Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:96/17.6BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/26/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IMPUGNAÇÃO ARBITRAL
PRONÚNCIA INDEVIDA
AUTOLIQUIDAÇÃO
REVISÃO
Sumário:I - O conceito de “pronúncia indevida”, constante do art.º 28.º, n.º 1, al. c), do RJAT, abrange a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral.
II - A alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade respeita a um ato de segundo grau, incluindo quando este seja um indeferimento de pedido de revisão do ato tributário.
III - Sendo formulado um pedido de revisão oficiosa de autoliquidação, a AT tem a oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional.
IV - Permitindo a lei que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de atos de autoliquidação, os tribunais arbitrais são competentes para a apreciação dos pedidos de pronúncia arbitral em qualquer um dos casos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Impugnante ou AT) veio apresentar impugnação da decisão arbitral proferida a 01.06.2017, pelo tribunal arbitral coletivo constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo a que aí foi atribuído o n.º 5……/2016-T, ao abrigo dos art.ºs 27.º e 28.º do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT).

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“1.ª A presente impugnação tem por objeto decisão final proferida, em 01-06-2017, pelo Tribunal Arbitral Coletivo em matéria tributária constituído, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência de pedido de pronúncia arbitral formulado ao abrigo do regime jurídico da arbitragem tributária (RJAT), instituído peio Decreto-Lei n.° 10/2011, de 20.01, e que correu termos sob o n.º 5……/2016-T;

2.ª Embora o RJAT tenha acolhido «como regra geral a irrecorribilidade da decisão proferida pelos tribunais arbitrais», ainda assim, a lei contempla a possibilidade de recurso (para o Tribunal Constitucional e para o Supremo Tribunal Administrativo) e de impugnação das decisões proferidas (para o Tribunal Central Administrativo), nos termos do artigo 27.° do RJAT;

3.ª No concreto caso dos autos constitui fundamento de impugnação o que se mostra estatuído na primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.° do RJAT, ou seja, entende a ora Impugnante que a decisão arbitral padece do vício de pronúncia indevida, porquanto se pronunciou sobre litígio que se encontra excluído do âmbito de competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária;

4.ª Efetivamente constata-se que o Tribunal a quo excedeu a sua competência quanto ao segmento decisório que julgou improcedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral decorrente da circunstância de o pedido ter sido formulado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa de ato de autoliquidação, face ao disposto no artigo 2.°, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011;

5.ª. Refira-se à cautela, quanto ao âmbito do conceito “pronúncia indevida”, que não pode senão entender-se que, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.° do RJAT, o Tribunal ad quem pode apreciar da incompetência material do tribunal arbitral (ainda que sob o regime de recurso de cassação), o que se suporta nas regras e princípios gerais de direito, por via de uma interpretação literal, sistemática e teleológica (cf. neste sentido, a anotação do Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, no comentário ao artigo 28.°, n.º 1 do RJAT, in Guia da Arbitragem Tributária, supra citado, bem como o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2016, de 29-03-2016 e os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul no processo n.º 09286/16, em 04/28/2016, no processo n.º 08513/15, em 12/16/2015, e no processo n.º 09156/15, em 09-06-2016);

6.ª Acresce que, a denegação da possibilidade de apreciação nesta sede da incompetência material do tribunal arbitral com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.° do RJAT, consubstanciaria uma restrição substancial (e inconstitucional) da possibilidade de recurso nesta matéria, particularmente evidente por não ficarem salvaguardados no RJAT, em todos os casos, a possibilidade de impugnação da decisão arbitral junto dos tribunais estaduais com os fundamentos e nos termos previstos na Lei da Arbitragem Voluntária, mormente quando se está perante uma relação jurídica que decorre do exercício de poderes de autoridade, devendo neste casos reservar-se ao juiz estadual a possibilidade de uma última palavra;

7.ª Mais, a entender-se que se encontram excluídas do vício «pronúncia indevida», referido na alínea c) do n° 1 do artigo 28.° do RJAT, as situações referente à incompetência material do tribunal arbitral para decidir determinado litígio, então, tal entendimento ofende o princípio da legalidade [cf. artigos 3.°, n.º 2, 202.° e 203.° da Constituição da República Portuguesa (CRP) e o artigo e 266.°, n.º 2, da CRP, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.°, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT];

8.ª Violando também o direito de acesso à justiça consagrado no artigo 20.° da CRP, porque, então, segundo esta perspetiva, caberia ao próprio tribunal arbitral a apreciação em primeira (e última) instância da sua própria competência, tornando impossível sindicar, perante qualquer Tribunal estadual, em segundo grau, de vícios manifestamente mais graves de que estas decisões arbitrais podem enfermar nos termos do artigo 615.° do CPC, e que têm que ver não só com a competência material para decidir (questão aqui em discussão), mas também, por exemplo, com a regularidade da constituição do tribunal arbitral;

9.ª Violando ainda os princípios da tutela jurisdicional efetiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos e do duplo grau de jurisdição, consagrados no artigo 268.°, n.ºs 4 e 5, da CRP;

10.ª Sendo que, por força de tais imperativos constitucionais se impõe, antes, a exigência de recurso necessário para um tribunal estadual, para que este se pronuncie sobre a competência daquele outro, maxime atendendo à circunstância de, por um lado, (i) a vinculação da AT estar definida a priori na Portaria n.º 112-A/2011, e, por outro, (ii) esta nunca poder tomar a iniciativa de constituir ou repudiar a constituição do tribunal arbitral por sua vontade;

11.ª Pelo que, face ao exposto, não pode senão considerar-se que o conceito “pronúncia indevida”, previsto no artigo 28.°, n.º 1, alínea c) do RJAT, contém, necessariamente, a situação de pronúncia em situações em que o tribunal nem sequer podia decidir, ou seja, deve considerar-se como situação de “pronúncia indevida" aquela em que o tribunal excedeu a sua competência material para decidir, apreciando litígio de que não podia conhecer, como sucedeu na situação subjudice;

12.ª Sendo, assim, evidente que é inconstitucional o artigo 28.°, n.º 1, alínea c) do RJAT, no qual se prevê que «A decisão arbitral é impugnável com fundamento na pronúncia indevida», quando interpretado no sentido de não admitir a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral para decidir nos termos previstos no RJAT e na Portaria n.º 112-A/2011, por violação do direito de acesso à justiça (artigo 20.° da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.°, n.º 2, 202.° e 203.° da Constituição da República Portuguesa (CRP) e ainda o artigo e 266.°, n.º 2, da CRP, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.°, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT];

13.ª Como, aliás, assim já o entendeu o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 177/2016 (e tem sido entendimento do Tribunal Central Administrativo Sul - cf. acórdãos proferidos nos processos n.° 08513/15, em 12/16/2015, e n.º 09156/15, em 09-06-2016),

14.ª Por fim, mais se refira que, por força das disposições conjugadas dos artigos 27.°, 28.°, n.º 1, alínea c) e n.º 2 e 26.° do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, deve a presente impugnação ser admitida, sendo-lhe atribuído efeito suspensivo;

15.ª Posto isto, ora Impugnante não concorda, nem se pode conformar nos termos legais, com parte do decisório do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral Coletivo, porquanto entende que o mesmo padece do vício de pronúncia indevida, fundamento expressamente referido na primeira parte da alínea c) do n º 1 do artigo 28.° do aludido diploma na medida em que se pronunciou sobre litígio que se encontra excluído do âmbito de competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária;

16.ª Efetivamente, o Tribunal a quo excedeu a sua competência quanto ao segmento decisório que julgou improcedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral decorrente da circunstância de o pedido ter sido formulado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa de ato de autoliquidação, face ao disposto no artigo 2.°, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011;

17.ª Isto porque, em primeiro lugar, na redacção conferida ao mencionado artigo 2.°, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, o legislador optou expressa e manifestamente por restringir o conhecimento na jurisdição arbitra! às pretensões que, sendo relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, tenham sido precedidas, obrigatoriamente, da reclamação graciosa prevista no artigo 131.° do CPPT, pois que, para que assim não fosse, bastaria que o legislador houvesse reduzido a exclusão prevista no artigo 2.° alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011 à expressão «que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa», nada mais distinguindo - o que não sucedeu;

18.ª De acordo com as regras gerais de interpretação, a letra da lei não pode ser afastada, sendo a principal referência e ponto de partida do intérprete, não podendo este, mormente em face da natureza da arbitragem necessária, ampliar o objecto fixado pelo legislador no que concerne à vinculação da AT à jurisdição arbitral, como sucedeu no acórdão arbitral recorrido, sendo um entendimento forçado querer conjecturar que o legislador legislou de forma imperfeita, olvidando-se desta referência à revisão oficiosa, quando já existia vasta jurisprudência no sentido da equiparação (para efeitos diversos, conquanto) e quando essa já era reiteradamente seguida pela actuação da AT;

19.ª Em suma, a última parte do artigo 2.°, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011 não pode, sob pena de manifesta ilegalidade, ser afastada, interpretando-se a norma como se a referência específica aos artigos 131.° a 133.° do CPPT não existisse, como o fez o Tribunal a quo [neste sentido, a doutrina do Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (in Código de Procedimento e Processo Tributário - II Volume, Áreas Editora - 6a Ed./2011, pág. 65 e 409 e 410) e os acórdãos arbitrais proferidos nos processos n.ºs 51/2012-T, 236/2014-T, 364/2014-T e 603/2014-T]; 

20.ª Deste modo, tal como mormente se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 51/2012-T, se é certo que o contribuinte que não tenha apresentado tempestiva reclamação graciosa não esteja, ipso facto, impedido de pedir a revisão do acto de retenção ao abrigo do artigo 78.° da LGT, dentro do condicionalismo aí previsto, e impugnar judicialmente a decisão que indefira o pedido de revisão [cf. artigo 95.°, n.º 2, alínea d), da LGT], também não parece questionável afirmar que a AT apenas se vinculou, nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, à jurisdição dos tribunais arbitrais se o pedido de declaração de ilegalidade de acto de autoliquidação tiver sido precedido de recurso à via administrativa de reclamação graciosa;

21.ª É que, conforme se entendeu, em suma, na decisão arbitral proferida no processo n.º 236/2014-T, não se está perante uma simples interpretação de uma norma regulamentar, mas sim da interpretação de uma manifestação de vontade, pelo que deverão ser respeitados os poderes e deveres da Administração tal como resultam da regulamentação que conduziu à autovinculação no seus estritos termos;

22.ª Nestes termos, o acesso à tutela jurisdicional arbitral encontra-se vedada na situação sub judice, pois que aqui a reclamação graciosa sempre seria obrigatória nos termos do artigo 131.° do CPPT, conforme exigido no artigo 2.°, alínea a) da Portaria n.º 112- A/2011, pelo que, tendo-se no acórdão arbitral sob impugnação, decidido em sentido contrário, qual seja, a de que tal norma legal permite a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a atos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa, houve pronúncia indevida, pois pronunciou-se sobre questão que não podia conhecer, por se encontrar excluída da jurisdição arbitral e, consequentemente, da sua competência material;

23.ª Em segundo lugar, não obstante a AT ter pugnado, em sede de Resposta e num juízo de prognose, que o entendimento ora em crise, proferido pelo acórdão recorrido era desconforme com a Constituição, o Tribunal não deu provimento ao raciocínio exposto pela AT;

24.ª Com efeito, como aí se referiu e ora se repete, o entendimento supra pugnado, de que os litígios que tenham por objecto a declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 131.° do CPPT, impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.° e 111.°, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.° da CRP) e da legalidade [cf. Artigos 3.°, n.º 2, 202.° e 203.° da CRP e ainda o artigo e 266.°, n.º 2, da CRP, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.°, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT];

25.ª Isto porque, ao fixar-se nos termos do disposto no artigo 4.°, n.º 1 do RJAT e no artigo 2.°, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011 a vinculação da AT à tutela arbitral necessária, o legislador está a dispor sobre interesses gerais, delimitando previamente a defesa do interesse público na vertente da indisponibilidade dos créditos tributários;

26.ª Efetivamente, a vinculação da AT à tutela arbitral necessária, no qual vigora o princípio da irrevogabilidade das decisões, pressupõe uma limitação das situações em que esta pode recorrer (por contraponto à possibilidade de recurso prevista no regime de impugnação judicial, de que o regime jurídico de arbitragem tributária é meio processual alterativo), ou seja, do poder de optar entre abdicar definitivamente da cobrança do crédito tributário ou adotar o comportamento potencialmente adequado a procurar efetivá-la;

27.ª Pelo que, salvo melhor opinião, é constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais acima mencionados, a interpretação adotada pelo acórdão arbitral recorrido, a qual amplia a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente, porquanto tal determina, consequentemente, a dilatação das situações em que esta obrigatoriamente se submete a tal regime, renunciando nessa mesma medida ao recurso jurisdicional pleno por contraposição ao regime previsto na impugnação judicial [cf. artigo 124.°, n.º 4, alínea h) da Lei n.º 3-B/2010 e artigo 25.° e 27.° do RJAT, que impõe uma restrição dos recursos da decisão arbitral];

28.ª Sendo que, por força do regime legal constituído, esta é a única forma pela qual se delimita a vinculação da AT, dado que esta nunca pode tomar a iniciativa de constituir o tribunal arbitral;

29.ª Em suma, a última parte do preceito em causa não pode, sob pena de manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade, ser afastada, como determinou o Tribunal a quo, interpretando a norma como se a referência específica a um concreto procedimento administrativo não existisse, assim fazendo o intérprete-julgador tábua rasa da distinção provida pelo legislador, pois que o respeito pela vontade exteriorizada quando da vinculação à arbitragem em matéria tributária, sendo um fator de certeza e de segurança jurídicas, representa também a efetivação das consequências intencionadas pelo exercício de ação das partes em litígio, a qual não pode ser isolada dos referidos normativos de proteção constitucional, sob pena de tal pressupor um poder (inconstitucional) do intérprete-julgador na delimitação dos poderes do Estado na privatização do exercício da justiça, mormente quando não se admite a possibilidade sistemática de recurso nas arbitragens tributárias por contraposição ao regime previsto para a impugnação judicial de que a arbitragem tributária é meio alternativo (cf., ainda que indiretamente, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2016);

30.ª De outro modo ainda, caso não tivesse sido aquela a interpretação do Tribunal a quo, aplicar-se-ia ao caso concreto o disposto artigo 2.°, alínea a) da Portaria n.º 112- A/2011, do qual resulta que o Tribunal Arbitral constituído é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio sub judice, nos termos do artigos 2.°, n.º 1, alínea a) e 4.°, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.° e 2.°, alínea a) ambos da Portaria n.° 112-A/2011, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa;

31.ª E não como sucedeu, acabando por não dar provimento ao raciocínio exposto pela AT, a ora Impugnante mantém o entendimento de que a recusa de aplicação pelo Tribunal a quo dos artigos 2.°, n.º 1, alínea a) e 4.°, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.° e 2o, alínea a) ambos da Portaria n.º 112-A/2011, viola os princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.° e 111.°, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.° da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.°, n.º 2, 202.° e 203.° da CRP e ainda o artigo e 266 °, n.° 2, da CRP, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30 °, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT;

32.ª Nos mesmos termos, não pode senão entender-se - como já pugnado em sede de Resposta deduzida no processo arbitral - de que é inconstitucional o artigo 2.°, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, na interpretação normativa segundo a qual nas «Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.° a 133.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário» se inclui o pedido de revisão oficiosa, quando a letra e o espírito da norma não o permitem (aquela está outrossim construída sob a necessária identidade dos mecanismos processuais aí especificamente elencados);

33.ª Pois que tal viola, como referido e para que se remete, os princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.° e 111.°, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.° da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.°, n.º 2, 202.° e 203.° da CRP e ainda o artigo e 266.°, n.º 2, da CRP, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.°, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT];

34.ª Nestes termos e atentos os poderes que cabem a este Tribunal, sendo procedente a impugnação da decisão arbitral, tal determina a anulação desta decisão e a consequente devolução do processo arbitral para proferir outra que tenha em consideração o decidido (segundo o regime de recurso de cassação);

35.ª Mais se requerendo, nos termos acima peticionado, que face a entendimento jurisprudencial pacífico e atento o comportamento da Impugnante nada ter de reprovável, agindo em litigância legítima, em defesa de interpretação da lei propugnada pela defesa dos interesses públicos que lhe estão cometidos, que o valor máximo a considerar para cálculo da taxa de justiça do processo seja fixado em 8 UC, referente ao teto máximo de 275.000 €, sendo fundadamente dispensado o pagamento do respeitante ao excesso.

Nos termos supra expostos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a presente impugnação ser julgada procedente nos termos peticionados, com as devidas consequências legais”.

Foi ordenada a notificação de S…, S.A. (doravante Impugnada) para alegar, nos termos consignados no art.º 144.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 27.º, n.º 2, do RJAT, nada tendo sido dito.

O Ilustre Magistrado do Ministério Público foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146.º, n.º 1, do CPTA, tendo emitido parecer, no sentido da improcedência da impugnação arbitral.

Ambas as partes foram notificadas do mencionado parecer, nada tendo dito.

Colhidos os vistos legais vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) A decisão impugnada padece de nulidade, por pronúncia indevida, em virtude de ter sido excedida a competência dos tribunais arbitrais, atenta a circunstância de se estar perante uma situação de reação a indeferimento de pedido de revisão formulado ao abrigo do art.º 78.º da Lei Geral Tributária (LGT)?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. Para a apreciação da presente Impugnação estão provados os seguintes factos:

1) A 22.09.2016, a ora Impugnada apresentou junto do CAAD pedido de constituição de tribunal arbitral, na sequência de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que apresentou de ato de autoliquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), relativo ao exercício de 2012 (cfr. fls. 1 a 935 da certidão do processo em formato PDF, constante de CD apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

2) Na sequência do referido em 1), foi constituído tribunal arbitral coletivo, tendo dado origem ao processo n.º 5…/2016-T (cfr. fls. 952 da certidão do processo em formato PDF, constante de CD apenso).

3) No âmbito do processo referido em 2), foi proferida decisão arbitral, a 01.06.2017, da qual consta designadamente o seguinte:

“II. Saneamento (…)

4. São suscitadas pela AT as seguintes exceções:

4.1. Da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa.

A AT sustenta, em suma, que o art. 2.º, al. a) da portaria 112-A/2011, de 22/3, mediante a qual ficou vinculada à jurisdição arbitral, exclui as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos previstos nos art. 131.º a 133.º do CPPT. Entendimento que, para a AT, além do elemento literal, se impõe “por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cfr. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade (cfr. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT” (38.º Resposta). “Efetivamente, a vinculação da AT à tutela arbitral necessária, na qual vigora o princípio da irrevogabilidade das decisões, pressupõe uma limitação das situações em que esta pode plenamente decidir se deve ou não interpor recurso de uma decisão judicial desfavorável, ou seja, do poder de optar entre abdicar definitivamente da cobrança do crédito tributário ou adotar o comportamento potencialmente adequado a procurar efetivá-la” (40.º Resposta).

O Requerente, em exercício do contraditório que lhe foi concedido quanto à exceção, defendeu a improcedência da exceção invocando jurisprudência do CAAD em sentido divergente ao sustentado pela ART.

Vejamos:

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeira linha, balizada pelas matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do decreto-lei n.º 10/2011, de 20/1 (RJAT). Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que AT foi vinculada àquela jurisdição pela portaria n.º 112-A/2011, de 22/3, já que o art. 4.º do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos e da natureza desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação, estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral. Ou seja, “o âmbito (…) dos processos arbitrais restringe-se às questões da legalidade dos atos dos tipos referidos no artigo 2.º [do RJAT] que são abrangidos pela vinculação que foi feita na Portaria n.º 112-A/2011 (…)”, cfr. Ac. TCAS de 28/4/2016 (proc. 09286/16, relatora: Anabela Russo).

Sucede que na al. a) do art. 2.º da portaria n.º 112-A/2011 são expressamente excluídos do âmbito da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”. Ou seja, comparando a portaria de vinculação com o RJAT, aquela é mais exigente do que este, por acrescentar um requisito para delimitar abstratamente o objeto da vinculação da AT à jurisdição arbitral.

Como ficou consignado na Decisão Arbitral, processo n.º 143/2016-T, “A respeito da natureza da portaria, há quem entenda que aí reside fundamentalmente um acto decisório da Administração, de manifestação voluntária de consentimento à vinculação ao RJAT, e nas restrições ao objeto uma “limitação concreta”, ainda que “manifestada em termos de disposição genérica” (cfr. foi entendimento maioritário no Ac. 236/2013 de 22/4/2014, ou 364/2014 de 19/12/2014, ambos do CAAD). Há por outro lado quem deixe transparecer um entendimento mais regulamentar (normativo) da portaria (jurisprudência maioritária). “Não obstante existirem elementos sugestivos para ambos as posições, consideramos que sobressai o caráter regulamentar da portaria, sobretudo quanto ao objeto da vinculação, que se projeta em todos os litígios a dirimir por via da arbitragem tributária. E nessa medida, essa parte da portaria configura-se como um regulamento administrativo, que se integra no RJAT.

“O que antes se disse serve para parametrizar a seleção de critérios interpretativos. Dada a natureza da portaria, deverá ser adotada uma orientação subjetivista, sendo de prevalecer a aceção do texto normativo que melhor corresponda ao pensamento real do “legislador”, em que se privilegie o elemento teleológico, a finalidade da disposição estatuída.

“Ora o que carece de especial labor interpretativo é a exigência de “via administrativa” necessária (prévia), “nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

“Desde logo, em obediência a esses mesmos “termos”, previstos no art. 131.º CPPT, o requisito de via administrativa prévia será apenas aplicável aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa. De facto, no caso de autoliquidações, exige-se a reclamação graciosa, mas apenas em casos de erros que não se fundem exclusivamente em matéria de direito, e em que as autoliquidações hajam sido efetuadas de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária (cfr. n.º 1 e n.º 3 do art. 131.º CPPT) (…).

“O sentido útil da portaria, face ao estabelecido no RJAT, a vontade do legislador, foi o de assegurar que o contribuinte não recorre ao Tribunal “(…) antes de qualquer tomada de posição da administração sobre a situação gerada com o ato do contribuinte (…) pois não é detetável, ainda, qualquer litígio”(…). Assim se percebe que sejam excluídos da exigência de reclamação os casos previstos no art. 131.º n.º 3 CPPT, visto que nesses a AT já se pronunciou, a priori, através de “orientações genéricas”.”

Regressando ao pedido de pronúncia arbitral, recorde-se que o mesmo surge como culminar de um processo iniciado com um pedido de revisão oficiosa, expressamente indeferido. A Requerente não recorreu, portanto, a uma “reclamação graciosa”, antes recorreu diretamente ao pedido de revisão, e fê-lo mais de dois anos após a declaração de autoliquidação.

Contudo, o que verdadeiramente importa é que, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de ato de liquidação, é igualmente proporcionada à AT, com esse pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do contribuinte, antes de este recorrer à via jurisdicional. Logo, por “coerência com as soluções adotadas nos n.ºs 1 e 3 do art. 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de atos de autoliquidação, pois estes são expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT. Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de atos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa (…) não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do ato tributário em vez da reclamação graciosa” (…).

Face ao exposto, conclui-se (…) que a portaria n.º 112-A/2011, ao referir expressamente o artigo 131.º do CPPT quanto a pedidos de declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, disse imperfeitamente o que pretendia. Querendo impor a apreciação administrativa necessária à impugnação contenciosa de atos de autoliquidação, acabou por fazer referência expressa ao artigo 131.º, esquecendo-se que esta via não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses atos. A interpretação sufragada é a interpretação a que melhor traduz a vontade do “legislador” e que não colide quaisquer princípios constitucionais, nem põe em crise a “indisponibilidade dos créditos tributários”.

Aliás a invocação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários será possivelmente um lapso, já que ao decidir sobre a sua competência, relevante apenas enquanto pressuposto processual, o Tribunal Arbitral não está seguramente a praticar qualquer ato de disposição de um crédito tributário, no sentido do invocado art. 30.º n.º 2 LGT.

Por outro lado, excluir a jurisdição arbitral apenas porque o meio utilizado devia ter sido uma reclamação prévia graciosa seria violar os princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva.

Com efeito, a regra, quer para a impugnação judicial, quer para a arbitragem, é que se submetam ao crivo da AT todos aqueles atos relativamente aos quais esta entidade ou ainda não se pronunciou ou ainda não teve qualquer intervenção, razão pela qual lhe deve ser dada a oportunidade para se pronunciar antes de o tribunal judicial ou arbitral se pronunciar quanto à sua legalidade.

É, assim, manifesta a equiparação entre o pedido de revisão do ato tributário à reclamação graciosa sobre atos de autoliquidação, retenção na fonte e de pagamento por conta. Na verdade, como ficou consignado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da seção do CT, processo n.º 0793/2014), de 3 de junho de 2015, “(…) o meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação)…” .

Na senda do mencionado Acórdão, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu que “o Indeferimento, tácito ou expresso, do pedido de revisão é suscetível de controlo judicial [cfr. art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da LGT]”.

É, hoje, jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do ato tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (art. 78.º, n.º1, da Lei Geral Tributária), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento.

Em suma, o pedido de revisão oficiosa do ato tributário é um mecanismo de abertura da via contenciosa perfeitamente equiparável à reclamação graciosa necessária, porquanto serve o propósito de permitir que a AT se pronuncie sobre os atos de autoliquidação.

Pelos fundamentos expostos improcede o argumento da AT no sentido da inconstitucionalidade do art. 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011 na interpretação sufragada por este tribunal.

Termos em que improcede, assim, esta exceção de incompetência…” (cfr. fls. 1477 a 1522 da certidão do processo em formato PDF, constante de CD apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da nulidade por pronúncia indevida

Considera a Impugnante verificar-se uma situação de nulidade da decisão arbitral por pronúncia indevida, em virtude de ter sido excedida a competência dos tribunais arbitrais, atenta a circunstância de se estar perante uma situação de reação a indeferimento de pedido de revisão formulado ao abrigo do art.º 78.º da LGT, o que não se compadece com as competências dos tribunais arbitrais.

Vejamos.

Nos termos do art.º 27.º, n.º 1, do RJAT, a decisão arbitral pode ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo, sendo que a impugnação pode ser apresentada considerando um dos fundamentos taxativamente elencados no n.º 1 do art.º 28.º do mesmo diploma.

Assim, nos termos desta última disposição legal, a decisão arbitral é impugnável com fundamento em:

“a) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

b) oposição dos fundamentos com a decisão;

c) pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

d) violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º”.

Atento o disposto no art.º 29.º, n.º 1, do RJAT, é de considerar a disciplina subsidiariamente aplicável, de onde se destacam as normas constantes do CPPT, do CPTA e do CPC [cfr. art.º 29.º, n.º 1, als. a), c) e e), do RJAT].

In casu, como já referido, está em causa a pronúncia indevida por parte do tribunal arbitral.

No âmbito do contencioso impugnatório de decisões arbitrais, o conceito de pronúncia indevida é mais amplo do que o de excesso de pronúncia, nele se incluindo designadamente as situações em que é suscitada a incompetência material dos tribunais arbitrais.

A este propósito, chama-se à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2016, de 29.03.2016, no qual foi julgada inconstitucional a alínea c) do n.º 1 do art.º 28.º do RJAT, na interpretação normativa de que o conceito de “pronúncia indevida” não abrange a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral. Sublinhou-se neste aresto que “as decisões de um tribunal arbitral tributário sobre a própria competência não podem deixar de estar submetidas a reapreciação por um tribunal do Estado, sob pena de serem as próprias atribuições deste em matéria tributária a ficar em risco”.

Assim, a nulidade suscitada é passível de apreciação por este Tribunal Central, por se enquadrar no âmbito do art.º 28.º, n.º 1, al. c), do RJAT.

Prosseguindo.

In casu, como se referiu, entende a Impugnante que o Tribunal arbitral decidiu sobre matéria para a qual não é materialmente competente.

Cumpre, antes de mais, atentar na competência e nos poderes dos tribunais arbitrais tributários.

Nos termos do art.º 2.º do RJAT:

“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

Por seu turno, nos termos do art.º 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (Portaria de vinculação):

“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com exceção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição anti abuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”.

É ainda pertinente chamar à colação o disposto no art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, do qual decorre a autorização do Governo a legislar “no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária”. Do mesmo consta, de relevante in casu:

“4 - O âmbito da autorização prevista no presente artigo compreende, nomeadamente, as seguintes matérias:

a) A delimitação do objeto do processo arbitral tributário, nele podendo incluir-se os atos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não deem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de atos tributários, os atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação, os atos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária”.

Reconhecendo-se algumas limitações na redação do já mencionado n.º 1 do art.º 2.º do RJAT, é pacífico que os Tribunais arbitrais têm poderes de anulação (1) ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato impugnado.

O que cumpre aqui aferir é se estão ou não abrangidas, na competência material dos tribunais arbitrais tributários, as situações de reação a indeferimento de pedido de revisão de autoliquidação, em relação à qual não foi apresentada reclamação graciosa.

Adiantemos, desde já, que a resposta é afirmativa, como, aliás, tem vindo a ser decidido por este TCAS – v. os acórdãos de 11.03.2021 (Processo: 7608/14.5BCLSB), de 13.12.2019 (Processo: 111/18.6BCLSB), de 11.07.2019 (Processo: 147/17.4BCLSB), de 25.06.2019 (Processo: 44/18.6BCLSB) e de 27.04.2017 (Processo: 08599/15).

Desde logo, o art.º 2.º do RJAT não exclui casos como o dos autos, devendo considerar-se que são abrangidas as situações em que a liquidação seja o objeto imediato ou mediato da impugnação arbitral. Portanto, por esta via, não há que restringir o alcance desta norma de competência.

Por outro lado, a exclusão constante da al. a) do seu art.º 2.º da Portaria de vinculação não tem o alcance que lhe é dado pela Impugnante, porquanto visa salvaguardar as situações em que o legislador consagrou a reclamação administrativa necessária prévia – sendo certo que a nossa jurisprudência admite a possibilidade de se formularem pedidos de revisão de autoliquidações, ao abrigo do art.º 78.º da LGT, ainda que não tenha sido apresentada reclamação graciosa [cfr., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.05.2012 (Processo: 0140/13)].

A este respeito, chama-se à colação o já citado Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 08599/15):

““(…) No caso em apreço, é pedida a anulação do acto de autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2010, bem como a anulação do acto de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa.

(…) [N]este art. 2.º [do RJAT] não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT (…).

No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos arts. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.

Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.

Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa. (…)

A referência expressa ao artigo 131.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação.

Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».

(…)

A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.

É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de actos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.

Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para essa exigência, o facto de estar prevista idêntica reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os actos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos actos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.

Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3, do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º». Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária.

Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. ( [2] )

Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes são expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT.

Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.

Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência ao artigo 131.º do CPPT relativamente a pedidos de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de actos de autoliquidação, acabaram por incluir referência ao artigo 131.º que não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses actos.

Aliás, é de notar que esta interpretação não se cingindo ao teor literal até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma, é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do acto tributário) à «expressão nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos», que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».

Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto e a redacção daquela norma ser manifestamente defeituosa.

Para além disso, assegurando a revisão do acto tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.

E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a soluça mais acertada.

É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas e adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.”

Aderindo a este entendimento, considera-se, pois, que não resulta nem do RJAT nem da Portaria de vinculação a exclusão da competência dos tribunais arbitrais neste domínio.

Por outro lado, não se alcança de que forma o entendimento referido atenta contra a nossa lei fundamental.

Com efeito, de um lado, a Impugnante considera que a sua interpretação se sustenta nos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes, do acesso à justiça, da legalidade e também o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários.

Chamamos novamente à colação o já mencionado aresto deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 08599/15):

“Infere-se das alegações de recurso que a violação daqueles princípios reside no facto de “a vinculação da AT à tutela arbitral necessária, na qual vigora o princípio da irrevogabilidade das decisões, pressupõe uma limitação das situações em que pode plenamente decidir se deve ou não interpor recurso de uma decisão judicial desfavorável, ou seja, do poder de optar entre abdicar definitivamente da cobrança do crédito tributário ou adoptar o comportamento adequado a procurar efectiva-la”, e assim sendo, conclui que “é constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais acima mencionados, a interpretação veiculada pelo acórdão arbitral recorrido, a qual amplia a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente porquanto tal determina, consequentemente, a dilatação das situações em que esta obrigatoriamente se submete a tal regime, renunciando nessa mesma medida ao recurso jurisdicional pleno”.

O primeiro ponto a ter em consideração é a sobre a posição do tribunal Constitucional sobre o direito de acesso à justiça que vai no sentido de que a Constituição não consagrar um direito genérico ao duplo grau de jurisdição, salvo no domínio do processo penal no âmbito do qual existe preceito constitucional específico, o n.º 1 do artigo 32.º da CRP.

Como se escreveu no Acórdão n.º 280/2015 “[c]ontrariamente ao que sucede no processo criminal, domínio em que a Constituição, desde a revisão constitucional de 1997, consagra expressamente, como garantia de defesa do arguido, o direito ao recurso ou a um duplo grau de jurisdição (artigo 32.º, n.º 1) - direito que já antes vinha sendo reconhecido pela jurisprudência constitucional em relação à decisão final condenatória e todos os atos judiciais que tenham por efeito a privação ou restrição da liberdade ou outros direitos fundamentais do arguido -, não existe na Lei Fundamental qualquer previsão expressa atributiva do correspondente direito às partes em processo civil. Com base nesse dado jurídico-constitucional, tem o Tribunal Constitucional concluído, em jurisprudência consolidada, pela inexistência, em processo civil (e, bem assim, em processo laboral e administrativo) de um direito geral a um duplo grau de jurisdição, considerando que «o direito à tutela jurisdicional não é [...] imperativamente referenciado a sucessivos graus de jurisdição. Ali se assegura apenas em termos absolutos, e num campo de estrita horizontalidade, o acesso aos tribunais para obter a decisão definitiva de um litígio» (Acórdão n.º 65/88) ou o "direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respetivos pontos de vista [...]" (Acórdão n.º 638/98).»

Portanto, considerando a jurisprudência do Tribunal Constitucional supra citada, não se encontra constitucionalmente garantido, com base no artigo 20.º da CRP e em termos gerais, um direito ao duplo grau de jurisdição, e nessa medida, não se vislumbra em que medida é que este preceito constitucional poderá ter sido violado neste caso, pois o facto de se ter interpretado a) do art. 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011 num determinado sentido não afasta o entendimento de que o direito ao recurso não é um direito absoluto.

Por outro lado, também não se verifica a invocada violação do princípio da legalidade (artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo 226.º, n.º 2 da CRP no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, princípio este que proíbe a redução ou extinção de créditos tributários que desrespeitem o princípio da igualdade e da legalidade tributária.

Com efeito, não é pelo facto de estarmos perante um normativo de uma portaria de vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que não se poderá proceder à interpretação das normas dele constantes, por outras palavras, não ofende o princípio da legalidade tributária a interpretação de normativo da portaria de vinculação.

É que ao contrário do que alega a Impugnante não se trata de ampliar a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais, mas antes de interpretar uma norma da portaria que exclui essa vinculação.

A referência ao artigo 131.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não exclui expressamente a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais quando estão em causa pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação.

Não se verificando uma exclusão expressa, não se poderá dizer que estamos perante uma ampliação da vinculação, mas tão-somente perante interpretação de norma de exclusão de vinculação, e nessa medida não se verifica a violação de qualquer princípio ou preceito constitucional”.

Quanto ao alegado, de no caso em concreto se aplicar o disposto no art.º 2.º, al. a), da portaria de vinculação, pelos motivos já explanados é também de afastar, dado ser possível apresentar pedido de revisão oficiosa de autoliquidação, mesmo que não precedida de reclamação graciosa, pelo que, nos termos já explanados, tal ato é passível de impugnação arbitral.

Como tal, não assiste razão à Impugnante.

Atento o valor dos autos (838 347,44 Eur.), e, aliás, em consonância com o requerido pela Impugnante, cumpre considerar o disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP, aplicável na presente sede.

Assim, nos termos desta disposição legal, “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

No caso, considerando quer a conduta das partes, que se revelou sem mácula, quer sobretudo circunstância de a questão em causa já ter sido por diversas vezes apreciada neste TCAS, entende-se dever haver lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Julgar improcedente a presente impugnação;

b) Custas pela Impugnante, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 26 de maio de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)


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(1) Cfr. Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 119 e 120.