Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2399/15.5BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:12/15/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRC. LIQUIDAÇÃO OFICIOSA. REVISÃO OFICIOSA.
Sumário:1. Constitui erro imputável aos serviços, determinante da anulação do acto tributário, aquele em que incorre a Administração Tributária ao indeferir o pedido de revisão na presença de elementos da contabilidade que põem em causa o acerto dos pressupostos de facto do acto questionado.

2. A condenação no pagamento de juros indemnizatórios segue o regime do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão

I- Relatório

N......... - ………………., S.A., melhor identificada nos autos, deduziu impugnação judicial da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa relativo às liquidações oficiosas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º ……………….., referente ao exercício de 2010, e n.º ……………, referente ao exercício de 2011. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 157 e ss. (numeração do processo em SITAF), datada de 2020.07.03, julgou totalmente improcedente a acção de impugnação e manteve na ordem jurídica o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa relativo às liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º …………………….. referente ao exercício de 2010 e n.º …………………. referente ao exercício de 2011. A impugnante interpôs recurso contra a sentença, em cujas alegações de fls. 195 e ss. (numeração do processo em SITAF) formulou as conclusões seguintes:
«1.a A douta sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o despacho de indeferimento proferido pela Diretora de Serviços de IRC, datado de 24.04.2015, no âmbito do pedido de revisão oficiosa n.º RO ………../14, relativo à liquidação oficiosa de IRC n.º ………………….., datada de 30.11.2011, referente ao exercício de 2010, e à liquidação oficiosa de IRC n.º …………………., datada de 20.11.2012, referente ao exercício de 2011;
2.a No que ora releva, entendeu o Tribunal a quo que a apresentação das declarações Modelo 22 de IRC fora do prazo previsto no artigo 120.º do Código do IRC, ainda que dentro do prazo geral de caducidade de quatro anos previsto pelo artigo 45.° da LGT, não constitui um meio próprio para atacar as liquidações oficiosas, porquanto as primeiras não beneficiam da presunção de veracidade do artigo 75.° da LGT (cf. p. 17 da sentença);
3.a Decorre ainda da sentença recorrida que a administração tributária não violou o dever de colaboração já que as demonstrações das liquidações oficiosas referem os meios de reação contra as estas (cf. p. 17 da sentença) e que, bem assim, a correção das liquidações oficiosas sempre exigiria que o sujeito passivo tivesse apresentado uma declaração Modelo 22 de IRC dentro do prazo legal mesmo que a declaração de substituição tivesse sido apresentada fora de prazo (cf. p. 18 da sentença), concluindo o Tribunal a quo que inexiste erro imputável aos serviços que fundamente o pedido de revisão oficiosa deduzido pela Recorrente;
4.a Adicionalmente, entendeu o Tribunal a quo que não se verifica qualquer situação de injustiça grave ou notória, ao abrigo do artigo 78.º, n.º 4 da LGT, por entender que o erro na liquidação foi imputável ao comportamento negligente da Recorrente que não declarou os prejuízos fiscais por atrasos na contabilidade (cf. pp. 19 e 20 da sentença);
5.a Por fim, sustenta a sentença recorrida que não se verifica a violação da tributação pelo lucro real porque este deve ser conformado com outros princípios (cf. pp 20 e 21 da sentença), acabando por concluir pela improcedência da ação e prejudicando o conhecimento dos vícios imputados às liquidações, do pedido de devolução das quantias pagas e do pagamento de juros indemnizatórios (cf. p. 21 da sentença);
6.a Em face do exposto, entende a Recorrente que a sentença incorre em erro de julgamento da matéria de Direito por assentar em fundamentos improcedentes;
7.a Quanto ao entendimento de que a apresentação de declaração Modelo 22 de IRC fora do prazo não é o meio correto para que a administração tributária proceda à correção da liquidação oficiosa, tal afronta o disposto no artigo 90.º, n.º 1 - que versa na alínea a) sobre a liquidação do sujeito passivo e na alínea b) sobre a liquidação oficiosa emitida pela administração tributária - bem como o n.º 12 do Código do IRC;
8.a O artigo 90.º, n.º 12 do Código do IRC prevê que “A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.”, remetendo o artigo 101.° do mesmo diploma para o artigo 45.° da LGT que fixa o prazo de quatro anos para exercício do direito à liquidação;
9.a Poderia, então, a Recorrente corrigir a liquidação do exercício de 2010 até 31.12.2014 e a liquidação do exercício de 2011 até 31.12.2015, pelo que tendo apresentado as declarações Modelo 22 de IRC dos exercícios de 2010 e 2011, em 29.02.2012 e 17.12.2012 respetivamente (cf. factos 6) e 13) da fundamentação de facto da sentença), deveria a administração tributária ter corrigido as suas liquidações oficiosas;
10.a O artigo 90.°, n.° 12 do Código do IRC não distingue entre a liquidação do sujeito passivo e a emitida oficiosamente pela administração tributária, tampouco impõe de que forma a liquidação tem de ser corrigida e, por conseguinte, a interpretação seguida pelo Tribunal a quo de que a única forma de correção das liquidações oficiosas seria através da apresentação de reclamação graciosa, impugnação judicial, pedido de revisão oficiosa ou pedido de constituição de tribunal arbitral não encontra na letra da lei o mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso;
11.a Aplica -se plenamente o brocardo latino “ubi lex non distinguit nec interpres distinguere debet’ e se o legislador não especifica por que meios deve ocorrer a correção da liquidação oficiosa então não deverá excluir-se a possibilidade de correção através da apresentação da declaração Modelo 22 de IRC, dentro do prazo geral de caducidade, porquanto tal entendimento restritivo não decorre da lei e, consequentemente, atenta contra o elemento literal da interpretação das normas jurídicas (cf. artigos 11.° da LGT e 9.°, n.° 2 do Código Civil; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.09.2009, proc. n.° 669/08, e Baptista Machado, in “Introdução ao Direito e Discurso Legitimador”, Almedina, 2010, pp. 182 e ss.);
12.a Quanto à violação do princípio da colaboração (cf. artigos 59.° da LGT e 48.°, n.° 1 do CPPT), impunha-se que a administração tributária tivesse transmitido, em tempo, à Recorrente a necessidade de apresentação do meio contencioso para correção das liquidações oficiosas de IRC em apreço pois, não obstante constar das liquidações de IRC sub judice a menção a estes meios, a lei não afasta a apresentação das declarações de rendimentos Modelo 22, fora do prazo legalmente previsto, com vista à correção da situação tributária da Recorrente;
13.a Acresce que, a violação do princípio da colaboração é ainda mais evidente se se atender ao facto de que, após apresentadas aquelas declarações de rendimentos, constar da área reservada do Portal das Finanças a informação “Declaração Certa”, a qual criou na Recorrente a convicção de que as liquidações oficiosas seriam corrigidas;
14.a Quanto ao argumento do Tribunal a quo, de que para ser corrigida a liquidação oficiosa tem de ser apresentada uma declaração Modelo 22 dentro do prazo, mesmo que posteriormente seja apresentada uma declaração de substituição extemporânea (cf. artigos 120.° e 122.° do Código do IRC), é por demais evidente que o mesmo olvida que o artigo 90.°, n.° 12 e os artigos 120.° e 122.° do Código do IRC versam sobre situações diversas;
15.a O artigo 90.°, n.° 12 do Código do IRC, contempla a correção das liquidações emitidas pelo sujeito passivo e pela administração tributária (cf. alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 90.° do Código do IRC), enquanto que os artigos 120.° e 122.° do Código do IRC partem do pressuposto que a liquidação foi emitida pelo sujeito passivo;
16.a Para uma correta interpretação da lei há luz do elemento sistemático, importa percecionar que tampouco os artigos em questão se encontram no mesmo capítulo do Código do IRC, integrando o artigo 90.° o Capítulo V que versa sobre a “Liquidação” enquanto os artigos 120.° e 122.°, estão contemplados no Capítulo VII relativo às “Obrigações acessórias e fiscalização”, integrando a Secção I “Obrigações acessórias dos sujeitos passivos”, o que evidencia que o tratamento fiscal que o legislador confere às situações referidas é efetiva e propositadamente diferente (cf. Nuno Sá Gomes, in “Manual de Direito Fiscal”, Volume II, 9.° Edição, 2000, p. 364);
17.a Não se aceita, então, que só quando seja apresentada declaração de rendimentos dentro do prazo, se possa corrigir a liquidação oficiosa através da apresentação da declaração de substituição pois, tal afronta e esvazia de sentido o disposto no artigo 90.°, n.° 12 do Código do IRC, que prevê a possibilidade de correção tanto das liquidações emitidas pelo sujeito passivo como das liquidações apresentadas, oficiosamente, pela administração tributária;
18.a Quanto ao erro imputável aos serviços, o mesmo refere-se a qualquer ilegalidade - sobre os pressupostos de facto ou de direito e resultante de vícios formais ou procedimentais - do ato tributário não imputável ao contribuinte mas à administração tributária, entende a Recorrente que o mesmo se verifica in casu e constitui fundamento válido do pedido de revisão oficiosa em apreço (cf. artigo 78.°, n.° 1 da LGT; acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14.06.2012, proc. n.° 1007/11, de 18.06.2014, proc. n.° 0862/13, de 20.11.2007, proc. n.° 536/07, de 21.01.2009, proc. n.° 0771/08, de 14.03.2012, proc. n.° 1007/11, de 22.03.2010, proc. n.° 01009/10; Carlos Paiva, in “Da tributação à revisão dos actos tributários”, Almedina, Setembro 2005, p. 275 e Leonardo Santos, “A revisão do ato tributário, as garantias dos contribuintes e a fiscalidade internacional”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, volume II, fevereiro de 2013, p. 13);
19.a Isto porque, as liquidações oficiosas deveriam ter sido corrigidas nos termos do artigo 90.°, n.° 12 do Código do IRC, o qual visa assegurar o respeito pelo princípio da tributação pelo lucro real (cf. artigo 104.°, n.° 2 da CRP);
20.a É entendimento da jurisprudência que quando o sujeito passivo apresente a declaração Modelo 22 fora do prazo, após a emissão da liquidação oficiosa, mas dentro do prazo geral de caducidade (cf. artigo 45.° da LGT), deverá a administração tributária “(...) diligenciar, designadamente através de acção inspectiva, no sentido de apurar qual a matéria tributável do período em causa (...) de modo a, dentro do prazo da caducidade do direito de liquidar, proceder às correcções que se mostrem pertinentes e à consequente liquidação adicional ou anulação da liquidação oficiosa”, tendo em vista o cumprimento do princípio da tributação pelo lucro real (cf. acórdão Supremo Tribunal Administrativo de 11.05.2016, proc. n.° 0442/15; no mesmo sentido, vide os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 25.06.2019, proc. n.° 506/14.4BEBJA, do Supremo Tribunal Administrativo de 12.05.2018, proc. n.° 0220/11.2BEVIS 0286/18, a decisão arbitral de 26.09.2014, proc. n.° 90/2014-T, e Rui Duarte Morais, in “Apontamentos ao IRC”, Almedina, 2007, pp. 208 e 209);
21.a Pretendendo ser tributada pelo resultado real apurado nos exercícios de 2010 e de 2011, e não pelo resultado presumido pela administração tributária, a Recorrente apresentou, ainda que fora de prazo, as declarações de rendimentos Modelo 22 de IRC em falta, as quais eram suficientes para que a administração tributária corrigisse as liquidações oficiosas;
22a Logo, a manutenção na ordem jurídica das liquidações oficiosas de IRC não decorre de uma atuação da Recorrente, pelo que em consonância com a jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo terá de concluir-se que a ilegalidade em apreço é imputável aos próprios serviços da administração tributária (cf. vide acórdãos de 22.03.2011, proc. n.° 1009/10, e de 21.01.2009, proc. n.° 0771/08);
23.a Até porque a Recorrente não estava legalmente impedida de apresentar as declarações de rendimentos Modelo 22 fora do prazo legal previsto no artigo 120.°, n.° 1, do Código do IRC, sendo a apresentação de declarações de rendimentos fora do prazo legalmente estabelecido uma faculdade que assiste ao contribuinte para correção da sua situação tributária;
24.a A expetativa de que tais declarações de rendimentos dariam origem à emissão das liquidações de IRC corretivas foi, inclusive, corroborada pelo sistema informático da administração tributária, visto que da área reservada do Portal das Finanças constava a informação de “Declaração Certa” e tal expetativa somente se mostrou frustrada quando a administração tributária, após decorridos os prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, e em clara violação do princípio da colaboração (cf. artigo 59.° da LGT), transmitiu à Recorrente que não seriam emitidas quaisquer liquidações corretivas de IRC, porquanto, no seu entender, a correção da situação tributária teria de ter lugar pela via contenciosa, pelo que, por aqui também se vê que a situação vertente decorre de erro imputável aos serviços da administração tributária;
25.a Ora, o pedido de revisão oficiosa (cf. artigo 78.°, n.° 1 da LGT), configura um meio administrativo de correção de ilegalidades dos atos tributários que é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses mesmos atos, pelo que, o conceito de erro imputável aos serviços não poderá ser interpretado por forma a excluir do seu âmbito o pedido de revisão oficiosa de um ato tributário que, não obstante ter sido emitido no estrito cumprimento de disposições legais (cf. artigo 90.°, n.° 1, alínea b), do Código do IRC), não reflete o resultado fiscal do exercício entretanto declarado pelo contribuinte, sendo esta a interpretação que está em sintonia com a autorização legislativa em que se baseou a aprovação da LGT (cf. artigo 1.°, n.° 2, da Lei n.° 41/98, de 4 de agosto);
26.a Ademais, não logra compreender a Recorrente como pode entender-se que a administração tributária procedeu à emissão das liquidações oficiosas ao abrigo do artigo 90.°, n.° 1, alínea b) do Código do IRC, porquanto ao mesmo está adstrita, mas já não que deveria a mesma ter corrigido estas liquidações atento o disposto no n.° 12 do mesmo preceito, como se a este não estivesse vinculada;
27. a O pedido de revisão oficiosa surge como um meio complementar, aos meios de impugnação administrativa e contenciosa, de correção de ilegalidades dos atos tributários, logo, a não admissibilidade do pedido de revisão em situações como a sub judice, em que o apuramento oficioso efetuado pela administração tributária diverge do resultado fiscal do exercício, o qual veio a ser declarado, reconduzir-se-ia, no limite, a uma diminuição das garantias dos contribuintes, os quais veriam assim afastado aquele meio complementar, enquanto último recurso, para obter a correta definição da sua relação jurídica tributária (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17.05.2018, proc. n.° 484/12.4BEALM);
28.a O facto de a administração tributária não ter dado cumprimento ao disposto no n.° 12 do artigo 90.° do Código do IRC e corrigido as liquidações oficiosas de IRC configura um erro imputável aos serviços (cf. artigo 78.°, n.° 1, da LGT), pois é esta a interpretação do conceito de erro imputável aos serviços que se coaduna com os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, previstos nos artigos 266.°, n.° 2, da CRP e 55.° da LGT, a que a administração tributária se encontra adstrita na sua atividade (cf. acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 23.03.2017, proc. n.° 1349/10.0BELRS, do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.07.2006, proc. n.° 0402/06 e Diogo Leite de Campos et. al., in “Lei Geral Tributária”, Editora Encontro da Escrita, 4.a edição, 2012, p. 704);
29.a Neste sentido, deveria a decisão de indeferimento em crise ter sido anulada e, em consequência, determinada a revisão das liquidações oficiosas de IRC em apreço, pelo que não o tendo feito, deverá a sentença recorrida ser revogada nesta parte;
30. a Refira-se que do facto 9) da fundamentação de facto da sentença recorrida apenas se retira que quanto ao exercício de 2011 foi a Recorrente notificada de que não se encontrava registada no sistema informático da administração tributária a declaração Modelo 22 de IRC, logo não se aceita que o Tribunal a quo assuma que este aviso foi dado relativamente ao exercício de 2010, porquanto tal não consta da matéria de facto dada como provada;
31.a Quanto à ocorrência de injustiça grave ou notória (cf. artigo 78.°, n.° 4 e n.° 5 da LGT), entende a Recorrente que tal se verifica in casu por a Recorrente ter suportado, nos exercícios de 2010 e de 2011, imposto superior ao que seria devido se a administração tributária tivesse corrigido as liquidações oficiosas de acordo com os elementos declarados ulteriormente pela Recorrente, porquanto nos exercícios de 2010 e de 2011, a Recorrente apurou, na verdade, prejuízos fiscais de € 156.486,03 e de € 723.438,32, respetivamente (cf. Despacho n.° 1695/2001, de 08.05.2002, da Direção de Serviços de Justiça Tributária);
32.a Não tendo a administração tributária corrigido as liquidações oficiosas, após a apresentação das declarações de rendimentos Modelo 22, a Recorrente viu-se obrigada a suportar imposto nos exercícios em apreço e não sendo corrigidas estas liquidações oficiosas a Recorrente ficará impedida de deduzir em exercícios subsequentes os prejuízos fiscais apurados nos exercícios de 2010 e de 2011, situação esta inequivocamente lesiva da situação tributária da Recorrente e, por esta razão, geradora de injustiça grave e notória;
33.a Este dever de rever os atos injustos é um corolário do dever de atuação segundo o princípio da justiça (cf., artigo 266.°, n.° 2, da CRP e acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.10.2009, proc. 0476/09);
34. a Contrariamente ao defendido na sentença recorrida, esta situação causadora de injustiça grave ou notória não decorre estritamente de comportamento negligente do Recorrente, pois não obstante esta não ter apresentado as declarações de rendimento modelo 22 no prazo legalmente previsto, o que é certo é que as apresentou em momento ulterior o que deveria ter dado lugar à correção do apuramento efetuado oficiosamente pela administração tributária (cf. artigo 90.°, n.° 12 do Código do IRC);
35.a O princípio da proporcionalidade, na vertente de proibição do excesso, impõe à administração tributária que não se alheie na sua atuação da comparação entre o fim público prosseguido com a tributação e os efeitos necessários para o conseguir, nos limites da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito (cf. artigo 18.° da CRP; Lima Guerreiro, in “Lei Geral Tributária anotada e comentada”, Editora Rei dos Livros, 2001, p. 255 e José Maria Fernandes Pires et. al., in “Lei Geral Tributária Comentada e Anotada”, Almedina, 2015, p. 573);
36.a Decorre dos princípios da legalidade, da justiça, da boa fé e da proporcionalidade que, devendo a administração tributária agir em conformidade com a lei, deve aquela atuação conter-se dentro dos limites imprescindíveis à realização dos seus fins de interesse público, pois não deve a mesma abster-se das consequências práticas da sua conduta, optando pela solução que represente um menor sacrifício para a posição jurídica do administrado;
37.a O princípio da proporcionalidade obriga a que a administração tributária se abstenha da imposição aos sujeitos passivos de obrigações que sejam desnecessárias à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir, pelo que também com este fundamento deveria a decisão de indeferimento ser anulada e, em consequência, determinada a revisão das liquidações oficiosas de IRC em apreço, referentes aos exercícios de 2010 e de 2011, pelo que não o tendo feito, deverá a sentença recorrida ser revogada nesta parte;
38. a Ademais, sempre se deverá revogar a sentença recorrida porquanto a mesma aceitou a decisão de indeferimento em crise e as liquidações oficiosas de IRC, em manifesta violação do princípio da tributação pelo lucro real (cf. artigo 104.°, n.° 2 da CRP; acórdão Supremo Tribunal Administrativo, de 11.05.2017, proc. n.° 9/09.9BELRS);
39.a A maioria da doutrina tende a identificar como princípios gerais orientadores da tributação os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da coerência do sistema e da igualdade - este último entendido como igualdade em sentido material (“ou igualdade na lei”) e dependente do princípio da capacidade contributiva como tertium comparationis (cf. José Casalta Nabais, in “Direito Fiscal”, 2.a Edição, 2012, Almedina, p. 155);
40.a O princípio da tributação pelo lucro real constitui um corolário do princípio da capacidade contributiva entendido como a idoneidade para suportar o ónus do tributo (cf. Diogo Leite Campos, et. al., in “Direito Tributário”, 2a Edição, Coimbra, 2000, p. 129), afigurando-se como um critério básico da Constituição Fiscal, pelo qual devem orientar-se as normas tributárias;
41.a A importância do princípio da tributação pelo rendimento real é evidente e a sua influência na manutenção do Estado Social também e considera-se que o mesmo está ligado à ideia de pagamento de igual imposto para quem disponha de igual capacidade e de diferente imposto para quem disponha de diferente capacidade contributiva, na medida e proporção dessa diferença (cf. José Casalta Nabais, in “O dever fundamental de pagar impostos”, Coleção Teses, Almedina, 1998, pp. 157-158, 449, 483; José Cardoso da Costa, “O princípio da capacidade contributiva no constitucionalismo português e na jurisprudência do Tribunal Constitucional”, in Boletim de Ciências Económicas - Homenagem ao Prof. Doutor António José Avelãs Nunes, Vol. LVII, Tomo I, 2014, pp. 1177 e 1178);
42.a Apesar de a Constituição não consagrar expressamente o princípio da capacidade contributiva, a sua dignidade constitucional tem sido, por diversas vezes, reconhecida pelo Tribunal Constitucional, que vê nele expressão do princípio da igualdade fiscal ou tributária, na sua vertente “uniformidade”, i.e., do dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério (cf. acórdãos n.° 452/2003, n.° 348/97, n.° 142/2004 do Tribunal Constitucional; Sérgio Vasques, in “Manual de Direito Fiscal”, Almedina, 2011, p. 252);
43.a O princípio da tributação pelo rendimento real, regulador da atividade legislativo-tributária, não coexiste com a solução legal aplicada in casu, porquanto a apresentação das declarações Modelo 22 de IRC pelo sujeito passivo, ainda que fora do prazo previsto no artigo 120.° do Código do IRC mas dentro do prazo geral de caducidade de quatro anos plasmado no artigo 45.° da LGT, constitui um meio próprio para que a administração tributária proceda à correção das liquidações oficiosas e tal equivale a dizer que, não tendo a administração tributária corrigido as liquidações oficiosas em juízo existe uma verdadeira violação do artigo 104.° da CRP;
44.a Efetivamente, com base num argumento de natureza meramente procedimental e processual, a administração tributária negou à Recorrente a tributação pelo resultado real dos exercícios em apreço, violando o direito à tributação pelo lucro real ex vi artigo 104.°, n.° 2, da CRP (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 20.02.2020, proc. n.° 751/11.4BELRS);
45.a O acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 04.06.2020, proc. n.° 2072/07.8BELSB, que a sentença recorrida alega não se aplicar in casu porquanto nesse caso foi apresentada reclamação graciosa (cf. p. 20 da sentença), é manifestamente aplicável ao caso em juízo uma vez que decorre deste aresto que se o sujeito passivo apresentar uma declaração fora do prazo após a emissão da liquidação oficiosa, mas dentro do prazo geral de caducidade de quatro anos, deverá a administração tributária verificando valores divergentes entre a declaração por si emitida e a apresentada pelo sujeito passivo, inspecionar o sujeito passivo no sentido de alcançar a verdade material e, por conseguinte, proceder à tributação de acordo com o princípio da tributação pelo lucro real;
46.a As regras de natureza procedimental e processual não são absolutas, não podendo deixar de ser mitigadas pelos princípios constitucionais conformadores do sistema fiscal pelo que, tendo a Recorrente fornecido a informação sobre a sua real situação tributária, ainda que fora do prazo legalmente previsto, deveria a administração tributária ter corrigido o apuramento oficiosamente emitido tendo em vista a tributação pelo lucro real;
47.a Assim, entende a Recorrente que o artigo 90.°, n.° 1, alínea b) e n.° 12 do Código do IRC sempre terá de ser considerado materialmente inconstitucional, por violação do artigo 104.°, n.° 2 da CRP, quando interpretado no sentido de que a correção da liquidação oficiosa não pode ser efetuada através da apresentação pelo sujeito passivo da declaração Modelo 22 de IRC - fora do prazo previsto no artigo 120.° do Código do IRC mas dentro do prazo geral de caducidade de quatro anos plasmado no artigo 45.° da LGT - inconstitucionalidade essa que desde já se invoca para os devidos efeitos legais;
48.a Bem assim, entende igualmente a Recorrente que também o artigo 78.°, n.° 1 da LGT terá de ser considerado materialmente inconstitucional, por violação do princípio da tributação pelo lucro real, ex. vi. artigo 104.°, n.° 2 da CRP, quando interpretado no sentido, seguido pelo Tribunal a quo, de que não poderá a situação tributária do sujeito passivo ser corrigida no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, ainda que o respetivo pedido tenha sido deduzido dentro do prazo geral de caducidade previsto no artigo 45.° da LGT, o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais;
49. a Em face do exposto, é ilegal o entendimento do Tribunal a quo - porquanto não se vislumbra qualquer o motivo impeditivo para que a administração tributária corrija a liquidação oficiosa na sequência da apresentação da declaração Modelo 22 de IRC pelo sujeito passivo fora de prazo do artigo 120.° do Código do IRC mas dentro do prazo geral de caducidade consagrado no artigo 45.° da LGT, ex vi artigo 90.°, n.° 12 do Código do IRC - devendo, por conseguinte ser revogada a sentença recorrida;
50.a Revogada a sentença recorrida e, por conseguinte, anulada a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, impõe-se conhecer da ilegalidade imputada aos atos de liquidação oficiosa e, bem assim, a correção das liquidações oficiosas sub judice de acordo com os elementos declarados pela Recorrente e, em consequência, a fixação de prejuízos fiscais nos exercícios de 2010 e de 2011 nos montantes de € 156.486,03 e € 723.438,32, respetivamente;
51.a Acresce que, decorrendo as liquidações sob apreciação de erro imputável aos serviços do qual resultou pagamento de imposto totalmente indevido, assiste à Recorrente o direito de ser reembolsada dos montantes indevidamente pagos e o direito a juros indemnizatórios cujo reconhecimento igualmente se requer (cf. artigo 43.°, n.° 1 da LGT).
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida, nesta parte, determinando-se, em consequência, a anulação dos atos tributários sub judice nos termos peticionados»
Sendo o valor da ação superior a € 275.000,00, e verificando-se os pressupostos estabelecidos no n.° 7 do artigo 6.° do Regulamento das Custas Processuais, requer-se que seja a Recorrente dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça.»

X
A Fazenda Pública, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto.
X
Com vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação.
2.1. De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes.
«1) A Impugnante não apresentou as declarações Modelo 22 referentes aos exercícios de 2010 e 2011 até ao último dia do mês de maio, respetivamente, de 2011 e 2012 (facto assente por confissão e conforme registo a fls. 24 do Vol. I do PA apenso aos autos);
2) Em 30-11-2011, os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante uma declaração oficiosa Modelo 22 do IRC referente ao exercício de 2010 não constando qualquer valor como prejuízo fiscal (cf. declaração a fls. 25 a 28 do Vol. I do PA apenso aos autos);
3) Na mesma data, os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante a liquidação de IRC n.° ……………………. referente ao exercício de 2010 constando como valor a pagar € 99,75 (cf. liquidação a fls. 30 do Vol. I e fls. 18 e 100 do Vol. II do PA apenso aos autos);
4) Em 06-12-2011, os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante a demonstração de liquidação de IRC n.° ………………., referente ao exercício de 2010, no valor de € 99,75 e com data limite de pagamento em 16-12-2012, nela constando, ainda, o seguinte:
«Fica V.Ex.a notificado(a) para, no prazo de 30 dias a contar da data de assinatura do aviso de recepção, efectuar o pagamento da importância apurada proveniente de liquidação oficiosa de IRC relativa ao período a que respeitam os rendimentos, efectuada nos termos da b) do n° 1 do artigo 90° do CIRC, por falta de entrega da declaração de rendimentos, conforme nota demonstrativa junta.
Pode reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 137.º do CIRC e 70.º e 102º do CPPT.
Não sendo efectuado o pagamento no prazo acima referido, há lugar a procedimento tributário.» - (cf. demonstração a fls. 18 e 100 do Vol. II do PA apenso aos autos);
5) Em 25-01-2012, foi aposta uma vinheta de pagamento sobre a demonstração de liquidação de IRC descrita em 4) no valor de € 99,75 (cf. demonstração a fls. 18 e 100 do Vol. II do PA apenso aos autos);
6) Em 29-02-2012, deu entrada nos serviços da AT a declaração Modelo 22 do IRC n.° …………………., em nome da Impugnante e referente ao exercício de 2010, constando como prejuízo fiscal o valor de € 156.486,03 (cf. declaração a fls. 20 a 25 do Vol. II do PA apenso aos autos);
7) No sítio da internet da AT, a declaração descrita em 6) consta como "Declaração Certa" e importância a pagar € 4.829,46 (cf. impressão a págs. 32 do ficheiro a fls. 1 a 48 do SITAF);
8) Em 01-03-2012, foi aposta uma vinheta de pagamento sobre um documento de pagamento de autoliquidação de IRC em nome da Impugnante relativo ao exercício de 2010 no valor de € 4.829,46 (cf. documento a págs. 27 do ficheiro a fls. 1 a 48 do SITAF); 
9) Em 21-09-2012, os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante um ofício com assunto "IRC - DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS MODELO 22" do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte:
«[...] No sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira não se encontra registada a vossa declaração de rendimentos Modelo 22 do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), relativa ao período de 2011, cujo termo do prazo de entrega ocorreu em 2012-05-31 [...]» - (cf. ofício a fls. 8 do Vol. I do PA apenso aos autos);
10) Em 17-11-2012, os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante uma declaração oficiosa Modelo 22 do IRC referente ao exercício de 2011 não constando qualquer valor como prejuízo fiscal (cf. declaração a fls. 32 a 35 do Vol. I do PA apenso aos autos);
11) Em 20-11-2012, os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante a liquidação de IRC n.° ……………… referente ao exercício de 2011 constando como valor a pagar € 101,85 e data limite de pagamento em 31-12-2012 (cf. liquidação a fls. 37 do Vol. I e fls. 19 e 98 do Vol. II do PA apenso aos autos);
12) Em 22-11-2012, os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante a demonstração de liquidação de IRC n.° ………………, referente ao exercício de 2011, no valor de € 101,85 e com data limite de pagamento em 18-01-2013, nela constando, ainda, o seguinte:
«Fica V.Ex.a notificado(a) para, no prazo de 30 dias a contar da data de assinatura do aviso de recepção, efectuar o pagamento da importância apurada proveniente de liquidação oficiosa de IRC relativa ao período a que respeitam os rendimentos, efectuada nos termos da b) do n° 1 do artigo 90° do CIRC, por falta de entrega da declaração de rendimentos, conforme nota demonstrativa junta.
Pode reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 137.º do CIRC e 70.° e 102.° do CPPT.
Não sendo efectuado o pagamento no prazo acima referido, há lugar a procedimento tributário.» - (cf. demonstração a fls. 19 e 98 do Vol. II do PA apenso aos autos);
13) Em 17-12-2012, deu entrada nos serviços da AT a declaração Modelo 22 do IRC n.° ………………….., em nome da Impugnante referente ao exercício de 2011, constando como prejuízo fiscal o valor de € 723.438,32 (cf. declaração a fls. 26 a 30 do Vol. II do PA apenso aos autos);
14) No sítio da internet da AT, a declaração descrita em 13) consta como "Declaração Certa" e importância a pagar € 6.002,81 (cf. impressão a págs. 33 do ficheiro a fls. 1 a 48 do SITAF); 
15) Em 27-12-2012, foi efetuado o pagamento de uma autoliquidação de IRC em nome da Impugnante relativa ao exercício de 2011 no valor de € 6.002,81 (cf. documentos a págs. 29 e 30 do ficheiro a fls. 1 a 48 do SITAF);
16) Em 25-11-2014, deu entrada nos serviços da AT um requerimento em nome da Impugnante com assunto "REVISÃO OFICIOSA" (cf. requerimento a fls. 3 a 104 do Vol. II do PA apenso aos autos);
17) Em 24-02-2015, os serviços da AT elaboraram em nome da Impugnante a informação n.° I ………………., com assunto "Revisão Oficiosa - IRC - Exercícios de 2010 e 2011" da qual se extrai, designadamente, o seguinte:
«[...] 1. INTRODUÇÃO.
O sujeito passivo "N......... - Gestão e ….., SA", com o NIF ……………., vem [...] interpor pedido de revisão oficiosa ao abrigo do artigo 78° da LGT, relativamente aos actos de liquidação oficiosa de IRC n°s ………………….. e …………………, referentes aos exercícios de 2010 e 2011. [...]
3. INFORMAÇÃO PRESTADA PELA DIRECÇÃO DE FINANÇAS.
A requerente invoca o n° 1 do artigo 78° da LGT. Embora o pedido de RO tenha sido efectuado em 24.11.14, dentro do prazo de 4 anos após a liquidação, não parece de aceitar o fundamento da ilegalidade das liquidações oficiosas, visto que estas tiveram por base a b) do n° 1 do artigo 90°. Quanto à alegação de que a AT deveria ter efectuado a correcção enunciada no n° 12 do artigo em referência, tem - se a referir que a mesma é possível em sede de reclamação graciosa, com base naquela norma legal e no disposto dos artigos 17° e 123° ambos do CIRC, após verificação dos elementos contabilísticos do reclamante. Quanto à invocação do n° 4 do artigo 78° da LGT, fundamento em injustiça grave ou notória, confirma - se que o pedido foi apresentado dentro do prazo de 3 anos após a data das liquidações.
No entanto, não parece verificado o pressuposto legal de que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte, visto que o alegado erro resultou da falta de entrega das respectivas DM22.
4. APRECIAÇÃO DO PEDIDO PELA DSIRC
O sujeito passivo não entregou á AT dentro dos prazos legais para o efeito, as DM22 de IRC referentes aos exercícios de 2010 e 2011.
Atendendo a isso, foram-lhe emitidas em 30.11.11 e 20.11.12, de acordo com o disposto na b) n° 1 do artigo 90° do CIRC, as liquidações oficiosas de imposto identificadas com os n°s ………………… e …………………….., nos valores a pagar respectivamente de 101,85 € e 99,75 €.
Nas demonstrações dessas liquidações (cópias em anexo ao presente processo), recepcionadas pelo contribuinte, consta a menção:
"Fica V.EXa notificado ( a ) para, no prazo de 30 dias a contar da data de assinatura do aviso de recepção, efectuar o pagamento da importância apurada proveniente de liquidação oficiosa de IRC relativa ao período a que respeitam os rendimentos, efectuada nos termos da b) do n° 1 do artigo 90° do CIRC, por falta de entrega da declaração de rendimentos, conforme nota demonstrativa junta.
Pode reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 137° do CIRC e 70° e 102° do CPPT.
Não sendo efectuado o pagamento no prazo acima referido, há lugar a procedimento tributário. "
Não obstante isto que lhe foi comunicado, o sujeito passivo não interpôs qualquer petição de reclamação ou impugnação judicial por forma a contestar as liquidações oficiosas em referência. Era em sede dessa reclamação graciosa que a AT, após verificação dos elementos contabilísticos da sociedade, podia ter efectuado a correcção invocada no n° 12 do artigo 90° do CIRC.
A contrário do que entende o contribuinte, a correcção em apreço, não é efectuada de modo automático pela AT posteriormente ao acto de entrega da DM22 que estava em falta.
O que não se pode dizer, como o contribuinte faz, é que a AT não colaborou ao abrigo do dever imposto no artigo 59° da LGT, dando-lhe conta da necessidade de apresentar para os actos tributários em apreço tais RG, porquanto, como se viu, isso foi feito.
O sujeito passivo é que resolveu não ligar ao teor dessas Demonstrações de Liquidação, vindo somente em 29.02.12 e 17.12,12 entregar á AT ás DM22 que estavam em falta, e ao arrepio do tudo o que antes lhe tinha sido comunicado pretender aí que, nessa data, a AT lhe informasse que tinha de apresentar RG.
Ora, isso não tem cabimento, porquanto a respectiva informação dessa necessidade de interpôr RG já se mostrava satisfeita.
Deduz agora ao abrigo do artigo 78° da LGT, pedido de revisão oficiosa (RO) argumentando existir " erro imputável aos serviços " e " injustiça grave e notória ".
Apreciando o pedido à luz dessas normas, temos de referir o seguinte:
Na parte final do n° 1 do artigo 78° da LGT estabelece - se a possibilidade de poder ser efectuada a RO do acto tributário com base em erro imputável aos Serviços da AT. No entanto, no caso em apreço, não nos parece que exista qualquer erro imputável aos Serviços, pois, as liquidações em referência foram emitidas por imposição legal (conforme disposto na b) n° 1 do artigo 90° do CIRC), atendendo ao facto, como já dito anteriormente, do contribuinte não ter apresentado para os exercícios em questão, dentro do prazo legal, as respectivas DM22.
Refere o sujeito passivo que, de acordo com o Acórdão do STA datado de 10.01.07 proferido no processo n° 523/06 " o erro imputável aos Serviços, a que alude o artigo 78° n° 1 da LGT, compreende não só o erro directamente relacionado com a actividade da Administração (o erro de facto, operacional ou material), mas também o erro de direito".
Ora, nesse Acórdão, tal conclusão foi efectuada no sentido do caso que se estava a apreciar " Juros indemnizatórios a favor do contribuinte ", sendo mencionado no mesmo a propósito dessa matéria " serem os mesmos devidos quando se determine em, RG ou Impugnação judicial, que houve erro imputável aos Serviços. 
Menciona-se ainda: “ Considera - se também haver erro imputável aos Serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na liquidação do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da AT, devidamente publicadas ".
Ora, na situação em apreço, não foi isto que se passou, mas tão somente como se referiu a aplicação pela AT do disposto na lei em face do não cumprimento pelo contribuinte dentro dos prazos legais de uma obrigação declarativa. Assim sendo, não se verifica qualquer erro de direito que possa ser invocado. Face a tudo o exposto, julgamos inviabilizada a apreciação do presente pedido de acordo com o nº1 do artigo 78° da LGT.
O sujeito passivo invoca ainda nos termos do n° 4 do mesmo artigo 78°, a existência no presente caso de injustiça grave ou notória. Ora, o preceito legal referenciado estabelece que, "O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. "
Assim, verificando - se que a situação em presença (não entrega á AT dentro do prazo legal das DM22 respectivas) decorreu estritamente de comportamento negligente do contribuinte, está vedado o procedimento de RO com base neste preceito legal. Por tudo o antes referido, conclui - se assim que, não deve ser autorizada superiormente a revisão oficiosa em causa. [...]» - (cf. informação a págs. 43 a 48 do ficheiro a fls. 1 a 48 do SITAF);
18) Em 18-03-2015, os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante o ofício n.° 2577 com assunto "REVISÃO OFICIOSA INTERPOSTA POR "N......... - GESTÃO E PARTICIPAÇÕES, SA” com o seguinte teor, por extrato:
«Para efeitos de cumprimento do disposto no artigo 60°, n° 1, alínea b) da Lei Geral Tributária, exercício do direito de participação (audição) dos contribuintes no procedimento tributário, junto envio Projecto de Decisão (constituído por 2 folhas três páginas), sobre revisão oficiosa interposta nos termos do artigo 78° da LGT. [...]» - (cf. ofício a págs. 35 do ficheiro a fls. 1 a 48 do SITAF);
19) Em 08-04-2015, os serviços da AT elaboraram em nome da Impugnante a informação n.° I …………………………, com assunto "Revisão Oficiosa - IRC - Exercícios de 2010 e 2011" com o seguinte teor:
«1. A fim de dar cumprimento ao estabelecido na alínea b) n° 1 do artigo 60° da Lei Geral Tributária, foi o contribuinte " N......... - Gestão …………….., SA ", NIF …………………., notificado através do Ofício n° 3577 de 18.03.15, recepcionado em 20.03.15 ( referência CTT n° RF …………………. PT) do Projecto de Despacho relativo ao processo n° 223/15 - Indeferimento do pedido de revisão oficiosa, interposto nos termos do artigo 78° da LGT, para, querendo no prazo de 15 dias, exercer o seu direito de audição.
2. Até à presente data, o sujeito passivo não exerceu o direito antes referido.
Face ao exposto, somos de opinião que, o projecto de despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa em apreço, deve ser convertido em definitivo.» - (cf. informação a págs. 41 e 42 do ficheiro a fls. 1 a 48 do SITAF);
20) Em 24-04-2015, a Diretora de Serviços de IRC proferiu despacho sobre a informação descrita em 19) com o seguinte conteúdo: «Convolo em definitivo a decisão de indeferimento com os fundamentos invocados» - (cf. despacho a págs. 41 do ficheiro a fls. 1 a 48 do SITAF);
21) Em 15-05-2015, os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante o ofício n.° 24546 com assunto "NOTIFICAÇÃO DE REVISÃO OFICIOSA” com o seguinte teor, por extrato:
«Fica por este meio notificado que o pedido de Revisão Oficiosa supra referido mereceu despacho de INDEFERIMENTO da Sra Diretora de Serviços do IRC datado de 24-04-2015, conforme fundamentação que se junta - Informação n.° ………………… e ……………….... [...]» - (cf. ofício a págs. 40 do ficheiro a fls. 1 a 48 do SITAF);
22) Em 31-08-2015, deram entrada os presentes autos neste Tribunal (cf. registo do SITAF).
Não existem outros factos, provados ou não, com interesse para a decisão da causa.
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, resulta dos factos alegados pelas partes e da análise dos documentos por estas juntos, que não foram impugnados, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do PA apenso aos autos.»
X
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC adita-se a seguinte matéria de facto:
23) Juntamente com o requerimento de revisão oficiosa referido no n.º 16, a requerente entregou nove documentos, entre os quais, o relatório de gestão dos exercícios de 2010 e 2011 – p.a.
X
2.2. De Direito
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento quanto ao direito aplicável, em que terá incorrido a sentença recorrida, ao considerar não verificados os pressupostos do dever de revisão oficiosa das liquidações oficiosas de IRC de 2010 e 2011. Mais se requer a condenação da entidade demandada no pagamento de juros indemnizatórios, por ter sido pago imposto indevido em resultado de erro imputável aos serviços.
2.2.2. A sentença julgou improcedente a impugnação, mantendo na ordem jurídica o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa relativo às liquidações de IRC de 2010 e 2011. Para assim proceder considerou que a contribuinte não observou os prazos legais de apresentação das declarações de IRC (Modelo 22) e que a contribuinte não juntou elementos que comprovem o erro imputável aos serviços passível de despoletar o mecanismo da revisão oficiosa da liquidação, por iniciativa da Administração Tributária (artigo 78.º/1, in fine, da LGT).
2.2.3. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância, assacando-lhe erro de julgamento.
Apreciação.
A questão que se suscita consiste em saber se a recorrente tem direito a que sejam relevados os prejuízos constante da declaração modelo 22, nos exercícios de 2010 e 2011, apesar de os mesmos não terem sido declarados nos prazos normais de declaração de IRC ou de declaração de substituição e de as liquidações oficiosas, entretanto emitidas pela Administração Tributária, na sequência da omissão declarativa da contribuinte, não terem sidos impugnadas, pela via graciosa ou contenciosa, no tempo próprio.
A este propósito, a norma do artigo 78.º/1, da LGT (versão vigente), estabelece que: «[a] revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços».
Estão em causa nos autos liquidações oficiosas de IRC, cujo regime resulta do disposto no artigo 90.º/1/c), do CIRC. Ou seja, «[a] liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos: (…) c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha». «A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º [prazo de caducidade do direito à liquidação], cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas [artigo 90.º/12, do CIRC].
A propósito da liquidação oficiosa de IRC, são pontos firmes os seguintes:
i) «O IRC prevê que, em face do incumprimento pelo sujeito passivo da obrigação de apresentar declaração de rendimentos e nela proceder à autoliquidação do imposto, a AT proceda à liquidação oficiosa com base na matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada [art. 83.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, na redacção aplicável, a que hoje corresponde o art. 90.º, n.º 1, alínea b)]» (1).
ii) «Contrariamente ao que sucede nos casos em que a declaração de rendimentos é apresentada nos termos previstos na lei – aí se incluindo o prazo legal para a sua apresentação, pois que os termos previstos na lei o incluem também -, a declaração de rendimentos tardiamente apresentada não beneficia da presunção de verdade estabelecida no artigo 75.º da Lei Geral Tributária, sendo livremente valorada. // A entrega tardia da declaração de rendimentos não tem necessariamente por efeito a anulação da liquidação oficiosa da liquidação de IRC na medida da diferença para menos, como julgado, pois que os valores aí declarados, por si só, não se presumem verdadeiros». (2)
Em face da orientação jurisprudencial fixada, suscita-se a questão de saber se, expirados os prazos de apresentação de declaração de IRC e de dedução de meio gracioso ou contencioso (ordinário), de contestação da legalidade da liquidação oficiosa, esta última se mantém na ordem jurídica, por razões de certeza e segurança jurídica, mesmo que desconforme com o rendimento real da contribuinte? Ou se, em nome do princípio constitucional da tributação do rendimento real das empresas (Artigo 104.º/2, da CRP) é devida a correcção da liquidação oficiosa que daquele se afasta? E de que forma, através de que vias de correcção, tal rectificação pode ter lugar?
Neste quadro, importa ter presente que a jurisprudência e a doutrina têm sublinhado o carácter precário da liquidação oficiosa.
Assim, a afirma-se que «[i]ndependentemente do direito de a Administração Tributária lançar mão do disposto no artigo 83º, nº1, al. b) do CIRC e, nesse caso, perante a falta de apresentação de declaração de rendimentos, liquidar imposto com base na matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada, a verdade é que essa pretensão não pode sobrepor-se à constatação, resultante de acção de fiscalização (prévia) desencadeada para o efeito, do facto de aí se ter fixado o lucro tributável em zero e, bem assim, de aí a Administração se ter abstido de efectuar qualquer correcção à matéria colectável» (3). Aduz-se, também que «[t]endo sido apresentada declaração de rendimentos após a emissão de liquidação oficiosa, mas dentro do prazo de caducidade e mediante a faculdade consignada no artigo 76.º, nº4 do CIRS, o princípio da tributação pelo rendimento real impõe outras diligências por parte da Administração Tributária, designadamente, a realização de ação inspetiva para aferição de todos os elementos que foram supervenientemente apresentados pelo contribuinte e na sequência de pronúncia da Administração Tributária. Inexistindo tal procedimento ocorre excesso de quantificação de rendimentos» (4). Vinca-se que «[s]e o Fisco dispõe de elementos que permitam uma configuração mais aproximada da realidade tributaria do sujeito passivo, então torna-se mister que os mesmos sirvam de base à avaliação da matéria colectável. Na prática, o caso mais eloquente será o da inexistência do facto tributário» (5).
Em face do exposto, impõe-se concluir que, perante um pedido de revisão oficiosa do acto tributário, fundado em erro nos pressupostos de facto, a Administração Tributária encontra-se investida no poder-dever de apreciar e decidir o pedido de revisão em causa, formulado pelo contribuinte, à luz do disposto no artigo 78.º/1, da LGT. Resta-nos, todavia, apurar se aquela pode objectar a extemporaneidade do pedido de revisão oficiosa, com base na preclusão dos prazos de reclamação administrativa ordinária.
A resposta à presente questão depende da comprovação da ocorrência de erro imputável aos serviços (78.º/1, in fine, da LGT). Para que o erro seja imputável aos serviços, é necessário que a desconformidade do acto tributário com a realidade da matéria colectável não se deva a conduta negligente do contribuinte. «O erro imputável é um erro relevante, que tenha conduzido a errado apuramento da situação tributária do contribuinte e que tenha causado um prejuízo efectivo e suficientemente grave» (6). Se a Administração, dentro do prazo de caducidade da liquidação, toma conhecimento através dos elementos fornecidos pelo contribuinte, de que a liquidações oficiosas emitidas enfermam de erro na determinação da matéria colectável e rejeita apreciar e decidir o pedido de revisão oficiosa das mesmas, o erro torna-se imputável aos serviços, na medida em que, em face dos elementos disponíveis, mantem na ordem jurídica liquidações oficiosas sem suporte factual adequado. Por outras palavras, perante a junção de elementos relativos à contabilidade da contribuinte que justificam a existência de prejuízos nos exercícios em causa (n.º 23 do probatório), a manutenção dos actos tributários questionados exige a realização de diligências inspectivas no sentido de aferir do acerto da matéria colectável que lhes subjaz, ou seja, exige a apreciação e a decisão, quanto ao fundo, do pedido de revisão dos actos tributários em apreço. O que no caso não sucedeu, pelo que, seja o despacho de indeferimento do pedido de revisão, seja os actos de liquidação que o mesmo preserva, mostram-se inquinados com o vício de violação de lei (78.º/1, in fine, da LGT), o que determina a sua anulação.
Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu em erro, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue procedente a presente impugnação.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.4. No que respeita ao pedido de condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, cumpre referir o seguinte.
Determina o artigo 43.º/1, da LGT, que «[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Na sequência das liquidações oficiosas cuja anulação ora se determina, a recorrente pagou o imposto apurado, pelo menos, no que respeita à liquidação do exercício de 2010 (n.º 5 do probatório). O pagamento indevido resulta de erro imputável aos serviços, dado que, desde 25.11.2014, data da apresentação do pedido de revisão oficiosa dos actos tributários (n.º 16, do probatório), os serviços estavam na posse de informação contabilística fornecida pela impugnante que colocava em dúvida o acerto da determinação da matéria colectável subjacente às liquidações oficiosas contestadas, sem que os mesmos tenham procedido à eliminação dos actos tributários inquinados da ordem jurídica.
Nos termos do artigo 43.º/3/c), da LGT, «São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: // c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária». «Os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano, contado da apresentação do pedido de revisão, até à data do processamento da respectiva nota de crédito, e não desde a data do pagamento indevido do imposto». (7)
No caso, são devidos juros indemnizatórios, desde 25.11.2015, calculados sobre o imposto indevidamente pago até à emissão da nota de crédito.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.5. No que respeita ao pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, é de lembrar que, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, «[n]as causas de valor superior a €275000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento». Como decorre da Tabela I do RCP, quando o valor da causa seja superior a €275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna C. «É esse remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre €275.00,00 e o efectivo superior valor da causa para efeito da determinação daquela taxa, que deve ser considerado na conta final, se o juiz não dispensar o seu pagamento» (8). A complexidade da causa respeita à «sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes» (9). Nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do CPC, «[a] decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito». Nos termos do n.º 2 do preceito, «[e]ntende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for». No caso em exame, o valor da causa corresponde a €879.924.35.
Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a de que o direito fundamental de acesso aos tribunais (art.º 20.º, n.º 1, da CRP) envolve a necessidade de os encargos fixados legalmente para o serviço prestado não serem incomportáveis para a capacidade contributiva do cidadão médio. Deste modo, «pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor) patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa». [Ac. do TCAS, de 13.03.2014, P. 07373/14]. A aferição da complexidade da causa deve ter em conta o disposto no artigo 530.º/7, do CPC. Assim, consideram-se de especial complexidade, as acções que tenham «articulados ou alegações prolixas», respeitem «a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso», ou que importem «a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas».
No caso em exame, os autos não preenchem nenhum dos requisitos enunciados com vista a aferir da especial complexidade dos mesmos. Por outras palavras, a especialidade da causa não é de molde a afastar o limiar do valor de €275.00,00, dado que a complexidade ou especificidade não justificam a imposição de encargos dissuasores do acesso à justiça. O mesmo se diga do comportamento processual das partes, o qual se pautou pelo cumprimento do dever de boa fé processual. Por outras palavras, atendendo à lisura do comportamento processual das partes e considerando a relativa complexidade do processo, afigura-se ser de deferir o pedido quanto à dispensa do pagamento da taxa de justiça na conta final, em relação a ambas as partes.
Pelo exposto, impõe-se deferir o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP. Termos em que se procederá no dispositivo.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul no seguinte:

a) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação, com a consequente anulação dos actos de liquidação de IRC de 2010 e 2011.

b) Condenar a Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios desde 25.11.2015, calculados sobre o imposto indevidamente pago até à emissão da nota de crédito.

c) Condenar em custas a recorrida, sem prejuízo da dispensa de taxa de justiça, dado não ter contra-alegado e sem prejuízo da dispensa do remanescente da taxa de justiça em relação a ambas as partes.

Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunto - Hélia Gameiro Silva)

(2.ª Adjunto –Ana Cristina Carvalho)

(1) Acórdão do STA, de 11-05-2016, P. 0442/15. No mesmo sentido, v. Acórdão do STA, de 03-07-2019, P. 0561/03.2BTCBR 01438/15.
(2) Acórdão do STA, de 04-05-2016, P. 0415/15. No mesmo sentido, v. Acórdão do STA, de 03-02-2021, P. 0416/09.7BECBR.
(3) Acórdão do TCAN, de 09.12.2012, P. 00175/05.2BEPRT.
(4) Acórdão do TCAS, de 25-06-2019, P: 506/14.4BEBJA
(5) Paulo Marques, Joaquim Miranda Sarmento, e Rui Marques, IRC, Problemas Actuais, 2017, p. 148.
(6) Paulo Marques, A revisão do acto tributário, IDEFF, 2018, p. 235.
(7) Acórdão do STA, de 04.11.2021, P. 038/19.4BALSB.
(8) Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236.
(9) Salvador da Costa, Regulamento das Custas…, cit., p. 236.