Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2379/18.9BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/04/2019
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:LEI DO ASILO
DETERMINAÇÃO DO ESTADO RESPONSÁVEL PELA ANÁLISE DO PEDIDO DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL
DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA
Sumário:
I. Ainda que do artigo 5.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho (que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de pedidos de proteção internacional apresentados num dos Estados-Membros por nacionais de países terceiros ou apátridas), apenas decorra a necessidade de se confrontar o requerente com o registo das informações que prestou, o mesmo tem de ser conjugado com o princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões, plasmado nos artigos 267.º, n.os 1 e 5, da CRP, e 12.º do CPA, e decorrente sujeição da Administração ao regime geral da audiência prévia dos interessados, plasmado nos artigos 121.º a 125.º deste último diploma legal.
II. No âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV da Lei do Asilo, se a entidade competente não faculta ao requerente de asilo o acesso à proposta de decisão, que lhe permita pronunciar-se em tempo sobre os respetivos fundamentos, incorre em violação do direito de audição prévia.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I. RELATÓRIO
Mamadou ………………………intentou ação impugnatória – tramitada como processo urgente - contra o Ministério da Administração Interna, [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras], na qual peticionou que Portugal fosse considerado como Estado-membro responsável pela análise do seu pedido de proteção internacional.
Alega, em síntese, que a decisão que considerou o seu pedido de protecção nacional inadmissível e determinou a sua transferência para Itália, violou o disposto no artigo 17.º da Lei do Asilo, por preterição de formalidades essenciais, não ter sido notificado para se pronunciar sobre o relatório, o SEF não se pronunciou sobre a situação atual dos refugiados em Itália e verificação do artigo 3.º, 2.º parágrafo, do Regulamento (EU) nº 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, bem como ter cessado a responsabilidade italiana para apreciar o seu pedido segundo o artigo 13.º, n.º 1, do mencionado Regulamento.
Citado, o SEF apresentou resposta, na qual invoca, em síntese, que a decisão tomada foi de encontro às normas legais vigentes em matéria de asilo, acionando o mecanismo da Retoma a Cargo, ao qual a Itália está vinculada, não estando em causa verificar se o autor preenche ou não as condições para ser considerado refugiado ou beneficiário de proteção subsidiária, mas de reiterar que não impende sobre Portugal nenhum dever de apreciação, antes está adstrito a proferir vinculadamente a decisão de transferência.
Por sentença de 26/02/2019, o TAC de Lisboa julgou a ação improcedente, absolvendo a entidade demandada do pedido.
Inconformado, o autor interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1º
O tribunal recorrido violou o artigo 17º nºs 1, 2 e 3 da Lei do Asilo na medida em que julgou improcedente o vício alegado de falta de elaboração do relatório com as informações essenciais e de notificação do mesmo ao autor para se pronunciar.

Mais, o mesmo tribunal violou os artigos 58º e 163º nº 1 do CPA na medida em que não anulou a decisão do SEF por défice instrutório quanto a factos essenciais à decisão de transferência, funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional em Itália.

Por fim, o tribunal recorrido violou o artigo 13º nº 1 do Regulamento (UE) nº 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013 na medida em que não considerou cessada a responsabilidade italiana de apreciar o pedido de proteção internacional por terem decorrido 12 meses após a passagem ilegal da fronteira.”
O recorrido Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1.a Resulta evidente, que a decisão do ora recorrido (devidamente acolhida pela douta sentença a quo), foi de encontro às normas legais vigentes em matéria de asilo, mormente, no que respeita ao fazer acionar o mecanismo da Retoma a Cargo, ao qual a Itália está vinculada.
2.a A douta sentença recorrida é igualmente consentânea com a jurisprudência nacional e a da E.U.
3.a Efetivamente, não se trata de verificar se o ora recorrente preenche, ou não, as condições para ser considerado refugiado ou beneficiário de proteção subsidiária, mas de reiterar que não impende sobre Portugal nenhum dever de apreciação nos termos do quadro legal supra referido, pelo contrário, está adstrito a proferir vinculadamente a decisão de transferência.
4.a Em suma, o recorrido expressa a sua integral concordância com a análise e decisão na douta sentença vertida, pois a assunção do entendimento plasmado pelo recorrido conduz à inalterabilidade da mesma, por assim se aferir impoluta.”
O Exmo. Sr. Procurador-Geral-Adjunto em funções neste Tribunal pronunciou-se pela improcedência do recurso, por entender que, nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º, 23.º, 24.º, 25.º e 29.º da Lei do Asilo, à Entidade demandada apenas competia, como fez, proferir decisão de inadmissibilidade do pedido do recorrente e, após notificação, assegurar a execução da sua transferência para esse país, conforme o disposto nos artigos 37.º, n.º 2, e 38.º da Lei do Asilo.
*

Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, as questões a decidir consistem em:
;
- aferir do erro de julgamento da sentença recorrida, quanto à violação do artigo 17.º, n.os 1, 2 e 3, da Lei do Asilo, assim como dos artigos 58.º e 163.º, n.º 1, do CPA;
- aferir do erro de julgamento da sentença recorrida, quanto à violação do artigo 13.º, n.º 1, do Regulamento (UE) nº 604/2013.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
*
II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
“1. Mamadou ……………………, ora A., é natural da Guiné (cfr. teor do doc. 1 junto à p.i.);
2. Em 8.11.2018, o ora A. formulou pedido de protecção internacional junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF (cfr. de fls. 2 a 5 e 12 do p.a.);
3. Detectado um Hit positivo no sistema EURODAC, com o “Case ID …………..”, em 1.6.2017, o SEF efectuou um pedido de retoma a cargo do aqui A. às autoridades da Itália (cfr. de fls. 16 a 19 do p.a.);
4. Em 14.12.2018 o ora A. foi entrevistado pelo SEF no âmbito do processo de asilo nº 1207/2018 e do procedimento especial de admissibilidade com vista a determinar o Estado-Membro responsável pela análise do seu pedido de protecção internacional, resultando dos registos EURODAC e da entrevista efectuada, designadamente, que: saiu do seu país de origem “(…)” em Dezembro de 2015; (…) // Sai acompanhado com uma pessoa conhecida que me convidou para vir para a Europa. Ele morreu no percurso da viagem porque teve um acidente. // Viajei sem documentos.”; passou por vários países europeus: “(…) // Sai da Guiné e fui para Mali onde fiquei cerca de um mês. Depois segui para a Costa do Marfim onde estive um mês. Depois segui para o Burkina Faso e dai segui para Níger. Fiquei três meses em Agadez, no Níger. Depois segui para a líbia onde estive 9 meses. Viajei sempre de transporte pública. Sai da Líbia e cheguei a Itália no dia 7 de Maio de 2017. Fiquei lá um ano e 4 meses. Depois viajei para Portugal, passei por França e Espanha. Vim de autocarro. A viagem demorou uma semana.”; chegou a Portugal “(…) no dia 7 de Novembro de 2018. // Não tinha documentos. // (…)”; não é titular de título de residência na União Europeia; permaneceu nos últimos cinco meses anteriores ao pedido de protecção “Em Itália.”; pediu protecção internacional em “Itália.”; esse pedido não se encontra em análise; esse pedido foi recusado; não foi afastado para o país da sua nacionalidade ou origem; não regressou voluntariamente ao país da sua nacionalidade ou origem; (…); motivo porque solicitou protecção internacional “Eu sai da Guiné por problemas familiares. Quando era pequeno a minha mão morreu e cresci com a minha madrasta e o meu pai que ficou com paralisia. Lá em casa o ambiente era muito mau. Estudei até ao sexto ano altura em que o meu pai veio a morrer. Nessa altura deixei de ir à escola e fiquei em casa a fazer recados. Os meus irmãos batiam-me todos os dias. Eu fiquei responsável por tratar das vacas que o meu pai deixou. Sempre que alguma coisa desaparecia de casa acusavam-me de furto e batiam-me. Por causa desta situação sai de casa e fui viver para a casa dos pais da pessoa que me levou a fazer esta viagem para a Europa, eles viviam na mesma aldeia.” e “Quando sai da casa dos meus pais os meus três irmãos descobriram onde estava e vieram atrás de mim. Ao descobrirem-me bateram-me. Quando esse meu conhecido soube o que se passava comigo levou-me com ele para viajamos juntos para a Europa.” (cfr. de fls. 29 a 35 do p.a.);
5. Na mesma data foi elaborado “Relatório” no qual, de acordo com as declarações prestadas, concluiu-se que o aqui A.: “Apresentou pedido de proteção noutro país da União Europeia Itália (REGULAMENTO (UE) N.º 604/2013 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 26 de junho de 2013 que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida - Artigo 18º nº 1)” (cfr. de fls. 37 do p.a.);
6. Tendo o aqui A. ainda declarado que: “Não quero voltar a Itália porque este não é o meu destino final. Nunca quis ficar em Itália. Quando estava em Itália tentei por cinco vezes sair mas as autoridades italianas não me deixaram. Quando sai do meu país já queria vir para Portugal. Conhecia este país desde pequeno por causa de acompanhar o futebol. Gosto de Portugal, sinto-me bem aqui. // E mais não disse, nem lhe foi perguntado, pelo que, lidas as declarações em língua fula, língua que compreende e na qual se expressa, as achou conforme, ratifica e vai assinar juntamente com todos os intervenientes, pelas 15h30, hora a que findou este ato” (cfr. de fls. 37 do p.a.);
7. As autoridades italianas não responderam ao pedido de retoma do SEF, referido em 3.
8. Em 17.12.2018 foi proferida decisão pelo Sr. Director Nacional Adjunto do SEF, “[d]e acordo com o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 19º-A e no nº 2 do artigo 37º, ambos da Lei nº 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei nº 26/2014, de 05 de maio, com base na Informação nº 1733/GAR/2018 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de protecção internacional apresentado pelo cidadão que se identificou como MAMADOU …………….., nacional da Guiné, inadmissível. // Proceda-se à notificação do cidadão nos termos do artigo 37º nº 3 da Lei nº 27/08, de 30 de junho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/2014, de 05 de maio, e à sua transferência, nos termos do artigo 38º do mesmo diploma, para Itália, Estado Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional nos termos do Regulamento (EU) 604/2013 do Conselho, de 26 de Julho” (cfr. doc. junto à p.i. e de fls. 44 do p.a.);
9. Da Informação, de 17.12.2018, referida na decisão que antecede, extrai- se o seguinte: «(…) // Dos motivos invocados no pedido de transferência // Aos 28-11- 2018, o GAR apresentou um pedido de retoma a cargo às autoridades italianas, ao abrigo do artigo 18º, Nº 1 b), do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho. // Consultado o sistema EURODAC, foi detetado um Hit positivo com o “Case ID ………………..”, inserido pela Itália. // Aos 17-12-2018, Portugal informou as autoridades italianas que ao abrigo do artigo 25º, Nº1, do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho, tinha duas (2) semanas para se pronunciar sobre o nosso pedido. // As autoridades italianas não se pronunciaram dentro do prazo estabelecido no art.º 25º, nº 1, do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho, por isso, de acordo com o artigo 25º nº 2 do mesmo Regulamento, a falta de uma decisão equivale à aceitação do pedido. // Pelo exposto, propõe-se que Itália seja considerada o Estado responsável pela retoma a cargo, ao abrigo do artigo 25º, Nº2 do Regulamento (CE) N. 604/2013 do Conselho de 26 de junho.” (cfr. o mesmo doc. junto à p.i. e de fls. 42 a 43 do p.a.);
10. Em 18.12.2018 o aqui A. assinou a notificação da decisão referida no ponto 8. (cfr. doc. junto à p.i. e de fls. 45 do p.a.); ”
*

II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, as questões a decidir neste processo cingem-se a saber se:
- ocorre erro de julgamento da sentença recorrida, quanto à violação do artigo 17.º, n.os 1, 2 e 3, da Lei do Asilo, assim como dos artigos 58.º e 163.º, n.º 1, do CPA;
- ocorre erro de julgamento da sentença recorrida, quanto à violação do artigo 13.º, n.º 1, do Regulamento (UE) nº 604/2013.

Vejamos o direito aplicável e relevante para a solução do caso em apreciação.
Nos termos do disposto no artigo 33.º, n.º 8, da CRP, “[é] garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência da sua atividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.”
Concretizando o direito de asilo aí consagrado, a Lei n.º 27/2008, de 30 de junho (Lei do asilo, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio), veio estabelecer as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo as Diretivas nºs 2011/95/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro, 2013/32/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e 2013/33/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e implementar a nível nacional o Regulamento (UE) n.º 603/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho para efeitos de aplicação efetiva do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho.
Consta do respetivo artigo 3.º o seguinte:
“1 - É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
2 - Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual.
3 - O asilo só pode ser concedido ao estrangeiro que tiver mais de uma nacionalidade quando os motivos de perseguição referidos nos números anteriores se verifiquem relativamente a todos os Estados de que seja nacional.
4 - Para efeitos do n.º 2, é irrelevante que o requerente possua efetivamente a característica associada à raça, religião, nacionalidade, grupo social ou político que induz a perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição.”
No que concerne ao procedimento temos que:
- presume-se que qualquer pedido de proteção, ainda que implícito, é um pedido de proteção internacional, conforme o disposto na alínea s) do n.º 1 do artigo 2.º - artigo 10.º, n.º 1.
- na apreciação dos pedidos de proteção internacional deve ser determinado, em primeiro lugar, se o requerente preenche as condições para beneficiar do estatuto de refugiado e, caso não preencha, se é elegível para proteção subsidiária - artigo 10.º, n.º 2.
- os pedidos de proteção internacional apresentados às autoridades de outros Estados membros que procedam a controlos fronteiriços ou de imigração em território nacional são apreciados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) - artigo 10.º, n.º 3.
- os requerentes de proteção internacional são autorizados a permanecer em território nacional até à decisão sobre a admissibilidade do pedido – artigo 11.º, n.º 1.
- este direito de permanência não habilita o requerente à emissão de uma autorização de residência - artigo 11.º, n.º 2.
Nos termos do artigo 16.º, n.º 1, “[a]ntes de proferida qualquer decisão sobre o pedido de proteção internacional, é assegurado ao requerente o direito de prestar declarações na língua da sua preferência ou noutro idioma que possa compreender e através do qual comunique claramente, em condições que garantam a devida confidencialidade e que lhe permitam expor as circunstâncias que fundamentam a respetiva pretensão.”
Consta do artigo 17.º que:
“1 - Após a realização das diligências referidas nos artigos anteriores, o SEF elabora um relatório escrito do qual constam as informações essenciais relativas ao pedido.
2 - O relatório referido no número anterior é notificado ao requerente para que o mesmo se possa pronunciar sobre ele no prazo de cinco dias.
3 - O relatório referido no n.º 1 é comunicado ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que atue em seu nome, desde que o requerente tenha dado o seu consentimento, para que aquela organização, querendo, se pronuncie no mesmo prazo concedido ao requerente.
4 - Os motivos da recusa de confirmação do relatório por parte do requerente são averbados no seu processo, não obstando à decisão sobre o pedido.”
O artigo 19.º-A, n.º 1, al. a), prevê que o pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional. Caso em que se prescinde da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional - artigo 19.º-A, n.º 2.
A decisão compete ao Diretor Nacional do SEF, conforme previsto no artigo 20.º, n.º 1.
No âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, capítulo IV da lei em questão, “quando se considere que a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado-membro, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, o SEF solicita às respetivas autoridades a sua tomada ou retoma a cargo” – artigo 37.º, n.º 1.
E segundo o respetivo n.º 2, “[a]ceite a responsabilidade pelo Estado requerido, o diretor nacional do SEF profere, no prazo de cinco dias, decisão nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º-A e do artigo 20.º, que é notificada ao requerente, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, e é comunicada ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que atue em seu nome, mediante pedido apresentado, acompanhado do consentimento do requerente.”
Já o artigo 39.º prevê que a “instrução do procedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional suspende, até decisão final, a contagem do prazo previsto no n.º 1 do artigo 20.º e no n.º 4 do artigo 24º [decisão no caso de pedido apresentado no posto de fronteira]”.
O Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de pedidos de proteção internacional apresentados num dos Estados-Membros por nacionais de países terceiros ou apátridas.
O artigo 3.º deste Regulamento, sob a epígrafe ‘acesso ao procedimento de análise de um pedido de proteção internacional’, prevê o seguinte:
“1. Os Estados-Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado-Membro, inclusive na fronteira ou nas zonas de trânsito. Os pedidos são analisados por um único Estado-Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III designarem como responsável.
2. Caso o Estado-Membro responsável não possa ser designado com base nos critérios enunciados no presente regulamento, é responsável pela análise do pedido de proteção internacional o primeiro Estado-Membro em que o pedido tenha sido apresentado.
Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável.
Caso não possa efetuar-se uma transferência ao abrigo do presente número para um Estado-Membro designado com base nos critérios estabelecidos no Capítulo III ou para o primeiro Estado-Membro onde foi apresentado o pedido, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável passa a ser o Estado-Membro responsável.
3. Os Estados-Membros mantêm a faculdade de enviar um requerente para um país terceiro seguro, sem prejuízo das regras e garantias previstas na Diretiva 2013/32/UE.”
Veja-se ainda que, de acordo com o artigo 17.º, n.º 1, do Regulamento, “[e]m derrogação do artigo 3.º, n.º 1, cada Estado-Membro pode decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento.”
A fim de facilitar o processo de determinação do Estado-Membro responsável, exige o artigo 5.º do Regulamento que seja realizada uma entrevista pessoal com o requerente, antes de ser adotada qualquer decisão relativa à sua transferência para o Estado-Membro responsável. Mais aí se exige a elaboração de um resumo escrito do qual constem, pelo menos, as principais informações facultadas pelo requerente durante a entrevista, que pode ser feito sob a forma de relatório ou formulário-tipo, a que o requerente (ou um seu representante) tenha acesso em tempo útil.

Quanto à preterição do direito de audição prévia, entendeu-se na decisão recorrida que, ao contrário do defendido pelo autor, não se prevê neste artigo 5.º o direito de audiência prévia do requerente de asilo ou do CPR.
Conquanto seja de admitir que deste preceito apenas decorre a necessidade de se confrontar o requerente com o registo das informações que prestou, o mesmo tem de ser conjugado com o princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões, plasmado nos artigos 267.º, n.os 1 e 5, da CRP, e 12.º do CPA, e decorrente sujeição da Administração ao regime geral da audiência prévia dos interessados, plasmado nos artigos 121.º a 125.º deste último diploma legal.
Assim, a fim de garantir aos destinatários da decisão uma efetiva participação na sua formação, impõe-se à Administração o dever de facultar aos interessados um prazo razoável que lhes permita pronunciar-se sobre todas as questões com interesse para a decisão, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos.
Imposição que assume particular relevância quando está em causa uma decisão de sentido desfavorável aos seus interesses.
Como se reconhece em muito recente acórdão deste TCAS (de 06/06/2019, proc. n.º 90/19.2BELSB, disponível em http://www.dgsi.pt), o que se exige no citado artigo 5.º, n.º 6, do Regulamento n.º 604/2013, não é semelhante ao exigido no artigo 121.º do CPA, direito de audição antes de ser tomada a decisão final, e de informação sobre o sentido provável desta; apenas não se produzindo o efeito anulatório nos casos previstos no artigo 163.º, n.º 5, daquele diploma legal.
Igualmente não obsta à necessidade de cumprimento da audição prévia, a circunstância de não estar aqui em causa o procedimento previsto nos artigos 16.º e 17.º, ao contrário do que vem invocado pelo autor/recorrente.
É verdade, como se assinala na decisão recorrida, que ao procedimento especial de determinação do Estado responsável do pedido de proteção internacional não é aplicável o disposto no artigo 17.º, n.º 2, da Lei do Asilo, que exige a notificação e defesa do projeto de decisão, bastando-se a audiência prévia do interessado com a sua tomada de declarações.
Contudo, “a distinção correta que se faz quanto ao âmbito dos arts. 16º ss da Lei do Asilo (procedimento geral de concessão de asilo ou proteção subsidiária), por um lado, e dos arts. 36º ss da Lei do Asilo (procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional), por outro lado, não exceciona a aplicação da regra geral segundo a qual qualquer decisão de administração pública que afete direitos ou interesses protegidos das pessoas está sujeita, em Portugal, ao regime da audiência prévia constante arts. 121º ss e 163º do CPA” (citado acórdão do TCAS de 06/06/2019).

No caso vertente, resulta do probatório a seguinte factualidade
- na sequência do pedido de asilo formulado pelo autor, foi consultado o sistema EURODAC e detetado um hit positivo, relativo a pedido anterior formulado em Itália, que deu início ao procedimento especial de admissibilidade com vista a determinar o Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional;
- efetuado pedido de retoma a cargo do autor às autoridades italianas, não se obteve resposta;
- entrevistado em 14/12/2018, o autor declarou que, em dezembro de 2015, saiu da Guiné-Conacri para o Mali, onde ficou um mês, seguiu para a Costa do Marfim, onde também ficou um mês, seguiu para o Burkina Faso e Nigéria, permanecendo três meses em Agadez, depois para a Líbia, onde ficou nove meses, e chegou a Itália em maio de 2017, onde se fixou por um ano e quatro meses, seguindo depois, por terra, para Portugal, onde chegou em 07/11/2018 e pediu asilo no dia seguinte;
- nessa data foi elaborado “Relatório” no qual, de acordo com as declarações prestadas, concluiu-se que o aqui autor: “Apresentou pedido de proteção noutro país da União Europeia Itália (REGULAMENTO (UE) N.º 604/2013 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 26 de junho de 2013 que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida - Artigo 18º nº 1)”, tendo o autor ainda declarado que: “Não quero voltar a Itália porque este não é o meu destino final. Nunca quis ficar em Itália. Quando estava em Itália tentei por cinco vezes sair mas as autoridades italianas não me deixaram. Quando sai do meu país já queria vir para Portugal. Conhecia este país desde pequeno por causa de acompanhar o futebol. Gosto de Portugal, sinto-me bem aqui. // E mais não disse, nem lhe foi perguntado, pelo que, lidas as declarações em língua fula, língua que compreende e na qual se expressa, as achou conforme, ratifica e vai assinar juntamente com todos os intervenientes, pelas 15h30, hora a que findou este ato”
- em 17/12/2018, foi elaborada informação, da qual consta: “[d]os motivos invocados no pedido de transferência // Aos 28-11- 2018, o GAR apresentou um pedido de retoma a cargo às autoridades italianas, ao abrigo do artigo 18º, Nº 1 b), do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho. // Consultado o sistema EURODAC, foi detetado um Hit positivo com o “Case ID …………….”, inserido pela Itália. // Aos 17-12-2018, Portugal informou as autoridades italianas que ao abrigo do artigo 25º, Nº1, do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho, tinha duas (2) semanas para se pronunciar sobre o nosso pedido. // As autoridades italianas não se pronunciaram dentro do prazo estabelecido no art.º 25º, nº 1, do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho, por isso, de acordo com o artigo 25º nº 2 do mesmo Regulamento, a falta de uma decisão equivale à aceitação do pedido. // Pelo exposto, propõe-se que Itália seja considerada o Estado responsável pela retoma a cargo, ao abrigo do artigo 25º, Nº2 do Regulamento (CE) N. 604/2013 do Conselho de 26 de junho.”
- na mesma data, o Diretor Nacional Adjunto do SEF proferiu a seguinte decisão: “[d]e acordo com o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 19º-A e no nº 2 do artigo 37º, ambos da Lei nº 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei nº 26/2014, de 05 de maio, com base na Informação nº 1733/GAR/2018 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de proteção internacional apresentado pelo cidadão que se identificou como MAMADOU …………………………, nacional da Guiné, inadmissível. // Proceda-se à notificação do cidadão nos termos do artigo 37º nº 3 da Lei nº 27/08, de 30 de junho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/2014, de 05 de maio, e à sua transferência, nos termos do artigo 38º do mesmo diploma, para Itália, Estado Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional nos termos do Regulamento (EU) 604/2013 do Conselho, de 26 de Julho”.

Como se depreende desta factualidade, o SEF não facultou ao autor/recorrente o acesso à proposta de decisão, que lhe permitisse pronunciar-se em tempo sobre os respetivos fundamentos, assim violando o direito de audição prévia que lhe assistia.
Por outro lado, não tem aqui aplicação o disposto no artigo 163.º, n.º 5, do CPA, que permitiria obstar à eficácia invalidante da formalidade preterida, desde logo porque, em face dos argumentos convocados pelo autor/recorrente no sentido de obstar à sua transferência, e do disposto nos citados artigos 3.º, n.º 2, e 17.º, n.º 1, do Regulamento n.º 604/2013, não está em causa ato de conteúdo vinculado, nem a apreciação do caso concreto permite identificar apenas uma solução como legalmente possível.

Em face da verificação do vício de preterição da audiência prévia do autor/recorrente, não se pode manter a decisão da entidade demandada, pelo que, atenta a precedência daquela, queda prejudicada a análise da segunda questão trazida a recurso.
Termos em que se impõe concluir pela revogação da decisão recorrida e pela anulação da decisão do Diretor Nacional Adjunto do SEF, datada de 17 de dezembro de 2018.
Mais cumprirá determinar à entidade recorrida que retome o indicado procedimento, com cumprimento da audiência prévia do autor/recorrente.
*

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e assim:
- revogar a sentença recorrida;
- anular a decisão do Diretor Nacional Adjunto do SEF de 17/12/2018;
- determinar ao SEF que retome o indicado procedimento, com cumprimento da audiência prévia do autor/recorrente.
Sem custas, atento o disposto no artigo 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho.


Lisboa, 4 de julho de 2019.

(Pedro Nuno Figueiredo)


(Carlos Araújo)


(Paulo Pereira Gouveia)