seja a título de dolo ou negligência, in casu, encontra-se, perfeitamente, patenteada e densificada essa culpa nos aludidos atos de liquidação. Note-se que, “[q]uando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se decorrer do preenchimento da hipótese normativa, por ilação lógica, a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respectivo (8-Vide, designadamente, Acórdão TCAS, proferido no processo nº 120/12, de 24.03.2022..)” Destarte, dimanando da factualidade, que foi, justamente, a atuação ativa da Recorrente que legitimou os atos de liquidação, porquanto, foi o próprio que incumpriu o prazo de entrega das respetivas declarações periódicas de IVA, está, portanto, fundamentada essa conduta censurável. Noutra formulação, dir-se-á que o facto é subjetivamente imputável ao sujeito passivo, recaindo, por conseguinte, um juízo de censura ou reprovação da conduta do agente, porquanto podia e devia, nas circunstâncias do caso, ter agido de forma diversa e em cumprimento dos prazos constantes na lei, logo inversamente ao aduzido nas alegações de recurso encontra-se patenteado, de forma suficiente e perfeitamente identificável, o iter inerente ao juízo de censura que legitimou a emissão dos atos em contenda. Ademais, nada foi alegado, com a devida substanciação fática, que permitisse inferir a inexistência de culpabilidade, logo, existindo retardamento do imposto e nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação, sem qualquer causa de exclusão da culpa, e estando tais pressupostos objetivos e subjetivos densificados nos atos de liquidação, há que secundar o entendimento do Tribunal a quo. Improcede, assim, a arguida falta de fundamentação formal. Prosseguindo. Analisemos, ora, o erro de julgamento atinente ao facto dos atos de liquidação não se encontrarem integrados na própria dívida do imposto, ou seja, do facto de terem sido liquidados autonomamente, em clara desconformidade com o consignado no artigo 35.º, nº 8 da LGT. Atentemos, para o efeito, na fundamentação jurídica constante na decisão recorrida e que esteou a improcedência deste vício. Na sentença visada é, desde logo, convocada a situação particular da autoliquidação a qual, naturalmente, reclama uma interpretação do normativo tendo por base esse pressuposto, nela se doutrinando que “[n]ão obstante o que vem estatuído neste normativo legal, não pode desatender-se aqui à circunstância de, na base das liquidações impugnadas, estar uma situação de retardamento da liquidação consubstanciada na entrega para além do prazo previsto para o efeito das declarações periódicas de IVA e, por conseguinte, da autoliquidação pela Impugnante do imposto aí apurado e devido ao Estado, motivo pelo qual as liquidações de juros compensatórios em causa não poderiam ter sido liquidadas conjuntamente com o imposto.” Mais relevando, em termos de ratio legis que “[o] sentido daquela norma é o de estabelecer que os juros compensatórios se integram na própria divida de imposto a que respeitam, estando intrinsecamente ligada à mesma, com base na qual é emitida, designadamente para efeitos de contagem dos prazos de caducidade e de prescrição”. Concluindo, assim, que “[o] facto de as liquidações de juros compensatórios em causa terem sido materializadas em atos subsequentes à autoliquidação do imposto devido pela Impugnante, como sucedeu, não lhes retira a sua natureza nem o que verdadeiramente está na sua origem, ou seja, o retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido por facto imputável ao sujeito passivo, inexistindo a invocada violação do disposto no n.º 8 do artigo 35.º da LGT.” E, de facto, nenhuma censura merece a decisão recorrida inexistindo o aduzido erro de julgamento atinente à alegada violação do artigo 35.º, nº8, da LGT, porquanto, por um lado, a letra da lei terá, naturalmente, de ter em conta a situação fática que lhe subjaz, e por outro lado, porque em nada foi desvirtuada a ratio subjacente ao nela consignado. Como é consabido, o ato tributário tem sempre como suporte e base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstrata e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto e inerentes juros, logo é preciso aquilatar, de forma casuística, se a mesma é passível de subsunção nessa previsão. In casu, e conforme já foi devidamente retratado anteriormente, na génese da liquidação dos juros compensatórios encontra-se uma situação de falta de cumprimento das obrigações declarativas e competente entrega do imposto devido nos prazos legais, logo, como é bom de ver, a liquidação dos juros compensatórios surge nessa decorrência, tendo, naturalmente, de ser ulterior à mesma. Destarte, o termo “conjuntamente liquidados” terá de ser interpretado no sentido de que, sendo a liquidação de imposto objeto de liquidação adicional por parte da AT a mesma deverá ser objeto de liquidação, em regra, conjuntamente. Logo, numa situação de autoliquidação, como é bom de ver, o conjuntamente liquidado não poderá ter o alcance de simultaneidade temporal, mas sim no sentido de ter uma expressão quantitativa alocada ao imposto, realidade que, in casu, se verifica. Aliás, estabelecer-se uma interpretação legal da parte final do normativo em contenda, no sentido de fazer precludir o direito da AT à liquidação dos juros compensatórios, atentaria contra a ratio do preceito e da finalidade dos referidos juros, que pretendem, justamente, sancionar o retardamento da liquidação de imposto. Note-se, ademais, que o desiderato subjacente ao plasmado no nº8 se coaduna com razões de segurança jurídica e igualdade, como explica José Maria Fernandes Pires, em anotação ao normativo em análise que “[r]efere o legislador que os juros compensatórios se liquidam conjuntamente com o imposto, estando integrados neste. Quer isto dizer que os juros compensatórios estão sujeitos aos mesmos prazos de caducidade e prescrição, gozam dos mesmos privilégios que o imposto ao qual se encontram associados e são imputáveis, não só ao devedor originário, como também aos responsáveis solidários e subsidiários nos mesmos termos que o próprio imposto”. No fundo o que se pretende contemplar no normativo visado é que os juros compensatórios têm a mesma natureza do imposto, integrando-se na própria dívida do imposto, estando, assim, sujeitos aos direitos, e privilégios, particularmente, no domínio dos prazos de caducidade e prescrição. Logo, o que é perentório é que não se desvirtue o caráter de estrita dependência existente entre a liquidação de imposto e a de juros compensatórios, sabendo, justamente, que a liquidação de juros compensatórios emitida pela AT está umbilicalmente ligada à existência de uma concreta liquidação de imposto devido pelo contribuinte. Logo, a situação em análise em nada subverte e contende com o teor do consignado no aludido normativo, inexistindo, por conseguinte, o aludido vício de violação de lei. E por assim ser, a decisão recorrida que assim o entendeu, não padece de erro de julgamento, devendo, por conseguinte, manter-se. *** IV. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. Custas a cargo da Recorrente. Registe. Notifique. Lisboa, 21 de novembro de 2024 (Patrícia Manuel Pires) (Rui A.S. Ferreira) (Teresa Costa Alemão) |