Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:51/10.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/08/2021
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:IRS.
MAIS VALIAS.
GANHOS SUJEITOS A TRIBUTAÇÃO.
Sumário:Se o Contribuinte reinveste o valor de realização parcialmente na aquisição de outro imóvel destinado a habitação própria e permanente, não pode, depois, “reinvestir” na ampliação ou melhoramento do imóvel adquirido, ou amortizar parte do empréstimo contraído para aquisição do novo imóvel, e excluir esses valores do ganho sujeito a tributação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
RECORRENTE: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA
RECORRIDO: P............

OBJECTO DO RECURSO:
Sentença proferida pelo MMº juiz do TT de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida na sequência do indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de IRS n.° P............, acerto da liquidação do ano de 2005, no valor de €28.268,14 acrescida de juros compensatórios, no montante de €1.995,89.

CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
a) Salvo o devido respeito, a douta sentença incorre em erro de julgamento resultante da incorreta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e aplicação do direito, tendo violado a alínea a) do n.° 1 do artigo 9.° do CIRS, bem como, a alínea a) do n.° 1, a alínea a) do n.° 4 e a alínea a) do n.° 5, todos do artigo 10.° do CIRS.
b) A sentença proferida pelo tribunal a quo considerou a liquidação de IRS n.° P............, referente ao ano de 2005, ilegal com fundamento no disposto nos artigos 10.°, n.° 5 e 51.° do CIRS, por entender que o reinvestimento do valor de realização pode ser concretizado em obras de ampliação e melhoramentos e em amortizações do empréstimo contraído para aquisição do imóvel no qual reinvestiu.
c) Tendo o impugnante adquirido a nova habitação por € 217.000,00, mas com recurso a empréstimo bancário no valor de 195.000,00 verifica-se que houve um reinvestimento parcial do valor de realização no montante de € 22.000,00 (217.000,00 - 195.000,00).
d) Ou seja, o Impugnante não reinvestiu a totalidade do valor de realização deduzido da amortização do empréstimo relativo ao imóvel alienado, no valor de € 132.756,81 (€240.000,00 - €107.243,19) e, portanto, o ato de liquidação 
de IRS em causa está de acordo com a lei aplicável e o benefício a que se refere o n.° 5, do artigo 10.°, respeitará apenas à parte proporcional dos ganhos correspondente ao valor reinvestido.
e) A sentença proferida pelo tribunal a quo fundamenta-se no disposto nos artigos 10.°, n.° 5 e 51.° do CIRS, no entanto, salvo o devido respeito, a norma prevista no artigo 51.° do CIRS não tem aplicação ao caso em análise, pelo que o tribunal a quo fez uma errada interpretação do artigo 51.° do CIRS e a sua aplicação ao caso em análise consubstancia uma violação de lei.
f) Considerou o tribunal que não tendo o Impugnante obtido um montante de empréstimo bancário no montante total do valor de aquisição, poderia sempre proceder ao reinvestimento do valor de realização concretizado em obras de ampliação e melhoramentos conforme decorre das normas transcritas (artigos 10.°, n.° 5 e 51.°, do CIRS).
g) Previa o artigo 10.°, n.° 5, alínea a) do CIRS (com a redação à data dos factos), uma exclusão de tributação relativa aos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se no prazo de vinte e quatro meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, e desde que esteja situado em Território português.
h) Ora, parece-nos que a amortização do empréstimo contraído para adquirir o imóvel não pode ser considerado reinvestimento nos termos do previsto no artigo 10.°, n.° 5 a), do CIRS conforme foi entendido pelo tribunal a quo, pois não tem a mínima correspondência na letra da lei tal interpretação
i) Não tem a mínima correspondência na letra da lei a interpretação de que as amortizações do empréstimo contraído para aquisição do imóvel no qual ocorreu o reinvestimento configuram reinvestimento.
j) Assim, o montante de € 37.700,00 referente a uma amortização extraordinária e declarado como reinvestimento em 2006 não pode ser aceite 
como reinvestimento como decidiu a sentença por configurar uma violação do artigo 10.°, n.° 5 a), do CIRS.
k) Entende igualmente a fazenda Pública que as obras e melhoramentos não podem ser considerados como reinvestimento na medida em que a lei é clara em determinar que o reinvestimento pode ser concretizado na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel.
l) Importa ainda salientar que o Impugnante não fez prova dos valores que declarou como reinvestimento e cabia ao contribuinte provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito.
m) Não tendo o impugnante comprovado documentalmente o valor do reinvestimento declarado, não podia o tribunal a quo considerar a Impugnação procedente o que configura uma violação do artigo 74° n° 1 da LGT.
n) Face ao exposto, devia a sentença ter decidido que as amortizações e as obras de melhoramento não configuram reinvestimento, pelo que decidindo em sentido contrário violou o disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 9.° do CIRS, bem como, a alínea a) do n.° 1, a alínea a) do n.° 4 e a alínea a) do n.° 5, todos do artigo 10.° do CIRS.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA”

CONTRA ALEGAÇÕES.

O Recorrido contra alegou e pediu ampliação do objeto do recurso, concluindo o seguinte:

EM CONCLUSÃO

I - Não merece reparo a Douta Sentença Recorrida.

PORQUANTO

II- A segunda questão decidida na Douta Sentença posta em causa pela Recorrente limitou-se a aplicar o Direito à Matéria de Facto fixada e considerada provada, carecendo de qualquer fundamento a Mui Digna Representante da Fazenda Pública, em representação da AT -Autoridade Tributária e Aduaneira, quando escreve que “ devia a sentença ter decidido que as amortizações e as obras de melhoramento não configuram reinvestimento, pelo que decidindo em sentido contrário violou o disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 9.° do CIRS, bem como, a alínea a) do n.° 1, a alínea a) do n.° 4 e a alínea a) do n.° 5, todos do artigo 10.° do CIRS “.

EFECTIVAMENTE E

III- Como resulta da Douta Sentença “

... não podia a AT deixar de ter em consideração os montantes reinvestidos, resultando assim manifesta a ilegalidade da liquidação relativa ao ano de 2005, não podendo a mesma manter-se na ordem jurídica.

De todo o exposto a liquidação sindicada nos autos deve ser anulada, procedendo, em consequência, a presente impugnação.

V - Decisão.

Nos termos das disposições legais invocadas e com os fundamentos expostos: - Julgo procedente a presente impugnação judicial e, em consequência, anulo a liquidação n.° P............ “.

SEM PRESCINDIR

IV- A liquidação impugnada inclui uma mais-valia de € 39.718,03, devendo incluir uma mais-valia de € 11.059,09 (onze mil e cinquenta e nove euros e nove cêntimos).

PELO, QUE

V- Deve ser anulado o acto de liquidação efectuado ao Impugnante respeitante a IRS do ano de 2005, por ilegalidade consubstanciada na liquidação impugnada.

E POR MERO DEVER DE OFÍCIO, NO CASO DE NÃO SE CONFIRMAR A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, O QUE SE ADMITE APENAS POR UMA QUESTÃO ACADÉMICA, AINDA ASSIM, PREVENINDO A NECESSIDADE DA SUA APRECIAÇÃO, DEVERÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES

ADMITIR A AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO A REQUERIMENTO DO RECORRIDO.

VI - A Fundamentação do Despacho de Indeferimento da Reclamação junto como documento n.° 1, à Impugnação Judicial, não menciona nem aprecia todos os elementos novos suscitados pelo Impugnante no Exercício do Direito de Audição, os quais se encontram elencados no artigo 9.°, da Impugnação Judicial.

VII - Conforme se verifica do exame crítico da “FUNDAMENTAÇÃO ” de “ facto “, em “ L) “, da Douta Sentença Recorrida, nem todos os elementos novos, fornecidos em sede do exercício de audição prévia, foram tidos em conta, na Decisão final da Reclamação Graciosa. Em concreto, referimo-nos ao facto de o Impugnante ter invocado a correcção de erro da aplicação informática e que utilizou parte do valor de realização na ampliação e melhoramento do bem imóvel que adquiriu. É de notar que quanto a tal matéria, foram juntas aos autos várias facturas e identificados os respectivos processos de licenciamento camarário (artigo 27.°, da Impugnação Judicial).

VIII - A Decisão, proferida em sede de decisão da Reclamação Graciosa, é omissa quanto a tais matérias.

ASSIM

IX - Mostra-se violado o disposto no n.° 7, do artigo 60.°, da Lei Geral Tributária, o que constitui vício de forma, por deficiência de fundamentação, que leva à anulação do Despacho que Indeferiu a Reclamação, motivo pelo qual a decisão impugnada não se poderá manter na ordem jurídica (artigo 135.°, do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por força, do artigo 2.°, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário).

TERMOS EM QUE E SEMPRE COM O MUI SÁBIO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE

- NEGAR-SE PROVIMENTO AO RECURSO, POR IMPROCEDEREM AS RAZÕES INVOCADAS NAS CONCLUSÕES DA RECORRENTE, DEVENDO CONFIRMAR-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA.

OU PARA A HIPÓTESE DE ASSIM NÃO SUCEDER

- ADMITIR-SE A REQUERIDA AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO À APRECIAÇÃO DO ARGUIDO VÍCIO DE FORMA, POR DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO, QUE LEVA À ANULAÇÃO DO DESPACHO QUE INDEFERIU A RECLAMAÇÃO, MOTIVO PELO QUAL A DECISÃO IMPUGNADA NÃO SE PODERÁ MANTER NA ORDEM JURÍDICA.

DECIDINDO NESTA CONFORMIDADE, FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS SERENA, SÃ E OBJECTIVA JUSTIÇA.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela procedência do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar procedente a impugnação deduzida contra a o indeferimento da reclamação graciosa que indeferiu o pedido de revisão da liquidação, tendo em consideração os valores de amortização do empréstimo para aquisição do (novo) imóvel e de obras nele realizadas.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
A) Em 29.09.2000 o impugnante adquiriu a fração autónoma designada pelas letras “BT” do prédio urbano inscrito na freguesia de Moscavide, sob o artigo 1.664, pelo montante de €116.219,90 que destinou à sua habitação própria e permanente;
(não contestado)
B) Em abril de 2005, o impugnante alienou, a referida fração por €240.000,00, tendo com este montante liquidado o valor em dívida relativamente ao empréstimo que havia contraído na aquisição, no montante de €107.243,19;
C) Em 14.10.2005 o impugnante, no estado de solteiro adquiriu, em comum com a sua futura esposa, 50% de nova fração para habitação própria e permanente, sita na Rua ………..inscrito na freguesia de São João de Brito, sob o artigo …..em Lisboa, pelo valor de €217.000,00, tendo contraído novo empréstimo do montante de €195.000,00, valores correspondentes à aludida percentagem;
(não contestado e depoimento das testemunhas)
D) No ano de 2006 efetuou uma amortização extraordinária do novo empréstimo pelo montante de €37.700,00;
(Cf. doc. de fls. 86 do processo de reclamação graciosa apenso)
E) Em 04.06.2006 o impugnante submeteu via internet a declaração de IRS relativa ao ano de 2005, tendo junto, para além dos anexos “A”, “E” e “H”, o Anexo “G”, correspondente à alienação da fração identificada em A), tendo ali inscrito o no campo 401 o valor de aquisição de €116.219,90, e valor de realização de €240.000,00;
(cf. doc. a fls.17 do Processo Administrativo junto aos autos)
F) No Campo 503, do Quadro 5, do mesmo Anexo “G”, relativo ao “Valor em dívida do empréstimo à data da alienação”, inscreveu o valor de €107.243,19 e, no Campo 504, valor da realização que pretende reinvestir, inscreveu o valor de €132.756,81 e, no campo 506 o valor de €33.594,00 referente ao valor reinvestido no ano da alienação;
(cf. doc. a fls.19 do Processo Administrativo junto aos autos)
G) Na declaração de rendimentos Mod-3 de IRS correspondente ao ano de 2006, inscreveu no campo 507 do Anexo “G” o valor de €67.753,87 correspondente ao montante reinvestido no primeiro ano seguinte ao da alienação;
(cf. doc. a fls.23 do Processo Administrativo junto aos autos)
H) Na declaração de rendimentos Mod-3 de IRS correspondente ao ano de 2007, inscreveu no campo 508 do Anexo “G” o valor de €31.408,94 correspondente ao montante reinvestido nos 24 meses a contar da data da alienação;
(cf. doc. a fls. 27 do Processo Administrativo junto aos autos)
I) Foi efetuada em 17.06.2009 e emitida em 22.06.2009 uma liquidação de IRS n.° ............, referente ao ano de 2005 com valor a pagar de €30.264,03, sendo €28.268,14 de imposto e €1.995,89 de juros compensatórios;
(cf. doc. a fls. 40 do Processo Administrativo junto aos autos)
J) Em 03.07.2009, deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa-8, de Reclamação Graciosa da liquidação referida, alegando para o efeito que, o cálculo das mais valias não se encontrava correto tendo junto como prova adicional os documentos relativos aos montantes pagos a título de juros e amortizações e ainda os documentos comprovativos das obras e melhoramentos da nova fração adquirida bem como a indicação dos processos 315/EDI/2006 e 2953/OTR/2006 que correram na Câmara Municipal de Lisboa relativos à vistoria das mesmas;
(cf. doc. a fls. 2 e 3 do Processo de Reclamação Graciosa apenso)
K) Em 06.11.2009 o impugnante deu entrada na Direção de Finanças de Lisboa do exercício do direito de audição prévia com os fundamentos que se dão por reproduzidos, tendo junto os documentos que havia referido em sede de reclamação graciosa;
(cf. doc. a fls. 83 a 167 do Processo de Reclamação Graciosa apenso)
L) Através do oficio n.° 104217 de 30.11.2009 o impugnante foi notificado do Despacho de Indeferimento da reclamação graciosa, em 03.12.2009, conforme assinatura do Aviso de Receção, tendo a Informação Complementar da reclamação o seguinte teor:
«(...)
5- Não obstante o exercício do direito de audição ter dado entrada nos serviços depois do prazo estipulado, irá o mesmo ser apreciado.
6- Da análise às alegações formuladas no exercício do direito de audição, conclui-se que em nada alteram o que foi dito no projeto do de decisão, nem foram trazidos ao processo quaisquer elementos suscetíveis de alterarem os fundamentos do mesmo.
7- De facto não tem qualquer relevância fiscal a circunstância de o reclamante ter amortizado parcialmente em 2006 e 2007, o empréstimo contraído em outubro de 2005 para a aquisição da nova habitação, na medida em que, conforme já foi referido, o valor de realização considerado reinvestido resulta apenas de dois fatores o valor de aquisição da nova habitação e o montante do empréstimo. (...)»
(cf. doc. a fls. 175 do Processo de Reclamação Graciosa apenso)
M) O imóvel adquirido em outubro de 2005 foi adquirido para habitação própria e permanente do impugnante e sua futura mulher pelo montante de €434.000,00 no bairro de Alvalade em Lisboa, tendo contraído um empréstimo bancário de €390.000,00;
(cf. unânime das testemunhas)
N) O imóvel unifamiliar por ser muito antigo foi sujeito a reconstrução e melhoramentos por parte do impugnante que, em 2006 e 2007 orçaram em cerca de €50.000,00;
(cf. unânime das testemunhas)
O) O impugnante em 2006 e 2007 procedeu à amortização do empréstimo que contraiu para aquisição da nova habitação;
(cf. unânime das testemunhas e docs. de fls.125 e 126 Proc. Recl. Graciosa apenso)
P) Em 21.12.2009 o impugnante deu entrada na Direção de Finanças de Lisboa da presente impugnação judicial onde foi registada com o n.° 131904;
(cf. fls. 5 dos autos)
III.I - Factos não Provados.
Não se provaram outros factos com relevância para a presente decisão. Motivação.
A convicção do tribunal formou-se com base no conteúdo dos meios de prova documental que são os que se encontram juntos aos autos e no processo administrativo junto, referidos no probatório, com remissão para as folhas do processo onde se encontram, bem como da prova testemunhal produzida.
Os depoimentos das testemunhas, R............, M............ e S............ parentes e amigo do impugnante relevaram, sobretudo, na medida em que confirmaram os factos provados nos pontos C), M) a O), ou seja, que o impugnante alienou em 2005 a habitação que adquirira em 2000 no Parque das Nações, tendo com o valor de realização efetuado o pagamento do remanescente do empréstimo contraído para o efeito, e adquirido no mesmo ano outro imóvel unifamiliar em Alvalade pelo montante de €434.000,00.
Confirmaram ao tribunal que adquiriu esse imóvel no estado de solteiro, em 50% com a atual esposa tendo contraído em conjunto um empréstimo para essa aquisição, no montante total de 390.000,00. Mais confirmaram que em 2006 e 2007 para além das obras de reconstrução e ampliação com projeto aprovada na Câmara Municipal de Lisboa em cerca de €50.000,00 efetuou a amortização desse empréstimo em 2006 para baixar o valor do mesmo. As testemunhas mostraram-se isentas e credíveis, respondendo sem hesitações às questões colocadas o que revelou terem conhecimento direto dos factos a que foram inquiridas o que logrou convencer o tribunal da sua veracidade.

ADITAMENTO OFICIOSO DE FACTOS.

Para melhor compreensão da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, ao abrigo do disposto no art.º 662º/1 do CPC transcreve-se parcialmente a informação REC 1264/09-SI na qual se baseou a decisão, substituindo-se a alínea L) dos Factos Provados que passará a ter a seguinte redação:

Através do ofício n.º 104217 de 30.11.2009, o Impugnante foi notificado do Despacho de indeferimento da reclamação graciosa, em 03.12.2009, conforme assinatura do aviso de receção, tendo o n.º 5 da informação o seguinte teor:

5-“Da análise à referida liquidação, e relativamente aos alegados valores reinvestidos, verifica-se que não obstante o sujeito passivo ter declarado em 2006 e 2007, nos campos 507 e 508 do anexo G, os montantes de € 67.753,87 e € 31.408,94 (fls. 25 e 27), referentes respetivamente ao valor reinvestido no primeiro ano seguinte e ao valor reinvestido no segundo ano seguinte dentro dos 24 meses, por erro da aplicação informática, apenas foi considerado o valor inscrito no campo 506 do anexo G da declaração de rendimentos do ano de 2005, referente ao valor reinvestido no ano da alienação.

E na Informação Complementar (na sequência do exercício do direito de audição),  refere-se, entre o mais, que:

(...)

“4- O reclamante viria através de mandatário entretanto constituído, nos ternos do art.º 5º do CPPT, a enviar por carta registada, em 2009/11/05, um documento que constitui o exercício do direito de audição relativamente ao projeto de decisão da reclamação graciosa apresentada, acompanhado de declarações emitidas pelo B............ PLC, um recibo de IRS modelo/6, diversas faturas, recibos e V.D. referentes a despesas efetuadas com o imóvel objecto de reinvestimento e ainda procuração forense”

5- Não obstante o exercício do direito de audição ter dado entrada nos serviços depois do prazo estipulado, irá o mesmo ser apreciado.

6- Da análise às alegações apresentadas no exercício do direito de audição, conclui-se que em nada alteram o que foi dito no projeto de decisão, nem foram trazidos ao processo quaisquer elementos susceptíveis de alterarem os fundamentos do mesmo.

7- “De facto, não tem qualquer relevância fiscal a circunstância de o reclamante ter amortizado parcialmente em 2006 e 2007 o empréstimo contraído em outubro de 2005 para a aquisição de nova habitação, na medida em que, conforme já foi referido, o valor de realização considerado reinvestido resulta apenas de dois factores o valor de aquisição da nova habitação e o montante do empréstimo.

8- Por outro lado, também já foi referido que a liquidação reclamada engloba uma Mais-Valia de € 347.718,03, quando deveria englobar uma Mais Valia de € 44.361,47, uma vez que o valor de € 33.594,00 (inscrito no campo 506 do quadro 5 do anexo G da declaração modelo/3), por si só, já foi considerado em excesso.” (...).


IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo MMº juiz do TT de Lisboa que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IRS por entender que a amortização parcial do empréstimo contraído para aquisição do novo imóvel [195.000,00 € na parte relativa ao Impugnante] e as despesas realizadas com obras de melhoramento  devem ser aceites como reinvestimento para efeitos do cálculo das mais valias sujeitas a tributação.

Por seu lado, entende a AT que não tem relevância fiscal a circunstância de o Impugnante ter amortizado parcialmente em 2006 e 2007 o empréstimo contraído em outubro de 2005 para aquisição da nova habitação, nem a realização de obras de melhoramento ou ampliação no imóvel adquirido, na medida em que o valor de realização considerado reinvestido resulta apenas de dois fatores: o valor de aquisição da nova habitação e o montante do empréstimo.

Vejamos então.
Dos factos provados podemos extrair o seguinte, como pano de fundo para a análise que empreenderemos:
Em 2000 o Impugnante adquiriu um imóvel por € 116.219,90;
Em 2005 alienou este imóvel pelo valor de € 240.000,00.
Liquidou o empréstimo contraído para a sua aquisição € 107.243,19.
Em 2005 adquiriu 50% de uma fração destinada a habitação própria por  217.000,00 (na sua parte) para o que contraiu empréstimo no montante de € 195.000,00.
Efetuou obras de melhoramento neste imóvel e amortizou parcialmente o empréstimo contraído.

Com efeito, o Impugnante alega ter “reinvestido” o valor de realização na (i) amortização em 2006 e 2007 do empréstimo contraído para aquisição da nova habitação, nos valores de € 42.606,27 e no ano de 2007 outra amortização no valor de € 3.767,65 e (ii) na ampliação e melhoramento da habitação nos montantes de € 17.739,56 e € 27.706,35 em 2006 e 2007, respetivamente.
Sustenta que tais situações se encontram previstas na alínea a) do n.º 5 do art. 10º do CIRS, como forma possível de reinvestimento do valor de realização.

O MMº juiz sufragou tal entendimento, do qual, com o devido respeito, discordamos.

Vejamos, em primeiro lugar, se a realização de obras no imóvel adquirido com recurso parcial ao crédito, pode ser considerado “reinvestimento”, como pretende o Impugnante.

Estabelecia, à data dos factos, o art.° 10 do Código do IRS no n.° 5, alíneas a) a c) que
«São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:
a) Se, no prazo de vinte e quatro meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, e desde que esteja situado em Território português;
b) Se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior, desde que efetuada nos doze meses anteriores;
c) Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir.
  
A norma prevê que as despesas com a ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo fim sejam excluídas da tributação, mas não abarca na sua previsão a aquisição de outro imóvel e obras de ampliação ou melhoramento.
A formulação alternativa é clara e não deixa margem para dúvidas. Se o Contribuinte reinveste o valor de realização parcialmente na aquisição do imóvel, não pode, depois, “reinvestir” na ampliação ou melhoramento do imóvel adquirido e excluir esse valor do ganho sujeito a tributação.

Nos termos da lei, ou reinveste na aquisição, ou reinveste na ampliação ou melhoramento. O reinvestimento cumulativo numa e noutra situação não está previsto na lei.      

E o art.° 51º do CIRS, na redação aplicável, também não autoriza tal reinvestimento cumulativo, chamemos-lhe assim.
Sob a epígrafe «Despesas e encargos» referia aquele preceito que, «para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:
a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas na alínea a) do
n.° 1 do artigo 10.°;

b) As despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à alienação, nas situações previstas nas alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 10.°

As despesas elegíveis para efeitos do cálculo das mais valias previstas neste artigo são aquelas que incidiram sobre o imóvel alienado e não as que valorizaram o imóvel adquirido [neste último caso, poderão integrar o cálculo das mais valias quando, e se, for alienado no prazo legal]. 
Por isso, diz o corpo do artigo que “ao valor de aquisição acrescem” os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos. O que só pode acontecer em relação ao imóvel alienado.

Ou seja, os encargos com a valorização previstos neste preceito referem-se ao imóvel alienado, bem como as despesas inerentes à aquisição e alienação nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10º , que expressamente se reporta à alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

Daí que, concluindo, as despesas realizadas no imóvel adquirido não são elegíveis para cálculo das mais valias apuradas.

E quanto à amortização parcial do empréstimo contraído para aquisição do imóvel, o disposto na alínea a) do n.º 5 do art. 10º CIRS também não lhe aproveita ao contrário do que decidiu o MMº juiz "a quo".

Resulta da lei expressa naquela alínea a), de forma clara, a nosso ver  que o valor de realização deve ser ...reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel...”.

Assim sendo, é fácil concluir que a amortização do empréstimo contraído para a aquisição do imóvel é um destino dado ao valor de realização (deduzido do empréstimo contraído para aquisição do imóvel vendido) que a lei não contempla.[1]
E portanto, não pode ser admitida.

Sobre a questão da falta de fundamentação alegada na petição inicial o MMº juiz julgou-a improcedente com fundamento em que “...como decorre do ponto L) do probatório, a Divisão de Justiça Contenciosa pronunciou-se, na parte da apreciação da reclamação graciosa intitulada “Informação Complementar”, sobre os elementos novos trazidos pelo impugnante, fundamentando a sua decisão nomeadamente alegando que «da análise às alegações formuladas no exercício do direito de audição, conclui-se que em nada alteram o que foi dito no projeto do de decisão, nem foram trazidos ao processo quaisquer elementos suscetíveis de alterarem os fundamentos do mesmo.
De facto, não tem qualquer relevância fiscal a circunstância de o reclamante ter amortizado parcialmente em 2006 e 2007, o empréstimo contraído em outubro de 2005 para a aquisição da nova habitação, na medida em que, conforme já foi referido, o valor de realização considerado reinvestido resulta apenas de dois fatores o valor de aquisição da nova habitação e o montante do empréstimo.»
A pronuncia e fundamentação da AT, quanto aos elementos apresentados pelo ora impugnante foi no sentido em que entendeu não ter tais documentos qualquer influência na decisão, sendo cognoscível a razão pela qual decidiu da forma como o fez e não de outro modo, tendo o impugnante, em sede de impugnação, rebatido ponto por ponto a referida decisão sem manifestar qualquer empecilho para o efeito.

Em ampliação do recurso, o Recorrido reitera que o despacho de Indeferimento da Reclamação não menciona nem aprecia todos os elementos novos suscitados pelo Impugnante no exercício do direito de audição, os quais se encontram elencados no artigo 9.°, da Impugnação Judicial.

E que nem todos os elementos novos, fornecidos em sede do exercício de audição prévia, foram tidos em conta, na Decisão final da Reclamação Graciosa.
Em concreto, refere-se ao facto de o Impugnante ter invocado a correção de erro da aplicação informática e que utilizou parte do valor de realização na ampliação e melhoramento do bem imóvel que adquiriu. É de notar que quanto a tal matéria, foram juntas aos autos várias faturas e identificados os respetivos processos de licenciamento camarário (artigo 27.°, da Impugnação Judicial).

O Recorrente não tem razão.

A fundamentação do despacho de indeferimento da RG baseou-se no conteúdo da informação n.º REC 1264/09-SI cujo n.º 5 refere o seguinte:

“Da análise à referida liquidação, e relativamente aos alegados valores reinvestidos, verifica-se que não obstante o sujeito passivo ter declarado em 2006 e 2007, nos campos 507 e 508 do anexo G, os montantes de € 67.753,87 e € 31.408,94 (fls. 25 e 27), referentes respetivamente ao valor reinvestido no primeiro ano seguinte e ao valor reinvestido no segundo ano seguinte dentro dos 24 meses, por erro da aplicação informática, apenas foi considerado o valor inscrito no campo 506 do anexo G da declaração de rendimentos do ano de 2005, referente ao valor reinvestido no ano da alienação.

E na Informação Complementar (na sequência do exercício do direito de audição),  refere-se, conforme factos aditados, entre o mais que

(...)

“4- O reclamante viria através de mandatário entretanto constituído, nos ternos do art.º 5º do CPPT, a enviar por carta registada, em 2009/11/05, um documento que constitui o exercício do direito de audição relativamente ao projeto de decisão da reclamação graciosa apresentada, acompanhado de declarações emitidas pelo B............ PLC, um recibo de IRS modelo/6, diversas faturas, recibos e V.D. referentes a despesas efetuadas com o imóvel objecto de reinvestimento e ainda procuração forense”

5- Não obstante o exercício do direito de audição ter dado entrada nos serviços depois do prazo estipulado, irá o mesmo ser apreciado.

6- Da análise às alegações apresentadas no exercício do direito de audição, conclui-se que em nada alteram o que foi dito no projeto de decisão, nem foram trazidos ao processo quaisquer elementos susceptíveis de alterarem os fundamentos do mesmo.

7- “De facto, não tem qualquer relevância fiscal a circunstância de o reclamante ter amortizado parcialmente em 2006 e 2007 o empréstimo contraído em outubro de 2005 para a aquisição de nova habitação, na medida em que, conforme já foi referido, o valor de realização considerado reinvestido resulta apenas de dois factores o valor de aquisição da nova habitação e o montante do empréstimo.

8- Por outro lado, também já foi referido que a liquidação reclamada engloba uma Mais-Valia de € 347.718,03, quando deveria englobar uma Mais Valia de € 44.361,47, uma vez que o valor de € 33.594,00 (inscrito no campo 506 do quadro 5 do anexo G da declaração modelo/3), por si só, já foi considerado em excesso.” (...).

Como vemos, a AT pronunciou-se sobre todas as questões que o Impugnante colocou no exercício do direito de audição, e que agora reitera neste recurso, negando-lhe procedência. Fê-lo de forma sumária, como admite a lei (cfr. art.º 77º/2 LGT), de modo claro, suficiente e congruente  habilitando o contribuinte a conhecer o iter cognoscitivo seguido pela AT no indeferimento da sua pretensão, resultando claro da douta petição inicial que o Impugnante compreendeu as razões subjacentes ao indeferimento do pedido,[2] permitindo simultaneamente ao tribunal sindicar tal decisão.

Por conseguinte, a decisão que indeferiu a reclamação graciosa não enferma de falta de fundamentação.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAS em negar provimento à ampliação do recurso, conceder provimento ao recurso da AT, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação.

Custas pelo Recorrido

Lisboa, 8 de julho de 2021.

[Nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, o relator consigna e atesta que têm voto de conformidade as Exmas. Senhoras Desembargadoras Patrícia Manuel Pires e Susana Barreto que integram a presente formação de julgamento.]

(Mário Rebelo)



 

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[1] Cfr. ac. do STA n.º 0774/14 de 18-01-2017 Relator:            ASCENSÃO LOPES cuja doutrina, embora não seja exatamente idêntica à situação que enfrentamos, pode ainda assim, ser aplicada nestes autos. Sumário:              I - A possibilidade de dedução da amortização do empréstimo contraído para a construção do imóvel alienado para efeitos de tributação, mais favorável, em mais valias, não é permitida.
[2] Cfr. ac. do TCAN n.º 0881/08.0BEBRG de 15-02-2012 -Relator:     Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.               Sumário: II- Se da impugnação da liquidação resulta que o contribuinte percebeu as razões que determinaram o acto, então este deve considerar-se fundamentado.