Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1603/10.0BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:REQUISITOS FORMAIS DAS FATURAS
DEDUÇÃO DO IVA
PRINCÍPIO DA NEUTRALIDADE
PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA IGUALDADE
Sumário:I - Os requisitos legais das faturas têm que ser observados por forma a permitirem um controle sobre o exato serviço prestado, sendo que a mera designação nas faturas de “Trabalhos de Armação de Ferro”, não preenche os requisitos contemplados no artigo 35.º do CIVA, visto que não indica de forma suficientemente detalhada a natureza dos serviços em causa, inexistindo qualquer referência à quantidade de horas, e ao respetivo preço unitário/mão de obra-hora, comprometendo o direito à dedução do IVA.
II - A menção da data da prestação dos serviços permite controlar quando ocorreu o facto gerador do imposto, e nessa medida determinar as disposições fiscais que são aplicáveis à operação.
III - A Jurisprudência Comunitária permite que o sujeito passivo demonstre através de prova complementar os serviços prestados, a extensão dos mesmos e a data concreta em que os mesmos foram celebrados, contudo não pode servir esse desiderato uma, exclusiva e genérica, prova testemunhal, tendo a parte de carrear aos autos meios de prova complementares que permitam alcançar, de forma inequívoca, o objetivo de determinação concreta da natureza e extensão das operações realizadas e bem assim a data, efetiva, da sua prestação.

IV - Tal interpretação não traduz uma violação do princípio da neutralidade fiscal porquanto o mesmo exige, desde logo, que a AT disponha de dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, o que, in casu, não sucede, quando, ademais, nos encontramos perante um emitente de faturas indiciado de faturação falsa.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

V...UNIPESSOAL, LDA (doravante V.., Lda ou Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida tendo por objeto as liquidações de Imposto sobre o valor Acrescentado (IVA) e respetivos juros compensatórios (JC) dos quatro trimestres de 2006 e do primeiro trimestre de 2007, no valor global € 11.330,15.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

A) – A douta sentença recorrida julgou improcedente o pedido por si formulado, de anulação da liquidação adicional de IVA e respetivos juros compensatórios, dos quatro trimestres de 2006 e do primeiro trimestre de 2007, no valor de € 11.330,15.

B) – Entendeu o douto Tribunal “a quo” que o IVA contidos nas faturas n.º 227, 230, 234, 244, 237, 249, 250 (todas do ano de 2006) e nas faturas 402 e 408 (do ano de 2007), emitidas por “J...”, respeitantes a trabalhos de armação de ferro, nas obras mencionadas nas faturas, não podia ser deduzido pela recorrente, por estas “não terem forma legal”, ou seja, por não preencherem os requisitos do artigo 35º, n.º 5 alínea f) do CIVA, (atualmente artigo 36º, n.º 5 alínea f) do CIVA).

C) – Para aferir dessa dedução, teremos que ter em linha de conta as regras deste imposto e seu cariz Europeu, nomeadamente o artigo 226º da Diretiva de IVA (DIVA), de 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, bem como o artigo 19º, n.º 2, alínea a) (anterior artigo 19º n.º 2) e o artigo 36º, n.º5 alínea f) (anterior artigo 35º, n.º 5 alínea f) ambos do CIVA.

D) – Esta questão já foi amplamente discutida no Tribunal de Justiça das Comunidades (TJUE), entendendo este Tribunal que o direito à dedução faz parte integrante do mecanismo próprio do imposto (IVA), que não pode, em princípio, ser limitado.

E) – A existirem limitações ao direito a dedução, estas devem sempre obedecer e respeitar os princípios da proporcionalidade e da igualdade, o que implica que se faça uma ponderação equilibrada entre os benefícios derivados da medida e dos sacrifícios que esta implica.

F) – No caso concreto o direito à dedução foi negado por falta de formalismo das faturas, no entanto e associado à falta e formalismo, está o facto da AT ter dúvidas relativamente à conduta do prestador de serviços (J... ), dúvidas estas que penalizaram a recorrente enquanto adquirente dos serviços.

G) – Ou seja, o direito à dedução foi limitado, sem que tenham sido ponderados os princípios da proporcionalidade e da igualdade, a negação à recorrente do direito à dedução do imposto, por irregularidades cometidas pelo prestador dos serviços, é demasiado gravosa e desproporcionada, pois em vez de penalizar quem emite as faturas sem o formalismo legal, penaliza quem adquire os serviços, quem, na verdade, não pode interferir na forma como estes documentos são emitidos.

H) – É de convocar, o artigo 178º alínea a) da DIVA que diz: “ Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições: a) Relativamente à dedução referida na alínea a) do artigo 168.º, no que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços, possuir uma factura emitida em conformidade com os artigos 220.º a 236.º, 238.º, 239.º e 240º.”.

I) – Da referida norma resulta a relevância destes requisitos, no entanto, essa mesma importância ou relevância é mais reduzida, nos casos de inversão do sujeito passivo de IVA, como é o caso dos presentes autos, pois nestes casos o imposto não é repercutido a terceiros, mas é devido pelo próprio adquirente do serviço, é o adquirente que liquida e que deduz o imposto, garantindo, ele próprio, a neutralidade do IVA. Nestes casos o risco de evasão fiscal é mais reduzido, pelo que a “malha” do formalismo seja menos apertada.

J) – Por sua vez, o artigo 226º da DIVA, refere quais os requisitos que as faturas devem conter, por sua vez, no direito interno estes requisitos estão especificados no artigo 36º do CIVA (anterior artigo 35º).

L) – De acordo com a jurisprudência do TJUE, os estados membros podem impor obrigações adicionais, que considerem necessárias, para evitar a evasão e fraude fiscal, no entanto essas obrigações não podem passar pela imposição de requisitos adicionais àqueles que são fixados pela diretiva no seu artigo 226º, isto é, não podem colocar em causa o sistema de IVA, nomeadamente, a sua neutralidade.

M) – Ora, a anulação da dedução de IVA à recorrente coloca em causa esta neutralidade, na medida em que se trata da dedução de um IVA por si liquidado, de acordo com a inversão do sujeito passivo (reverse charge).

N) – A douta sentença julgou improcedente o pedido formulado pela recorrente, por não estar cumprido o requisito do artigo 35º, n.º 5 alínea f) do CIVA (atual artigo 36º, n.º 5 alínea f) do CIVA), porém, no modesto entender da recorrente as faturas emitidas apesar de conterem algumas omissões, ainda, são suscetíveis de conferir o direito à dedução do imposto.

O) – A este respeito, pronunciou-se o TJUE no processo C-516/14, de 15 de setembro de 2016, do qual passamos a transcrever o seguinte excerto:

“24 A questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio comporta duas partes, que importa tratar separadamente. Com a primeira parte da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 226.° da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que faturas que só contenham as menções «serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente» ou «serviços jurídicos prestados até ao presente», como as que estão em causa no processo principal, respeitam as exigências previstas nos n.os 6 e 7 deste artigo. Com a segunda parte da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 178.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, desta diretiva, quando essas autoridades disponham de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos. Quanto à primeira parte da questão, relativa ao respeito do artigo 226.°, n.ºs 6 e 7, da Diretiva 2006/112. 28 No processo principal, embora as faturas em causa qualifiquem os serviços prestados de «serviços jurídicos», não deixa de ser verdade, conforme salientou o Governo português nas suas observações, que este conceito abrange um vasto acervo de prestações de serviços e, nomeadamente, prestações que não assumem necessariamente um âmbito empresarial. Daqui resulta que a menção «serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente» ou «serviços jurídicos prestados até ao presente» não parece indicar, de forma suficientemente detalhada, a natureza dos serviços em causa. Além disso, esta menção é tão genérica que não permite pôr em evidência a extensão dos serviços prestados, pelas razões referidas pela advogada-geral nos n.os 60 a 63 das suas conclusões. Por conseguinte, a dita menção não cumpre, em princípio, os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.° 6, da Diretiva 2006/112, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. 29 Em segundo lugar, o artigo 226.°, n.° 7, da Diretiva 2006/112 exige que a fatura contenha a data em que foi efetuada, ou concluída, a prestação de serviços. 30 Esta exigência também deve ser interpretada à luz da finalidade prosseguida pela imposição de menções obrigatórias na fatura, conforme previstas no artigo 226.° da Diretiva 2006/112, que é, como foi recordado no n.° 27 do presente acórdão, permitir às Administrações Fiscais a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA. Para este efeito, a data da prestação dos serviços objeto da referida fatura permite controlar quando ocorreu o facto gerador do imposto e, portanto, determinar as disposições fiscais que devem, de um ponto de vista temporal, aplicar-se à operação a que respeita o documento.

Cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio, se constatar que as faturas em causa não preenchem as exigências decorrentes do artigo 226.°, n.ºs 6 e 7, desta diretiva, verificar se os documentos anexos aduzidos pela Barlis contêm uma apresentação mais detalhada dos serviços jurídicos em causa no processo principal e podem ser equiparados a uma fatura nos termos do artigo 219.° da referida diretiva, na qualidade de documentos que alteram a fatura inicial e a ela façam referência específica e inequívoca.

35 Decorre das considerações precedentes que há que responder à primeira parte da questão submetida que o artigo 226.° da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que faturas que só contenham a menção «serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente», como as que estão em causa no processo principal, não respeitam, em princípio, as exigências previstas no n.° 6 deste artigo e que faturas que só contenham a menção «serviços jurídicos prestados até ao presente» não respeitam, em princípio, as exigências previstas no referido n.° 6 nem as exigências previstas no n.° 7 do mesmo artigo, o que cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Quanto à segunda parte da questão, relativa às consequências de uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, da Diretiva 2006/112 para o exercício do direito a dedução do IVA.

36 Com a segunda parte da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, determinar as consequências de uma violação do artigo 226.°, n.ºs 6 e 7, da Diretiva 2006/112 no exercício do direito a dedução do IVA.

37 Cumpre recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito dos sujeitos passivos a deduzir do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago sobre os bens adquiridos e os serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União (acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Maks Pen, C-18/13, EU:C:2014:69, n.° 23 e jurisprudência aí referida). 42 O Tribunal de Justiça declarou que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C-385/09, EU:C:2010:627, n.° 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. W¹siewicz, C-280/10, EU:C:2012:107, n.° 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C-183/14, EU:C:2015:454, n.os 58, 59 e jurisprudência aí referida).

P) – No caso sub judice, as faturas mencionam a natureza dos trabalhos prestados (armação de ferro) e o local da obra, ainda que não façam referência à data da conclusão dos serviços, ainda assim, entende a recorrente que o descritivo das faturas, cumpre razoavelmente, o objetivo de identificar as operações efetuadas, o que conjugado com o depoimento da testemunha H..., que referiu ao tribunal que a recorrente contratou o Sr. J... para a realização de trabalhos de armação de ferro em várias obras que realizou (facto provado – ponto D)), acrescentando que na realização dos trabalhos pelo Sr. J... eram elaboradas folhas de obra preenchidas pela testemunha H... (facto provado – ponto E)), permite identificar com alguma precisão os trabalhos a que correspondem as faturas.

Q) – Embora, as faturas não contenham a descrição desejável, o certo é que as mesmas acompanhadas do depoimento das testemunhas, nomeadamente, a testemunha H... (pontos D) e E) dos factos provados) permitem aferir a materialidade das operações, ou seja, a realização dos trabalhos identificados nas faturas desconsideradas pela AT.

R) – Assim, o Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento, entrando mesmo em contradição com o que considerou provado nos pontos D) e E), quando refere que “não ficou provada a realização dos trabalhos concretamente identificados nas faturas desconsideradas pelos Serviços de Inspeção Tributária por parte de “J...”.

S) – Atendo o exposto, competia ao Tribunal “a quo” dar como provada a realização dos trabalhos concretamente identificados nas faturas, pelo que se verifica erro de julgamento da matéria de facto.

T) – A douta sentença refere que o depoimento das testemunhas foi demasiado genérico, acrescentando que o depoimento das testemunhas foi irrelevante para suprir as deficiências apontadas a tais documentos, resulta das regras de experiência comum que tendo sido efetuada a inquirição das testemunhas dez anos depois dos factos terem ocorrido, não é de esperar que a testemunha consiga concretizar, de memória, quais as obras exatas em que trabalhou, e quantas horas foram necessárias para efetuar os trabalhos de armação de ferro.

U) – De facto, demonstrou-se que a recorrente contratou os serviços do Sr. J... para que este procedesse à prestação de serviços de armação de ferro nas obras referenciadas nas faturas, tendo aquele prestado os serviços tal como contratados.

V) – A recorrente desconhece, como desconhecia na data em que contratou os serviços do Sr. J... a situação fiscal, sem, contudo, ter obrigação de a conhecer.

X) – Porque, perante a recorrente, os indícios apontados pela AT, no RIT, que no seu entender reconduzem à falsidade das faturas, nunca foram dados a conhecer pelo próprio fornecedor ou por terceiros, nem pela própria AT.

Z) – Indícios de irregularidade que tão pouco eram aparentes ou visíveis ou cognoscíveis pela recorrente, tanto mais que foi prestado o serviço contratado, foram emitidas as faturas e os competentes recibos, após pagamento.

AA) – Porém, a ora recorrente não pode ser prejudicada, por cumprir as suas obrigações fiscais, e ser-lhe negado o direito à dedução do IVA que ela própria liquidou e deduziu (Reverse Charge), por as faturas terem sido emitidas por um sujeito passivo que se encontrava em situação fiscal irregular, da qual a recorrente era desconhecedora e não tinha a obrigação legal de conhecer.

AB) – Deste modo, o comportamento fiscal dos seus fornecedores não pode afastar o direito à dedução do imposto, relacionado com as identificadas faturas.

AC) – Por último, a propósito de dedução de IVA de alegadas faturas falsas, já se pronunciaram os tribunais superiores, nomeadamente o TCANorte, no processo n.º 00142/08.4BEGRG, de 11/04/2014, de onde se transcreve parte do seu sumário: “III - No caso em análise, em que a AT envereda por outro tipo de análise, afirmando a materialidade das operações, questionando antes os termos em que tais operações decorreram, destacando a presença de um terceiro que se limita a emitir as facturas que, afinal, titulam as aludidas operações, tem de entender-se que para haver simulação seria necessário que a administração fiscal tivesse reunido elementos que relacionassem a utilizadora das facturas com o esquema de fraude, ou seja, que tivesse reunido indícios de que a utilizadora das facturas participou ou que sabia ou devia saber que a emitente das facturas não era o verdadeiro fornecedor da mercadoria em apreço, na medida em que pode acontecer que a utilizadora de facturas falsas não saiba nem tenha possibilidades de saber da falsidade.

IV) E não tendo tal acontecido, concluímos que a administração tributária não recolheu indícios que legitimam a sua actuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas facturas em causa nos autos, ou seja, não cumpriu com o ónus que sobre si impendia no sentido de fundamentar as liquidações impugnadas, as quais estão, assim, feridas de ilegalidade, impondo-se assim acompanhar a decisão recorrida quando determinou a anulação das liquidações impugnadas.

AD) – Bem como no acórdão do TCA Norte, de 14/03/2012, proferido no processo número 03636/04-Viseu, de onde se transcreve o sumário: “No caso de facturas falsas à administração tributária compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, e só caso a faça, passa a competir ao contribuinte o ónus da prova da existência e dimensão dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19.º do CIVA”.

AE) – Acresce ainda que o Tribunal de Justiça da UE, também, já foi chamado a pronunciar-se sobre esta questão, no processo C-277/14, Acórdão do Tribunal de Justiça de 22/10/2015, em que conclui que “o direito à dedução é princípio fundamental do sistema comum do IVA que não pode, por norma, sofrer limitações (…)”, tendo o TJ declarado que:“As disposições da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, conforme alterada pela Diretiva 2002/38/CE do Conselho, de 7 de maio de 2002, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que recusa a um sujeito passivo o direito de deduzir o imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago relativamente a bens que lhe foram entregues pelo facto de a fatura ter sido emitida por um operador que deve ser considerado, face aos critérios previstos nessa regulamentação, um operador inexistente e de ser impossível determinar a identidade do verdadeiro fornecedor dos bens, exceto se estiver provado, perante elementos objetivos, e sem serem exigidas ao sujeito passivo verificações que lhe não incumbem, que o sujeito passivo sabia ou tinha a obrigação de saber que a entrega estava envolvida numa fraude ao imposto sobre o valor acrescentado, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.”(acórdão que se encontra disponível para consultanoendereço(http://eurex.europa.eu/legalcontent/PT/TXT/HTML/uri=CELEX:62014CJ0277&from=PT).

AF) – Em síntese, o TJ entende que, para ser recusado o direito à dedução, não basta que se prove que o fornecedor seja considerado inexistente, ou em situação irregular, não basta provar que não tenha a situação declarativa regularizada, e não basta provar que o fornecedor de bens ou serviços não tenha pago o imposto devido. Com efeito, entende o TJUE que, para recusar a dedução, a administração fiscal tem de demonstrar uma situação de fraude e a ausência de boa-fé por parte da empresa que adquiriu os bens em causa.

AG) – Pelo exposto, comprovando-se que a materialidade e a efetividade das operações entre o fornecedor “J...” e a recorrente, conclui-se ser ilegal a liquidação objeto de apreciação, o que significa que a douta decisão recorrida não poderá manter-se no ordenamento jurídico.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, anulando-se integralmente as liquidações de IVA e JC dos quatro trimestres de 2006 e do primeiro trimestre de 2007, fazendo-se assim, a COSTUMADA JUSTIÇA.”


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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a apreciação da causa, consideram-se provados pelos documentos constantes dos autos, não impugnados, e pela prova testemunhal produzida, os seguintes factos:

A) Em 25-05-2010 os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria elaboraram relatório final de procedimento inspetivo efetuado à ora impugnante, relativo aos anos de 2006 e 2007, em sede de IVA e IRC, onde consta, designadamente, o seguinte:

“II. Objetivos, âmbito e extensão da ação inspetiva (…) II.2. Motivos, âmbito e incidência temporal No decorrer de uma ação inspetiva a este sujeito passivo (SP) constatou-se que no ano de 2006 se encontravam faturas de um fornecedor relativamente às quais existiam divergências entre os valores declarados nas declarações anuais pela V...Lda. e os valores declarados por esse sujeito passivo. No ano de 2007 a V..., Lda. procedeu também à contabilização de faturas do mesmo fornecedor. (…) III – Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável
II.1 – Factos e valores que indiciam a prática de crime fiscal
A – CONTABILIZAÇÃO DE FATURAS EMITIDAS PELO SP J...
1) No decorrer da ação inspetiva ao SP V...Lda. apurou-se que no ano de 2006 este procedeu à contabilização de sete faturas emitidas pelo SP J...no montante global de €35.422,75, conforme se discrimina de seguida:

Relativamente ao ano de 2007 foram contabilizadas duas faturas emitidas por J...no montante global de € 12.705,00, conforme se discrimina de seguida:

2) Análise das faturas
Em nenhuma das faturas acima indicadas é efetuada qualquer referência à quantidade de horas trabalhadas, nem aos respetivos preços unitários, nem à data em que os serviços foram realizados nos termos da alínea f) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA. (…)
Ou seja, as faturas em causa não estão emitidas na forma legal (art.º 36.º do CIVA) pelo que em circunstância alguma o IVA nelas mencionado seria dedutível nos termos do n.º 2 do artigo 19.º do CIVA. Pelo mesmo facto, também não se prova a indispensabilidade dos custos correspondentes nos termos do artigo 23.º do CIRC. –
Fatura n.º 277 e 244: é indicado “Trabalhos prestados de armação de ferro nos lot 51 a 53 na urbanização quinta do pinheiro manso Caldas da Rainha”
- Fatura n.º 230: é indicado “Trabalhos prestados em armação de ferro em Pataias”
-Fatura n.º 234: é indicado “Trabalhos prestados em armação de ferro no Bairro dos Arneiro lote 5”
- Fatura n.º 237: é indicado “Trabalhos prestado de armação de ferro em Baicharela
- Fatura n.º 249: é indicado “Trabalhos prestados na quinta da cutileira lote 05
- Fatura n.º 250: é indicado “Trabalho prestado na obra da Baicharela”
- Fatura n.º 402: é indicado “Trabalhos prestados de armação de ferro na obra da Azinheira Rio Maior”
- Fatura n.º 408: é indicado “Trabalho prestado de armação de ferro na obra de Cela”.
- Não é indicado qualquer local de carga, descarga nem qualquer viatura utilizada para transportar o material necessário à execução dos trabalhos mencionados nas faturas;
- Todas as faturas se encontram assinadas.
- A morada indicada nas faturas (...Alfeizerão) corresponde à que se encontra no cadastro deste SP. Na deslocação que efetuámos ao local conseguimos identificar a rua mas não a morada exata do sr. J....
- Posteriormente, na tipografia onde foram efetuadas as faturas, foi-nos referido que o sr. J... residiu efetivamente nesta rua mas numa casa que entretanto já havia sido destruída e aí construídas moradias novas. Todavia a morada do sr. J... para feitos fiscais mantém-se a mesma.
3) Comprovativos de pagamento Os recibos são “autocopiativos” e foram claramente preenchidos na mesma altura das faturas (são exatamente iguais a estas e têm inclusive a mesma data de emissão) tendo esses sido os únicos comprovativos que encontrámos na contabilidade.
Encontram-se todos assinados tal como as faturas. Em nenhum dos recibos é feita a referência ao meio de pagamento utilizado.
4) Descritivos mencionados nas faturas e comprovativos da realização dos trabalhos
Relativamente a todas as obras e descritivos mencionados em todas as faturas emitidas foi solicitado aos sócios gerentes da empresa que apresentassem documentos comprovativos da execução dos referidos trabalhos, nomeadamente guias de remessa, transportes e/ou outros comprovativos da efetiva realização dos trabalhos. Todavia, posteriormente, os sócios, através do TOC, informaram-nos não possuir nenhum dos elementos solicitados.
5) Outros elementos relevantes relativos ao SP J...- Não conseguimos detetar no cadastro do SP qualquer TOC responsável pela contabilidade deste; - Da análise efetuada constata-se que o SP não dispõe de capacidade nem estrutura adequada para prestar serviços na quantidade que indicou nas faturas; É desconhecido o seu domicilio fiscal efetivo; É SP não declarante, encontrando-se em falta as respetivas declarações de IVA, IRS e Declaração anual/IES desde o ano de 2001.
III. 2 – Outros
III.2.1. Contabilização das faturas n.º 244 e 237 de J...
III. 2 – Outros III.2.1. Contabilização das faturas n.º 244 e 237 de J...
No decorrer da ação de inspeção constatou-se que as faturas 244 e 237 foram contabilizadas em duplicado. (…) Vamos por isso proceder às devidas correções para efeitos de IRC e IVA. III.2.2. Elementos solicitados ao SP V..., Lda. Face aos factos apurados solicitou-se ao sócio gerente da V..., Lda para nos provar a sustentabilidade das operações realizadas pelo SP J... , através da apresentação dos seguintes elementos:
- Contratos e/ou orçamentos;
- Folhas de presença;
- Autos de medição;
- Folhas de obra;
- Notas de encomenda e guias de transporte;
- Troca de correspondência entre as partes, bem como a indicação/identificação das pessoas contatadas;
- Meios de pagamento utilizados [cheques (frente e verso), transferências bancárias, notas de pagamento, etc.], juntando fotocópias autênticas dos respetivos documentos de suporte;
- Solicitou-se ainda que em conformidade com a prova da realidade em relação à questão anterior, fosse também provada a imprescindibilidade dos referidos custos, nos teros do artigo 23.º do Código do IRC.
III. 2. 3. Confrontação com os factos apurados
Confrontado com os factos relatados nos pontos anteriores, relativamente às faturas emitidas em nome do SP J...o sócio não nos apresentou qualquer dos elementos solicitados. Assim, face à insuficiência de elementos comprovativos da realização efetiva dos trabalhos mencionados nas faturas e às diversas incoerências detetadas nas faturas do Sr. J... , alertámos o SP de que iríamos proceder à correção dos correspondentes valores para efeitos de IVA e IRC. (…).”. – (cfr. fls. 9 a 34 do processo administrativo apenso).

C) Em 02-06-2010, pelo oficio n.º 4749, a Direção de Finanças de Leiria notificou a ora Impugnante do relatório de inspeção referido na alínea antecedente. – (cfr. fls. 5 e 6 do processo administrativo apenso).

D) Com data de 27-09-2010, o Serviço de Finanças de Caldas da Rainha endereçou à ora Impugnante, mediante registo com aviso de receção, citação para o processo de execução fiscal n.º 1350201001059416, instaurados por divida de IVA do ano de 2006, primeiro trimestre de 2007 e respetivos juros compensatórios, com a quantia exequenda de € 11.518,27. – (cfr. docs. de fls. 12 a 23 dos autos).

Encontra-se ainda provado com interesse que:

D) A impugnante contratou o Sr. J... para a realização de trabalhos de armação de ferro em várias obras que realizou. – (cfr. depoimento das testemunha H...).

E) Na realização dos trabalhos efetuados pelo Sr. J... eram elaboradas folhas de obra preenchidas pela testemunha H.... - (cfr. o respetivo depoimento).

F) O pagamento das faturas eram efetuado a dinheiro e por vezes em cheque. – (cfr. depoimento da testemunha P...).


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A decisão recorrida fez constar como factualidade não provada o seguinte:

“Não ficou provada a realização dos trabalhos concretamente identificados nas faturas desconsideradas pelos Serviços de Inspeção Tributária por parte de J.... Inexistem outros factos alegados cuja não prova releve para a decisão dos presentes autos.”


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Mais ficou consignado como motivação da matéria de facto o seguinte:

“ A convicção do Tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise dos documentos constantes dos autos e no processo administrativo apenso, bem como na prova testemunhal produzida, conforme se refere em cada uma das alíneas do probatório. Foi ponderado o depoimento de P..., Técnico Oficial de Contas responsável pela realização da contabilidade da Impugnante que apesar de claro e isento de contradições, revelou-se pouco assertivo e demonstrou ter pouco conhecimento direto da realidade das operações questionadas nos autos, relatando o que ocorre na generalidade do setor da construção civil. Ainda assim, porque elaborava a contabilidade sabia que os pagamentos eram feitos a dinheiro e por vezes através de cheque. Foi ponderado e valorado o depoimento de H..., armador de ferro, que trabalhou na impugnante desde 1994 a 2011, que revelou conhecimento direto dos factos sobre os quais incidiu, convencendo o Tribunal da sua veracidade. Disse conhecer o J... porque fazia empreitadas para a Impugnante. Referiu que ia para as obras e elaborava as folhas de obra com as horas e os dias de trabalho que assinava no final. Constata-se que o depoimento das testemunhas foi demasiado genérico, não bastando tão pouco para demonstrar de forma clara que as obras mencionadas nas faturas desconsideradas foram efetivamente realizadas. Por conseguinte, como é bom de ver, os depoimentos foram irrelevantes para efeitos de suprir as deficiências apontadas a tais documentos. Foi ponderado e valorado o depoimento de C..., Inspetor Tributária, responsável pelo relatório de inspeção em causa nos autos, que se revelou claro, congruente e isento de contradições, convencendo o Tribunal da sua veracidade. Porém, do seu depoimento não resultou a prova de qualquer facto autónomo relevante para os autos, para além dos já constantes do relatório de inspeção.


***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

G) Nos anos de 2006 e 2007, J... , emitiu as faturas que infra se descrevem em nome da sociedade “V..., Lda”:

Nº FaturaData emissão DesIGNAÇÃOvalor C IVA Euros
22730.08.2006Trabalhos prestados de Armação de Ferro, nos lotes 51 a 53, na Urbanização do Pinheiro Manso
3.055,25
23031.03.2006Trabalhos prestados de armação de ferro em Pataias6.050,00
23429.09.2006Trabalhos prestados de armação de ferro no Bairro dos Arneiros Lote 5 8.470,00
24430.06.2006Trabalhos prestados de armação de ferro nos lotes 51 a 53 do Pinheiro Manso-Caldas da Rainha4.598,00
24906.11.2006Trabalhos prestados na Quinta da Cutileira, Lote 054.356,00
25006.12.2006Trabalhos prestados na Obra da Baicharela4.295,50
40220.03.2007Trabalhos prestados de Armação de Ferro na Obra da Azinheira, Rio Maior11.495,00
40330.03.2007Trabalhos prestados de armação de ferro na obra da Cela1.210,00
(cfr. fls. 26 a 33 do PA apenso);

H) No Item VII, do Relatório de Inspeção Tributária, evidenciado em A), designado de “Indicação das infracções verificadas” consta, designadamente, o seguinte:

“A contabilização das facturas identificadas no capítulo III deste relatório, para além de não emitidas na forma legal (nos termos dos art.ºs 36º do CIVA e 23º do CIRC), são indiciadas como falsas, facto que permitiu à V...Lda a dedução indevida de IVA (infracção prevista nos 2 e 3 do art.º 19º do Código do IVA) e a consideração como custo não aceite fiscalmente (infracção prevista nos art.ºs 23º e 42º do Código do IRC), factos estes que integram o conceito de fraude, conforme nº1 do artº 103º do RGIT (….)” (cfr. fls. 18 do PA apenso);


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IVA e respetivos JC dos quatro trimestres de 2006 e do primeiro trimestre de 2007, no valor global €11.330,15.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Face ao exposto, as questões sob recurso e que importa decidir são as que infra se enumeram:

Ø Se existe erro de julgamento na valoração da matéria de facto, na medida em que, por um lado, a decisão recorrida incorre em contradição entre a matéria de facto provada e não provada e, por outro lado, foi, erroneamente, valorada a prova testemunhal prestada porquanto deveria ter sido fixada factualidade adicional atinente à materialidade das operações;

Ø Estabilizada a matéria de facto, cumpre avaliar se a Recorrente incorreu em erro de julgamento de direito por:

¾ Ter considerado que as faturas visadas não cumpriam os requisitos contemplados no artigo 35.º do CIVA, preterindo, outrossim, os princípios da neutralidade, da proporcionalidade e da igualdade;

¾ Por a Recorrente ter logrado demonstrar a efetividade dos serviços elencados nas faturas visadas.

Vejamos, então, se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por ter erradamente valorado a prova constante nos autos.

A Recorrente sustenta, desde logo, que o Tribunal a quo incorreu em contradição no julgamento de facto atinente às alíneas D) e E) e a factualidade não provada.

Mais relevando que, face à prova produzida, mormente, prova testemunhal deveria ter ficado consignado como matéria de facto provada a realização dos trabalhos concretamente identificados nas faturas desconsideradas pela AT.

Sustentando ainda que, o depoimento das testemunhas não pode ser apelidado de genérico e irrelevante para suprir as deficiências formais das faturas, face, desde logo, ao período temporal que mediou entre o facto tributário e a realização da diligência de inquirição de testemunhas.

Vejamos. Comecemos pela alegada contradição, a qual é convocada enquanto erro de julgamento de facto e não enquanto nulidade da decisão recorrida.

Para o efeito, convoquemos o teor das alíneas sindicadas.

Dispõem as alíneas D) e E) do acervo fático que:

D) A impugnante contratou o Sr. J... para a realização de trabalhos de armação de ferro em várias obras que realizou. – (cfr. depoimento das testemunha H...).”

“E) Na realização dos trabalhos efetuados pelo Sr. J... eram elaboradas folhas de obra preenchidas pela testemunha H.... - (cfr. o respetivo depoimento).”

Por seu turno, está consignado como facto não provado o seguinte:

“Não ficou provada a realização dos trabalhos concretamente identificados nas faturas desconsideradas pelos Serviços de Inspeção Tributária por parte de J.... Inexistem outros factos alegados cuja não prova releve para a decisão dos presentes autos.”

Ora, atenta a factualidade supra expendida a mesma em nada contende e contraria a factualidade assumida como não provada, na medida em que as alíneas D) e F) são genéricas e sem qualquer substanciação espácio temporal, não colidindo, assim, com a asserção consignada como facto não provado.

Com efeito, as alíneas D) e E) apenas permitem retirar que J... foi contratado para a realização de trabalhos de armação em ferro em diversas obras da Recorrente, recorrendo, desde logo, ao preenchimento de folhas de obra, mas em nada permite inferir que J... prestou os serviços contemplados nas faturas visadas.

Aduza-se, em abono da verdade, que tal contradição só existiria se as alíneas D) e E) fizessem expressa menção aos trabalhos descritos nas faturas elencadas em G) o que, como visto, não sucede no caso vertente.

E por assim ser, não só não se verifica a arguida contradição, como a mesma é insuscetível, per se, de suprimir a factualidade não provada e considerar como facto assente que os trabalhos constantes nas faturas descritas em G) foram, efetivamente, prestados pelo emitente das faturas.

No atinente à errada valoração da prova testemunhal, importa, desde já, salientar que a Recorrente não impugna a matéria de facto -em ordem aos requisitos estabelecidos no artigo 640.º do CPC- decorrente da prova testemunhal -e bem assim da documental- limitando-se, tão-só, a sindicar, genérica e conclusivamente, a prova testemunhal, mas sem daí extrair uma cominação e sem a devida particularização quanto ao probatório dos autos.

Aduza-se, em abono da verdade, que não são permitidos, recursos genéricos contra a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido: o recurso não pode ser genérico atacando a matéria de facto no seu conjunto sem precisar os pontos concretos, nem pode ser genérico apontando para a prova em geral produzida no processo (1).

Não podendo, nessa medida, a Recorrente limitar-se a evidenciar que o depoimento das testemunhas não é genérico e irrelevante, sem densificar as razões atinentes a essa adjetivação, escudando-se, exclusivamente, no período temporal que mediou entre o facto tributário e a realização da inquirição de testemunhas, quando, de resto, nem, tão-pouco, é alegado e, devidamente, substanciado pela Recorrente que as testemunhas se ampararam no decurso do tempo e na falta de imediação.

Com efeito, era imperioso que a Recorrente mediante a convocação de trechos dos depoimentos devidamente identificados sustentasse o seu juízo de entendimento, convocando, expressamente, a visada alteração do probatório e as razões subjacentes. Note-se, ademais, que se a convicção formada pela Recorrente sobre a credibilidade do depoimento da testemunha, não coincide com a convicção do julgador, tem de objetivar-se a ausência de credibilidade ponto da discordância, impondo-se ao Recorrente que indique as razões de ciência em que se firma, e bem assim as passagens da gravação demonstrativas da desconformidade.

In casu, conforme resulta, de forma clara e inequívoca, da motivação da matéria de facto, o Tribunal a quo enunciou os motivos subjacentes à descredibilização dos depoimentos, quais as razões de ciência atinentes ao efeito, não tendo a Recorrente sindicado os mesmos com os devidos trechos que poderiam acarretar uma valoração distinta e inclusive díspar redação, nem, tão-pouco, contraditado e refutado com a devida substanciação.

E por assim ser, não se vislumbra qualquer erro de julgamento, mantendo-se, nessa medida, o probatório, inalterado.


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Aqui chegados, estabilizada a matéria de facto importa apurar do erro de julgamento de direito apontado pela Recorrente.

A Recorrente sustenta que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter considerado que o IVA contidos nas faturas n.º 227, 230, 234, 244, 237, 249, 250, 402 e 408 emitidas por J..., respeitantes a trabalhos de armação de ferro, não podia ser deduzido pela Recorrente, por estas “não terem forma legal”, em conformidade com o consignado no artigo 35.º do CIVA.

E isto porque, desconsiderou, desde logo, a matriz comunitária do mesmo, descurando, outrossim, a neutralidade e os princípios da proporcionalidade e da igualdade, porquanto em vez de penalizar quem emite as faturas sem o formalismo legal, penaliza quem adquire os serviços.

Mais relevando que, as faturas visadas mencionam a natureza dos trabalhos prestados (armação de ferro) e o local da obra, ainda que não façam referência à data da conclusão dos serviços. Advoga, no entanto, que de todo o modo o descritivo das faturas, cumpre razoavelmente, o objetivo de identificar as operações efetuadas, até porque tal insuficiência pode ser suprida pela prova testemunhal prestada, particularmente, do depoimento de H... (pontos D) e E) dos factos provados) permitem aferir a materialidade das operações, ou seja, a realização dos trabalhos identificados nas faturas desconsideradas pela AT.

Concluindo, in fine, que para ser recusado o direito à dedução, não basta que se prove que o fornecedor seja considerado inexistente, ou em situação irregular, a AT tem de demonstrar uma situação de fraude e a ausência de boa-fé por parte da empresa que adquiriu os bens em causa.

Vejamos, então, se lhe assiste razão.

De relevar, desde já, que atentando no Relatório de Inspeção Tributária a AT justifica a insusceptibilidade de dedução do IVA, por duas ordens autónomas de razão, concretamente, falta de requisitos formais das faturas o que inviabiliza o direito à dedução em ordem ao consignado no artigo 19.º, nº2 do CIVA, e bem assim faturação falsa, ou seja, que as faturas em causa possam traduzir operações reais que legitimem e fundamentem o direito à dedução consignado no artigo 19.º, nº 3 do CIVA.

Ou seja, encontramo-nos perante dois fundamentos distintos e autónomos, não consistindo, in casu, a falta de requisitos formais um requisito adicional para efeitos de materialização e fundamentação da faturação falsa. Daí que o Tribunal a quo tenha-e bem- circunscrito a sua aplicação ao artigo 19.º, nº2, do CIVA e ao julgar procedente a falta de requisitos formais das faturas, tenho concluído, sem mais, pela legalidade das correções e pela manutenção dos atos impugnados.

Por forma a concretizar o supra expendido, atente-se na fundamentação constante do respetivo Relatório de Inspeção Tributária no qual é expressamente relevado que “[e]m nenhuma das faturas acima indicadas é efetuada qualquer referência à quantidade de horas trabalhadas, nem aos respetivos preços unitários, nem à data em que os serviços foram realizados nos termos da alínea f) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA. (…) Ou seja, as faturas em causa não estão emitidas na forma legal (art.º 36.º do CIVA) pelo que em circunstância alguma o IVA nelas mencionado seria dedutível nos termos do n.º 2 do artigo 19.º do CIVA.”

Concluindo, in fine, que “A contabilização das facturas identificadas no capítulo III deste relatório, para além de não emitidas na forma legal (nos termos dos art.ºs 36º do CIVA e 23º do CIRC), são indiciadas como falsas, facto que permitiu à V...Lda a dedução indevida de IVA (infracção prevista nos 2 e 3 do art.º 19º do Código do IVA) e a consideração como custo não aceite fiscalmente (infracção prevista nos art.ºs 23º e 42º do Código do IRC), factos estes que integram o conceito de fraude, conforme nº1 do artº 103º do RGIT (….)”.

Feito este introito e delimitação, cumpre, então, aferir se o Tribunal a quo decidiu com acerto quando ajuizou que “[a]nalisadas as faturas em causa, à luz dos requisitos fixados no mencionado artigo 35.º, nº5 do Código do IVA conclui-se que os mesmos não são integralmente cumpridos” (…) concretizando, para o efeito, “não contêm qualquer referência à quantidade dos serviços prestados, não identificando, em concreto, conforme aponta a AT, o nº de dias e horas de trabalho e as obras que lhe estão subjacentes, nem a data em que os serviços foram prestados, indicação genérica que, como é bom de ver, não preenche os requisitos legais a que se refere o normativo em apreço. “

E, de facto, atentando no teor das faturas em contenda não se vislumbra qualquer erro de julgamento tendo realizado uma correta análise do regime jurídico com a adequada transposição para a realidade em contenda.

Senão vejamos.

Comecemos por convocar o quadro normativo e tecer os considerandos que se reputam relevantes para dilucidação da questão.

O IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.

Na verdade, o IVA funciona pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs.

O direito à dedução do IVA é um princípio fundamental do sistema comum do IVA que não pode, em princípio, ser limitado e que é exercido imediatamente para a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante (vide neste sentido, designadamente, Acórdãos TJUE Mahagében e Dávid, C 80/11 e C 142/11; Bonik, C 285/11; e Petroma Transports C 271/12, e demais jurisprudência aí citada, todos disponíveis em http://curia.europa.eu).

Com efeito, o regime das deduções visa libertar integralmente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (para o efeito, atente-se, designadamente, nos Acórdãos Dankowski, C 438/09; Tóth, C 324/11; Petroma, C-271/12, Senatex, C 518/14, Paper Consult, C 101/16, e jurisprudência aí referida disponíveis em http://curia.europa.eu).

O direito à dedução do IVA está, porém, sujeito ao cumprimento de requisitos de cariz substantiva e formal (Paper Consult, C 101/16).

No concernente aos requisitos substantivos, para usar do direito à dedução, é necessário, por um lado, que o interessado seja um sujeito passivo, na aceção da diretiva, e, por outro lado, que os bens ou serviços invocados para fundamentar o direito à dedução do IVA sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens sejam entregues ou esses serviços sejam prestados por outro sujeito passivo ( artigo 168.º da Diretiva IVA; vide neste sentido, Senatex, C 518/14, e jurisprudência aí citada, Paper Consult, C 101/16).

Por seu turno, quanto às modalidades de exercício do direito à dedução do IVA, donde aos requisitos ou condições de natureza formal, o 178.º, alínea a), da Diretiva IVA preceitua que o sujeito passivo deve possuir uma fatura emitida em conformidade com o regulado nos artigos 220.º a 236.º, 238.º, 239.º e 240.º dessa mesma Diretiva.

Em termos de Direito Nacional, preceituava, à data, o artigo 35.º, nº5 do CIVA que:

“5 - As faturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos:

a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas deverão ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;

c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso.

No caso de a operação ou operações às quais se reporta a fatura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados em b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável;

f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura.

No caso de a operação ou operações às quais se reporta a fatura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados nas alíneas b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável.”

Neste particular, importa, outrossim, chamar à colação os mecanismos de dedução do IVA, os quais se encontram contemplados nos artigos 19.º a 25.º do CIVA.

Nos termos do artigo 19.º, do CIVA, especificamente do seu n.º 1, al. a), decorre que os sujeitos passivos de IVA podem deduzir, ao imposto incidente sobre as suas operações tributáveis, o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos de IVA.

Porém, também de acordo com o artigo 19.º do CIVA, desta feita no seu n.º 2, dimana que “Só confere direito à dedução o imposto mencionado em faturas e documentos equivalentes passados em forma legal, bem como no recibo de pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação, em nome e na posse do sujeito passivo.”

Contemplando, igualmente, o nº 6 do citado normativo que: Para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passados em forma legal as faturas ou documentos equivalentes que contenham os elementos previstos no artigo 35.º”.

Chegados aqui e resumindo, da leitura destas normas retira-se que só o imposto que tenha, efetivamente, incidido sobre bens adquiridos para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, e que se encontre formalmente suportado, pode ser deduzido o IVA incidente sobre as operações tributáveis.

De sublinhar, ainda, que em termos de Jurisprudência Comunitária e no concernente aos requisitos formais das faturas, o TJUE tem vindo a ser chamado, por diversas vezes, a pronunciar-se sobre a temática, destacando-se, designadamente, os Acórdãos proferidos nos processos números 123 e 330/87, de 14 de julho de 1988, C-110/98 de 21 de março de 2000, C-90/02, de 1 de abril de 2004, C-392/09, de 30 de setembro de 2010, 385/09, de 21 de outubro de 2010, C-438/09, de 22 de dezembro de 2010, C-280/10, de 1 de março de 2012, C-271/12, de 8 de maio de 2013, C-78/12, de 18 de julho de 2013 e C-516/14, de 15 de setembro de 2016.

Estabelecidos os considerandos de direito que se reputaram de relevo, importa, então, atentar no acervo fático dos autos e a estabelecer a competente análise casuística.

Do recorte probatório dos autos resulta que o descritivo dos trabalhos em contenda é o seguinte:

- Fatura n.º 227 “Trabalhos prestados de armação de ferro nos lot 51 a 53 na urbanização quinta do pinheiro manso”
- Fatura n.º 230: “Trabalhos prestados de armação de ferro em Pataias”
- Fatura n.º 234: “Trabalhos prestados de armação de ferro no Bairro dos Arneiro lote 5”
- Fatura n.º 237: “Trabalhos prestados de armação de ferro em Baicharela”
- Fatura nº 244: “Trabalhos prestados de armação de ferro nos lote- 51 a 53 na Urbanização Quinta do Pinheiro Manso-Caldas da Rainha”
- Fatura n.º 249: “Trabalhos prestados na quinta da cutileira lote 05”
- Fatura n.º 250: “Trabalho prestado na obra da Baicharela”
- Fatura n.º 402: “Trabalhos prestados de armação de ferro na obra da Azinheira Rio Maior”
- Fatura n.º 408: “Trabalho prestado de armação de ferro na obra de Cela”.

Como visto a AT aduz, desde logo, que nenhuma das faturas é feita referência à quantidade de horas trabalhadas, nem aos respetivos preços unitários, nem à data em que os serviços foram realizados, entendimento que foi secundado pelo Tribunal a quo, e que, ora validamos.

Ora, atentando nas faturas em contenda verifica-se que a descrição dos serviços é genérica, sem a devida consubstanciação e particularização, note-se, inclusive, que, regra geral, é feita evidência a “trabalhos de armação de ferro”. Como é bom de ver, tal nomenclatura descritiva não indica de forma suficientemente detalhada a natureza dos serviços em causa, em ordem ao consignado no citado artigo 35.º do CIVA, que exige, como visto, que na fatura consteA quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável.”

A menção singela a “trabalhos de armação de ferro”, não permite densificar, em concreto, o trabalho realizado, até porque reportando-se à fundação de um projeto o mesmo pode aglutinar um conjunto diverso de trabalhos, os quais, carecem, necessariamente, de ser densificados, com a específica natureza dos serviços prestados e sua extensão.

De relevar, outrossim, que conforme evidenciado pela AT, inexiste qualquer referência à quantidade de horas trabalhadas, nem ao respetivo preço unitário/mão de obra-hora.

Conforme doutrinado no Aresto do TCA Norte, proferido no processo nº 00312/07.2BEPNF, “[r]eportando-se as faturas a Remoções, Decorações Picheleiro, Eletricista. Decoração de construção civil, Carpintaria, Tetos Falsos e Vidraceiro, não é possível saber se se trata de prestações de serviços de mão-de-obra dessas especialidade e nesse caso as quantidades (dias de trabalho, preço/hora/dia, etc) ou se trata de empreitada com mão de obra e ainda com a colocação de materiais, o que tem necessariamente reflexos nas taxas do IVA.”

Note-se, ademais, que as faturas nºs 249 e 250, nem, tão-pouco, qualificam, ainda que genericamente, os trabalhos desenvolvidos, limitando-se à mera descrição de “trabalhos prestados”.

Neste particular, importa ainda ter presente que a finalidade das menções que devem obrigatoriamente constar da fatura consiste em permitir à AT a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA.

Tendo o TJUE se pronunciado, particularmente no já citado Acórdão proferido no processo C-516/14, Barlis -também convocado pela Recorrente nas suas alegações- que “[s]erviços prestados de «serviços jurídicos», (…) conceito abrange um vasto acervo de prestações de serviços e, nomeadamente, prestações que não assumem necessariamente um âmbito empresarial. Daqui resulta que a menção «serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente» ou «serviços jurídicos prestados até ao presente» não parece indicar, de forma suficientemente detalhada, a natureza dos serviços em causa. Além disso, esta menção é tão genérica que não permite pôr em evidência a extensão dos serviços prestados(…).”

Acresce, outrossim, que nenhuma das aludidas faturas evidenciam a data em que os serviços foram prestados em conformidade com o consignado no citado artigo 35.º, nº5, alínea f), do CIVA, o que se afigura fundamental para efeitos de legitimidade de dedução do IVA suportado.

Mais uma vez convocando o citado Aresto: “[o] artigo 226.°, n.° 7, da Diretiva 2006/112 exige que a fatura contenha a data em que foi efetuada, ou concluída, a prestação de serviços.

30 Esta exigência também deve ser interpretada à luz da finalidade prosseguida pela imposição de menções obrigatórias na fatura, conforme previstas no artigo 226.° da Diretiva 2006/112, que é, como foi recordado no n.° 27 do presente acórdão, permitir às Administrações Fiscais a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA. Para este efeito, a data da prestação dos serviços objeto da referida fatura permite controlar quando ocorreu o facto gerador do imposto e, portanto, determinar as disposições fiscais que devem, de um ponto de vista temporal, aplicarse à operação a que respeita o documento.

(…) há que considerar que uma fatura que contenha apenas a menção «serviços jurídicos prestados até ao presente», sem especificar uma data de início do período de faturação, não preenche os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.°7, da Diretiva 2006/112.” (destaque e sublinhado nosso).

Ora, atentando em todas as faturas supra elencadas, e como evidenciado pela AT e seguido pelo Tribunal a quo, não é feita qualquer evidência à data em que os mesmos foram prestados, desconhecendo-se, desde logo, se os serviços deram origem a pagamentos por conta ou a pagamentos sucessivos.

Os requisitos legais das facturas têm que ser observados por forma a permitirem um controle sobre que exacto serviço foi prestado, quando, onde, em que quantidade, e a quem, também para aferir do cumprimento do contrato de prestação de serviços, por serem as mesmas susceptíveis de gerar o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado, não podendo haver duplicação de deduções de IVA (2).”

Como aduzido, no Aresto deste Tribunal prolatado no âmbito do processo nº 2885/05, datado de 28 de novembro de 2019, relatado pela, ora, Relatora e cujo sumário, ora, se extrata:

“I- A fatura é um elemento essencial do direito de um sujeito passivo à dedução do IVA pago a montante, competindo ao sujeito passivo solicita a dedução do IVA provar que preenche as condições para dela beneficiar.

II-Os requisitos legais das faturas têm que ser observados por forma a permitirem um controle sobre o exato serviço prestado, sendo que a mera designação nas faturas de “Trabalhos de Preparação de Estaleiro”, “Diversos trabalhos de Construção Civil”, ou de “Serviços de arrumação e carregamento de materiais”, não preenche os requisitos contemplados no artigo 35.º do CIVA, mormente, a alínea b), visto que não indica de forma suficientemente detalhada a natureza dos serviços em causa, comprometendo o direito à dedução do IVA.

III-A menção da data da prestação dos serviços permite controlar quando ocorreu o facto gerador do imposto, e nessa medida determinar as disposições fiscais que são aplicáveis à operação.”

É certo que, conforme aduzido pela Recorrente, regra geral, é feita alusão à obra em que os trabalhos são prestados, porém tal evidência em nada permite suprir as falhas apontadas.

Não podendo, outrossim, lograr provimento o aduzido quanto à circunstância de tais falhas poderem ser supridas pela prova testemunhal, desde logo, porque o acervo fático em nada permite inferir nesse sentido, e como visto, a Recorrente não impugnou a matéria de facto em ordem ao cumprimento dos requisitos legais.

De todo o modo, sempre se dirá que, não obstante a Jurisprudência Comunitária permita que o sujeito passivo demonstre através de prova complementar os serviços visados (3), a extensão dos mesmos e a data concreta em que os mesmos foram celebrados a verdade é que não pode servir esse desiderato uma, exclusiva e genérica, prova testemunhal.

No caso sub judice, poderia/deveria a Recorrente carrear aos autos meios de prova complementares que permitissem alcançar o objetivo de determinação concreta da natureza e extensão das operações realizadas e bem assim a data, efetiva, da sua prestação, ou seja, realidades fáticas que as exigências formais visam tutelar e que, como visto, se reputam de indispensáveis.

Note-se que, in casu, nada foi junto que permita suprir tais deficiências, mormente, orçamentos, propostas de prestação de serviços, guias de remessa ou transporte entre outros elementos que pudessem atestar a natureza e extensão dos serviços prestados, sendo certo que só dessa forma é possível cumprir a ratio subjacente à implementação dos requisitos formais legalmente exigidos, mormente, o controlo por parte da AT e o estabelecimento do nexo entre os serviços adquiridos e a atividade exercida que confere o direito à dedução.

Com efeito, aquiesce-se que os elementos constantes nas faturas visadas são insuficientes para permitir uma fiscalização da exata cobrança do imposto, sendo que o cumprimento do disposto no citado artigo 35.º, nº5 do CIVA, apenas seriam asseguradas com as descrições supra aludidas e em falta.

Neste sentido, foi, também, decidido por este Tribunal no âmbito do processo nº309/13, datado de 25 de junho de 2020, que: “Não tendo sido apresentados elementos documentais que contenham um conteúdo que permita suprir as lacunas das faturas, não é admissível o direito à dedução.”

In fine, importa relevar que não se vislumbra qualquer violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade, na medida em que não obstante o incumprimento formal seja, efetivamente, da emitente das faturas compete à Recorrente fiscalizar esse cumprimento por forma a legitimar o seu direito à dedução. Com efeito, competia à Recorrente demonstrar que se encontravam reunidos os pressupostos constantes na lei, visto que, in casu, a AT cumpriu o ónus probatório a que se encontrava investida. Conforme doutrinado no Acórdão Evita-K, proferido no processo C-78-12, de 18 de julho de 2013, convocando anterior jurisprudência que reputa aplicável que é “[a] quem solicita a dedução do IVA que cabe provar que preenche as condições para dela beneficiar (v. acórdão de 26 de setembro de 1996, Enkler, C230/94, Colet., p. I4517, n.° 24)”.

Note-se que, o TJUE no âmbito do processo C-269/03, datado de 9 de setembro de 2004, já declarou que o direito da União, e, nomeadamente, o princípio da proporcionalidade, não se opõe a que um Estado-Membro, que fez uso da faculdade de conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optar por um regime especial de tributação, crie um regime que faz depender a dedução integral do IVA pago a montante da obtenção prévia de uma aprovação, não retroativa, por parte da AT.

Reiterando, mais recentemente, o TJUE no processo nº C-566/16, 17 de maio de 2018 que: “O direito da União deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que exclui a aplicação de um regime especial de tributação de imposto sobre o valor acrescentado que prevê uma isenção para as pequenas empresas — aprovado em conformidade com as disposições da secção 2 do capítulo 1 do título XII da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado- a um sujeito passivo que preenche todos os requisitos materiais, mas que não exerceu a faculdade de optar pela aplicação deste regime no momento em que declarou o início das suas atividades económicas à Administração Fiscal.”

Sendo de sublinhar, igualmente, que é inequívoca a inexistência de violação do princípio da igualdade, porquanto operadores económicos que efetuem as mesmas operações e adotem a mesma conduta que a Recorrente serão tratados de igual forma.

Quanto à concreta violação do princípio da neutralidade fiscal e face a todo o supra expendido, não se vislumbra qualquer preterição do aludido princípio.

Com efeito, o princípio da neutralidade, é apontado tanto pela doutrina como pela jurisprudência como um princípio estruturante, doutrinando, neste particular, Sérgio Vasques, “se quisermos concretizar o sentido da neutralidade, podemos dizer que imposto neutro é aquele que não interfere nas decisões dos agentes económicos deixando a produtores a liberdade de escolher o que produzir e como produzi-lo (neutralidade do produtor), ao mesmo tempo que deixa a consumidores a liberdade de escolher o que consumir sem os afastar da sua inclinação natural (neutralidade no consumidor) (4)”

Mais esclarecendo, contudo, que “Se o princípio da neutralidade exige que o imposto incidente sobre os inputs de qualquer actividade económica tributável seja inteiramente dedutível, é certo que o sistema do IVA continua a admitir variadas restrições à dedutibilidade do IVA, relativas não apenas à natureza dos gastos que permitem a dedução como também à forma e ao momento em que este se concretiza (5).”

Ora, tendo presente a suprarreferida densificação e face à realidade fática em contenda, ajuíza-se que a interpretação sufragada não traduz qualquer ofensa ao princípio da neutralidade do IVA, como aduz a Recorrente, bem pelo contrário. Com efeito, o princípio fundamental da neutralidade fiscal exige, desde logo, que a AT disponha “(…) de dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos”, o que, in casu, face a todo o exposto não sucede. Ademais, in casu, inexistem quaisquer elementos específicos e complementares concatenados com as aludidas faturas, sendo certo, além disso, que encontramo-nos perante um emitente de faturas indiciado de faturação falsa. (6)

Com efeito, a fatura ou documento equivalente que o suporta torna-se um elemento fundamental e decisivo, pois é esse documento que vai permitir ou não a dedução e ainda vai definir as taxas aplicadas aos diversos bens e serviços transacionados ou prestados.

Conforme evidencia Miguel Durham Agrellos & Paulo Pichel (7) “a fatura é uma espécie de “cheque” sobre o Estado”, esclarecendo, ulteriormente, que:“o direito à dedução enquanto trave mestra da mecânica deste imposto, está fundamentalmente assente numa ideia de “título de crédito”, isto é, o documento necessário para constituir, exercer e transferir o direito literal e autónomo nele incorporado”.

Destarte, as faturas em análise não preenchem os requisitos contemplados no citado normativo, não permitindo, assim, a dedução do IVA suportado.

E por assim ser, a procedência das irregularidades formais- face ao já supra explanado no atinente à delimitação objetiva e fundamentos autónomos e perfeitamente individualizados concernentes à dedução indevida de IVA e para a qual, ora, se remete por forma a evitar-se um raciocínio repetitivo-, legitima os atos de liquidação de IVA, tornando, assim, dispensável e inútil a análise da questão atinente à faturação falsa, mormente, os indícios e a prova da materialidade das operações, carecendo, por conseguinte, de relevo e análise as alegações da Recorrente nesse e a esse propósito.


***


IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA.
Custas pela Recorrente.
Registe. Notifique.

Lisboa, 09 de junho de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)


(1) Vide Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 02324/04.9 BEPRT, datado de 31.05.2012 e bem assim Aresto do TCA Sul, proferido no processo nº 618/10.3 BELRS de 07.06.2018.
(2) Ac. do STA, proferido no processo nº 00141/16, de 04 de outubro de 2017.
(3) Vide, designadamente, TJUE no já citado processo C-516/14.
(4)Sérgio Vasques, O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, Almedina: reimpressão, fevereiro 2020, p.105.
(5) In ob. cit.p.109.
(6)Vide, neste sentido, acórdãos de 21 de Outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C385/09, EU:C:2010:627, n.° 42; de 1 de Março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. W¹siewicz, C280/10, EU:C:2012:107, n.° 43; e de 9 de Julho de 2015, Salomie e Oltean, C183/14, EU:C:2015:454, n.ºs 58, 59 e jurisprudência aí referida)
(7) “Jurisprudência do TJUE sobre exigência de forma das faturas e direito à dedução do IVA”, Cadernos IVA 2015, pp.191 e 192.