Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:664/04.6BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/12/2022
Relator:ANA CRISTINA DE CARVALHO
Descritores:IRC
INDISPENSABILIDADE
OFERTAS
DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO
DIVISIBILIDADE DO ACTO
Sumário:I - O conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das atividades decorrentes do seu escopo societário.
II - O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial, pelo que se apenas parte das correcções são impugnadas, a procedência da acção, ainda que total, só nessa parte deve ser invalidado e anulado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO


O Representante da Fazenda Pública, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…, Lda, contra a liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 1999, no montante de € 151 401,99, dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«I) A sentença recorrida ao anular o acto tributário no montante de € 151.401,99, padece de erro, violando o disposto no art. 100° da LGT, uma vez que o acto tributário de liquidação é por natureza divisível, e apenas algumas das correcções efectuadas pela Administração Fiscal à matéria colectável subjacentes à impugnação foram impugnadas.

II) Nomeadamente não foram impugnadas as correcções nos valores de € 2697,16 (referida no ponto 3,3.2.2. e 4.1.1.2. do relatório da inspecção relativa a custos com três passagens de familiares do Sr. João Lara) e € 79.855,05 (referida no ponto 3.3.3.e 4.1.1.4. do relatório da inspecção relativa a ajudas de custo contabilizadas como diárias).

III) No que concerne à correcção efectuada pela Administração Tributária pela não aceitação da dedução como custo do valor de € 2.387,36 relativo a artigos para oferta, entendeu a douta Sentença que esta correcção não se encontrava devidamente fundamentada, nomeadamente porque não indicou a Administração Tributária qual o valor que entendeu ser “materialmente relevante" na perspectiva da tributação do rendimento.

IV) No caso em apreço, constata-se que a Impugnante contabilizou diversos custos como respeitantes a artigos para oferta, todavia, não identifica os beneficiários dessas ofertas.

V) Assim, não se sabe a quem foram oferecidos aqueles artigos, e assim sendo não se pode aferir a sua indispensabiiidade para a obtenção dos proveitos e para a manutenção da fonte produtora, nos termos previstos no art. 23° do CIRC.

VI) Apesar de não estarem identificados os seus destinatários de forma individualizada, a Administração Tributária, atendendo ao facto de determinados artigos para oferta, respeitando a brindes publicitários, terem valor unitário reduzido, ou fiscalmente não relevante, nomeadamente esferográficas, borrachas, mochilas, blocos de post it entre outros, entendeu não proceder à correcção correspondente.

VII) No caso não se justificaria a exigência de identificação Individualizada dos destinatários daquelas ofertas atento o facto de esse controle implicar custos desproporcionados, em relação ao valor unitário dos bens oferecidos.

VIII) No entanto, relativamente a dois dos documentos contabilizados na conta referente a ofertas, verifica-se que estão em causa bens cujos valores (que implicam inclusivamente que não seria aceite a sua dedução num só exercício se relativos a bens do activo imobilizado, cf. art. 32° do CIRC na redacção em vigor à data dos factos) não são de valor reduzido, inexistindo qualquer razão para que não fossem identificados os seus beneficiários.

IX) Cabendo à Impugnante a demonstração de que os valores em causas respeitavam a custos necessários à realização dos proveitos ou à manutenção da fonte produtora, de acordo com o disposto no art. 23° do CIRC, não tendo feito essa demonstração, até porque não identifica a quem foram atribuídos os bens em causa, não poderá ser aceite a sua dedução, conforme decorre dos pontos 3,1.3 e 4.1.1.1. do Relatório da inspecção constante do PAT.

X) Nesse sentido, pode ler-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo 00350/04.7BEBRG, datado de 25/09/2008, em que se cita Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta questão: “se o destinatário da despesa não ê conhecido, deste desconhecimento derivará necessariamente um juízo negativo (porque impossível) sobre a indispensabilidade da despesa, que assim não deve ser aceite como custo fiscal.»

XI) Quanto à correcção referente a “Despesas de Representação", entendeu a Administração Fiscal, conforme consta do relatório da Inspecção subjacente às correcções em causa nos autos, quer as despesas contabilizadas pela Impugnante com “Reuniões Médicas", quer com “Congressos e Simpósios", em que os beneficiários são médicos, isto é entidades que não têm vínculo laborai com a Impugnante, e na medida em que integram uma componente lúdica, devem Integrar o conceito de despesas de Representação.

XII) Como já decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul, relativamente regime do DL 100/94 de 19 de Abril no Acórdão proferido no processo 04002/10 de 30/11/2010, “a estada não deverá exceder o período compreendido entre o dia anterior ao do início e o dia seguinte ao do termo do evento ou das acções de formação ou de promoção de medicamentos nem comportar benefícios de carácter social prevalecentes sobre o objectivo científico e profissional,” além do que "nos termos da referenciada legislação, nesse tipo de acções o acolhimento deve ser sempre de nível razoável e ter um carácter acessório em relação ao objectivo principal da reunião

XIII) Ora, o carácter acessório das despesas com o acolhimento, necessário à consideração do custo, não se encontra comprovado nos autos, limitando-se a Impugnante a juntar aos autos, para efeito dessa prova, três documentos com a sua PI, documentos 4, 5 e 6, os quais não se reportam à totalidade dos encargos considerados pela Administração Tributária como relativos a despesas de representação, sendo que não se encontram sequer os mesmos documentos associados pela Impugnante à indicação dos custos (e documentos que os suportam) a que correspondem.

XIV) Como refere a Administração Tributaria, em sede de relatório, estas despesas em causa nos autos, têm subjacente uma parte lúdica, mencionada inclusivamente nas facturas das agências de viagens como "programa social".

XV) Nessa medida, compreende-se a aceitação das despesas no valor de 80% suportado pela Impugnante, correspondendo o acréscimo de 20% efectuado pela AF (que “in fine" correspondem à sua não dedutibilidade) à parte lúdica dos encargos, nos termos do art. 41° n.° 1 al. f) do CIRC na redacção em vigor à data dos factos.

XVI) Não demonstra a Impugnante que no caso dos autos, não se encontra presente nos custos por si suportados uma percentagem correspondente a encargos com esta parte lúdica, peto que deverá manter-se a correcção.

XVII) A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.»



*



A Recorrida não apresentou contra-alegações.

*




O Digno Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.

*


Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

*




II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO


Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (artigo 639.º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, as questões a decidir no presente recurso são as de saber:

i) Se ocorreu erro de julgamento quanto à correcção decorrente da não aceitação da dedução como custo fiscal do valor de € 2 387,36, por não ter sido provada a sua indispensabilidade;

ii) Se se verifica errado julgamento quanto à correcção relativa a despesas de representação contabilizadas com despesas com «reuniões médicas», «congresso e simpósios» em que os beneficiários são médicos desconsiderando a parte lúdica dos encargos, nos termos do artigo 41.º, n.º 1 alínea f) do CIRC e por falta de prova do carácter acessório das despesas de acolhimento;

iii) Se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto e na aplicação do direito, em violação do disposto no artigo 100.º da LGT, quanto à anulação total do acto tributário, quando apenas uma parte das correcções foram objecto de impugnação.


III - FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto


É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«A) A Impugnante dedica-se ao comércio de produtos farmacêuticos, comercializando.
B) Em conformidade com a Ordem de Serviço n.° 8… a H…, Lda, actual A…, Lela, Impugnante foi sujeita a uma acção de inspecção, relativa ao exercício de 1999 em sede de IRC. (Doc. fis. 31/41 dos autos)
C) Na sequência da acção de inspecção a que alude a al. A) do probatório foi elaborado o Relatório de Inspecção do qual se destaca:
"5.1— CORRECÇÕES DE IRC
5.1.1.— CUSTOS NÃO ACEITES FISCALMENTE
5.1.1.1. Conforme o exposto no ponto 4.1.3, não é aceite como custo fiscal nos termos do art.
41 n.° 1, al. h), do Código do IRG, e nos termos do art. 23 do mesmo diploma, por não se tratarem de custos indispensáveis à realização dos proveito, pelo que se corrige o montante de 478.623$00 (2.387,36€), relativo a ofertas efectuadas pela empresa.
(...)
5.1.1.3. Tendo em conta o explanado relativamente a despesas de representação, assim como
no ponto 4.3.2.1., corrigem-se os custos suportados pelos documentos identificados no Anexo 1, no montante apurado no mesmo, conforme mapa resumo que se segue:

O valor de 47.915.494$00 (239.001,48€,) é acrescido nos termos da al.g) do n. 1 do art. 410
do Código do IRC.
5.1.1.4 Dado o exposto no ponto 4.3.3., é acrescido ao lucro tributável declarado nos termos
da al. f) do n.°1 do art. 41º do Código IR, o montante de 16.009.501$00 (80.047.504$00* 20%) (79.855,05€,) relativo a ajudas de custo contabilizadas como diárias na rubrica 6222730 pelo valor de 80.047.504$00.
5. 1.2 — DESPESAS CONFIDENCIAIS
5.1.2.1. Os custos referidos no ponto 4.1.3 e corrigidos conforme o ponto 5.1.1.1., dizem respeito a ofertas para asa quais não está identificado o beneficiário pelo que se consideram despesas não documentadas ou confidenciais, nos termos do art.- 41 n°1 al. h), as quais serão tributadas autonomamente, à taxa de 32%, de acordo com o Dcc. Lei n.° 192/90, de 9 de Junho, actualizado pelo Dec. Lei n.° 87-B/98, de 31 de Dezembro. Assim., é acrescido ao IRC apurado o montante de 153.159$00 (478.623$00* 32%,) (763,96€,), de imposto apagar." (Doc. fis. 31 a 41 dos autos)
D) A Administração Tributária efectuou correcções técnicas ao IRC no montante de global de € 323.941,05 (2.387,36 +2.697,16+ 239.001,48+79855,05). (Doc. fis. 31 a 4'i dos autos)
E) Com base nas correcções efectuadas, a Administração Tributária em 03.12.2003, a liquidação adicional de IRC n.° 8310……., relativa ao exercício de 1999, no montante de 151401.99. na qual se mostra aposta a data de 14.01.2004 como data limite de pagamento voluntário. (Doc. n °1 junto á p.i.)
F) O peso da política comercial da Impugnante é de 8,2% do volume de negócio. (Doc. n °3 junto à p.i.)
G) Os artigos para oferta representam 2.8% do volume de negócios da Impugnante. (Doc. n° 3 junto á p.i. e Depoimento da testemunha A…)
H) A Impugnante durante o exercício de 1999, patrocinou a ida de médicos acompanhados dos seus representantes, a Congressos, Simpósios e Cursos científicos. (Doc. nos 4, 5 e 6 junto à p.i. e Depoimento da Testemunha C…)
I) Durante os Congressos, Simpósios e Cursos científicos a que alude a al. H) do probatório foram divulgados e promovidos novos fármacos produzidos e comercializados pela Impugnante. (Depoimento da Testemunha C…)
J) O objectivo dos Congressos, Simpósios e Cursos é a discussão entre técnicos dos avanços científicos e tecnológicos na área da medicina e farmacologia. (Depoimento da Testemunha C…)
L) Em 08.04.2004, deu entrada no Serviço de Finanças de Sintra -2 a petição inicial que originou os presentes autos. (Cfr. carimbo aposto a fis. 2 dos autos)»

*
Consta ainda da mesma sentença que «Inexistem outros factos sobre que o Tribunal deva pronunciar-se já que as demais asserções da douta petição ou integram antes conclusões de facto e/ou direito ou se reportam a factos não relevantes para a boa decisão da causa.»

*

III – 2. Apreciação do recurso

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

M) No âmbito da análise interna da tributação pelo regime do Lucro Consolidado respeitante a 1999 a matéria tributável da sociedade ora recorrida foi objecto de correções de natureza meramente aritmética em sede de IRC no montante total de € 323 941,05 – cf. relatório de inspecção constante dos autos a fls. 32 e sgs;

N) A impugnante impugnou as correcções relativas a artigos para ofertas e a despesas de representação no montante de 478 623$00 (€ 2 387,36) e 47 915 494$00 (€ 239 001,48) respectivamente bem como as tributações autónomas no montante de 153 159$00 (€ 763,96) num total de 242 152,80 – cf. artigos 52 º e 56º da pi;

O) As correcções foram efectuadas pelos seguintes motivos: «4.1.3. Analisados os documentos referentes às ofertas contabilizadas na conta 622……, verificou-se que dois dos documentos suportam despesas que não podem ser aceites fiscalmente como custos da actividade, porque ao contrário das referidas no ponto anterior, tratam-se de valores já materialmente relevantes na perspectiva da tributação do rendimento. Uma vez que os documentos referidos e abaixo identificados, não identificam os destinatários, estamos na presença de despesas confidenciais. Segue-se a identificação dos documentos não aceites como custo. (…) 4.2.2. Pela análise da discriminação do valor inscrito na linha 225 do Quadro 07 da primeira Declaração Mod. 22 apresentada para o exercício de 1999, verificou-se que aquele inclui os 20% sobre Despesas de Representação. Como Despesas de Representação para efeitos fiscais, além do valor 32.525.140$00, contabilizado na conta 6222120- "Despesas de Representação”, foi também considerado como tal, o montante de 27.912.787$00, referente à totalidade dos custos contabilizados na conta 6223350 - "Reuniões Médicas”, onde predominam despesas com almoços e jantares com médicos, e o montante de 21.557.745$00, referente à parte dos custos contabilizados na conta 6223310 - Congressos e Simpósios, em relação aos quais o sujeito passivo tomou a iniciativa de equiparar a Despesas de Representação, tendo por base os conceitos definidos e os entendimentos retirados do exposto no Dec. Lei n.° 100/94, de 19 de Abril, actualizado pelo Dec. Lei n.° 48/99, de 16 de Fevereiro, ambos do Ministério da Saúde, pelo que não vinculam os Serviços do Ministério das Finanças. Analisados estes documentos juntos em anexo (Anexo II), verificou-se que o contribuinte procurou separar as despesas elegíveis como custos por aqueles diplomas, das não elegíveis, considerando estas como despesas de representação por se tratar de parte lúdica. Ou seja, desta forma as despesas efectuadas em actividades lúdicas seriam aceites em 80%.

4.2.3. O conceito de despesas de representação abarca, normalmente, aquelas despesas incorridas no âmbito da actividade da empresa junto de terceiros, como sejam clientes e fornecedores. No caso das empresas farmacêuticas, a figura dos médicos não se encaixa directamente na actividade destas, ou seja, na produção e comercialização dos produtos. No entanto, são entidades que, apesar de não terem vínculo laboral com estas empresas, influenciam em grande medida as vendas dos seus produtos. Daqui a necessidade de informar da melhor forma os médicos, sobre cada um dos produtos, quer através de publicidade pura, quer pessoalmente através de encontros, reuniões, congressos ou simpósios.

Nesta segunda forma de divulgação dos produtos, existe sempre uma representação da empresa que comercializa e/ou produz os mesmos, a qual contém em regra uma parte lúdica. Senão vejamos, as deslocações dos médicos aos referidos eventos onde vão ser expostos à publicidade da empresa, implicando em regra a realizações de viagens pagas pela empresa, assim como refeições e estadias em hotéis, viagens essas que por vezes incluem uma parte lúdica, expressamente designada nas facturas das agências de viagens como “programa social”. Foi com o objectivo de aproximar os custos declarados pelos contribuintes nesta matéria, dos custos aceitáveis como sendo actividade da empresa que tais custos, Administração Fiscal definiu um limite de aceitação fiscal de tais custos, no presente caso, de 80%. Assim, é intenção da Administração Fiscal anular a parte lúdica dos custos da actividade das empresas, e não de a aceitar em 80%. Ou seja, os documentos separados pelo contribuinte devem ser considerados despesas de representação na sua totalidade, a fim de se retirar de custos os gastos efectuados com a parte lúdica das deslocações e estadias dos médicos inerentes aos congressos e Simpósios realizados, tal como foi feito relativamente à conta 6223350 – “Reuniões Médicas”, custos considerados despesas de representação, e como tal acrescidos pelo sujeito passivo no Quadro 07 da Declaração Mod. 22, os respectivos 20%. É por esta razão que a Administração Fiscal definiu uma percentagem (20%) para este tipo de custos (Despesas de representação), a qual determina a parte da despesa que não deve ser aceite como custo da actividade. O critério é o mesmo utilizado nas despesas com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, onde é difícil de determinar até onde vai a utilização das viaturas no exercício da actividade e onde começa a utilização das mesmas em benefício do trabalhador.

4.2.4. É, portanto, neste conceito e contexto que se devem incluir como despesas de representação, os custos incorridos pela representação da empresa junto de terceiros que podem influenciar a actividade da mesma, nomeada e concretamente no presente caso, as vendas. Incluem-se nestes custos, no caso das farmacêuticas, as reuniões com médicos e os congressos e simpósios, pelo facto de estar sempre inerente aos mesmos uma parte lúdica e de lazer, como foi referido no ponto anterior. Particularmente no caso dos congressos e simpósios os referidos custos para que sejam considerados despesas de representação, deve ser provada a efectiva presença da empresa nos eventos, quer seja através de colaboradores, quer seja através de stands ou outras formas de publicidade. Como prova da sua presença naqueles eventos, a empresa apresentou os programas dos congressos, que constam do processo, referentes aos documentos solicitados relativos aos Congresso e Simpósios, identificados no respectivo mapa, junto em anexo (Anexo I) (…)» - cf. documento de fls. 31 a 40 dos autos.


*

Por uma questão de precedência lógica, iniciarem o conhecimento do recurso que nos vem dirigido pela apreciação das questões identificadas em ii) e iii) do ponto III) supra.

Nas conclusões III) a X), a recorrente alega que, no concernente à correcção efectuada pela Administração Tributária decorrente da não aceitação da dedução como custo, do montante de € 2 387,36 (478 623$00), relativo a artigos para oferta, entendeu o Tribunal recorrido que esta correcção não se encontrava devidamente fundamentada, nomeadamente, por falta de indicação do valor que entendeu ser “materialmente relevante" na perspectiva da tributação do rendimento.

Mais alega que, apesar de não estarem identificados os seus destinatários de forma individualizada, os artigos para oferta, respeitando a brindes publicitários, de reduzido valor unitário, ou fiscalmente não relevante, nomeadamente esferográficas, borrachas, mochilas, blocos de post it entre outros, a Administração Tributária não procedeu à correcção correspondente, porquanto o controle implicaria custos desproporcionados, em relação ao valor unitário dos bens oferecidos.

No entanto, relativamente a dois dos documentos contabilizados na conta referente a ofertas, verifica-se que estão em causa bens cujos valores (que implicam inclusivamente que não seria aceite a sua dedução num só exercício se relativos a bens do activo imobilizado (cf. artigo 32.° do CIRC, na redacção em vigor à data dos factos) não são de valor reduzido, inexistindo qualquer razão para que não fossem identificados os seus beneficiários.

Alega ainda que, não se sabendo a quem foram oferecidos aqueles artigos, por falta de identificação dos seus destinatários, não se pode aferir da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos e para a manutenção da fonte produtora, nos termos previstos no artigo 23° do CIRC, pelo que, não poderá ser aceite a sua dedução. Contudo, era à impugnante que cabia a demonstração de que os referidos valores respeitavam a custos necessários ao referido efeito, não o tendo feito, não poderá ser aceite a sua dedução.

Conclui a final, que a sentença deve ser revogada por desconformidade com os preceitos assinalados. No entanto, no corpo das alegações (cf. artigo 23.º) sustenta a recorrente que a correcção não aceite pela sentença deverá cingir-se ao valor correspondente à tributação autónoma decorrente da não consideração da despesa como confidencial. Donde se retira a conclusão de que o recurso apenas abrange a anulação do acto quanto à correcção relativa à dedução de custos com duas ofertas.

Recorde-se que a fundamentação apresentada no relatório de inspecção para sustentar a correcção em causa é a seguinte: «dois dos documentos contabilizadas na conta 62218000 – Ofertas Marketing respeitam a despesas que não podem ser aceites fiscalmente como custos da actividade, porque ao contrário das referidas no ponto anterior, tratam-se de valores já materialmente relevantes na perspectiva da tributação do rendimento. Uma vez que os documentos referidos e abaixo identificados, não identificam os destinatários, estamos na presença de despesas confidenciais.» invocando-se ainda que «não é aceite como custo fiscal nos termos dos artigos 41.º n.º 1 alínea h) do Código do IRC, e nos termos do art.º 23.º do mesmo diploma, por não se tratarem de custos indispensáveis à realização dos proveitos, pelo que se corrige o montante de 478.623$00 (2387,36 €), relativo a ofertas realizadas pela empresa

Vejamos o enquadramento legal da questão.

Dispunha o artigo 23.º do CIRC na redacção vigente ao tempo dos factos:

«1. Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:

(…) b) Encargos de distribuição e venda, abrangendo os custos de transporte, publicidade e colocação de mercadorias; (…)»

Em síntese, a recorrente considera que apesar de, em primeira instância, se ter julgado que a correcção não estava fundamentada, quanto ao valor materialmente relevante, a verdade é que a correcção também se fundamentou no facto de não se tratarem de custos indispensáveis à realização dos proveitos porquanto a impugnante, ora recorrida, não identifica os beneficiários dessas (duas) ofertas, o que impossibilita a aferição da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos e para a manutenção da fonte produtora, nos termos do artigo 23.º do CIRC.

Da conjugação dos pontos 4.1.3, 5.1.1.1. e 5.1.2.1., extrai-se que a motivação da correcção foi efectuada em duas vertentes, uma genérica em função da relevância do valor e outra relativa à falta de identificação do destinatário. Autonomizada como despesas confidenciais foi efectuada outra correcção nos termos do artigo 41º, n.º 1 al. h) à taxa de 32%, de acordo com o disposto no Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, actualizado pelo Decreto-Lei n.º 89-B/98 de 31 de Dezembro, fazendo-se acrescer ao IRC apurado, o montante de 153.159$00 (478.623$00 * 32%) ou seja, 763,96€ de imposto a pagar.

Integrando toda a informação constante do relatório, concluímos que foi corrigida a dedução relativa ao custo com duas ofertas e acrescida a tributação autónima de tais custos à taxa de 32%.

A segunda correcção não está aqui em causa, porquanto a sua anulação não foi objecto de recurso, conforme se extrai do teor do artigo 23.º do corpo das alegações de recurso, pelo que, a sentença transitou em julgado, quanto a este segmento.

Constituindo a primeira correcção a que motiva a discordância da recorrente com a decisão recorrida.

Ora, a correcção no montante de € 2 387,36 decorreu da desconsideração da tal quantia como custo, com fundamento no facto de não se tratar de custo indispensável à realização do proveito, nos ternos do artigo 23.º do CIRC (ponto 5.1.1.1 do relatório) por não terem sido identificados os destinatários.

Vejamos. Atenta a presunção de veracidade de que beneficiam as declarações dos contribuintes e os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade, conforme decorre do disposto no artigo 75.º, n.º 1 da LGT, cabe à AT pôr em causa a indispensabilidade do custo, «para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora», apurando factos dos quais se extraia a dúvida sobre a relação entre a despesa e a atividade do contribuinte, competindo a este a explicação sobre tal relação, conforme resulta do disposto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT.

Com efeito, entendeu-se no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA proferido no processo n.º 01402/17, datado de 27/6/2018, que «O conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das atividades decorrentes do seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados.».

Embora a identificação dos destinatários das ofertas não constitua um requisito expresso na lei, a sua relevância para o efeito de apurar se o custo é indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, decorre da necessidade de aferição da relação do custo com a atividade do sujeito passivo. No estabelecimento do critério de relação com o seu escopo social o legislador teve em vista a dedução de custos com aquisição de bens em proveito próprio ou de terceiro não relacionados com a actividade da sociedade.

Com efeito, a dedutibilidade dos custos incorridos com tais ofertas está sujeita à prova dessa indispensabilidade e a indispensabilidade afere-se pela relação intrínseca com a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, ou seja, com a actividade desenvolvida. Ora, na falta de elementos sobre essa relação, a não identificação dos destinatários das ofertas, atenta a repartição do ónus da prova, implica que não se pode dar por verificada a indispensabilidade do custo e assim sendo, não podia ter sido deduzido o custo com aquisição das ofertas objecto de correcção nos termos do disposto no artigo 23.º do CIRC.

Assim sendo, assiste razão à Fazenda Pública.


*


Vejamos agora o fundamento de recurso constante das conclusões XI) a XVI).

Alega a recorrente que, subjacente à correcção referente a “Despesas de Representação”, em que a ora recorrida contabilizou com “Reuniões Médicas” e “Congressos e Simpósios” em que os beneficiários são médicos, isto é, entidades sem vínculo laboral com a impugnante e na medida em que integram uma componente lúdica, como resulta dos documentos juntos com a petição inicial, devem integrar o conceito de despesas de representação, pelo que, aceitando a dedução da despesa no valor de 80% suportado pela impugnante, o acréscimo de 20% efectuado pela AT corresponde
à não dedutibilidade da parte lúdica dos encargos, nos termos do artigo 41.º, n.º 1 alínea f) do CIRC, na redacção vigente à data dos factos.

Na sentença expendeu-se o seguinte: «De harmonia com a fundamentação da liquidação impugnada, constante do Relatório de Inspecção a que alude a al. C) do probatório, a Administração Tributária desconsiderou o custo contabilizado com a realização de congressos, simpósios e cursos, e requalificou-os como despesas de representação, nos termos da al. g) do n.° 1 do art. 41° do CRC. E, assim concluiu, por entender que: “no caso das farmacêuticas, as reuniões com médicos e os congressos e simpósios, (...) estar sempre inerente aos mesmos uma parte lúdica e de lazer".

Como é sabido, estando em causa uma liquidação de IRC que tem por fundamento o não reconhecimento de custos declarados pela Impugnante, compete à Administração Tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação.

Esclarece a doutrina, "As despesas de representação englobam os gastos registados pela empresa de alojamento, restaurante, recepção e espectáculos (elemento factual), que pela sua própria natureza são adequadamente aptos à satisfação indistinta de necessidades profissionais e/ou pessoais (elemento material), pelo que se torna difícil ou quase impossível reconduzi-los a cada uma dessas esferas (elemento finalístico).” (Tomás Castro Tavares, "Regime Jurídico das Despesas de Representação”, Fisco n.° 95/96, p. 81).

Continua este autor referindo que "O regime fiscal das despesas de representação tem de dar guarida a dois interesses conflituantes: permitir, por um lado, a dedução integral das que assumam carácter profissional. Impedir, por outro lado, o suporte empresarial de gastos privados (...), que se traduz, na prática, numa ilícita dupla evasão alternativa: os beneficiámos tendem a não pagar imposto por esses rendimentos em espécie, sendo difícil o respectivo controlo pela máquina fiscal, justamente por causa das características destas despesas." Tomás Castro Tavares, op. cit, p. 82).

O mesmo autor conclui referindo que “quando for possível estabelecer, com certeza e rigor, a ligação exclusivamente empresarial ou pessoal de certas despesas de representação, devem então conferir-se, in toto, os respectivos efeitos fiscais”, ou seja, a dedutibilidade total dos custo (ligação exclusivamente empresarial) ou a não dedutibilidade integral desses custos (ligação exclusivamente pessoal).

No caso em presença, o juízo da Administração Tributária assentou no entendimento que formou sobre a estrutura das reuniões, congressos e simpósios organizados pelas empresas farmacêuticas, para depois imputar tais conclusões á matéria objecto de inspecção.

O que queremos com o pretido dizer é que a Administração Tributária se desonerou das obrigações probatórias que sobre si impendiam no sentido de demonstrar os pressupostos substantivos da sua actuação no caso concreto a que foi chamada a pronunciar-se.

Com efeito, como bem adiantou a Impugnante, a Administração Tributária não procedeu a uma verificação autónoma e individualizada de cada uma das despesas consideradas despesas de representação, limitando-se a requalificar como não aceites fiscalmente os custos de forma discricionária, generalizada e abstracta, sem os ter analisado na sua individualidade.

Sublinhe-se, ainda que o discurso que suportou a correcção pela sua generalidade, bem que podia ser utilizado em qualquer outra acção de fiscalização desde que efectuada a qualquer outra pessoa colectiva que se dedicasse à mesma actividade da Impugnante. (…)»

A correcção em causa assentou na afirmação de que na «divulgação dos produtos, existe sempre uma representação da empresa que comercializa e/ou produz os mesmos, a qual contém em regra uma parte lúdica». Contudo, conforme resulta das alíneas H) a L), do probatório, as reuniões médicas, simpósios e congressos, constituem despesas relacionadas com a divulgação de novos fármacos e discussão de novos avanços científicos e tecnológicos na área da medicina e da farmacologia. Despesas essas que não se destinam a representar a sociedade impugnante, mas antes à promoção da sociedade e assim sendo, a assegurar o normal desenvolvimento do seu objecto social, dentro do seu escopo económico tendente a divulgar a existência e a promover a venda dos medicamentos.

Do relatório de inspecção não resulta nenhum facto que sustente a conclusão de que as despesas contabilizadas pela recorrida como despesas relativas a reuniões médicas e Congressos e Simpósios constituam «suporte empresarial de gastos privados», refere-se apenas que os eventos em causa têm sempre uma componente lúdica.

Como se refere na sentença recorrida «o juízo da Administração Tributária assentou no entendimento que formou sobre a estrutura das reuniões, congressos e simpósios organizados pelas empresas farmacêuticas, para depois imputar tais conclusões à matéria objecto de inspecção».

Conforme se decidiu em acórdão deste Tribunal de 16/12/2020, no processo n.º 07247/13.8BCLSB, em que a aqui relatora interveio como adjunta e em que figuravam as mesmas partes e se discutia a mesma questão, embora relativa ao exercício de 1997, que aqui acolhemos, «quanto a estas despesas, nenhum dos argumentos utilizados pela Administração Fiscal nos permite concluir que estes custos devem ser enquadrados nas despesas de representação.

Com efeito, não é pelo facto de os congressos poderem ter um programa social ou recreativo associado – uma vez que estes, em regra, decorrem fora das horas normais de trabalhos (…)

No caso "sub judice", do exame da factualidade provada (cfr.nºs.4 e 5 do probatório), deve concluir-se, com o Tribunal "a quo", que nos encontramos perante despesas que se destinam, não a representar a sociedade impugnante onde esta não se encontra presente (portanto, fora da sua actividade principal), mas a assegurar o normal desenvolvimento do seu objecto social, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta. Por outras palavras, não nos encontramos perante despesas de representação, mas antes perante custos inerentes ao normal desenvolvimento da actividade principal da sociedade impugnante/recorrida, de acordo com a definição do mesmo constante do nº.1 do probatório (comércio por grosso de produtos farmacêuticos), assim devendo enquadrar-se no artº.23, nº.1, al.b), do C.I.R.C. (…)»

Nestes autos, como no Acórdão citado, acompanhado o decidido em 1.ª instância, concluímos no sentido de que os custos com as despesas em causa se afastam do âmbito da qualificação efectuada pela AT e impunha-se-lhe, como se afirma na sentença recorrida «demonstrar os pressupostos substantivos da sua actuação».

Alega ainda a recorrente que não se encontra comprovado o papel acessório das despesas com o acolhimento, necessário à consideração do custo (conclusões XII) e XIII)). A questão remete-nos para a definição de qual o papel que entendemos ter o Decreto-Lei n.º 100/94, de 19/4, contudo, a questão central alegada - não se encontrar comprovado o papel acessório das despesas com o acolhimento - não constituiu fundamento da correcção, já que o que foi invocado no relatório de inspecção foi que o custo aceite «contém em regra uma parte lúdica» e nesse pressuposto foi corrigido o valor deduzido em 20%.

Ora, não constituindo a falta de prova do carácter acessório das despesas, nem que se trate de despesas de acolhimento, fundamentos da correcção em causa e não sendo admissível a fundamentação a posteriori trata-se de questão nova que não pode ser apreciada em sede de recurso.


*

Impõe-se a gora apreciar e decidir a primeira questão constate das conclusões I) e II).

A sentença recorrida julgou procedente a impugnação, e, em consequência, determinou a anulação do acto de liquidação impugnado.

Do assim decidido discorda a Fazenda Pública alegando que foram efectuadas correcções técnicas no montante global de € 323 941,05 e tendo em conta que a impugnante apenas veio impugnar algumas dessas correcções, conforme expressamente declara no artigo 4.º da petição inicial, não podia o Tribunal anular «o acto tributário trazido a juízo, o qual é a liquidação adicional de IRC do exercício de 1999».

Alega que o acto tributário de liquidação é por natureza um acto divisível e, consequentemente, é suscetível de anulação parcial, o que decorre do teor do artigo 100.º da LGT. A sentença ao anular o acto tributário no seu montante total de € 151 401,99 padece de erros de julgamento de direito por violação do disposto no artigo 100.º da LGT.

Resultando do segmento decisório a anulação da liquidação de IRC sem que tivesse sido identificado o alcance de tal anulação, impõe-se inferir que a aludida anulação foi total.

Assim sendo, desde já se adianta que assiste razão à recorrente.

Se a impugnante, ora recorrida, expressamente delimitou a impugnação do acto a correcções específicas (cf. alíneas M) e N) do probatório), conformando-se com as demais que resultaram da acção inspectiva constantes do relatório de inspecção, estas consolidaram-se na ordem jurídica formando caso decidido por falta de impugnação. Não constituindo objecto dos autos não podiam ser objecto de anulação.

Deste modo, ao assim não decidir, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento.

Com efeito, a divisibilidade do acto tributário no âmbito do procedimento tributário quer no processo judicial resulta expressamente do disposto nos artigos 79.º e 100.º da LGT, bem como dos artigos 130.º, n.º 3 e 145.º do CPT, regime que actualmente tem consagração no artigo 112.º do CPPT. Também tem sido este o entendimento uniforme e reiterado da jurisprudência e da doutrina no sentido de que o acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial.

Entre muitos outros, cita-se o Acórdão deste Tribunal proferido em 16/12/2020, no processo n.º 9723/16.1BCLSB, cuja relatora foi a aqui 2ª adjunta, em que se colocou a questão e em que as partes eram as mesmas: «tal anulação parcial [da liquidação] é consensualmente aceite, quer à luz da lei, como se dispunha no artigo 145.º do CPT (actuais artigos 79.º e 100.º da LGT e 112.º do CPPT), quer pela jurisprudência, quer pela doutrina.

A divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários.

Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis, os Tribunais Superiores têm vindo a afirmar que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei, pelo que é admissível a sua anulação parcial quando o fundamento da anulação apenas afecte uma parte do acto, isto é quando haja apenas uma ilegalidade parcial (cfr. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 2006, I volume, nota 4 ao artigo 100.º, págs. 720 a 721; Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 1991, pág.1396; José Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, 4ª. edição, 2006, pág.415; J.L. Saldanha Sanches, O contencioso tributário como contencioso de plena jurisdição, Fiscalidade, n.º 7/8, Julho/Outubro de 2001, pág.63 e seg.).»

Assim, nos termos do disposto no artigo 112.º do CPPT, tendo como pressuposto a divisibilidade do acto tributário, consagrou-se a previsão da faculdade de revogação parcial do acto, pelo dirigente do órgão periférico da administração tributária, no prazo legal a contar do pedido que lhe seja feito pelo representante da Fazenda Pública no âmbito das diligências necessárias à elaboração da contestação.

A divisibilidade do acto decorre, também, do disposto no artigo 100.º da LGT, quando se estatui que a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existia se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

Conforme decorre do Acórdão proferido pelo Pleno da Secção do CT STA no processo n.º 0436/18.0BALSB, datado de 30/01/2019: «I - O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial.

II - O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por aferir se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado, ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.

III - Não impede a anulação parcial do acto a necessidade de um ulterior accertamento por parte da AT, de modo a conformar a parte remanescente do acto com os termos da decisão judicial anulatória, como o impõe no caso a diminuição ao valor da matéria colectável apurada em sede de acção inspectiva do valor respeitante às correcções que foram julgadas ilegais pelo tribunal

Assim sendo, se o tribunal reconhece que o acto tributário padece de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anulá-lo apenas nessa parte, deixando-o subsistir no segmento em que nenhuma ilegalidade lhe é imputada.

Ora, no caso dos autos, como salienta a recorrente, a impugnante apenas impugna duas correcções que fundamentam o acto de liquidação adicional, pelo que, a procedência da acção implica a anulação do acto apenas na parte impugnada, ou seja, a anulação parcial do acto, em consequência do que, procedem as conclusões de recurso constantes das alíneas I) e II) do recurso.


*

Quanto à responsabilidade relativa a custas, atento o princípio da causalidade, previsto no artigo 527.º, n.º 2, do CPC, considerando a procedência parcial do recurso, considera-se ambas as partes deram causa à acção, sendo-lhes assim imputável a responsabilidade tributária da causa na proporção do decaimento que se fixa em 98% para a recorrente e os restantes 2% a cargo da recorrida.



IV – CONCUSÕES

I - O conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das atividades decorrentes do seu escopo societário.

II - O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial, pelo que se apenas parte das correcções são impugnadas, a procedência da acção, ainda que total, só nessa parte deve ser invalidado e anulado.

V – DECISÃO


Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcial provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, na parte em que decidiu anular na totalidade o acto tributário, substituindo-a por decisão de procedência parcial da impugnação e, consequentemente, de anulação parcial da liquidação adicional de IRC de 1999 apenas na parte assente na correcção relativa a despesas de representação, mantendo-a no demais.


Custas pelas partes na proporção de 98% para a recorrente e 2% para a recorrida, sem taxa de justiça por não ter contra-alegado no recurso.


Lisboa, 12 de Maio de 2022.



Ana Cristina Carvalho – Relatora

Lurdes Toscano – 1ª Adjunta

Maria Cardoso – 2ª Adjunta