Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 106/21.2BCLSB |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 11/07/2024 |
Relator: | ANA CRISTINA CARVALHO |
Descritores: | OPERAÇÕES SIMULADAS ÂMBITO DA JURISDIÇÃO ARBITRAL TRIBUTÁRIA |
Sumário: | A impugnação de actos tributários que resultaram de correcções decorrentes da desconsideração pela AT de gastos, fundamentadas na inexistência das operações não estão excluídos do âmbito da jurisdição arbitral tributária, pelo que não se verifica a pronúncia indevida por não ter sido excedida a sua competência. |
Votação: | Unanimidade |
Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Comum de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul I - Relatório A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a decisão do Tribunal Arbitral proferida no processo n.º 587/2020-T que: i) declarou ser “o tribunal incompetente para conhecer da decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº 3182201904004132;” ii) decidiu “[n]ão tomar conhecimento do pedido arbitral relativamente ao acto de autoliquidação referente a 2018;” e, iii) julgou ser “procedente o pedido arbitral e anular o actos tributários de liquidação de IRC referentes aos exercícios de 2014, 2015, 2016 e 2017 e de liquidação de juros compensatórios e, bem assim, o despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º 3182201904004159.” veio, ao abrigo do disposto nos artigos 27.º e 28.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária, doravante designado por RJAT), apresentar impugnação formulando, para o efeito, as seguintes conclusões: «1ª) decisão arbitral ora impugnada ao ter deliberado julgar procedente o pedido arbitral e anular os actos tributários de liquidação de IRC referentes aos exercícios de 2014, 2015, 2016 e 2017 e de liquidação de juros compensatórios e, bem assim, o despacho de indeferimento da reclamação graciosa nº9 3 18 2201904004159 contra eles deduzida; Cometeu, em primeiro lugar, pronúncia indevida, uma vez que excedeu a competência, em razão da matéria, do Tribunal Arbitral. 2ª) Na verdade, a competência dos tribunais arbitrais é, desde logo, circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT. Estabelece aquela norma que: «1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.» (sublinhados nossos). 3ª) Por outro lado, a competência dos tribunais arbitrais também depende dos termos da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais constituídos nos termos do RJAT, cfr. art. 4º do RJAT. 4ª) Nos termos das als. a) e b) da Portaria nº 112-A/2011, ficam excluídas do âmbito da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais as “ pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo tributária”, bem como, “pretensões relativas a atos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão”. 5ª) Inexiste, pois, qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas pelos tribunais arbitrais condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT. 6ª) Ora, a então requerente pretendia obter a apreciação da ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IRC referentes aos exercícios de 2014, 2015, 2016 e 2017, e correspondentes juros compensatórios, alegando que a AT arrastou a O… para uma tributação absurda, na medida em que os bens cujas facturas foram consideradas “falsas” efectivamente existem. 7ª) Invocou a então requerente, designadamente, que as correcções à O… se basearam no n.º 3 do art. 19º do CIVA, invocando a AT que as faturas emitidas pela U… à O… , não titulam transmissões de bens e prestações de serviços por aquela realizados, daí automaticamente retirando as consequências para desconsiderar os respectivos custos em IRC. 8ª) Ou seja, esteve em causa analisar no processo arbitral um eventual esquema de facturação falsa. 9ª) Ora, não cabe no art. 2º do RJAT e atenta a Portaria de Vinculação, a apreciação de casos como o presente, que têm a ver com um eventual esquema de facturação falsa e de fraude fiscal, crime tributário, em que, com toda a certeza se o legislador o tivesse previsto não pretenderia a vinculação da AT. 10ª) Ou seja, pese embora o processo arbitral seja entendido como um meio alternativo ao processo de impugnação judicial deve entender-se que o Tribunal Arbitral não detém a mesma competência que detêm os Tribunais administrativos e fiscais ( designadamente, não podem ser realizadas pelo Tribunal Arbitral as mesmas diligências de descoberta da verdade material, com um eventual prejuízo para o Estado), para apreciação de uma liquidação quando está em causa a eventual prática de um crime fiscal e sendo certo que existe processo de inquérito a decorrer. 11ª) O Tribunal Arbitral ao prosseguir com o processo arbitral reclamou de uma competência igual à dos Tribunais Tributários quando é certo que o não podia fazer atenta a existência de um eventual crime fiscal, tal circunstância impedia, tendo em conta a diferente natureza das jurisdições e dos poderes investigatórios das mesmas, que o Tribunal Arbitral se tivesse pronunciado sobre uma questão que extravasa a sua competência. 12ª) É que, a questão da facturação falsa não visa directa e imediatamente a apreciação da legalidade da liquidação, mas antes, directa e imediatamente, atenta a prova que se irá produzir, a qualificação de um comportamento como tipificando, ou não, um comportamento ilícito. 13ª) Ou seja, o Tribunal Arbitral não se limitou a apreciar da (i)legalidade de uma liquidação, mas antes, tinha que decidir, tal como o pedido e causa de pedir vêm configuradas, da ilicitude ou não de um comportamento como constituindo, ou não, simulação e isso, nos termos do art. 2º do RJAT e da Portaria de Vinculação não cabe nas suas competências. Ainda que assim não se entenda, sem conceder: 14ª) Em segundo lugar, relativamente ao fundamento previsto na al. c) do nº 1 do art. 28º do RJAT, excesso ou omissão de pronúncia, entende a ora impugnante que o Tribunal Arbitral incorreu em nulidade, uma vez que não se pronunciou sobre questão, a qual devia ter sido conhecida e decidida. 15ª) Efectivamente, tal como a causa de pedir vem configurada e atenta a fundamentação do acto impugnado e que sustenta as correcções efectuadas, estava em causa ou importaria sempre determinar se existem ou não fortes indícios de que as facturas em causa no processo correspondem ou não a operações simuladas e portanto importava concluir se as mesmas titulavam ou não operações reais. 16ª) E note-se que in casu, do procedimento inspectivo resultaram correcções quer em sede de IRC quer em sede de IVA e foi mesmo o facto de a então requerente ter deduzido IVA com base em facturas emitidas pela U… que despoletaram a acção de inspecção à entidade emitente das facturas. 17ª) E foram tais procedimentos inspectivos cruzados que levaram às conclusões inspectivas e às correcções em sede de IRC e em sede de IVA, sendo certo que as conclusões em sede de IRC, aqui questionado, não são autónomas e estão intimamente correlacionadas com os fundamentos que suportam as correcções principais, feitas em sede de IVA, sendo aliás o procedimento inspectivo o mesmo. 18ª) Aliás, o pedido de anulação das liquidações de IVA, com causa de pedir semelhante à aqui em causa, constituiu o acto objecto de um outro pedido de constituição de Tribunal arbitral, o qual corre termos no CAAD sob o nº 586/2020-T. 19ª) Deste modo, o Tribunal Arbitral não podia deixar de conhecer da questão da facturação falsa e analisar os pressupostos de aplicação do art. 19º do CIVA, tendo em conta que até admite que as correcções tiveram por base o mesmo único facto - a ausência de prova de que a U... tivesse adquirido os bens constantes das facturas emitidas a favor da Requerente. 20ª) E de analisar ou então declarar como questão prejudicial a análise da legalidade das liquidações de IVA. 21ª) É que uma eventual decisão naquele processo tomada com base em outras diligências de prova que no âmbito do presente processo o Tribunal não quis realizar, poderia conduzir a uma solução diferente da tomada. 22ª) De qualquer modo, sempre existiria omissão de pronúncia porquanto o Tribunal arbitral não apreciou a questão da existência real das facturas sob o prisma do IVA e essa era uma questão fundamental e que não ficou prejudicada, antes pelo contrário, em termos de IRC. Termos pelos quais e, como o douto suprimento de V. Ex.as, incorrendo a decisão arbitral ora impugnada no vício constante da al. c) do nº 1 do art. 28º do RJAT, deve a mesma ser anulada, com todas as legais consequências.»
«I) Da suposta incompetência do CAAD: 1) A AT admite que o n.º 1 do artigo 2.º do RJAT estabelece que «1 – A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos (...)”, o que é exatamente o caso e a AT confessa no art. 24º da sua Impugnação do Acórdão Arbitral 2) não se alcançando a citação que faz no art. 20º da sua Impugnação do Acórdão Arbitral já que o objecto dos presentes autos não é sequer a “ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” 3) e sendo completamente inusitado a AT vir afirmar que o objecto do processo arbitral foi “um eventual esquema de facturação falsa e de fraude fiscal, crime tributário”. 4) Os crimes tributários não são julgados nos tribunais fiscais mas sim nos tribunais criminais! 5) Embora a AT admita que “o processo arbitral seja entendido como um meio alternativo ao processo de impugnação judicial”, que reconhece ser o meio próprio de reação aos atos de liquidação e decisões administrativo-tributárias impugnados nos autos, 6) vem de forma incompreensível pugnar o que nunca até agora pugnou, ie, que o CAAD era incompetente para esta acção. 7) E como o fundamenta? Alegando que “deve entender-se que o Tribunal Arbitral não detém a mesma competência que detêm os Tribunais administrativos e fiscais (designadamente, não podem ser realizadas pelo Tribunal Arbitral as mesmas diligências de descoberta da verdade material, com um eventual prejuízo para o Estado), para apreciação de uma liquidação quando está em causa a eventual prática de um crime fiscal e sendo certo que existe processo de inquérito a decorrer.” 8) Nada mais falso e falacioso. Vamos por partes. 9) Prima facie, reitere-se o que já se disse que é a própria a AT quem admite, na sua Impugnação do Acórdão Arbitral, que “o processo arbitral seja entendido como um meio alternativo ao processo de impugnação judicial”, que reconhece ser o meio próprio de reação aos atos de liquidação e decisões administrativo tributárias impugnados nos autos. 10) Em segundo lugar, vem a AT dizer que “(designadamente, não podem ser realizadas pelo Tribunal Arbitral as mesmas diligências de descoberta da verdade material, com um eventual prejuízo para o Estado”, 11) sem especificar um só meio de prova que tivesse requerido que fosse produzida junto do CAAD e que este lho tivesse indeferido 12) e, por outro lado, olvidando por completo que é ela, AT, quem tem o poder-dever de prosseguir o princípio do inquisitório e da verdade material, para cuja concretização remetemos para o sumário do douto Acórdão do TCA Norte de 27-10-2016 (processo 00957/09.6BEVIS, in www.dgsi.pt): “1. O princípio do inquisitório e da verdade material visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse efeito (art. 6º do RCPIT). Tem assento constitucional (Art. 266º da CRP) e encontra-se inscrito em várias normas que regem a actividade administrativa, de que são exemplo, além do citado art. 6º do RCPIT, os art.s 13º do CPPT, e 55º, 59º, 63º/1 e 99º da LGT bem como os artigos 58º, 115º e segs.. do CPA. 2. Este princípio fundamenta-se na obrigação de a administração prosseguir o interesse público (artigo 266º/1 da CRP e artigo 55º da LGT), assim como no dever de imparcialidade da actuação administrativa (266º/2 da CRP e artigo 55º da LGT) que a par dos restantes princípios constitucionais a que os órgão administrativos estão subordinados integram as designadas medidas materiais da juridicidade administrativa. 3. Por força deste princípio, a administração tributária não tem de aguardar pela iniciativa do interessado, devendo, pelos seus próprios meios e determinação, realizar as diligências necessárias para averiguação da verdade factual em que deve assentar a sua decisão. 4. Isto mesmo que estejam em causa factos contrários aos interesses patrimoniais do credor tributário.” 13) Termina a AT esta sua afirmação com o argumento de que “está em causa a eventual prática de um crime fiscal e sendo certo que existe processo de inquérito a decorrer”, quando, na relação entre o processo infracional tributário (seja contraordenacional seja criminal) e os meios graciosos e contenciosos de reacção aos actos tributários, a lei subverte completamente a intenção do legislador vertida em lei, 14) porquanto, nos termos do artigo 47.º, n.º 1, do Regime Geral para as Infracções Tributárias, se estiver a correr processo de impugnação judicial nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o processo penal suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças. 15) Donde resulta que a declaração de suspensão do processo penal, nas circunstâncias previstas no artigo 47.º, n.º 1, do referido RGIT, não é uma faculdade e não depende de critérios de oportunidade nem de análise dos pressupostos da impugnação judicial feitos pelo tribunal penal, sendo antes o reconhecimento da verificação de uma situação objectiva à qual a lei atribui efeitos no processado. É um efeito ope legis. 16) Acresce ainda que o estabelecido no RGIT, enquanto norma especial, prevalece sobre as normas do Código de Processo Penal, nomeadamente sobre o disposto no artigo 7.º n.º 2 do CPP. 17) A suspensão do processo não está na dependência da decisão do juiz do processo penal tributário; a paralisação do processo penal tributário é uma consequência da verificação da situação objectiva que fundamenta e determina a suspensão do processo. 18) Assim, é o processo de impugnação judicial que segue à frente para ser decidido primeiramente, e não o processo criminal, no qual o legislador quis que fossem retiradas as devidas consequências de uma eventual procedência da impugnação judicial! 19) A AT quer fazer crer a Vªs Exas. o oposto! Parece querer fazer intuir que o processo criminal fiscal que a AT instaurou - e que se suspendeu nos termos da lei, note-se – poderia ter algum tipo de impacto no processo de impugnação, o que não tem qualquer adesão com a realidade, nem material, nem processual! 20) Repitamos: a AT pugnou pela suspensão do processo criminal fiscal atenta a pendência dos processos arbitrais de impugnação das respetivas liquidações de IVA e IRC, facto que decorre da própria certidão do processo do CAAD junto aos autos, da qual constam os pedidos de informação do Tribunal Criminal ao CAAD acerca da decisão final ter ou não sido proferida, suspensos que estão aqueles autos criminais a aguardar o trânsito em julgado das decisões arbitrais de IVA e IRC, ambas agora já proferidas pelo CAAD e ambas julgadas totalmente procedentes. 21) E a mesma AT que pugnou pela suspensão do processo criminal fiscal é aquela que contraditoriamente vem agora dizer que “31. Atenta a primazia do processo penal, o art. 47º do RGIT só pode ter pretendido suspender o processo crime quando já estava em curso impugnação judicial, mas nunca quando estava em curso processo arbitral.”! 22) Valerá tudo, na litigância da AT? Contrariar-se a si mesma? 23) Acresce dizer que esta questão da alegada incompetência do CAAD nem sequer foi questão suscitada pela AT na sua Resposta ao nosso Pedido de Pronúncia Arbitral, surgindo ex novo enquanto novel tese que, em desespero de causa e após ter perdido a acção arbitral, a AT lança mão para ganhar tempo recorrendo aos tribunais, para assim poder continuar a executar e manter activa a dívida tributária da Contribuinte e a manter a sua leal representante como Arguida no processo criminal fiscal! 24) É falacioso dizer-se que “33. É que, a questão da facturação falsa não visa directa e imediatamente a apreciação da legalidade da liquidação, mas antes, directa e imediatamente, atenta a prova que se irá produzir, a qualificação de um comportamento como tipificando, ou não, um comportamento ilícito.”, quando o que importa aos presentes autos, sejam eles uma acção arbitral de a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos” (n.º 1 do artigo 2.º do RJAT), fossem de impugnação judicial junto de um TAF, não é a tipicação ou não como crime de uma conduta mas sim a legalidade dos actos de liquidação. 25) As consequências criminais serão sempre posteriores atenta a prioridade do juízo de apreciação da legalidade da liquidação ex vi artigo 47.º, n.º 1, do referido RGIT. 26) Por isso o legislador quis separar as competências dos tribunais tributários e dos tribunais criminais, e quis atribuir à apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral os efeitos da apresentação de impugnação judicial, como a própria AT acaba por admitir. 27) Desprovida de qualquer fundamento é a afirmação que “35. (...) o Tribunal Arbitral não se limitou a apreciar da (i)legalidade de uma liquidação, mas antes, tinha que decidir, tal como o pedido e causa de pedir vêm configuradas, da ilicitude ou não de um comportamento como constituindo, ou não, simulação e isso, nos termos do art. 2º do RJAT e da Portaria de Vinculação não cabe nas suas competências.”, 28) uma vez que, por um lado, um juízo fiscal sobre a existência ou não de simulação é diferente de um juízo criminal sobre a existência ou não de frude fiscal 29) e, por outro lado, primeiramente é sobre a AT que recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional e só depois é que será sobre o sujeito passivo que recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação – artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária, conforme se lê no Ac. TCA Norte de 16-02-2017 (processo 01603/05.2BEVIS, in www.dgsi.pt): “1. O artigo 19º nº 3 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado só exclui o direito à dedução do imposto que resulte de operação simulada. 2. Sobre a administração tributária recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação – artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária. 3. No caso, não se questionando que a recorrida adquiriu a mercadoria em causa, teria a administração tributária que recolher indícios bastantes de que a recorrida sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender não era a pessoa que figurava nas facturas. 4. E não tendo tal acontecido, concluímos que a administração tributária não recolheu indícios que legitimam a sua actuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas facturas em causa nos autos, ou seja, não cumpriu com o ónus que sobre si impendia de fundamentar as liquidações impugnadas.” 30) Este juízo nada tem de criminal e o CAAD, na plenitude das suas competências, decidiu, tanto neste caso de IRC como no caso do IVA, dar total ganho de causa à Contribuinte e, em concreto nos presentes autos de IRC, decidiu (recorrendo agora às palavras do ora citado Ac. do TCA Norte) que a administração tributária não recolheu indícios que legitimam a sua actuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas facturas em causa nos autos, ou seja, não cumpriu com o ónus que sobre si impendia de fundamentar as liquidações impugnadas. 31) Portanto, o CAAD não extravasou nem ficou aquém do que lhe competia: a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos” (n.º 1 do artigo 2.º do RJAT), decisão para a qual é legalmente competente, pelo que deverá tal excepção improceder. II) Da suposta omissão de pronúncia: 32) E eis que chegamos ao segundo fundamento da Impugnação do Acórdão Arbitral, ie, a suposta omissão de pronúncia, sobre a qual justamente acabámos de nos pronunciar. 33) O objecto do processo é aquele que o citado aresto do TCA Norte refere e já vimos que o CAAD o julgou sem qualquer omissão de pronúncia. 34) O que a AT pretende é atacar o mérito do Acórdão arbitral, o que lhe está vedado, nas impressivas palavras do 28-01-2021 (Processo 22/19.8BCLSB, in www.dgsi.pt): I- A impugnação arbitral, dirigida ao TCA, não visa erros de julgamento, de facto e/ou de direito, limitando-se, no essencial, ao conhecimento de nulidades da decisão. II - Não tendo o TCA poderes para o conhecimento do mérito da decisão arbitral, resulta que este Tribunal nunca poderia substituir-se ao árbitro na apreciação do mérito da decisão proferida, ainda que para acolher o que vem previsto na alínea b) do nº2 do artigo 616º do CPC, ou seja, a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz, constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida. III - Assim, não se vê como impedir que o árbitro o faça, numa faculdade excepcional, só admissível em hipóteses de lapso manifesto do julgador, evitando-se, assim, em caso de tal lapso manifesto ser atendido, o perpetuar de um erro que pode ser causador de sérios prejuízos para a parte.” 35) A AT vai ao ponto de dizer que “44. Aliás, o pedido de anulação das liquidações de IVA, com causa de pedir semelhante à aqui em causa, constituiu o acto objecto de um outro pedido de constituição de Tribunal arbitral, o qual corre termos no CAAD sob o nº 586/2020-T.”, o que é verdade 36) mas tivemos já a oportunidade de juntar aos presentes autos de Impugnação da Decisão Arbitral o Acórdão do CAAD entretanto proferido no Processo n.º 586/2020-T, cujo Tribunal foi presidido pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, em que estão em causa os mesmos factos que os em apreço nos presentes autos, com a única diferença de o imposto em crise nessa acção ser o IVA e aqui o IRC, Decisão que deu ganho de causa à ali Impugnante/aqui Recorrida, 37) estando por isso desactualizada, para além de desprovida de sentido, a afirmação de que “48. É que uma eventual decisão naquele processo tomada com base em outras diligências de prova que no âmbito do presente processo o Tribunal não quis realizar, poderia conduzir a uma solução diferente da tomada.”, 38) pois já se viu que naquele processo arbitral do IVA a. Contribuinte obteve total ganho de causa, indo os srs. Árbitros ao ponto de afirmar, em uníssono, que: “Por isso, é convicção dos Árbitros que a U... era a proprietária das mercadorias referidas nas facturas emitidas à Requerente e que estas correspondem a transacções realizadas. Aliás, os factos atrás referidos bastariam, no mínimo, para gerar dúvidas fundadas sobre a simulação de operações invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, o que implicaria que essas dúvidas fossem processualmente valoradas a favor da Requerente, justificando a anulação das liquidações, por força do disposto no artigo 100.o, n.o 1, do CPPT. Pelo exposto, concluiu-se que as liquidações impugnadas, ao terem como pressupostos que as facturas se reportam a operações simuladas, enfermam de vício de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto, que justifica a sua anulação nos termos do artigo 163.o, n.o 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.o, alínea c), da LGT. “ 39) Finalmente, é outrossim desprovido de sentido que o CAAD, no processo de IRC, devesse apreciar a questão “sob o prisma do IVA” e que “essa era uma questão fundamental e que não ficou prejudicada, antes pelo contrário, em termos de IRC.”, e mais despropositado ainda se torna quando a Contribuinte ganhou a acção arbitral do IVA e o fez nos termos acima citados. Isto posto: 40) Este TCA Sul tem-se suportado no artigo 125.º do CPPT para formular as suas motivações de direito nos processos de impugnação de decisão arbitral tributária: Artigo 125.º Nulidades da sentença 1 – Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer. 41) As questões invocadas pela AT na sua Impugnação do Acórdão Arbitral supostamente sê-lo-iam ao abrigo das asserções “falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”, mas que, escalpelizadas, nada têm que ver com o previsto no artigo 125.º do CPPT. Termos em que, deverá a Impugnação da Decisão Arbitral ser julgada improcedente por não provada, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!» * O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal Central, notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), não emitiu parecer. * Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão. * II - Delimitação do objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a decisão arbitral impugnada é nula por: i) pronúncia indevida por ter excedido a sua competência; ii) omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre toda a matéria de facto que estava em causa, mais concretamente sobre a verificação ou não dos indícios da existência de operações simuladas.
III - FUNDAMENTAÇÃO III. 1 – De facto A decisão impugnada considerou provados os seguintes factos: «A) A Requerente iniciou a sua actividade em 23 de Maio de 2008, encontrando-se colectada para a actividade de “Turismo em Espaço Rural” (CAE 55202), e é sujeito passivo para efeitos de IRC no regime geral com contabilidade organizada. B) A Requerente explora uma unidade hoteleira de 5 estrelas, designada “C… Hotel, situada na freguesia de G…, no município de Ponte do Lima, com um total de 18 quartos e que começou a operar em 2012. C) A Requerente foi alvo de uma acção de inspecção tributária externa em sede de IRC, credenciada pelas Ordens de Serviço n.ºs 01201804316, 01201804317, 01201804318, 01201804319 e 01201804320, incidente sobre os exercícios de 2014, 2015, 2016 e 2017, e que tiveram por base a existência de divergências relativamente a um dos seus fornecedores. D) O procedimento inspectivo titulado pela Ordem de Serviço n.º 01201804320 tornou-se extensivo ao exercício de 2018. E) A acção inspectiva deu origem a correcções à matéria coletável de IRC por desconsideração de depreciações de bens adquiridos em 2012 e 2013, por falta de suporte documental, e por desconsideração de depreciações de bens adquiridos nos exercícios de 2014, 2015, 2016 e 2017 e que respeitam a facturas emitidas pela sociedade U..., que se encontram descritas: F) O Relatório de Inspecção Tributária, que aqui se dá como reproduzido, fundamenta as correcções em causa, na parte relevante, nos seguintes termos: III-2.2.2 – Correções em sede de IRC III-2.2.2.1 — Depreciações de aquisições efetuadas em 2012 e 2013 O sujeito passivo facultou-nos os elementos contabilísticos relativos aos exercícios de 2014 a 2018 que solicitámos. No entanto, não nos facultou elementos contabilísticos anteriores a 2014, que também solicitámos, esclarecendo que os mesmos foram alvo de um roubo a 21-12-2013, juntando um auto de notícia elaborado pela GNR a título de prova. No entanto, para além de não nos ter facultado documentos anteriores a 2014 também não nos facultou os registos contabilísticos, que seriam dados informatizados. No auto de notícia a gerente de facto da O... refere apenas o roubo de documentos, e não de um computador. Analisando os mapas de amortizações relativos aos exercícios de 2014 a 2017 constatámos que nestes exercícios estão a ser depreciados bens adquiridos em 2012 e 2013. Relativamente aos bens cuja aquisição foi alvo de um subsídio do QREN solicitamos à entidade responsável pela atribuição do subsídio, através do Ofício no 2019S000012573 de 15/01/2019 para nos remeterem os documentos comprovativos dessas aquisições, o que veio acontecer, através de e-mail que nos foi remetido em 16/01/2019. No entanto, relativamente aos bens cuja compra não foi subsidiada não dispomos de qualquer documento, uma vez que o sujeito passivo não os facultou. Sendo a gerente de facto Contabilista Certificada, tinha que ter conhecimento de que apenas poderia ser reconhecer como gasto em sede de IRC e deduzir IVA, desde que tivesse na sua posse faturas passadas em forma legal. Estipula o n.ºs 3 e 4 do art.º 23.º do CIRC o seguinte: 3 Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito. 4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos: a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário; b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional; c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados; d) Valor da contraprestação, designadamente o preço; e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados." Ademais, o n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LCT) estabelece que a regra do ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos invocados no procedimento tributário recai sobre quem os invoque. Assim, para que a administração tributária se pronuncie sobre a legitimidade do gasto deduzido impõe-se ao contribuinte demonstrar a existência dos pressupostos que lhe conferiram o direito à dedução do gasto e a sua conformidade com as normas legais que lhes estão subjacentes. Para aferir da legitimidade dos gastos referidos, impõe-se a necessária verificação da existência dos pressupostos e sua conformidade com as normas legais aplicáveis, nomeadamente a observância dos registos contabilísticos e requisitos dos documentos que suportam o gasto deduzido, uma vez que o no 4 do artigo 123.º do Código do IRC refere que "Os livros, registos contabilísticos e respetivos documentos de suporte devem ser conservados em boa ordem durante o prazo de 10 anos." Nos termos do disposto nos n.ºs 3 e 4 do art.º 23.º do Código do IRC só são aceites como gastos quando estejam documentalmente comprovados. Assim, iremos proceder à desconsideração das amortizações do Ativo Fixo Intangível e as depreciações do Ativo Fixo Tangível dos bens adquiridos antes de 2014 cuja documentação de aquisição não nos foi facultada e que constam dos mapas das amortizações e depreciações na posse do sujeito passivo, que nos foram entregues (anexo 1) […] III.2.2.2.3- Depreciações relacionadas com faturas emitidas peta U... - 2014 a 2017 Foi concluído em função do descrito no ponto III.1, haver indícios fundados de que as faturas emitidas pela U..., não titulam qualquer transmissão/prestação de serviços. Assim, serão desconsideradas as depreciações dos Ativos Fixos Tangíveis reconhecidos como gasto nos anos de 2014 a 2017, nos termos do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º do Código da IRC, em virtude das faturas em causa não titularem transmissão de bens/prestação de serviços efetuadas por aquela empresa. A partir do documento que nos foi enviada pela Contabilista Certificada Sra A…, por email de 11/01/20191 (anexo 2) e dos mapas de amortizações e depreciações que nos foram entregues (anexo 1), serão desconsideradas, por anos, as seguintes depreciações: G) No Relatório de Inspecção Tributária, as correções efectuadas quanto às depreciações relacionadas com faturas emitidas pela U..., nos exercícios de 2014 a 2017, encontram-se justificadas com base em considerações formuladas em relação a esta última entidade, enquanto fornecedora dos bens, que são assim sintetizadas: III-1.2 — Conclusão a) Tendo presente o exposto será de concluir que o sujeito passivo declarou compras e deduziu IVA, no período de 2014 a 2018, sem suporte documental; b) Quanto às fotocópias dos documentos que nos foram entregues relativas ao período de 2006 a 2008, não há evidência contabilística, declarativa, nem outro elemento concreto que comprovasse que aquelas compras se tenham verificado; c) Não foram apresentados os originais dos documentos de 2006, 2007 e 2008, com os quais pretendeu provar de que tinha adquirido os bens que supostamente vendeu à O... nem os meios financeiros utilizados para o pagamento das mencionadas faturas; d) Como já foi referido anteriormente, a U..., tomou a iniciativa de emitir diversas notas de crédito, em 18/10/2018 (seis dias antes do início do procedimento inspetivo) relacionados com bens/prestação de serviços constantes em faturas emitidas à O..., o que vem comprovar que a U... emitiu faturas sem que consubstanciassem efetivas transações; e) O comportamento da U... pelo menos anos de 2014 a 2018, ao deduzir IVA e considerar gastos, em sede de IRC, sem suporte documental, ou registos contabilísticos, propiciou que a O… deduzisse indevidamente IVA e solicitasse os respetivos reembolsos de valor superior àquele que teria direito e considerasse indevidamente gastos, em sede de IRC; f) A U... não tem estrutura empresarial adequada para efetuar aquela quantidade de vendas/prestação de serviços, pelos motivos apontados ao longo do presente relatório; g) Concluímos que os documentos que nos foram entregues não titulam compras efetuadas pela U..., nos anos de 2006 a 2008, relacionadas com as faturas emitidas à O…, entre 2014 a -2018, pelo que, as faturas emitidas pela U... à O..., serão consideradas "falsas por não titularem qualquer transação. h) Pelo facto da Sra D a M…, ser gerente de facto e Contabilista Certificado, de ambas as empresas, a mesma sabia que os bens constante das faturas emitidas pela U..., não poderiam ter sido vendidos pela U..., já que, não logrou provar, através dos documentos que foram apresentados, nos termos do art.º 74.º, n.º 1, da LGT, que os bens na posse da O..., relacionados com os inventariados por nós, em 28/01/2019, tenham sido adquiridas à U..., bem como aqueles que não foram inventariados por nós. i) Consta do procedimento inspetivo no âmbito da Ordem de Serviço no 01200800771, de 27/02/2008, que o sujeito passivo não detinha em 10/07/2008, o valor dos bens relativo aos documentos que nos foram entregues (que têm todos datas a anteriores 10/07/2008) para justificar o inventário alegadamente elaborado em 30/10/2013. Em face do que foi exposto. concluímos que as faturas emitidas pela U... à O..., não titulam transmissões de bens e prestacões de serviços por aquela realizados. H) No decurso do procedimento inspectivo, a Autoridade Tributária, ao abrigo do Despacho n.º DI201900030, elaborou um auto de inventário de bens existentes na unidade hoteleira pertencente à Requerente, que constitui o documento n.º 5 junto ao pedido arbitral, e que aqui se dá como reproduzido. I) A solicitação da Requerente, a Autoridade Tributária emitiu certidão, que constitui o documento n.º 6 junto ao pedido, da qual consta a informação do inspector tributário que procedeu ao auto de inventário, e que é do seguinte teor: 1. Encontrando-se a decorrer uma ação inspetiva externa ao SP desenvolvido ao abrigo das ordens de serviço 0120180431617/8/9/20 com extensão ao período 2014 a 2018, tornou-se pertinente efetuar um controlo dos bens situados nas instalações do SP em janeiro de 2019; 2. Nesse sentido, deslocámo-nos ao "C… Hotel", sito na G…, Ponte de Lima, a 28-01-2019, tendo verificado, por amostragem, que os bens alvo de faturação pela U..., Lda. (NIF 5…) ao SP entre 2014 e 2018 se encontravam efetivamente no Hotel. 3. Foi elaborado um "Auto de Inventário", cujas cópias foram facultadas ao SP e juntas aos processos 01201804316/7/819/20 e 01201804312/3/4/01201900468/91, que se pretendiam informar. 4. Cumpridos os propósitos do presente Despacho, propomos o encerramento do mesmo. J) Em 1 de Outubro de 2019, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra os actos de liquidação em IRC relativos aos exercícios de 2014, 2015, 2016 e 2017, a que foi atribuída o n.º 3182210904004159. K) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 15 de Julho de 2020 do Chefe de Divisão dos Serviços de Finanças, praticado ao abrigo de subdelegação de competências, e que manifestou concordância com a informação dos serviços, que constitui o documento n.º 1 junto com o pedido, que aqui dá como reproduzido, e, no essencial mantém as conclusões do Relatório de Inspecção Tributária. L) Em 1 de Outubro de 2019, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra o acto de liquidação em IRC relativo ao exercício de 2018, a que foi atribuída o n.º 3182210904004132. M) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 15 de Julho de 2020 do Chefe de Divisão dos Serviços de Finanças, praticado ao abrigo de subdelegação de competências, e que manifestou concordância com a informação dos serviços, que constitui o documento n.º 4 junto com o pedido, e, na parte relevante, é do seguinte teor: Da apreciação do pedido 1. Em 2019/05/24, a reclamante apresentou a declaração Modelo 22 referente ao exercício de 2018, na qual foi apurado um lucro tributável de € 23.751,73. 2. Em sede de reclamação graciosa vem solicitar que a matéria coletável do exercício de 2018 possa ter em consideração os prejuízos dedutíveis de exercícios anteriores, cuja utilização não se mostrou possível em sede de autoliquidação, pelo facto de os mesmos terem sido utlizados no âmbito de liquidações adicionais efetuadas aos exercícios de 2014 a 2017, decorrentes de correções efetuadas pelos serviços de inspeção, no âmbito das ordens de serviço n.ºs 01201804316/7/8/9. 3. Tendo interposto a reclamação graciosa n.º 3182201904004159, pondo em causa as correções suprareferidas, efetuadas aos exercícios de 2014 a 2017, defende agora a correção à matéria coletável apurada no ano de 2018. 4. No entanto, o processo de reclamação graciosa n.º 3182201904004159 encontra-se ainda pendente de decisão. 5. Deste modo, encontrando-se pendente de decisão a reclamação graciosa supra identificada, referente aos exercícios de 2014 a 2017, deverá a reclamante aguardar o trânsito em julgado da decisão que venha a ser proferida no âmbito do referido processo, que caso lhe venha a ser favorável produzirá os respetivos efeitos na sua esfera de tributação, por via de correções a efetuar oficiosamente pela Administração Fiscal. 6. Assim resulta do disposto no art. 100.º da LCT, que determina que "A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.". CONCLUSÃO Perante o exposto, entende-se que a reclamação graciosa em apreço deve ser INDEFERIDA. N) O pedido arbitral deu entrada em 30 de Outubro de 2020.»
A título de factualidade não provada exarou-se na decisão impugnada que: «Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.» * III. 2 - De direito
Nas conclusões 1ª a 13ª a Impugnante invoca que o Tribunal Arbitral ao prosseguir com o processo e proferir a decisão impugnada reclamou para si uma competência igual à dos Tribunais Tributários, quando não o podia fazer, atenta a existência de um eventual crime fiscal, circunstância que o impedia de pronunciar-se sobre a questão da facturação falsa por esta não visar «directa e imediatamente a apreciação da legalidade da liquidação, mas antes directa e imediatamente, atenta a prova que se irá produzir, a qualificação de um comportamento como tipificando, ou não, um comportamento ilícito.» Conclui que o «Tribunal Arbitral não se limitou a apreciar da (i)legalidade de uma liquidação, mas antes, tinha que decidir, tal como o pedido e causa de pedir vêm configuradas, da ilicitude ou não de um comportamento como constituindo, ou não, simulação e isso, nos termos do art. 2º do RJAT e da Portaria de Vinculação não cabe nas suas competências.» A Impugnada sustenta a decisão impugnada por considerar que o CAAD não extravasou os limites da sua competência, nem ficou aquém do que lhe competia, ao declarar a ilegalidade de actos de liquidação de tributos conforme resulta do disposto no artigo 2.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), pugnando pela improcedência de tal excepção, concluindo que o que verdadeiramente vem invocado é a existência de erro de julgamento, devendo a impugnação ser julgada improcedente. A primeira questão que se impõe decidir, é a de saber se a decisão arbitral é nula por ter incorrido em pronúncia indevida, por o Tribunal Arbitral ter excedido a sua competência, em razão da matéria. Como se sabe, a recorribilidade da decisão arbitral é limitada, nos termos do artigo 25.º do RJAT ao recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in)constitucionalidade, ou para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos. A decisão arbitral em matéria tributária é ainda susceptível de anulação pelo Tribunal Central Administrativo no que se refere aos aspectos de competência, procedimento e forma, constituindo os fundamentos de impugnação os indicados taxativamente no artigo 28.º, n.º 1, do RJAT nos seguintes termos: a) Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; b) Oposição dos fundamentos com a decisão; c) Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia; d) E violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º, do diploma. O elenco dos fundamentos de impugnação tem sido entendido pela doutrina e pela jurisprudência como «taxativa» (neste sentido vide, Jorge Lopes de Sousa, in Guia da Arbitragem Tributária, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Almedina, 3.ª Edição, págs. 244 e segs e Acórdãos deste Tribunal, entre outros, os processos n.º 123/21.2BCLSB de 13/09/2023 e n.º 31/21.7BCLSB, de 13/07/2023). Os três primeiros fundamentos de impugnação correspondem aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, estatuídos nos termos do artigo 125.º do CPPT (correspondendo à previsão nas alíneas b), c) e d), do artigo 615.º, n.º 1, do CPC). No entanto, constitui também entendimento pacífico que a «pronúncia indevida» a que se refere a alínea c) do n.º 1, do artigo 28.º do RJAT não se esgota no conceito de excesso de pronúncia, podendo assumir contornos mais abrangentes do que o conceito previsto nos artigos 125.º do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC. Como sublinha Jorge Lopes de Sousa «(…) parece que se deverão considerar como situações de «pronúncia indevida» aquelas em que o Tribunal Arbitral excedeu a sua competência ou a sua composição é irregular, para além daquelas em que decisão for proferida para além do prazo máximo aplicável, cujo decurso extingue o poder jurisdicional.» (vide ob. cit., pág. 246). Ainda sobre a mesma questão impõe-se ter presente que o Tribunal Constitucional, já se pronunciou sobre a questão no acórdão n.º 177/2016, proferido em 29/03/2016 no processo n.º 126/15. Embora o Tribunal Constitucional não tenha conhecido da questão relativa à desconformidade constitucional da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pronunciou-se sentido de «julgar inconstitucional a alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na interpretação normativa de que o conceito de «pronúncia indevida» não abrange a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral, por violação concomitante dos artigos 20.º e 209.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.» O RJAT aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro estabelece o enquadramento normativo dos termos em que a arbitragem pode constituir um meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributário. Dispõe o artigo 2.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT sobre a competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável: «1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; c) revogada 2 - Os tribunais arbitrais decidem de acordo com o direito constituído, sendo vedado o recurso à equidade.» Na delimitação da competência dos tribunais arbitrais há que ter em conta a aludida norma enquanto norma habilitante das questões que são susceptíveis de serem submetidas à jurisdição arbitral tributária. Haverá ainda que ter em consideração na delimitação do âmbito de tal jurisdição os termos em que a administração tributária se vinculou à jurisdição dos tribunais arbitrais, conforme decorre do disposto no n.º 1, do artigo 4.º do RJAT, tendo presente o carácter voluntário no que se refere ao acesso à jurisdição arbitral, uma vez que a arbitragem tributária deve ser um direito potestativo dos contribuintes, conforme resulta do disposto no n.º 3 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010 de 28 de Abril (Orçamento de Estado para 2010 que autorizou o Governo a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária). Dispõe o n.º 1, do artigo 4.º do RJAT que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.» Por seu turno, dispõe-se artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, estatuiu sobre o objecto da vinculação, na parte que releva para a decisão da questão em causa nos autos o seguinte: «Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes: a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário; b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão; (…).» No caso dos autos, conforme se retira do requerimento de impugnação: «7ª) Invocou a então requerente, designadamente, que as correcções à O... se basearam no n.º 3 do art. 19º do CIVA, invocando a AT que as faturas emitidas pela U... à O... , não titulam transmissões de bens e prestações de serviços por aquela realizados, daí automaticamente retirando as consequências para desconsiderar os respectivos custos em IRC. 8ª) Ou seja, esteve em causa analisar no processo arbitral um eventual esquema de facturação falsa.» Compulsado o processo arbitral constatamos que a AT procedeu a correcções no âmbito da acção inspectiva que levou a efeito à contabilidade da impugnada, consistindo tais correcções na desconsideração dos gastos deduzidos com as facturas que a AT reputou de falsas, no entendimento de que as operações subjacentes eram inexistentes. Ora, as correcções descritas conduziram à emissão das liquidações cuja impugnabilidade cabe no âmbito de aplicação do artigo 2.º, n.º 1 a) do RJAT. Dito de outro modo, cabe no âmbito da competência do Tribunal Arbitral constituído nos presentes autos, o conhecimento do pedido de anulação das liquidações em causa porquanto o processo arbitral tem por objecto a apreciação de pretensões referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, relativas a impostos cuja administração foi cometida à DGCI, como sucede com o IRC. Isto por força da vinculação da AT que resulta do artigo 2.º da aludida Portaria e do facto do circunstancialismo dos autos não se encontrar excepcionado nas diversas alíneas da referida norma. Do que se deixou dito resulta a conclusão de que a impugnação de correcções decorrentes da desconsideração de gastos no caso de operações simulação não estão excluídos do âmbito da jurisdição arbitral tributária. Improcede, pois o fundamento de impugnação apreciado. Na presente impugnação, vem ainda invocada a pronúncia indevida no entendimento de que a competência do Tribunal arbitral não é igual à dos Tribunais Tributários atenta a existência de um eventual crime fiscal, o que o impedia de pronunciar-se sobre a questão da facturação falsa por esta não visar directa e imediatamente a apreciação da legalidade da liquidação, mas antes a qualificação de um comportamento como tipificando, ou não, um comportamento ilícito. Sustenta a sua alegação no disposto no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT e na Portaria n.º 112-A/2011, por a declaração de ilegalidade dos actos de fixação da matéria tributável só integrar a competência dos tribunais arbitrais quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo. Mal se percebe a invocação deste argumento. Não só não está em causa a apreciação da existência de um eventual crime fiscal nem a qualificação de um comportamento como tipificando, ou não, um comportamento ilícito, cuja competência cai no âmbito da competência dos tribunais criminais, como no caso, claramente a acção de inspecção deu origem a várias liquidações que foram objecto de pedido de anulação pela impugnada, pelo que também aqui lhe falece a razão. Como se referiu em Acórdão deste Tribunal Central Administrativo, em que são as mesmas partes, tendo subjacente a mesma acção de inspecção e embora relativa a IVA, é aqui inteiramente aplicável, tendo presente que a aqui relatora integrou a formação que julgou o processo 123/21.2BCLSB julgamento que aqui se reitera: «Com o devido respeito, a Impugnante confunde o objecto de dois processos distintos. Na apreciação da legalidade das liquidações apura-se se a conclusão que a AT retirou dos indícios que recolheu quanto ao emitente lhe permitem extrair que as operações em que o contribuinte esteve envolvido eram simuladas e, nesse pressuposto, que lhe seja negado o direito à dedução do imposto ao abrigo do n.º 3 do artigo 19.º do CIVA. No processo criminal apura-se a qualificação criminal desses mesmos factos.» Quanto ao fundamento de impugnação na alínea 10ª em que a impugnante invoca que o tribunal arbitral não tem as mesmas competências que os tribunais tributários no que se refere às diligências de descoberta da verdade material, repristina-se o que se deixou dito no citado Acórdão proferido no processo 123/21.2BCLSB: «Assim, cabe na competência dos tribunais arbitrais a apreciação da legalidade de actos de liquidação de tributo, como o IVA, alicerçados na rejeição do direito à dedução do imposto por parte da aqui impugnada a coberto do n.º 3, do artigo 19.º do CIVA, como resulta da alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT. e 14ª a 22ª, A lei não limita, nem exclui dos poderes de cognição do tribunal arbitral a apreciação da legalidade de liquidações de tributos assente em factos também objecto de investigação criminal corporizado em processo de inquérito. Constituindo o processo arbitral tributário um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial, nos termos do n.º 1, do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (OE 2010), tem como efeito, neste meio processual, que os poderes de cognição do tribunal arbitral sejam equivalentes aos que os tribunais tributários podem exercer no processo de impugnação judicial. Na verdade, na apreciação da legalidade de actos de liquidação do IVA, como os dos presentes autos, o Tribunal julga se a administração fiscal demonstrou a existência da declaração formal fundamentadora do seu juízo subjectivo quanto à existência de deduções superiores às devidas e se provou a pertinência desse juízo, pela enunciação de elementos fáctico-jurídicos convincentes de indícios sérios (que traduzam uma probabilidade elevada) de que as operações referidas nas facturas cujo IVA foi deduzido são simuladas. E logrando a administração fiscal fazer prova do bem fundado da formação do seu juízo, cabe ao contribuinte provar ou não provar, em tribunal, a existência dos factos tributários que subjazem à dedução do imposto que efectuou. É entendimento consolidado e pacífico na nossa jurisprudência que a aferição da legalidade da actuação da administração tributária está limitada pelos termos da fundamentação de facto e de direito do acto, sendo que no contencioso tributário, de mera legalidade, o tribunal só pode formular o seu juízo sobre a validade do acto à luz da fundamentação contextual integrante do próprio acto. Ora, analisada a decisão arbitral constata-se que a mesma se moveu dentro da competência do tribunal arbitral, uma vez que se limitou à apreciação da legalidade dos actos de liquidação (…)» Vejamos agora as alíneas 14ª) a 22ª) em que a impugnante invoca omissão de pronúncia, quanto à existência ou não de fortes indícios de que as facturas em causa correspondiam a operações simuladas. O vício de nulidade por omissão de pronúncia a que alude o artigo 28.º, n.º 1 c) do RJAT, correspondente ao artigo 125.º, n.º 1 do CPPT, está directamente relacionado com a imposição que resulta do n.º 2, do artigo 608.º do CPC, que exige ao juiz que resolva todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não o fazendo, então a lei fere com nulidade a sentença proferida. É entendimento pacífico e reiterado da nossa jurisprudência que só se verifica esta nulidade quando existe a violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões que deva apreciar. No entanto, não deve confundir-se questões a decidir com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes, pois, quanto a estes não está o tribunal obrigado a dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido. Deste modo, como salienta Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e comentado, vol. II, Edição de 2011, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia só ocorre nos casos em que o Tribunal «pura e simplesmente não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela conhecer. No entanto, ainda que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela.» No caso dos autos, a impugnada requereu a constituição de tribunal arbitral com vista à apreciação da ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IRC referentes aos exercícios de 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018, e correspondentes juros compensatórios, liquidações de IRC feitas com base nas correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária concluindo a final que «o pedido de pronúncia arbitral seja julgado totalmente procedente por provado e, consequentemente, devem os actos tributários ser totalmente anulados, bem como os respetivos juros compensatórios.» A primeira questão identificada pelo tribunal como questão a decidir foi a seguinte: «a desconsideração fiscal de depreciações, na esfera jurídica da Requerente, relacionadas com a aquisição de bens que tinham como suporte documental facturas emitidas pela U..., e que os serviços inspectivos concluíram que não titulavam qualquer transmissão ou prestação de serviços.» Analisada a decisão arbitral resulta claramente que o tribunal apreciou a fundamentação constante do relatório em que se sustentaram as correcções e do qual resultaram as liquidações de IRC impugnadas, julgando-a não provada. Tal julgamento pode estar errado, no entanto, o erro de julgamento não integra a competência material deste tribunal, pois, como se deixou dito supra, apenas sofre de omissão de pronúncia. Reiterando o que se disse no Acórdão proferido no processo n.º 123/21.2BCLSB «A Impugnante não se conforma com a decisão arbitral, mas a sua pretensão reconduz-se a erro de julgamento, invocado sobre as vestes de omissão de pronúncia, por saber que o julgamento da matéria de facto e sua valoração, bem como a interpretação e aplicação do direito que foi feita no acórdão impugnado, escapa aos poderes cassatórios legalmente atribuídos a este Tribunal, como de resto a Impugnante afirma nas conclusões 14 e 26 da alegação, visto que toda a sua argumentação é de discordância com os pressupostos de facto e de direito expressos na decisão arbitral, por no seu entendimento a questão ter sido erradamente julgada e padecer de erro de valoração da prova (…)» Assim, importa concluir que a alegada omissão de pronúncia sobre questões de que cumpre conhecer não se comprova nos autos. Em face do exposto improcede na totalidade a presente impugnação da decisão arbitral proferida no processo n.º 587/2020-T, por não padecer dos vícios que lhe vêm imputados, devendo ser mantida na ordem jurídica. * IV – CONCLUSÕES A impugnação de actos tributários que resultaram de correcções decorrentes da desconsideração pela AT de gastos, fundamentadas na inexistência das operações não estão excluídos do âmbito da jurisdição arbitral tributária, pelo que não se verifica a pronúncia indevida por não ter sido excedida a sua competência. V – DECISÃO Termos em que, acordam os Juízes que integram a Subsecção Comum do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo, em julgar improcedente a impugnação da decisão arbitral. Custas pela impugnante. Registe e notifique. Lisboa, 7 de Novembro de 2024. Após trânsito em julgado, remeta cópia do presente acórdão ao processo de inquérito n.º 215/19.8IDPRT, a correr termos no Ministério Público – Procuradoria da Comarca do Porto, DIAP – Secção de Valongo. Ana Cristina Carvalho - Relatora Tânia Meireles da Cunha – 1.ª Adjunta Teresa Costa Alemão – 2.ª Adjunta |