Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9465/16.8BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:04/29/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sumário:Os autos demonstram uma omissão que afectou negativamente direitos de uma das partes (a ATA), pois impediu-a de levar ao conhecimento do Senhor Árbitro um requerimento julgado relevante para a decisão da causa, no qual a mesma defendia o seu interesse em produzir alegações sucessivas.
O princípio do contraditório (princípio básico do nosso direito processual reconhecido genericamente no artigo 3.º, do CPC), consagrado no artigo 16.º, alínea a), do RJAT, deve ser assegurado através da faculdade conferida às partes de se pronunciarem sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

I..., apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral singular, visando (i) a anulação dos actos de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre as Transmissões de Imóveis e de Imposto do Selo e (ii) a condenação da Administração Tributária e Aduaneira (ATA) ao pagamento de juros indemnizatórios por pagamento indevido do imposto.

O CAAD, por decisão de 27/02/16, julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, anulou o IMT sindicado (o IS foi, entretanto, anulado pela ATA), determinou a sua restituição, reconhecendo, ainda, o direito a juros indemnizatórios pelo pagamento indevido do imposto.

Inconformada, a ATA deduziu a presente impugnação, tendo formulado as conclusões seguintes:

1.ª A presente impugnação visa reagir contra a decisão arbitral proferida a 2016-02-27 pelo Tribunal Arbitral Singular constituído no CAAD que julgou procedente o pedido de anulação da liquidação de IMT no valor de € 5.980,00;

2.ª A Impugnante não concorda nem se pode conformar nos termos legais com a decisão proferida pelo referido Tribunal Arbitral Singular, porquanto a mesma foi prolatada em violação do princípio do contraditório [artigo 28.º/1-d) do RJAT];

3.ª A apresentação de alegações finais não só concretiza um direito ao contraditório, como também um meio de defesa que deve assistir a ambas as partes, sendo que a possibilidade de as mesmas virem a ser dispensadas mediante acordo (cfr. artigo 18.º/2 do RJAT) nem por isso as torna um ato inútil, desnecessário ou sequer uma manobra dilatória destinada a entorpecer o regular andamento processual;

4.ª Após quase 4 (quatro) meses de inércia, o Tribunal Arbitral Singular proferiu o despacho de 2016-02-02, nos termos do qual comunicou às partes (i) que, de facto, se lhe afigurava desnecessária a realização da reunião a que alude o artigo 18.0 do RJAT e (ii) que designava o dia 2016-02-28 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

5.ª Notificada que foi do teor daquele despacho, no dia seguinte a Impugnante dirigiu ao Tribunal Arbitral Singular um requerimento nos termos do qual: (i) chamava a atenção ao tribunal para o facto de o despacho arbitral não esclarecer, como deveria, se haveria lugar, ou não, à apresentação de alegações finais; (ii) comunicava ao tribunal que não prescindia de apresentar as suas alegações finais, dado existirem aspetos sobre os quais deseja pronunciar-se e que são relevantes para a boa decisão da causa, designadamente face ao teor do contraditório apresentado pela Impugnada a 2015-10-15; e (iii) solicitava que a apresentação das alegações finais fosse feita sob a forma escrita e sucessiva , pois que sempre seria essa a forma pelas quais elas decorreriam (oralmente) em audiência e porque é pela forma sucessiva que se assegura o efetivo respeito pelos basilares princípios do contraditório e da igualdade das partes, conforme estabelece o artigo 16.º-a) e b) do RJAT (cfr. DOCUMENTO 1 ORA JUNTO).

6.ª Por mensagem de correio-eletrónico expedida a 2016-02-03 a Impugnante remeteu ao CAAD o referido requerimento, ou seja, o mesmo foi tempestivamente apresentado e pela forma processual exigida (cfr. DOCUMENTOS 2 E 3 ORA JUNTOS);

7.ª A referida mensagem foi efetivamente remetida e entregue ao CAAD, não foi por este recusada ou devolvida por qualquer razão técnica, tendo a Impugnante recebido um recibo de entrega (cfr. DOCUMENTO 4 ORA JUNTO);

8.ª A Impugnante confiou que o CAAD tinha recebido o requerimento por si remetido e que o tinha feito chegar aos respetivos autos arbitrais;

9.ª Porém, tal não veio a suceder na medida em que o referido requerimento enviado pela Impugnante nunca foi inserido no sistema de gestão processual do CAAD (cfr. DOCUMENTO 4 ORA JUNTO);

10.ª Muito embora o extrato retirado do sistema gestão processual (corporizado no DOCUMENTO 4 ORA JUNTO) indique na 1.ª linha do rodapé a menção "2016-02-04 Requerimento da Requerida Processo Arbitral v...", tal menção não corresponde à realidade, pois (i) nem o requerimento ali mencionado é da Requerida-ora Impugnante , mas sim da Requerente-ora Impugnada (ii) nem tal requerimento é datado de 2016-02-04 , mas sim de 2015-10-14 . Por outras palavras, aquela menção reporta-se, sim, ao articulado apresentado a 2015-10-14 pela Impugnada, articulado esse por via do qual esta última exerceu o contraditório que lhe assistia face à defesa por exceção deduzida pela Impugnante na sua Resposta (cfr. págs. 105 a 111 da CERTIDÃO DO PROCESSO ARBITRAL);

11.ª A Impugnante tinha a legítima expetativa de que o seu requerimento seria alvo de despacho por parte do Tribunal Arbitral Singular antes da emissão da decisão arbitral ora colocada em crise e que, por essa via, ser-lhe-ia conferida a prerrogativa de apresentar as suas alegações finais;

12.ª Porém, nada disso ocorreu, uma vez que aquilo que formalmente de seguiu ao despacho de 2016-02-02 do Tribunal Arbitral Singular foi a decisão arbitral proferida por aquele a 2016-02-27;

13.ª Ora, em caso algum podem as partes ser prejudicadas pelos erros e/ou omissões praticados pelas secretarias [artigo 157.º/6 do CPC, ex vi do artigo 29.º/1-e) do RJAT];

14.ª A não junção aos autos do requerimento tempestivamente apresentado pela Impugnante traduziu-se numa violação do princípio do contraditório, porquanto a secretaria do CAAD amputou à Impugnante um basilar meio processual que lhe assistia e com isso retirou-lhe um dos mais básicos direitos que o ordenamento jurídico lhe atribui;

15.ª Perante um requerimento por via do qual uma das partes comunica ao tribunal não prescindir de apresentar as suas alegações (dado existirem aspetos sobre os quais desejava pronunciar-se, designadamente face ao teor do contraditório apresentado pela contraparte), forçoso se tornava o atendimento de tal pedido, sendo certo que não seria pela apresentação de alegações finais escritas (por exemplo, no prazo supletivo legal) que produziria uma irrazoável dilação da prolação da decisão final;

16.ª Em suma, o requerimento por via do qual a Impugnante comunicou ao tribunal não prescindir de apresentar as suas alegações, apesar de tempestiva e formalmente apresentado, nunca foi levado, como devia, ao conhecimento do julgador arbitral e, por essa via, contribuiu para a prolação de uma decisão afrontadora do basilar princípio do contraditório.

17.ª Motivo pelo qual não deve ser mantida na ordem jurídica a decisão arbitral ora colocada em crise, devendo antes ser aquela declarada nula.

Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve a presente Impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, ser declarada nula a decisão arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA»


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A Impugnada optou por não contra-alegar.

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal foi notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), nada tendo dito.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.


Assim sendo, a única questão que constitui objecto da presente impugnação, atento o exposto e as conclusões das alegações formuladas, consiste saber se foi, in casu, violado o princípio do contraditório.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«3.1.1. A Requerente adquiriu, por escritura pública outorgada no dia 25.02.2010, pelo preço de € 92.000,00 (noventa e dois mil euros), o direito de superfície da fracção autónoma designada pelas letras “CB" do prédio urbano em regime de propriedade horizontal identificado por "M...", sito na Ponta da Areia, Praia da Rocha, Portimão, inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho de Portimão sob o artigo 1... (doc. n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

3.1.2. À M... foi atribuída a utilidade turística a título prévio, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05.12, conforme despacho do Ministro do Turismo publicado no Diário da República, n.º 269, III Série, de 16.11.2004.

3.1.3. A Requerida reconheceu, a 23.02.2010, ao abrigo do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05.12, que a aquisição do Imóvel por parte da Requerente beneficiava da isenção do IMT e da redução do IS (verba 1.1.) a um quinto (docs. de fls. 4 e 5 do processo administrativo junto com a resposta da Requerida ao pedido de pronúncia arbitral).

3.1.4. Pelo ofício n.º 74 de 07.01.2015, o Serviço de Finanças de Portimão comunicou à Requerente o entendimento de que devia ficar sem efeito a isenção e a redução concedidas a 23.02.2010 e, consequentemente, a sua pretensão de efectuar a respectiva liquidação de IMT e de IS (doc. n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

3.1.5. A Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, recebida nos serviços da Requerida a 29.01.2015 (doc. de fls. 9 do processo administrativo junto com a resposta da Requerida ao pedido de pronúncia arbitral).

3.1.6. Pelo ofício n.º 1678 de 18.02.2015 foi comunicado à Requerente o despacho da Chefe do Serviço de Finanças de Portimão que havia revogado a isenção e a redução concedidas em 2010, notificando-se a Requerente para proceder ao pagamento da liquidação adicional de € 5.980,00 de IMT e de € 588,80 de IS (doc. n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

3.1.7. A Requerente procedeu ao pagamento das quantias de € 5.980,00 de IMT e de € 588,80 de IS no dia 17.03.2015 (doc. sem número junto aos autos com o pedido de pronúncia arbitral).

3.1.8. A Requerida anulou entretanto o acto de liquidação de € 588,80 referente ao IS (consenso das Partes).

3.2. Factos não provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.»



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- De Direito

Já antes deixámos assinalada a única questão que aqui nos ocupará, a saber: a eventual preterição do princípio do contraditório, por parte do Tribunal Arbitral.

Vejamos, então, começando por deixar esclarecido que, como se considerou no acórdão desta secção proferido em 18/04/18, no processo nº nº121/17.0BCLSB, “O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT).

Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.

No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.

Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.

Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.

Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A.

Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in)constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.

Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).

Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6, nº.2, al.b), do RJAT.

Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:

1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

2-Oposição dos fundamentos com a decisão;

3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.

Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do CPCivil.

E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.)”.

Feito este enquadramento, avancemos.

O artigo 16° do RJAT dispõe sobre os princípios processuais do processo arbitral, designadamente sobre o princípio do contraditório.

Aí se estabelece, além do mais, que “Constituem princípios do processo arbitral: a) O contraditório, assegurado, designadamente, através da faculdade conferida às partes de se pronunciarem sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo”.

Ora, no caso e em síntese, a posição da Impugnante é a seguinte:

- notificada do despacho do Tribunal Arbitral que dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e que designou a data limite para a prolação da decisão arbitral, a Impugnante, no dia seguinte, dirigiu ao processo um requerimento em que, além do mais, comunicava não prescindir de apresentar as suas alegações finais, sob a forma escrita e sucessiva;

- contudo, a mensagem de correio-electrónico remetida ao CAAD, expedida em 03/02/16, com tal requerimento em anexo, apesar de entregue ao destinatário, não foi inserida no sistema de gestão processual do CAAD, pelo que, contrariamente ao esperado, não lhe foi conferida a possibilidade de apresentar as suas alegações finais, pois, conforme evidenciam os autos, o Tribunal Arbitral proferiu a decisão impugnada sem a consideração do requerido;

- deste modo, a não junção aos autos do requerimento tempestivamente apresentado pela Impugnante traduziu-se numa violação do princípio do contraditório, porquanto a secretaria do CAAD amputou à Impugnante um basilar meio processual que lhe assistia e com isso retirou-lhe um dos mais básicos direitos que o ordenamento jurídico lhe atribui, o que determina a nulidade da decisão impugnada.

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer, mostrando-se essencial que deixemos devida nota das seguintes ocorrências processuais:

1 – Em 02/02/16, foi proferido, pelo Senhor Árbitro, no âmbito do processo arbitral nº 379/2015-T, despacho no qual foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, “por desnecessária” – cfr. fls. 101 do processo arbitral registado e consultado no CD em anexo.

2 – Em tal despacho o Senhor Árbitro considerou “estar em condições de proferir a decisão final do processo até ao dia 28-02-2016” – cfr. fls. 101 do processo arbitral registado e consultado no CD em anexo.

3 – Tal despacho foi comunicado às partes, através de email, na mesma data – cfr. fls. 102 a 104 do processo arbitral registado e consultado no CD em anexo.

4 – A fls 105 do processo arbitral registado e consultado no CD em anexo, após a notificação do despacho de 02/02/16, surge, a fls. 105, a menção à junção de requerimento da requerida, com a indicação de dois ficheiros anexos, com datas de 14/10/15;

5 – Conforme fls. 106 a 110 do processo arbitral registado e consultado no CD em anexo, os dois ficheiros correspondem ao email e requerimento dirigidos aos autos arbitrais, em 14/10/15, pela Requerente, no qual a mesma de pronunciava sobre a excepções invocadas pela ATA, Requerida, na resposta apresentada ao pedido arbitral;

6 – A fls. 111, 112 e 113 do processo arbitral registado e consultado no CD em anexo, constam comunicações do CAAD ao Senhor Árbitro e ao Mandatário da Requerida, datadas de 04/02/16, nas quais se alude a um “requerimento apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira”;

7 – O teor de tal requerimento, a que aludem tais comunicações, não consta do processo arbitral registado e consultado no CD em anexo;

8 – Seguidamente, consta dos autos registado e consultado no CD em anexo o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente, a decisão arbitral proferida, respectiva notificação e arquivamento do processo – cfr. fls. 114 até final do processo arbitral registado e consultado no CD em anexo

9 – Em 03/02/16 foi remetido ao CAAD, através do endereço geral@caad.org.pt, pelo jurista da ATA, A..., um requerimento dirigido ao processo nº 379/2015-T CAAD, com a designação “req 2 alegações finais IDA Correia – 379-2015-TCAAD.pdf”;

10 – De acordo com o documento junto a fls. 13 dos presentes autos, relativo à entrega da comunicação para a endereço geral@caad.org.pt a que se reporta o ponto anterior, aí consta:

“A entrega a estes destinatários ou grupos está concluída, mas não foi enviada nenhuma notificação de entrega pelo servidor de destino: geral@caad.org.pt (geral@caad.org.pt)”

11 – A fls. 10 e 11 dos autos consta o teor do requerimento a que alude o ponto 9 supra, no qual se pode ler o seguinte:


«Imagem no original»

Evidenciadas as ocorrências no processo que, do nosso ponto de vista, relevam para decidir a questão que ora nos ocupa, avancemos, tendo ainda presente que: no site do CAAD constam como emails de contacto os seguintes dois: geral@caad.org.pt e administrativa@caad.org.pt e, bem assim, que do papel timbrado do CAAD, utilizado em diversas peças processuais proferidas nos autos, consta o email geral@caad.org.pt (por exemplo, a fls. 29 e 35).

Vejamos, então, não suscitando dúvidas que a tramitação dos processos arbitrais é feita electronicamente e de forma desmaterializada, constituindo-se o Tribunal Arbitral através da submissão de um requerimento online, assegurando-se a gestão processual através de funcionalidade própria existente no site, a qual requer a identificação de um utilizador e senha (conforme consta do site do CAAD, https://www.caad.org.pt/).

Aproximemo-nos do caso concreto.

Não há dúvidas que no processo arbitral nº 379-2015-T foi dispensada a reunião do Tribunal Arbitral, a que alude o artigo 18º do RJAT, o que não suscita discórdia.

Resulta dos autos, de toda a sua tramitação detalhada de que deixámos conta, que, apesar da dispensa da apontada reunião, o Senhor Árbitro não dispensou expressamente as alegações subsequentes, nem ordenou a sua produção. Na verdade, sobre a possibilidade de serem apresentadas alegações, o Senhor Árbitro nada disse e, nessa conformidade, passou de imediato ao conhecimento do requerimento com o pedido arbitral e proferiu a decisão recorrida.

Ora, a ATA, aceitando a dispensa de reunião, sempre pretendeu produzir alegações, o que se mostra evidente face ao requerimento que deixámos transcrito no ponto 11 das ocorrências processuais que elencámos, mas também pela posição já antes manifestada e devidamente evidenciada no processo arbitral, a fls. 85.

Sucede, porém, como surge patenteado supra, que o teor do requerimento a que alude o ponto 11, remetido ao CAAD através do correio electrónico geral@caad.org.pt (o mesmo que surge no papel timbrado do CAAD junto aos autos, cfr. fls. 29 e 35) não foi incorporado no processo arbitral, apesar da comunicação electrónica ter sido entregue ao destinatário (cfr. pontos 9 e 10 das ocorrências processuais). Estranhamente, e não obstante o que se constatou, os autos evidenciam a comunicação ao Árbitro e à parte contrária, em 04/02/16, de um alegado requerimento apresentado pela ATA (cfr. ponto 6 das ocorrências aditadas). De resto, a ordem de registo do fluxo processual dos presentes autos arbitrais evidencia outra ocorrência dificilmente apreensível, tal como resulta dos pontos 4 e 5 por nós autonomizados.

Certo é – repete-se –que percorrido o CD com o registo do processo arbitral, o requerimento por nós reproduzido em 11 não consta dos autos, o que, aliás, explica que o Senhor Árbitro sobre ele não se tivesse pronunciado e tivesse passado ao conhecimento imediato do pedido arbitral, proferindo decisão ora impugnada.

Analisados os autos, tudo leva a crer que, por motivos que não são evidentes (mas que pouca importância assumem para a presente decisão), o requerimento a que alude o ponto 11 nunca chegou a ser inserido no sistema de gestão processual do CAAD, isto apesar de ter sido remetido para o endereço de correio electrónico geral@caad.org.pt (o mesmo que consta do papel timbrado do CAAD, utilizado em diversas ocasiões ao longo do processo, cfr. fls. 29 e 35).

Estamos, pois, perante uma situação que pode e deve ser equiparada a um erro ou omissão de actos praticados pela secretaria, nos termos previstos no artigo 157º do CPC, os quais não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.

Há, na situação gerada, efectivamente, uma omissão que afectou negativamente direitos de uma das partes (a ATA), pois impediu-a de levar ao conhecimento do Senhor Árbitro um requerimento julgado relevante para a decisão da causa, no qual a mesma defendia o seu interesse em produzir alegações sucessivas. Dito de outro modo, por razões não imputáveis à Impugnante, a ATA deixou de ver considerada pelo Tribunal a sua pretensão, expressa no requerimento transcrito em 11, pretensão esta que encontra eco na doutrina que defende que “Caso a reunião a que se refere o artigo 18.° seja dispensada o processo deverá prosseguir com alegações escritas por um período não superior a 10 dias que, como se viu, será sucessivo” (vide, Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Anotado, Coimbra, Almedina, pág. 403).

Há, pois, como sustentado, uma clara violação do princípio do contraditório.

O princípio do contraditório (princípio básico do nosso direito processual reconhecido genericamente no artigo 3.º, do CPC), consagrado no artigo 16.º, alínea a), do RJAT, deve ser assegurado através da faculdade conferida às partes de poderem pronunciar-se sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo. A concretização deste princípio está bem patente, por exemplo, no artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, no qual se concede à AT o exercício do direito de resposta ao requerimento apresentado pelo sujeito passivo. Outro afloramento deste princípio encontra-se no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, norma em que se impõe a audição das partes quanto a eventuais excepções que seja necessário apreciar e decidir antes de conhecer do pedido.

E, assim sendo, forçoso é concluir que o Tribunal Arbitral produziu uma decisão violadora do princípio do contraditório, impondo-se, consequentemente, a sua anulação (artigos 16.º, 17.º e 18.º, 25.º e 27.º e 28.º do DL n.º 10/2011 de 20 de Janeiro e 3.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 29.º do RJAT), o que aqui se determina.

Procedem, pois, as conclusões que vimos de analisar.

Sendo procedente a impugnação de uma decisão arbitral, o TCA Sul deve apenas declarar a nulidade da decisão e ordenar a devolução do processo para que o Tribunal Arbitral, com prévia consideração e apreciação do requerimento dirigido aos autos (cfr. ponto 11 supra), a reforme em consonância com o julgado rescisório deste Tribunal e, eventualmente, profira nova decisão sobre o mérito, da qual poderá caber recurso para o Tribunal Constitucional ou STA nos termos do artigo 25º do RJAT.

Nestes termos, e sem necessidade de maiores considerandos, conclui-se pela procedência da presente impugnação, anulando-se, em consequência, a decisão sindicada.


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III - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul em, julgando procedente a presente impugnação de decisão arbitral, anular a sentença arbitral proferida, em 27/02/16, no processo nº 379/2015-T, ordenando a baixa do processo ao CAAD.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 29/4/21

[A Relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Hélia Gameiro e Ana Cristina Carvalho]


(Catarina Almeida e Sousa)