Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2029/13.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/07/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:ISENÇÃO DE IMT
AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS POR INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO
DAÇÃO EM PAGAMENTO
CONCEITO DE DOMÍNIO-ARTIGO 486.º CSC
Sumário:I - O deferimento da isenção pela aquisição de imóveis por instituições de crédito previsto no artigo 8.º do CIMT, pressupõe que o cedente seja uma instituição de crédito, que a aquisição do imóvel se destine à realização dos créditos cedidos e que o cessionário seja uma instituição de crédito ou uma sociedade dominada pela instituição de crédito cedente.
II - Não é possível afastar o conceito de domínio plasmado no nº 1, do artigo 486.º do CSC, por um lado, porque o normativo 11.º, nº2, da LGT preceitua de forma clara que sempre que nas normas fiscais se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei, e por outro lado, porquanto encontrando-nos perante normas que consagram benefícios fiscais as mesmas apenas são passíveis de interpretação restrita.
III - A Recorrente não pode beneficiar da isenção de IMT ao abrigo do disposto no artigo 8.º, n.ºs 2, alínea b), e n.º 3, do CIMT, relativamente a aquisição de diversas frações que ingressaram no seu património por dação em pagamento, porquanto, não obstante tenha adquirido o crédito saldado por via dessa dação em pagamento à Instituição Bancária a verdade é que este não detém uma posição de domínio individual sobre a Recorrente, detendo apenas cerca de 1,588% do seu capital social.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I-RELATÓRIO

F… -E… GESTÃO E DESENVOLVIMENTO, SA (doravante Recorrente ou F…), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a Ação Administrativa Especial deduzida tendo por objeto o despacho do Subdiretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, datado de 08 de julho de 2013, o qual indeferiu o pedido de isenção de IMT, relativo aos períodos de tributação de 2009 e 2010, no valor de €51.000,61.

A Recorrente, apresentou as suas alegações de recurso nas quais formulou as conclusões que infra se reproduzem:

“A) A questão decidenda objecto do recurso consiste na análise do direito à isenção de IMT previsto no artigo 8.º, n.º 3, do CIMT, atentas a relação de domínio plasmada neste preceito legal;

B) Ademais, entende a Recorrente que a factualidade fixada pelo Douto Tribunal a quo com pertinência para a boa decisão da causa está incompleta;

C) Com efeito, o Douto Tribunal a quo deveria também ter dado como provada a seguinte matéria de facto (a qual se encontra documentalmente demonstrada no âmbito da acção acima identificada):

i.) Entre a Autora e a sociedade R… – IMOBILIÁRIA, LDA. não existem relações especiais na acepção do artigo 58.º, n.º 4, do Código do CIRC (actual artigo 63.º, n.º 4, do mesmo código) – cfr. artigo 6.º da petição inicial;

ii.) Por ofício n.º 2.311, de 16 de Junho de 2011, da Direcção de Serviços do IMT, a Autora foi notificada para prestar esclarecimentos sobre o referido pedido de isenção de IMT - cfr. artigo 8.º da petição inicial e documento n.º 7 junto a esta;

iii.) Por requerimento de 1 de Julho de 2011, a Autora prestou os esclarecimentos solicitados - cfr. artigo 9.º da petição inicial e documento n.º 8 junto a esta;

iv.) Por ofício n.º 3796, de 16 de Novembro de 2012, a Direcção de Serviços do IMT notificou a Autora do projecto de decisão de indeferimento do pedido de isenção de IMT, sustentando pressupor a aplicação do artigo 8.º, n.º 3, do CIMT uma relação de domínio, na acepção do artigo 486.º do CSC, inexistente entre o B…, S.A. e a Autora, na medida em que aquele detinha apenas uma participação de 1,588%, correspondente a 87.850 acções, no capital social da Autora - cfr. artigos 10.º e 11.º da petição inicial e documento n.º 9 junto a esta;

v.) A 29 de Novembro de 2012, a Autora exerceu o seu direito de audição prévia, tendo invocado o preenchimento da totalidade dos requisitos da isenção previstos no artigo 8.º do CIMT - cfr. artigo 12.º da petição inicial e documento n.º 10 junto a esta;

vi.) Por discordar e não se conformar com o indeferimento do pedido de isenção de IMT, a Autora interpôs recurso hierárquico a 21 de Agosto de 2013 e, subsequentemente, apresentou a acção administrativa especial a 11 de Novembro de 2013;

D) Entende o Douto Tribunal a quo que a referida isenção de IMT só poderá ter lugar se entre as sociedades cedente e cessionária existir uma relação de domínio na acepção dos artigos 486.º do CSC, o que na situação em presença não se verifica por força da participação de 1,588%% detida pelo B…, S.A. no capital social da Recorrente;

E) Diversamente, considera a Recorrente que a relação de domínio prevista no artigo 8.º, n.º 3, do CIMT não deve ser balizada pelo disposto nos artigos 486.º do CSC;

F) O conceito de domínio previsto no artigo 8.º do CIMT não coincide necessariamente com o conceito utilizado no Título VI do CSC no contexto da coligação de sociedades, sendo certo que o escopo de aplicação deste último se cinge à regulação das relações que entre si estabelecem as sociedades comerciais;

G) O conceito de domínio previsto no CSC serve o propósito de definir o enquadramento jurídico especial decorrente da relação entre duas sociedades: a sociedade dominante e a sociedade dominada;

H) Diferentemente, o artigo 8.º do CIMT não restringe o conceito de domínio a uma relação entre duas sociedades, abrangendo claramente situações em que nenhuma relação de domínio na acepção do CSC possa existir;

I) A letra do artigo 8.º do CIMT é clara ao exigir apenas que o capital da sociedade adquirente seja directa ou indirectamente dominado por instituições de crédito, permitindo assim que sociedades como a Recorrente, integradas no sistema financeiro português por serem sociedades financeiras exclusivamente detidas por instituições de crédito, beneficiem da isenção em causa sem que para tal tenham que ser detidas em mais de 50% por uma única instituição de crédito;

J) É também este entendimento o que melhor se enquadra na ratio da isenção em referência, a qual serve o propósito de garantir a neutralidade em sede de IMT de aquisições que, pela natureza dos seus intervenientes e pelo contexto em que ocorrem, não traduzem qualquer manifestação de riqueza;

K) Assim sendo, sempre que a aquisição de imóveis não constitua uma manifestação de riqueza patrimonial do respectivo adquirente – designadamente por resultar da normal prossecução da sua actividade económica –, carece de fundamento a tributação dessa aquisição imobiliária em sede de IMT, sob pena de violação do disposto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP;

L) No que especificamente respeita à isenção de IMT prevista no artigo 8.º do CIMT, quer no seu n.º 1 (regra geral) quer nos seus n.os 2 e 3 (regras especiais), importa referir pressupor a mesma a aquisição do imóvel, não como meio de aumentar o respectivo património, mas apenas como meio de liquidação de uma dívida no âmbito da actividade financeira;

M) Com efeito, ao receber o bem, o seu adquirente – instituição de crédito ou sociedade dominada, directa ou indirectamente, por instituições de crédito – colocá-lo-á de imediato no mercado com o intuito de realizar o montante que permita a amortização do respectivo crédito – se não o fizer, não concretizando a alienação do bem no prazo máximo de 5 anos, a isenção em causa caduca nos termos do artigo 11.º, n.º 6, do CIMT;

N) Acresce não se coadunar a actividade das instituições de crédito com a gestão de património imobiliário, sendo o seu exercício inclusive limitado pelo regime ínsito no artigo 112.º, n.º 1, do RGICSF;

O) Na verdade, os bens adquiridos por tais sociedades não são tidos como efectivas aquisições para efeitos de IMT, uma vez que o seu destinatário final não é a instituição de crédito (ou a sociedade, directa ou indirectamente, dominada por instituições de crédito), ocorrendo tais aquisições tão-somente no contexto de prossecução da respectiva actividade financeira e com vista à recuperação dos respectivos créditos;

P) Do exposto resulta não pressupor a operação subjacente à isenção de IMT em apreço a criação de qualquer riqueza, apenas visando, no contexto do sistema financeiro, a recuperação de créditos por instituições de crédito (ou por sociedades, directa ou indirectamente, dominadas por instituições de crédito) através da aquisição (e posterior alienação) de imóveis resultantes de incumprimentos contratuais;

Q) Perante o fim inequivocamente visado pela isenção em referência, a posição assumida pelo Douto Tribunal a quo na sentença recorrida revela-se totalmente desenquadrada do âmbito do artigo 8.º do CIMT e do seu papel no contexto da actividade do sector financeiro;

R) Esse desenquadramento é manifesto quando se constata que conduz directamente à exclusão da Recorrente do campo de aplicação da norma, o que se mostra inaceitável, na medida em que a Recorrente foi constituída por acto legislativo precisamente para desenvolver a actividade de recuperação e aquisição de créditos cuja protecção constitui o escopo inequívoco do artigo 8.º do CIMT;

S) Com efeito, a Recorrente foi criada enquanto empresa pública pelo Decreto n.º 10/78, de 19 de Janeiro – tendo sido transformada em sociedade anónima pelo Decreto-Lei n.º 250/82, de 26 de Junho –, com o intuito de dotar o sistema financeiro português de uma entidade detida pelas várias instituições de crédito que se dedicasse exclusivamente à aquisição e recuperação de créditos das suas accionistas, como igualmente transparecia do artigo 4.º dos seus estatutos sociais;

T) Nestes termos, a Recorrente, na qualidade de sociedade financeira – como tal expressamente feita constar do artigo 6.º, n.º 2, do RGICSF –, adquiriu, desde a sua criação, o crédito malparado dos bancos que nela participavam e, subsequentemente, através de actos de dação em cumprimento, os imóveis oferecidos pelos devedores a título de garantia, sempre com o intuito de maximizar a recuperação desses créditos, não tendo exercido, por conseguinte, qualquer actividade imobiliária geradora de riqueza e, consequentemente, passível de ser tributada em sede de IMT;

U) Por outro lado, para efeitos de salvaguarda do fim visado pela isenção em presença, mostra-se desprovido de fundamento aplicar um tratamento diferenciado às sociedades adquirentes do crédito consoante a participação dominante (superior a 50% do capital) nelas detida por instituições de crédito seja singular ou conjunta;

V) O que se pretende com a exigência de que o capital das sociedades comerciais que beneficiam da isenção do artigo 8.º do CIMT seja directa ou indirectamente dominado por instituições de crédito é garantir a inclusão de tais sociedades, em substância, no âmbito do sector financeiro, uma vez que é apenas nele que encontra justificação a isenção;

W) Por outras palavras, inexiste razão válida que justifique a aplicação da isenção de IMT prevista no artigo 8.º do CIMT quando aquela sociedade seja dominada por uma única instituição de crédito e, em simultâneo, que permita pugnar pelo seu afastamento quando a relação de domínio derive de uma detenção conjunta por instituições de crédito do capital da sociedade;

X) Por outro lado, o regime do artigo 101.º, n.º 1, do RGICSF, concorre muito claramente para a existência de situações de domínio partilhado, reforçando a conclusão de que o campo de aplicação do artigo 8.º do CIMT pode abranger situações em que instituições de crédito detêm em conjunto a maioria do capital das sociedades adquirentes dos imóveis;

Y) Perante o acima exposto, entende a Recorrente não ser admissível a aplicação do disposto no artigo 8.º, n.os 2, alínea b), e 3, do CIMT à luz dos artigos 486.º do CSC e 13.º do RGICSF;

Z) Por tudo quanto ficou exposto, requer-se ao Douto Tribunal ad quem que julgue procedente o presente recurso, revogando a decisão recorrida com fundamento em erro de julgamento por incorrecta aplicação do regime ínsito no artigo 8.º, n.os 2, alínea b), e 3, do CIMT;

AA) No cenário do Douto Tribunal ad quem julgar procedente o presente recurso, a Recorrente terá direito ao reembolso do imposto que indevidamente suportou, no montante global de EUR 51.000,61, à luz do disposto nos artigos 47.º, n.os 1 e 2, do CPTA e 100.º da LGT;

BB) Por outro lado, terá igualmente direito à percepção de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, aplicável ex-vi artigo 46.º, n.º 3, do CIMT, a computar desde 7 de Agosto de 2009 (quanto ao montante de EUR 17.864,96) e 21 de Janeiro de 2010 (quanto ao montante de EUR 33.135,65) e até efectivo e integral pagamento do montante sub judice;

CC) Ademais, em prol da reintegração completa da ordem jurídica violada e da salvaguarda do princípio geral de Direito que determina a obrigação de apagamento de todos os efeitos jurídico-práticos consequentes de uma actuação ilícita (cfr. artigo 562.º do CC), impenderá sobre a Administração Tributária um dever de reconstituição da situação actual hipotética que não se esgotará no pagamento dos quantitativos supra, pressupondo de igual modo o reembolso dos honorários suportados pela Recorrente com o patrocínio da acção em referência (incluindo do presente recurso), montante a determinar em sede de execução de sentença;

DD) Em consequência, requer-se ao Douto Tribunal ad quem que, perante o erro de julgamento acima identificado, diligencie pela revogação da sentença recorrida, condenando a Administração Tributária à emissão de acto de deferimento do pedido de isenção de IMT, no montante de EUR 51.000,61, apresentado ao abrigo do artigo 8.º, n.os 2, alínea b), e 3, do CIMT, e em consequência ao reembolso de tal quantitativo acrescido de juros indemnizatórios e da quantia suportada a título de honorários com o patrocínio da acção supra identificada (incluindo do presente recurso), tudo com as demais consequências legais.

Nestes termos e nos demais de Direito que esse Douto Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, incluindo-se na matéria de facto dada como provada os factos oportunamente enunciados e revogando-se, por enfermar de erro de julgamento, a sentença recorrida nos termos e com os fundamentos acima e oportunamente expostos, tudo com as demais consequências legais.

Na exacta medida da procedência do presente recurso, requer-se a esse Douto Tribunal a condenação da Fazenda Pública no pagamento de custas de parte nos termos do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais, tudo com as demais consequências legais.”


***

A Recorrida devidamente notificada, para o efeito, apresentou contra-alegações, com o seguinte teor:

“A- É interposto o presente recurso jurisdicional da douta sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 15.12.2021, que julgou totalmente improcedente o pedido de anulação do Despacho do Subdirector-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, datado de 08.07.2013, que indeferiu o pedido de isenção de IMT relativa a 2009 e 2010, no valor de € 51.000,61.

B- Nenhuma crítica merece o entendimento sufragado pela sentença a quo, que está largamente evidenciado na fundamentação de direito que a douta sentença recorrida, tendo por base os factos provados, procedeu a uma interpretação integrada do elemento literal, sistemático e teleológico do art. 8º do CIMT, designadamente do seu nº3.

C- No que respeita ao pedido de aditamento da matéria de facto, sempre se dirá em suma que o mesmo não deve ser admitido porque a matéria de facto constante dos autos é suficiente, e porque a Recorrente não indica em que medida a decisão errou na interpretação da matéria de facto, nomeadamente de que modo os factos cujo aditamento pretende conduziriam a uma decisão diferente, tudo nos termos do artigo 662 n.º 1 e nº2 c) e n.º1 do artigo 640º ambos do CPC .

D- Quanto aos restantes fundamentos do recurso cumpre destacar que, a douta decisão seguiu o entendimento de que o artº 8º do CIMT é uma norma de isenção que tem como destinatários apenas as instituições de crédito ou sociedades comerciais cujo capital seja directa ou indirectamente por aquelas dominado (âmbito subjectivo), que tem por objecto as aquisições que sejam destinadas a realizar créditos concedidos ou fianças prestadas e quando ocorram em processo de execução, em processo de falência ou de insolvência, por dação em cumprimento, desde que, neste caso, sejam cumpridos os requisitos adicionais quanto à natureza dos imóveis abrangidos, à antiguidade do incumprimento por parte do devedor e à inexistência de relações especiais entre o credor e o devedor (âmbito objectivo – nº1 e 2 do art. 8 do CIMT).

E- E o nº 3 do art. 8º do CIMT prevê uma restrição à aplicação da isenção, quer ao abrigo do nº1 quer do nº 2 do mesmo preceito legal, sempre que sejam adquirentes sociedades directa ou indirectamente dominadas pelas instituições de crédito condicionando a que tais aquisições tenham sido precedidas por cessão de crédito ou fiança efectuadas pelas mesmas instituições de crédito àquelas sociedades comerciais.

F- Os pressupostos da isenção de IMT dos nºs 1 e 2 do art. 8º do CIMT, aprovado pelo DL 287/2003, de 12 de Novembro, são os mesmos do nº 20 do art. 11º do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CSISD), designadamente com o aditamento do § único do nº 20, no sentido de aproximação da actual redacção do nº3 do art. 8º do CIMT, como se evidencia a fls 6,7,8, 9 e 10 do Parecer nº 4/ 2013, de 11.03.2013, emitido pelo Centro de Estudos Fiscais da AT e que sustentou a fundamentação do despacho de indeferimento do pedido de isenção em causa, ao reportar-se ao elemento histórico de interpretação do art. 8º do CIMT.

G- Para as instituições financeiras beneficiarem da isenção de IMT, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 8º do CIMT, continuou a ser exigível que a), as adquirentes sejam sociedades sejam instituições de crédito ou sociedades cujo capital seja directa ou indirectamente dominado por aquelas instituições, b), que a aquisição se efectue e processo de execução movido por aquelas entidades ou outro credor em processo de falência ou insolvência ou ainda mediante dação em pagamento e c), que na aquisição efectuada por sociedades dominadas por instituições de crédito a isenção só opera se tiver havido cessão de crédito das mesmas instituições àquelas sociedades., como referem F. Pinto Fernandes e Outro, CSISD, Anotado e Comentado, Rei dos livros, 3ª Ed., 1993, p. 206, citado no Parecer indicado no despacho visado nos autos.

H- O nº3 do art. 8º do CIMT corresponderá a um mecanismo técnico de “transparência fiscal” em operações em que as instituições de crédito acedem ao património imobiliário dos seus devedores, sem que essa transferência de titularidade estivesse prevista ab initio ou possa revestir minimamente a natureza de investimentos imobiliários, como refere o citado parecer do CEF.

I- Com efeito, a ratio da isenção consiste em beneficiar as aquisições destinadas a realizar créditos originários de operações de crédito levadas a cabo por instituições financeiras, impedindo que tal benefício se alargue às aquisições que essas instituições façam, mas que não tenham origem nesse tipo de operações, como se sublinharia no Acórdão do STA, de 29 de Novembro de 2000, sobre o nº20 do art. 11º do CSISD.

J- Os requisitos essenciais da isenção de IMT são, em suma, a prévia concessão de crédito e a natureza das instituições que o concederam.

K- Os créditos que se pretendem extinguir com a transmissão de imóveis têm de ter origem em operações levadas a cabo por uma instituição de crédito ou sociedade por ela dominada, sem que exista a intenção de adquirir o imóvel, mas apenas uma forma de liquidar a dívida existente.

L- Daí a conexão entre a entrega de imóveis e os créditos ou fianças anteriormente prestadas ao devedor exigida na lei ao referir que as entregas de imóveis têm de se destinar à realização de créditos resultantes de empréstimos ou fianças prestadas pelas entidades destinatárias de tais imóveis.

M- As isenções de IMT previstas nos nº1 e 2 do art. 8º do CIMT para as aquisições em processos de execução, falência ou insolvência e mediante dação em cumprimento, tem como pressuposto a existência de uma relação subjacente de crédito entre um credor originário, que adquire os imóveis para realizar o seu crédito, e um devedor, que transfere os imóveis como meio de cumprimento total ou parcial da sua dívida.

N- Para efeito de isenção de IMT, só relevam os negócios posteriores com uma evidente ligação à relação creditícia inicial. Ou seja: nas situações em que a instituição credora utilize as estruturas próprias para a recuperação desse crédito sem extravasar o âmbito de um determinado grupo financeiro - não sendo o credor originário que adquire os imóveis, há-de ser uma sociedade com o mesmo objecto social e dominada por aquele.

O- Nessa medida, o benefício não abrange as situações em que as instituições de crédito optem por alienar créditos vencidos a favor de entidades externas especializadas em recuperações de créditos, ainda que estas sejam, elas próprias, qualificadas como instituições de crédito ou sociedades financeiras.

P- É neste preciso conspecto que se encontra a ratio do nº3 do art. 8º do CIMT, que afasta o benefício da isenção quando se esteja perante aquisições em que o beneficiário/adquirente não é o credor originário da dívida que se pretende liquidar quer em processos de execução, de falência ou insolvência, quer mediante dação em cumprimento.

Q- O nº3 do art. 8º consubstancia assim uma claúsula específica anti-abuso com vista a evitar operações de “sucessão” de credores que obstem à tributação de IMT e deverá interpretar-se no sentido de apenas admitir a operação passível de isenção de IMT quando, cumulativamente, o adquirente for uma instituição de crédito ou uma sociedade financeira, dominado por instituições financeiras de crédito, e a aquisição visar a realização de um crédito ou fiança anteriormente cedidos ao adquirente pela mesma instituição de crédito que o domina.

R- Tal como é propugnado e bem, na douta sentença recorrida, na interpretação da norma fiscal, há que atender ao disposto no nº 2 do art. 11º da Lei Geral Tributária que refere “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei”.

S- Contrariamente ao entendimento propugnado pela Recorrente, não é possível afastar o conceito de domínio contido no nº 1 art. 486º do Código das Sociedades e Empresas Comerciais (CSC.), em que se considera que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante, pode exercer, directamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 486º, nº2 sobre a outra uma influência dominante.

T- Nenhuma sustentação legal poderá ter uma interpretação do nº 3 do art. 8.º do CIMT que afaste o conceito de domínio previsto no artigo 486.º, n.º 2 do CSC.

U- O entendimento de a relação de domínio prevista no artigo 8.º do CIMT poder derivar de uma participação conjunta de instituições de crédito, bastando que mais de 50% do capital da sociedade adquirente seja detido por essas instituições, poderá interessar à Recorrente para poder beneficiar da isenção em causa, mas não tem seguramente suporte na letra ou no fim gizado pela norma.

V- É que o conjunto das instituições bancárias que compõem o capital social da F... não tiveram qualquer interferência no acto de transmissão sujeito a IMT, pelo que não assumem qualquer relevância para aferir os pressupostos da norma de isenção que afasta a tributação.

W- Sendo que, no caso dos autos, e como bem sustentou a decisão recorrida, o B…, S.A. é detentor de 87.850 acções, que corresponde a 1,588% do capital social da F…, pelo que também não há a relação de domínio com a Recorrente exigida pelo nº 3 do art. 8º do CIMT.

X- Por outro lado, é de referir que a interpretação acolhida pela sentença recorrida encontra-se consolidada, uma vez que o requisito do nº3 do art. 8º do CIMT já constar do n.º 20 do artigo 11.º Código da Sisa, como notam J.Silvério Mateus e L. Curvelo de Freitas, no Código do CIMT Anotado, Engifisco. 1.ª edição, pág. 391, ao invés do que parece pretender a Recorrente ao aludir a uma inversão do entendimento da administração fiscal.

Y- Por tudo o exposto, a sentença recorrida, ao decidir como decidiu, não incorreu em qualquer erro de julgamento passível de abalar a sua legalidade, devendo ser mantida.

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional interposto, mantendo-se a sentença recorrida, com todas as legais consequências.”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) junto deste Tribunal, foi notificado ao abrigo do disposto no artigo 146.º, nº1, do CPTA.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

1. A Autora é uma sociedade parabancária, constituída sob a forma de sociedade anónima, que tem como objecto principal “… o exercício de actividades de natureza parabancária respeitantes à aquisição e recuperação de créditos incluindo a gestão de participações sociais e de patrimónios cuja titularidade lhe advenha por virtude dos mecanismos legais e convencionais de cobrança de créditos e a promoção do investimento em projectos e empresas com vista à valorização e ulterior alienação daqueles activos” (cfr. estatutos da Autora, de fls. 40 a 52 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

2. A Autora tem o capital social de € 27.669.380,00, o qual encontra-se distribuído por “





” (cfr. composição do capital social da Autora, de fls. 54 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

3. No dia 19 de Março de 2009, J… e D…, em representação do B…, SA, na qualidade de primeiros outorgantes, e M… e P…, em representação da Autora, na qualidade de segundos outorgantes, celebraram, entre si, um contrato de «CESSÃO DE CRÉDITOS», onde ficou estipulado, designadamente, que “(…)


(…)





(…)” (cfr. escritura pública, de fls. 56 a 62 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

4. Do documento complementar ao contrato descrito no ponto antecedente consta, designadamente, que “(…)



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(…)” (cfr. extracto do documento complementar, de fls. dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

5. No dia 06 de Agosto de 2009, deu entrada, junto dos serviços da administração tributária, um requerimento da Autora, sob o assunto «Pedido de isenção de pagamento de IMT ao abrigo do disposto nos artigos 8.º e 10.º do Código do Imposto sobre as Transmissões Onerosas de imóveis (DL n.º 287/2003, de 12 de Novembro de 2003)», em relação à aquisição, por dação em pagamento, das fracções autónomas designadas pelas letras “B”, “C”, “D”, “E”, “H” e “M” do prédio urbano sito na Avenida d..., freguesia de Vila Cova da Lixa, concelho de Felgueiras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras, sob o n.º 1…, e inscrito na respectiva matriz, sob o artigo n.º 1…, assim como das fracções autónomas designadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “H”, “J”, “L”, “M”, “N”, “O”, “P”, “Q”, “R”, “S”, “U”, “V”, “X”, “Z”, “AA”, “AB”, “AC” e “AE” do prédio urbano sito na Avenida D… e na Avenida d…, freguesia de Vila Cova de Lixa, concelho de Felgueiras, descrito na Conservatória do Registo Predial Felgueiras, sob o n.º 1…, e inscrito na respectiva matriz, sob o artigo n.º 1…, no valor global atribuído de € 1.295.300,00 (cfr. pedido e data de entrada aposta nesse pedido, de fls. 26 a 34 do processo administrativo tributário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

6. No dia 07 de Agosto de 2009, os serviços da administração tributária emitiram o documento n.º 160009018376303, em nome da Autora, relativo a IMT, no valor a pagar de € 17.864,96, onde se pode ler, designadamente, que “(…)



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(…)” (cfr. documento, de fls. 314 a 318 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

7. Na mesma data, a Autora pagou o IMT indicado no documento descrito no ponto antecedente (cfr. selo aposto no documento, de fls. 314 a 318 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

8. Na mesma data, M…, em representação da sociedade R…– Imobiliária, Lda., na qualidade de primeiro outorgante, e M… e P…, em representação da Autora, na qualidade de segundos outorgantes, celebraram entre si um contrato de «Dação em Pagamento», onde ficou estipulado, designadamente, que “(…)





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(…)” (cfr. escritura pública, de fls. 64 a 74 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

9. No dia 20 de Janeiro de 2010, os serviços da administração tributária emitiram o documento n.º 160610001734003, em nome da Autora, relativo a IMT, no valor a pagar de € 33.135,65, onde se pode ler, designadamente, que “(…)





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(…)” (cfr. documento, de fls. 319 a 321 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

10. No dia 21 de Janeiro de 2010, a Autora pagou o IMT indicado no documento descrito no ponto antecedente (cfr. selo aposto no documento, de fls. 319 a 321 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

11. Na mesma data, M..., em representação da sociedade R… – Imobiliária, Lda., na qualidade de primeiro outorgante, e M… e P…, em representação da Autora, na qualidade de segundos outorgantes, celebraram entre si um contrato de «Dação em Pagamento», onde ficou estipulado, designadamente, que “(…)




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(…)

(…)” (cfr. escritura pública, de fls. 75 a 83 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

12. No dia 09 de Abril de 2013, a Direcção de Serviços do IMT, da Autoridade Tributária e Aduaneira, elaborou uma informação, onde se pode ler, designadamente, que “(…)





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(…)” (cfr. informação, de fls. 371 a 376 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

13. Sobre a informação descrita no ponto antecedente recaiu um despacho do Subdirector-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, datado de 08 de Julho de 2013, no sentido de “Indefiro nos termos propostos (…)” (cfr. despacho, de fls. 371 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

14. Através do ofício n.º 07899, datado de 19 de Julho de 2013, os serviços da administração tributária comunicaram à Autora a decisão descrita nos pontos antecedentes (cfr. ofício, de fls. 371 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

15. No dia 06 de Novembro de 2013, a Autora entregou, junto este Tribunal, a presente acção administrativa especial (cfr. registo do SITAF, de fls. 01 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

16. Através do ofício n.º 111, de 26 de Janeiro de 2009, a Direcção de Serviços do IMT, da Autoridade Tributária e Aduaneira, comunicou à Autora, designadamente, que “(…)




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(…)” (cfr. ofício, de fls. 395 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

17. Através do ofício n.º 2985, de 12 de Outubro de 2015, a Direcção de Serviços do IMT, da Autoridade Tributária e Aduaneira, comunicou à Autora, designadamente, que “(…)


(…)” (cfr. ofício, de fls. 843 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


***


A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Nada mais foi provado com relevância para a decisão em causa, atentos os pedidos e as causas de pedir.”


***


Mais ficou consignado que: “a convicção do tribunal sobre a matéria de facto dada como provada assentou no exame crítico dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo tributário, em apenso, tudo conforme foi especificado a propósito de cada um dos pontos do probatório, sendo certo que nenhum dos referidos documentos foi objecto de impugnação por qualquer uma das partes, nos termos dos arts. 444.º e 446.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por remissão sucessiva do art. 97.º, n.º 2, do CPPT e do art. 1.º do CPTA.”

***


III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal tributário de Lisboa, que julgou improcedente a AAE, interposta contra o despacho do Subdiretor-geral da ATA, datado de 08 de julho de 2013, que indeferiu o pedido de isenção de IMT, relativo aos períodos de tributação de 2009 e 2010, no valor global de € 51.000,61.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, ao ter sentenciado pela manutenção do ato administrativo impugnado, competindo, assim, aferir:

ü Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, na medida em que não valorou factualidade relevante, alegada na p.i. e suportada em prova documental;

ü Cometeu erro de julgamento, porquanto estão reunidos os pressupostos para a concessão da isenção plasmada no artigo 8.º, do CIMT, na medida em que:

o O conceito de domínio não pode ter um âmbito tão redutor, e confinado, exclusivamente, ao CSC;

o A interpretação conferida desvirtua a letra e a ratio legis do preceito legal, colidindo com a neutralidade que subjaz ao IMT;

o Ocorre um tratamento desfavorável e desigual.

Vejamos, então.

Comecemos pelo erro de julgamento de facto.

A Recorrente começa por evidenciar que o Tribunal a quo incorreu erro de julgamento de facto, na medida em que descurou factualidade assente por prova documental, requerendo o seu aditamento, conforme infra se enumera:

i.) Entre a Autora e a sociedade R… – IMOBILIÁRIA, LDA. não existem relações especiais na acepção do artigo 58.º, n.º 4, do Código do CIRC (actual artigo 63.º, n.º 4, do mesmo código) – cfr. artigo 6.º da petição inicial;

ii.) Por ofício n.º 2.311, de 16 de Junho de 2011, da Direcção de Serviços do IMT, a Autora foi notificada para prestar esclarecimentos sobre o referido pedido de isenção de IMT - cfr. artigo 8.º da petição inicial e documento n.º 7 junto a esta;

iii.) Por requerimento de 1 de Julho de 2011, a Autora prestou os esclarecimentos solicitados - cfr. artigo 9.º da petição inicial e documento n.º 8 junto a esta;

iv.) Por ofício n.º 3.796, de 16 de Novembro de 2012, a Direcção de Serviços do IMT notificou a Autora do projecto de decisão de indeferimento do pedido de isenção de IMT, sustentando pressupor a aplicação do artigo 8.º, n.º 3, do CIMT uma relação de domínio, na acepção do artigo 486.º do CSC, inexistente entre o B…, S.A. e a Autora, na medida em que aquele detinha apenas uma participação de 1,588%, correspondente a 87.850 acções, no capital social da Autora - cfr. artigos 10.º e 11.º da petição inicial e documento n.º 9 junto a esta;

v.) A 29 de Novembro de 2012, a Autora exerceu o seu direito de audição prévia, tendo invocado o preenchimento da totalidade dos requisitos da isenção previstos no artigo 8.º do CIMT - cfr. artigo 12.º da petição inicial e documento n.º 10 junto a esta;

vi.) Por discordar e não se conformar com o indeferimento do pedido de isenção de IMT, a Autora interpôs recurso hierárquico a 21 de Agosto de 2013 e, subsequentemente, apresentou a acção administrativa especial a 11 de Novembro de 2013;

Vejamos.

Ora, se o que está em causa é o Tribunal a quo ter errado o seu julgamento de facto, cumpre ter em conta a tramitação processual atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC, ex vi artigo 140.º, nº3 do CPTA:

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (1-António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.).

No caso vertente, não obstante a Recorrente estruture os factos que pretende aditar, e convoque o respetivo meio probatório, a verdade é que nada explicita quanto às razões da sua pertinência, o que per se, obstaculiza ao cumprimento dos aludidos pressupostos legais.

Sem embargo do exposto, sempre se dirá que a factualidade supra expendida, não obstante se encontrar suportada em prova documental, não reveste relevo para o caso sub judice. Com efeito, a primeira asserção de facto consubstancia uma realidade não controvertida e que não impacta, conforme veremos, em qualquer uma das soluções jurídicas a atender, e as asserções constantes em ii) a v) reportam-se a esclarecimentos e exercícios de audição que em nada relevam para o litígio em contenda, sendo certo que o ato administrativo de indeferimento e a concreta fundamentação contemporânea se encontra plasmada no probatório, concretamente em 12) a 14).

Note-se, neste concreto particular, que o dever de reapreciação da prova por parte deste Tribunal ad quem apenas existe no caso de o Recorrente respeitar os ónus previstos no citado normativo, e, para além disso, a matéria em causa se afigurar relevante para a decisão final do litígio.

De relevar, in fine, que a asserção contemplada em vi) já se encontra contemplada no acervo probatório dos autos, concretamente em 15).

Face a todo o exposto, rejeita-se a impugnação da matéria de facto.

Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto, importa, então aferir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito.

Vejamos, então.

A Recorrente alega que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que inversamente ao entendimento preconizado na decisão recorrida, a isenção de IMT em contenda não tem subjacente uma relação de domínio entre a sociedade cedente e a cessionária, na acepção dos artigos 486.º do CSC.

Densifica, para o efeito, que o conceito de domínio previsto no artigo 8.º do CIMT não coincide necessariamente com o conceito utilizado no Título VI do CSC no contexto da coligação de sociedades, sendo certo que o escopo de aplicação deste último se cinge à regulação das relações que entre si estabelecem as sociedades comerciais.

Extrapolando, assim, que o visado conceito de domínio não se restringe a uma relação entre duas sociedades, permitindo assim que sociedades como a Recorrente, integradas no sistema financeiro português por serem sociedades financeiras exclusivamente detidas por instituições de crédito, beneficiem da isenção em causa sem que para tal tenham que ser detidas em mais de 50% por uma única instituição de crédito.

Advoga, adicionalmente, que este entendimento é o que melhor se enquadra na ratio da isenção em referência, a qual serve o propósito de garantir a neutralidade em sede de IMT de aquisições que, pela natureza dos seus intervenientes e pelo contexto em que ocorrem, não traduzem qualquer manifestação de riqueza.

Releva, in fine, que inexiste fundamento legal para aplicar um tratamento diferenciado às sociedades adquirentes do crédito consoante a participação dominante (superior a 50% do capital) nelas detida por instituições de crédito seja singular ou conjunta.

Dissente a Impugnada, propugnando pela manutenção da decisão recorrida, que procedeu a uma adequada transposição do regime normativo para o caso vertente.

Sufraga, neste âmbito, que nenhuma censura merece o entendimento constante na decisão recorrida, que perfilhou o entendimento de que o artigo 8.º do CIMT é uma norma de isenção que tem como destinatários apenas as instituições de crédito ou sociedades comerciais cujo capital seja direta ou indiretamente por aquelas dominado (âmbito subjetivo), que tem por objecto as aquisições que sejam destinadas a realizar créditos concedidos ou fianças prestadas e quando ocorram em processo de execução, em processo de falência ou de insolvência, por dação em cumprimento, desde que, neste caso, sejam cumpridos os requisitos adicionais quanto à natureza dos imóveis abrangidos, à antiguidade do incumprimento por parte do devedor e à inexistência de relações especiais entre o credor e o devedor (âmbito objetivo nº1 e 2 do artigo 8 do CIMT).

Sendo que o nº 3, do artigo 8.º do CIMT prevê uma restrição à aplicação da isenção, quer ao abrigo do nº1 quer do nº 2 do mesmo preceito legal, sempre que sejam adquirentes sociedades direta ou indiretamente dominadas pelas instituições de crédito condicionando a que tais aquisições tenham sido precedidas por cessão de crédito ou fiança efetuadas pelas mesmas instituições de crédito àquelas sociedades comerciais.

Concluindo, assim, que contrariamente ao entendimento propugnado pela Recorrente, não é possível afastar o conceito de domínio contido no nº 1 artigo 486.º do CSC, logo sendo o B…,S.A. detentor de 87.850 ações, que corresponde a 1,588% do capital social da F…, não há a relação de domínio com a Recorrente exigida pelo nº 3 do artigo 8º do CIMT.

Apreciando.

Comecemos, ora, por ter presente a fundamentação jurídica que esteou a improcedência da ação.

O Tribunal a quo começa por aderir à fundamentação jurídica constante no Acórdão deste TCAS, prolatado no processo nº 2030/13, datado de 30 de setembro de 2021, com similitude fático jurídica com os presentes autos, e após tecer considerandos de direito quanto ao normativo em questão, aduz que:
“[n]ão estão aqui em causa verdadeiras aquisições onerosas de imóveis, mas outrossim a liquidação ou amortização de dívidas contraídas por particulares junto de instituições de crédito, na sequência de os mesmos terem entrado numa situação de incumprimento (vide Carlos Paiva e Mário Januário, in Os Benefícios Fiscais nos Impostos sobre o Património, 2014, Almedina, pág. 146).
Essa liquidação ou amortização faz-se mediante a entrega de imóveis de que os particulares sejam titulares, promovendo-se assim a rápida satisfação dos interesses dos credores e o regresso à normalidade da vida e/ou actividade dos devedores, ao invés de se aguardar pela liquidação do respectivo património e pela posterior aplicação do produto da respectiva venda às dívidas em questão, com todas as consequências nefastas que daí advêm.
Assim se compreende que o legislador tenha procurado desonerar estas operações do pagamento do IMT, mediante a consagração da isenção deste imposto. (…)
Por conseguinte, para efeitos de aplicação da referida isenção deve considerar-se que as sociedades em questão estão numa relação de domínio quando a instituição de crédito concedente do crédito que se visa liquidar ou amortizar, dita dominante, pode exercer, directamente ou por meio de sociedades ou pessoas que preencham os requisitos previstos no art. 483.º, n.º 2, do CSC, sobre a outra instituição de crédito ou sociedade financeira, dita dominada, uma influência dominante, o que é de presumir quando aquela instituição de crédito, directa ou indirectamente, detém uma participação maioritária no capital social desta instituição ou sociedade ou dispõe de mais de metade dos direitos de voto ou tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou de fiscalização.
Em suma, tudo se deve passar como se a instituição de crédito ou sociedade financeira cessionária fosse uma longa manus da instituição de crédito cedente, com vista à liquidação e amortização dos créditos cedidos.
Todas as demais situações estão excluídas do âmbito da isenção prevista no art. 8.º do CIMT, sob pena de se frustrarem os fins inerentes à sua criação.”

Conclui, depois, mediante transposição do acervo fático dos autos que:
“[n]ão se extrai dos autos que a Autora estivesse então sujeita a uma influência dominante por parte do B…, SA, nos moldes previstos no art. 486.º, n.ºs 1 e 2, do CSC, aplicável ex vi do art. 8.º do CIMT e do art. 11.º, n.º 2, da LGT, porquanto o mesmo era detentor de apenas 1,588 % do capital social da Autora, não tendo sido alegado ou sequer demonstrado que esse tipo de influência pudesse ser exercido pelo B…, SA por outra via (cfr. ponto n.º 2 do probatório).
Deste modo, impõe-se concluir que não estão reunidos todos os pressupostos para a Autora possa beneficiar da isenção de IMT, prevista no art. 8.º, n.ºs 2, als. a) e b), e 3, do CIMT, ao contrário do que a mesma pretende, devendo, em consequência, manter-se na respectiva esfera jurídica o despacho do Subdirector-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, datado de 08 de Julho de 2013, no sentido do indeferimento do pedido de isenção de IMT formulado pela Autora, em relação à aquisição dos referidos imóveis, por dação em pagamento, ao abrigo das citadas disposições legais, assim como as liquidações de IMT que incidiram sobre essas mesmas aquisições, no valor total a pagar de € 51.000,61 (cfr. pontos n.ºs 1 a 13 do probatório).
De notar que a esta conclusão não obsta a circunstância da totalidade do capital social da Autora ser detido por instituições de crédito, uma vez que o que releva para efeitos de aplicação da isenção prevista no art. 8.º do CIMT é que a instituição de crédito cedente do crédito liquidado ou amortizado através da entrega de imóveis em dação em pagamento, ou seja, no caso sub judice, o B…, SA, exerça de per si uma influência dominante sobre a Autora, enquanto entidade cessionária desse crédito, nos moldes previstos no art. 486.º, n.ºs 1 e 2, do CSC, aplicável ex vi do art. 8.º do CIMT e do art. 11.º, n.º 2, da LGT, o que, como já se viu, não se verifica no caso dos presentes autos (cfr. ponto n.º 2 do probatório).
Também não obsta o facto de a administração tributária ter, anteriormente, deferido os pedidos de isenção de IMT formulados pela Autora, pois que ainda que os mesmos se reportem a situações idênticas à dos presentes autos, sempre seria de fazer aqui notar que não há direito à igualdade na ilegalidade (vide acórdãos do STA, de 30.01.2003, processo n.º 01106/02, e, de 06.12.2018, processos n.ºs 01062/08 e 0404/18) (cfr. pontos n.ºs 16 e 17 do probatório).”

E a verdade é que, face ao exposto, não se vislumbra o aduzido erro de julgamento tendo o Tribunal a quo, interpretado adequada e acertadamente o quadro normativo com acertada transposição para o caso vertente.

Senão vejamos.

Preceitua o artigo 8.º do CIMT, sob a epígrafe de “isenção pela aquisição de imóveis por instituições de crédito”, com a redação à data da prática dos factos tributários que:
“1 -São isentas do IMT as aquisições de imóveis por instituições de crédito ou por sociedades comerciais cujo capital seja direta ou indiretamente por aquelas dominado, em processo de execução movido por essas instituições ou por outro credor, bem como as efetuadas em processo de falência ou de insolvência, desde que, em qualquer caso, se destinem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.
2- A isenção prevista no número anterior é ainda aplicável às aquisições de imóveis por entidades nele referidas, desde que a entrega dos imóveis se destine à realização de créditos resultantes de empréstimos ou fianças prestadas, nos termos seguintes:
a) Nas aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas destes exclusivamente destinados a habitação, que derivem de atos de dação em cumprimento;
b) Nas aquisições de prédios ou de frações autónomas destes não abrangidos no número anterior, que derivem de atos de dação em cumprimento, desde que tenha decorrido mais de um ano entre a primeira falta de pagamento e o recurso à dação em cumprimento e não existam relações especiais entre credor e devedor, nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do CIRC.
3 - No caso de serem adquirentes sociedades direta ou indiretamente dominadas pelas instituições de crédito, só há lugar à isenção quando as aquisições resultem da cessão do crédito ou da fiança efetuadas pelas mesmas instituições àquelas sociedades comerciais e desde que estas sociedades sejam qualificadas como instituições de crédito ou como sociedades financeiras.”

Daqui resulta, portanto, que beneficiam de uma isenção de IMT as aquisições de imóveis por parte de instituições de crédito que as destinem à realização de créditos resultantes de empréstimos concedidos ou de fianças prestadas, desde que efetuadas em processo de execução movido por essas instituições ou por outro credor ou, ainda, em processo de falência ou de insolvência.

Sendo que, é alargado o âmbito da aludida isenção às aquisições de imóveis efetuadas pelas instituições de crédito que resultem de atos de dação em cumprimento, desde que a entrega dos imóveis se destine à realização de créditos resultantes de empréstimos ou fianças prestadas pelas entidades adquirentes e nos termos plasmados nesse n.º 2 da referida norma.

E bem assim, um outro alargamento do âmbito objetivo, podendo, assim, beneficiar destas isenções as aquisições de imóveis por sociedades comerciais cujo capital seja direta ou indiretamente dominado por instituições de crédito, nos termos e casos previstos na lei.

Face ao supra exposto, infere-se, assim, que o deferimento da isenção pela aquisição de imóveis por instituições de crédito pressupõe que o cedente seja uma instituição de crédito, que a aquisição do imóvel se destine à realização dos créditos cedidos e que o cessionário seja uma instituição de crédito ou uma sociedade dominada pela instituição de crédito cedente.

Ora, face ao exposto não assiste razão à Recorrente quando propugna que a interpretação do “domínio” não possa ser estabelecida em ordem ao consignado no CSC, desde logo, porque, por um lado, o normativo 11.º, nº2, da LGT preceitua de forma clara que sempre que nas normas fiscais se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei, e por outro lado, porquanto encontrando-nos perante normas que consagram benefícios fiscais as mesmas apenas são passíveis de interpretação restrita.

Com efeito, em ordem ao consignado no artigo 9.º, nº2, do CC e seguindo os ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, ter-se-á de ter como assente que o texto da lei, constitui o ponto de partida do processo hermenêutico e também um seu limite, na medida em que não é possível considerar aqueles sentidos que não tenham nas palavras da lei qualquer apoio, “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. (2-Cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, págs. 182, 188 e 189.)

Note-se que se fosse intenção deliberada do legislador estabelecer um conceito de domínio que abrangesse um conjunto alargado de sociedades tê-lo ia feito de forma expressa e inequívoca, o que, como visto não logrou fazê-lo.

Na tarefa hermenêutica não podem “distinguir-se situações que o legislador não distinguiu (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus). O intérprete – no nosso caso, em primeira linha, a AT e, em segunda linha e sindicando a actuação desta, o tribunal – não pode relevar distinções que o legislador não estabeleceu, a menos que pudesse concluir com certeza que o pensamento do legislador fora atraiçoado na redacção da norma e, assim, que se impunha uma interpretação restritiva, o que, manifestamente, não é o caso, pois inexistem indícios no sentido de que o legislador tenha dito mais do que aquilo que queria dizer (Cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 186, que refere ainda que «[o] argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessant ratione legis cessat eius dispositivo (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance) (3-In cit. Acórdão do STA, proferido no processo nº 0706/11, de 31.01.2012)”.

Ademais, e conforme demos nota anteriormente, importa ter presente que as normas de benefícios fiscais merecem tratamento autónomo porque são normas antissistemáticas por definição, estando em tensão permanente com o princípio da capacidade contributiva, que derrogam como padrão na repartição do imposto (4-Vide Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, p. 312.) . Razão pela qual, devem respeitar o princípio de interpretação declarativa, fundado, precisamente, na sua natureza excecional ou antissistemática.

Neste âmbito, e uma vez que anuímos com a fundamentação jurídica constante no Aresto do TCAS, prolatado no âmbito do processo nº 2030/13, já convocado anteriormente, e a cuja fundamentação jurídica aderiu, e bem, a decisão recorrida, transcreve-se o mesmo na parte que para os autos releva:

“(…) Recorde-se que o preceito do artigo 486.º (“Sociedades em relação de domínio”) do Código das Sociedades Comerciais [CSC] (1) estatui que: «[c]onsidera-se que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante, pode exercer, directamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483.º, n.º 2, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante (n.º 1). // Presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, directa ou indirectamente: // a) Detém uma participação maioritária no capital; // b) Dispõe de mais de metade dos votos; // c) Tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização (n.º 2)».O artigo 13.º/2º, do Regime Geral das Instituições de Créditos e Sociedades Financeiras (versão vigente) (2), determina que: «Relação de controlo ou de domínio [é] a relação que se dá entre uma pessoa singular ou colectiva e uma sociedade quando: // a) Se verifique alguma das seguintes situações: // I) Deter a pessoa singular ou colectiva em causa maioria dos direitos de voto; // II) Ser sócio da sociedade e ter o direito de designar ou de destituir mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização; // III) Poder exercer influência dominante sobre a sociedade, por força de contrato ou de cláusula dos estatutos desta; // IV) Ser sócio da sociedade e controlar por si só, em virtude de acordo concluído com outros sócios desta, a maioria dos direitos de voto; // V) Poder exercer, ou exercer efectivamente, influência dominante ou controlo sobre a sociedade; // (…)».

A questão que se suscita nos autos consiste em saber se é (ou não) pressuposto do reconhecimento da isenção em apreço que a sociedade adquirente do imóvel seja dominada pela instituição de crédito que lhe cedeu o crédito que serve de base à dação em cumprimento. Recorde-se que o despacho de indeferimento da isenção, de 08.07.2013, objecto da presente impugnação, baseou-se no entendimento segundo o qual,

«- Quando a aquisição de imóveis por parte de uma sociedade financeira ou instituição de crédito vise realizar créditos cuja titularidade jurídica lhe tenha sido anteriormente transferida, a isenção de IMT ao abrigo do artigo 8.º do Código do IMT só se afigura admissível se essa prévia transferência de créditos tiver sido contratada entre o adquirente com essa natureza e a própria instituição de crédito que o domine; // – A interposição entre o credor originário e o adquirente de imóveis (beneficiário do crédito que se pretende realizar) de uma ou mais entidades que não se encontrem numa relação de domínio com este invalida a aplicação da isenção de IMT prevista no artigo 8.º do Código do IMT».

A este propósito, da jurisprudência fiscal assente colhem-se os ensinamentos seguintes:

i) «A norma do artº 8º, nº 1 do CIMT, na redacção anterior à lei n.º 53-A/2006, de 29/12, isenta de IMT, entre outras, as aquisições de imóveis por instituições de crédito ou por sociedades comerciais cujo capital seja directa ou indirectamente por aquelas dominado e que derivem de actos de dação em cumprimento, desde que se destinem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas. // São pressupostos desta isenção por um lado, o facto de os adquirentes serem instituições de crédito ou sociedades comerciais cujo capital seja directa ou indirectamente por aquelas dominado, e por outro, a circunstância das aquisições ou ainda da dação se destinarem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas» [Acórdão do STA, de 21.03.2012, P. 0599/10].

ii) «Os requisitos contidos no artigo 8º, nº1 do CIMT, para efeitos de reconhecimento da isenção, em caso de aquisição em resultado da dação em cumprimento, eram apenas dois: por um lado, (i) os adquirentes serem instituições de crédito ou sociedades comerciais cujo capital seja directa ou indirectamente por aquelas dominado, e por outro, (ii) as aquisições ou a dação destinarem-se à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas».[ Acórdão do TCAS, de 23.03.2017, P. 06100/12]

«Numa interpretação literal, exige o n.º 3 do art.º 8º do CIMT que: i) as sociedades adquirentes dos imóveis, por via da dação em cumprimento, sejam directa ou indirectamente dominadas pelas instituições de crédito e qualificadas como instituições de créditos ou como sociedades financeiras; // ii) os créditos ou fianças a liquidar resultem de cessões efectuadas pelas mesmas instituições àquelas sociedades comerciais. // Estabelece o artigo 11º, nº2 da LGT que “Sempre que nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei”. // Assim, não é possível afastar o conceito de domínio na acepção do artigo 486º do CSC (do seu nº1 resulta que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante, pode exercer, directamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no n°2 artigo 486°, resultando do teor do n°2 que uma sociedade será dependente de uma outra quando esta, directa ou indirectamente, detiver uma participação maioritária no capital“, dispor de metade dos votos e tiver a possibilidade de designar mais de metade dos membros de administração ou do órgão de fiscalização)»

Por outras palavras ainda,«[A] ratio legis desta isenção “é beneficiar as aquisições destinadas a realizar créditos originários de operações de crédito levadas a cabo por instituições financeiras, impedindo que tal benefício se alargue às aquisições que essas instituições façam, mas que não tenham origem nesse tipo de operações” // O que releva é, portanto, a prévia concessão de crédito e a natureza das instituições que o concederam, pois são estes os requisitos essenciais desta isenção. Donde, há que garantir que os créditos que se pretendem extinguir com a transmissão de imóveis têm origem em operações levadas a cabo por uma instituição de crédito ou sociedade por ela dominada, sem que exista a intenção de adquirir o imóvel, mas apenas uma forma de liquidar a dívida existente»

Ou seja, pressuposto da isenção em apreço, é a existência de uma relação subjacente de crédito entre um credor originário (que adquire os imóveis para realizar o seu crédito) e um devedor (que transfere os imóveis, como meio de cumprimento total ou parcial da sua dívida).

Nas situações em que ocorreu cessão do crédito, objecto de dação em cumprimento, para que opere a isenção é, pois, necessário que a cedente seja uma instituição de crédito, bem assim como, é necessário que a aquisição do imóvel se destine à realização dos créditos resultantes dos empréstimos ou das fianças prestadas pelas entidades destinatárias de tais imóveis, cessionárias do crédito, as quais devem ser instituições de crédito ou sociedades dominadas pelas mesmas.

Fora de tais pressupostos, a aquisição de imóveis, no quadro da dação em pagamento, deixa de se inserir no objecto societário das sociedades prestadoras de crédito para passar a corresponder à compra e venda de imóveis, o que extravasa a razão de ser da isenção em causa.

Assim, a norma anti-abuso do artigo 8.º, n.º 3, do CIMT, estabelece como pressupostos da isenção os seguintes: i) as sociedades adquirentes dos imóveis, por via da dação em pagamento, sejam “direta ou indiretamente dominadas pelas instituições de crédito” e “qualificadas como instituições de crédito ou como sociedades financeiras”; ii) os créditos ou fianças a liquidar resultem de cessões efectuadas pelas mesmas instituições àquelas sociedades comerciais. A norma anti-abuso do artigo 8.º/3, do CIMT, assim o exige, prevenindo situações de desvio da aplicação da isenção de IMT, sobretudo quando os intervenientes da operação que se pretende isenta não sejam os credores originários da dívida que se pretende liquidar.

Em face do exposto, o acto de indeferimento da isenção de IMT [referido em 10.] não merece censura, dado que a sociedade cedente do crédito sobre entidade terceira, no caso, o Banco de Portugal, não exerce uma posição de domínio (tal como definida no artigo 486.º do CSC] sobre a sociedade adquirente do imóvel [a sociedade autora], a qual adquiriu a entidade terceira o imóvel como forma de dação em pagamento de crédito por si detido.

A necessidade de preenchimento do pressuposto referido decorre do disposto no artigo 8.º/3, do CIMT e tem, na sua base, razões que se prendem com a não utilização do mecanismo da isenção para precludir a tributação em situações em que existe efectiva aquisição e gestão de património imobiliário, por parte da sociedade adquirente, fora do núcleo do exercício da actividade de crédito bancário. Pelo que a norma assim interpretada não enferma de quaisquer preterições de princípios constitucionais em matéria de tributação.” (destaques e sublinhados nossos).

De relevar, neste concreto particular -e apartando inclusive o aduzido nas alegações de recurso- que o supracitado Acórdão, na sequência da interposição de recurso jurisdicional para o STA (processo nº 02030/13.3BELRS, de 21.04.2022, disponível em www.dgsi.pt) não foi admitido, por falta de preenchimento dos respetivos pressupostos legais, dele se extratando, na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“[ n]ão se afiguram manifestamente erradas as decisões das instâncias de modo a demandarem a admissão do recurso, por estar em causa uma claramente necessária a sua admissão para melhor aplicação do direito.

Efectivamente a solução encontrada pelas instâncias é uma solução plausível, não causa repulsa ao leitor, está devidamente fundamentada, até com apoio em jurisprudência deste Supremo Tribunal.” (destaques e sublinhados nossos).

Ora, aderindo na íntegra à fundamentação jurídica constante do citado Aresto deste TCAS, e tendo presente o recorte fático dos autos, nenhuma censura merece a decisão recorrida.

Senão vejamos, mediante concreta convocação do probatório dos autos.

Do acervo factual resulta que a Autora, ora Recorrente, é uma sociedade parabancária, constituída sob a forma de sociedade anónima, que tem como objecto principal o exercício de atividades de natureza parabancária respeitantes à aquisição e recuperação de créditos incluindo a gestão de participações sociais e de patrimónios cuja titularidade lhe advenha por virtude dos mecanismos legais e convencionais de cobrança de créditos e a promoção do investimento em projetos e empresas com vista à valorização e ulterior alienação daqueles ativos.

Mais dimanando que a mesma tem o capital social de € 27.669.380,00, o qual se encontra distribuído por onze acionistas, não detendo qualquer um deles uma posição superior a 50%, sendo que, relativamente à sociedade cedente B…, SA a mesma possui uma detenção de 1,588%.

Promanando, adicionalmente e neste conspecto, que no dia 19 de março de 2009, o B…, SA cedeu à Recorrente, designadamente, o crédito vencido que havia concedido à sociedade R…– Imobiliária, Lda., no montante total de €2.056.000,00.

E que, nessa sequência, a 07 de agosto de 2009, a sociedade R…– Imobiliária, Lda. mediante dação em pagamento da dívida supramencionada, entregou as frações autónomas designadas pelas letras “E” e “M” do prédio urbano sito na Avenida d…, freguesia de Vila Cova da Lixa, concelho de Felgueiras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras, sob o n.º 1…, e inscrito na respetiva matriz, sob o artigo n.º 1…, assim como as frações autónomas designadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “G”, “J”, “L”, “O”, “P”, “S”, “U”, “V”, “X”, “Z”, “AA”, “AB”, “AC” e “AE” do prédio urbano sito na Avenida D… e na Avenida d…, freguesia de Vila Cova de Lixa, concelho de Felgueiras, descrito na Conservatória do Registo Predial Felgueiras, sob o n.º 1…, e inscrito na respetiva matriz, sob o artigo n.º 1…, no valor global atribuído de € 796.300,00 (

E, ulteriormente, no dia 21 de janeiro de 2010, a sociedade R… – Imobiliária, Lda. mediante nova dação em pagamento da mesma dívida, procedeu à entrega das frações autónomas designadas pelas letras “B”, “C”, “D”, e “H” do prédio urbano sito na Avenida d…, freguesia de Vila Cova da Lixa, concelho de Felgueiras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras, sob o n.º 1…, e inscrito na respetiva matriz, sob o artigo n.º 1…, assim como as frações autónomas designadas pelas letras “F”, “H”, “M”, “N”, “Q” e “R” do prédio urbano sito na Avenida D… e na Avenida d…, freguesia de Vila Cova de Lixa, concelho de Felgueiras, descrito na Conservatória do Registo Predial Felgueiras, sob o n.º 1…, e inscrito na respetiva matriz, sob o artigo n.º 1…, no valor global atribuído de € 499.000,00.

Ora, tendo presente a realidade fática supra expendida, ter-se-á de concluir que a Recorrente não pode beneficiar da isenção de IMT ao abrigo do disposto no artigo 8.º, n.ºs 2, alínea b), e n.º 3, do CIMT, relativamente a aquisição de diversas frações que ingressaram no seu património por dação em pagamento, porquanto não obstante tenha adquirido o crédito saldado por via dessa dação em pagamento ao B…, SA, a verdade é que este não detém uma posição de domínio individual sobre a Recorrente, detendo apenas cerca de 1,588% do seu capital social.

Por outro lado, há que sublinhar e adensar que não obstante a Recorrente, ser detida por várias instituições de crédito, a verdade é que nenhuma delas, per se, detém mais de 50% do capital da Recorrente, não podendo, assim, ser enquadrada no âmbito da referida isenção de IMT, sob pena de ser desrespeitado um dos requisitos legalmente previstos, como visto o do domínio individual direto ou indireto do capital.

Logo, a decisão recorrida não merece a censura que lhe é endereçada, importando sublinhar, a final, que em nada se vislumbra qualquer violação do artigo 103.º da CRP, mormente, nos moldes evidenciados em K), sendo que a isenção de IMT em contenda, como visto e ora se reitera, tem como desiderato beneficiar as aquisições destinadas a realizar créditos originários de operações de crédito levadas a cabo por instituições financeiras, impedindo que tal benefício se alargue às aquisições que essas instituições façam, mas que não tenham origem nesse tipo de operações, em nada contendendo com a convocada neutralidade. E face ao supra aludido, carece, outrossim, do relevo e do alcance que lhe é conferido pela Recorrente o expendido em N) a P).

Uma nota ainda para evidenciar que inversamente ao aduzido pela Recorrente a decisão recorrida não se encontra, de todo, desenquadrada do âmbito do artigo 8.º do CIMT e do seu papel no contexto da atividade do sector financeiro, bastando, para o efeito, atentar no teor do artigo 13.º, nº2 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.

E uma nota final adicional, para sublinhar que carece de relevo o aduzido quanto ao tratamento diferenciado das sociedades adquirentes do crédito consoante a participação dominante (superior a 50% do capital) nelas detida por instituições de crédito seja singular ou conjunta, adensando-se apenas que face a todo o exposto anteriormente, há, naturalmente, que sopesar essa diferenciação, e sem que possa ser advogada qualquer violação basilar, mormente, da igualdade.

Destarte, tendo presente o juízo de entendimento supra exposto, fica, naturalmente, prejudicado o conhecimento das demais alegações de recurso, as quais versam, essencialmente, sobre considerações acessórias da sentença e cuja inocuidade é manifesta no caso vertente.

Face a todo o exposto conclui-se que a decisão recorrida não padece do erro de julgamento que lhe é assacado pela Recorrente, mantendo-se, por isso, na ordem jurídica,


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.



Lisboa, 07 de novembro de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Ana Cristina Carvalho)

(Ângela Cerdeira)