Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:142/21.9 BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:11/17/2022
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
REFORMA DA AÇÃO EXECUTIVA; SOLICITADOR DE EXECUÇÃO
ATRASO NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA; DANO PATRIMONIAL
Sumário:I - A omissão de pronúncia verifica-se perante ausência de decisão expressa do tribunal sobre as matérias que os sujeitos processuais interessados submeteram à apreciação do tribunal em sede de pedido, causa de pedir e exceções, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, bem como sobre as que sejam de conhecimento oficioso, mas não perante a ausência de resposta concreta aos argumentos convocados pelas partes em defesa dos seus pontos de vista.
II - Com a reforma da ação executiva de 2003 criou-se a profissão de solicitador de execução, na dependência funcional do juiz, mas sujeito a fiscalização e ao poder disciplinar exclusivo da Câmara dos Solicitadores.
III - Conforme orientação jurisprudencial recente, na responsabilidade civil adveniente de atos e omissões do solicitador de execução, ressaltam os elementos de direito privado, sejam a forma de designação, o grau de autonomia perante o juiz, o regime de honorários, as regras de substituição e de destituição, a obrigatoriedade de seguro ou do facto de o recrutamento, a nomeação, a inspeção e a ação disciplinar serem da competência de uma entidade que não integra a Administração.
IV - Como tal, não se encontra sujeita ao regime da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, plasmada nos D-L n.º 48.051, de 21/11/1967, e Lei n.º 67/07, de 31 de dezembro, sem que tal impeça a responsabilização do Estado pela demora global do processo, verificados que estejam os respetivos pressupostos.
V - Não sendo percetível a realização de diligências complexas entre dezembro de 2003 e junho de 2014, e sem que os mais de dez anos de atividade processual encontrem justificação na atividade processual das partes, estamos perante uma demora irrazoável e como tal ilícita.
VI - O vencimento contínuo de juros sobre a dívida inicial ao longo de tal período pode configurar dano patrimonial ressarcível, provocado pela demora excessiva do processo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO
S..... instaurou ação administrativa contra o Estado Português, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia de € 48.591,99, sem prejuízo da possibilidade de liquidação adicional do pedido em função do que o autor tiver de pagar no âmbito do processo executivo n.º 42/04.7TCSNT, a título de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, em virtude de danos causados por omissão de decisão judicial em tempo razoável, no processo supra mencionado, do Juízo de Execução de Sintra, Juiz 2, da Comarca de Lisboa Oeste.
Por sentença datada de 16/03/2022, o TAF de Sintra julgou totalmente improcedente a ação, por não provada.
Inconformado, o autor interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1) O autor iniciou os presentes autos contra o Estado Português com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, por atraso na aplicação da justiça e na demora da tramitação processual de uma ação executiva.
2) Subsidiariamente, foi pedido que o Estado Português fosse responsabilizado pelos danos suportados pelo apelante em resultado do exercício da função político-legislativa, porquanto o fracasso da reforma da ação executiva de 2003 foi o que, mediatamente, causou o atraso no processo executivo em causa.
3) Ambos os pedidos foram julgados improcedentes por douta sentença proferida nos autos em 17/03/2022, não se podendo o ora recorrente conformar com tais decisões.
4) Está, pois, demonstrado na factualidade assente que entre a prática de atos processuais simples decorreu muito mais do que o que seria necessário ou de esperar.
a. Passaram mais de 11 meses desde a propositura da ação até à citação dos executados (factos provados 2. e 3.);
b. Passaram 2 anos e 6 meses desde o termo do prazo para a oposição à execução pelos executados até à penhora (factos provados 4. e 6.);
c. Passaram 3 anos, 8 meses e 16 dias desde a penhora até à adjudicação do imóvel à exequente (factos provados 6. e 11.).
5) Também está demonstrado que nunca houve qualquer entrave ao andamento do processo por parte dos executados, em particular o lá executado e aqui recorrente.
6) O tribunal recorrido, no entanto, concluiu que seria o agente de execução o responsável (não podendo o Estado ser responsabilizado) por aplicação da Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro.
7) Ora, esse é um manifesto erro de direito e de julgamento do tribunal recorrido: à data da ocorrência dos factos o que vigorava era o Decreto-Lei n.º 88/2003, de 26 de abril.
8) De acordo com a lei então em vigor, o agente de execução substituiu o funcionário judicial em todas as ações e atos a praticar nos processos executivos, incluindo os que se revestiam de jus imperii: a penhora, apreensão e venda de bens que são propriedade privada.
9) O agente de execução era um agente ao serviço do tribunal e do sistema de administração de Justiça, sujeito a controlo e na dependência do juiz de execução, como então se lia no artigo 808.º do CPC.
10) Nos termos do artigo 121.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores então em vigor: 1 - É aplicável ao agente de execução, com as necessárias adaptações, o regime estabelecido no Código de Processo Civil acerca dos impedimentos e suspeições dos funcionários da secretaria.
11) O agente de execução que estava encarregue de realizar as diligências de penhora nesses anos de 2003 e até 2013, agia em nome do tribunal, controlado diretamente pelo juiz de execução, como controlaria os funcionários judiciais que exercessem tais funções.
12) À data da prática dos factos que originaram os danos do recorrente e a obrigação de indemnizar por parte do réu, Estado Português, o agente de execução era uma extensão do tribunal e do seu poder jurisdicional, como eram antes os funcionários judiciais que executavam estas tarefas, em 2003 transferidas para os titulares desta nova profissão.
13) Não há nenhum fundamento para que um processo, que não teve qualquer complexidade nem atuação do aqui recorrente e lá executado que o pudesse atrasar, ainda assim pudesse demorar 7 anos, entre o seu início e a adjudicação do imóvel que tinha sido hipotecado precisamente para garantia do crédito em execução.
14) Não é razoável que num tal processo simples e sem nenhum entrave a sua tramitação tivesse decorrido 7 anos. Ao longo desses 7 anos venceram-se juros à taxa (que consta dos contratos) de 11,46% ao ano de taxa efetiva, acrescida de uma sobretaxa de 4%. É este tempo absurdo à taxa de 15,46% que origina os juros que ainda são devidos e que constituem a quase totalidade do valor devido à CGD pelo recorrente.
15) Se dúvidas havia quanto ao valor de juros que devem considerar-se da responsabilidade do recorrente e do réu Estado Português, que se determine que esse apuramento seja feito em posterior liquidação de sentença (nos termos do artigo 556.º do Código do Processo Civil).
16) Em 2003, o curso de um processo de execução fixava-se, em média, em 27 meses: o processo executivo já identificado demorou 84 meses, apenas entre o seu início e a data da adjudicação do bem imóvel penhorado.
17) Nos termos do artigo 7.º, n.º 1 da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro: O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.
18) O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão transitado em julgado, junto aos autos como documento 18 da petição inicial – concluiu que a agente de execução no processo executivo não poderia também ser responsabilizada a título individual, precisamente por causa dos danos causados aos processos executivos em geral pela reforma de 2003.
19) Por outro lado, o recorrente alegou na sua petição inicial que a reforma da ação executiva, que originou o DL 38/2003, de 8 de março, que era aplicável ao processo executivo identificado nestes autos, acarretou a violação material da Constituição da República Portuguesa.
20) Foi a aplicação conjunta destes diplomas – e de outros complementares –, sem prévia preparação, sem avaliação suficiente do que seriam os seus efeitos, sem meios para a implementar, que determinou um congestionamento como nunca se vira na tramitação dos processos executivos.
21) As consequências de tal reforma foram tais e de tal modo conhecidas que o facto de que causou atrasos inusitados e muito para lá do que seria normal e do que seria aceitável (razoável, na expressão da Lei) deve considerar-se como um facto notório.
22) Está demonstrado que a conduta de um agente de execução foi causa para os danos alegados pelo ora recorrente, sendo evidente e notório que tal atraso (84 meses em comparação com os 27 que era a média para processos semelhantes) se deveu à péssima reforma feita.
23) É responsabilidade do legislador – leia-se, do réu Estado Português – ter feito uma reforma que, afinal, não podia ser implementada, ter entregado competências a quem as não podia ou sabia exercer, não ter atribuído os meios que seriam necessários para aplicar tais medidas no dia-a-dia da tramitação processual.
24)Essa reforma falhada foi o que determinou o tempo excessivo que demorou o processo executivo em que o recorrente era executado e os danos que suportou, sendo os juros precisamente a consequência da mera passagem do tempo (nos termos do artigo 559.º do Código Civil).
25)Nos artigos 122.º a 136.º da petição inicial o ora recorrente claramente se refere às consequências da aprovação e aplicação do DL 38/2003, de 8 de março, em particular na violação do artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
26)Tal como invocou, nos artigos 137.º a 161.º da mesma petição inicial, a violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (em particular o teor do seu artigo 25.º, n.º 1) pela aplicação do tal diploma nacional, que pretendia ter o efeito exatamente contrário ao que veio a ter.
27)O tribunal recorrido não chegou sequer a pronunciar-se sobre essa questão, sendo a sentença recorrida nesse ponto nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, aplicável por expressa remissão do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
28)A reforma da ação executiva de 2003, que apanhou, em cheio, a ação movida contra o ora recorrente, violou a Constituição da República Portuguesa (e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem) na medida em que tornou o curso dos processos executivos demorados para lá do que seria razoável e infligiu graves danos ao recorrente, que este não tem como suportar.
29)Para a aplicação do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado é apenas relevante que a aplicação prática de uma determinada lei ou sistema de leis resulte numa utilização que é contrária à Constituição da República Portuguesa (e ou a normas de direito internacional). É o caso.
VI – DO PEDIDO.
NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, DEVE SER O PRESENTE RECURSO RECEBIDO E JULGADO, SENDO CONSIDERADO PROCEDENTE E REVOGANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA, SENDO SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE RESULTE NA CONDENAÇÃO DO RECORRIDO ESTADO PORTUGUÊS NO PAGAMENTO AO RECORRENTE DO VALOR DE € 48.591,99, SEM PREJUÍZO DE OUTRO SER O VALOR E QUE DEVE EQUIVALER AO QUE O RECORRENTE VENHA A TER QUE PAGAR À CGD, EXEQUENTE NO PROCESSO COM O N.º 42/04.7TCSNT, EM CURSO JUNTO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA OESTES, SINTRA, JUÍZO DE EXECUÇÃO, JUIZ 2, A TÍTULO DE JUROS DEVIDOS PELA DEMORA DO PROCESSO EXECUTIVO. ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.”
O Estado Português, representado pelo Ministério Público, apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1. Relativamente à alegada demora excessiva do processo, é um facto objetivo que a duração do processo em causa não é razoável, sendo claramente excessiva, nomeadamente até à adjudicação do imóvel penhorado em 2011, sendo certo que desde essa data o tempo do processo pode ser justificado pela utilização pelo autor “das vias legais próprias e permitidas”, como, aliás, o mesmo admitiu.
2. Mas a questão a decidir é se tal duração excessiva é responsabilidade do Estado Português, sendo certo que, conforme jurisprudência do TEDH, apenas a morosidade imputável ao Estado pode levar à sua condenação pela inobservância da exigência do “prazo razoável”.
3. E a resposta não pode deixar de ser negativa, pois a causa da demora excessiva em tal processo executivo deveu-se à inércia do agente de execução, bem como à postura do exequente, conforme o próprio Autor sempre afirmou e admitiu nesse mesmo processo executivo e na providência cautelar interposta previamente à presente ação.
4. Decorre da petição inicial, tal como o autor configurou a ação, que este apenas demandou o Estado Português por entender que o Estado deve responder pelos actos do agente de execução.
5. Mas tal não é efetivamente assim, conforme de forma exaustiva foi explanado na contestação do R. Estado Português, que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais, e conforme muito bem se encontra fundamentado na douta sentença recorrida, sendo tal posição alicerçada em diversa jurisprudência de tribunais superiores relativamente a tal questão.
6. Atente-se apenas neste ponto, como um dos muitos fatores que levam a essa conclusão: o agente de execução é obrigado a contratar e a manter seguro de responsabilidade civil profissional, precisamente porque é ele o responsável pelos danos por si causados, e não o Estado Português!
7. E a verdade é que o A. sempre imputou o motivo do atraso – quer no processo executivo em que alega a existência de atraso, quer na providência cautelar interposta previamente à presente ação – ao exequente e ao agente de execução.
8. Veja-se, por elucidativo, as afirmações feitas pelo mesmo no processo de execução em 02.11.2015 quando apresentou reclamação da conta elaborada.
9. Inexiste, como tal, qualquer facto ilícito do Estado Português.
10. Relativamente ao nexo de causalidade, há algo que é inultrapassável, e que também concorre para afastar a existência desse pressuposto.
11. Com efeito, para além dos danos invocados pelo A. terem sido causados por condutas imputáveis ao exequente e ao agente de execução, como o próprio A. admitiu,
12. A causa direta dos danos patrimoniais invocados pelo A. não residiu no invocado atraso processual, mas sim no não pagamento dos contratos de mútuo de que o ora A. era fiador, quer pelo devedor, quer pelo ora A. enquanto fiador,
13. Sendo que mesmo após a dívida exequenda ter ficado estabilizada, na sequência da adjudicação do imóvel penhorado ocorrida em 29.11.2011, só não foi paga porque o autor não o fez ou porque os seus bens penhoráveis não foram suficientes para tal.
14. Quanto à segunda causa de pedir – danos patrimoniais decorrentes do exercício da função político-legislativa – o n.º 1 do artigo 15.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (alterada pela Lei n.º 31/2008, de 17 de Julho), é claro ao consagrar a exigência de uma ilicitude qualificada para a verificação deste tipo de responsabilidade.
15. Assim, para se verificar ilicitude teremos que estar perante a violação de direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos que resulte da desconformidade com a Constituição, o direito internacional, o direito comunitário ou acto legislativo de valor reforçado.
16. In casu, não obstante se poder identificar a existência de alguns aspetos negativos na eficácia de tais reformas da ação executiva, não se verifica manifestamente nenhuma dessas hipóteses, pelo que não tem qualquer sustentação legal ou fundamento a pretensão indemnizatória do Autor.
17. Conforme muito bem se refere na douta sentença recorrida, “desde logo, impõe-se concluir que não vem assacada aos referidos decretos-lei a violação da Constituição, de normas de direito internacional e de direito comunitário ou de normas constantes de leis de valor reforçado”.
18. Na verdade, compulsada a petição inicial, em nenhum momento o A. invocou a violação da Constituição, de normas de direito internacional e de direito comunitário ou de normas constantes de leis de valor reforçado pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, ou pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, que introduziram as referidas reformas da ação executiva.
19. Acresce, ainda, cumprir referir que as normas processuais decorrentes de tais reformas da ação executiva foram aplicadas em inúmeros outros processos executivos, que correram os seus termos sem que tivessem gerado atraso na justiça ou inação dos agentes de execução nos mesmos.
20. Conforme muito bem referiu o tribunal a quo na douta sentença recorrida, “como ficou demonstrado, os danos que o A. alega ter sofrido ocorreram pela delonga na tramitação efectuada pela agente de execução, nomeada pela exequente, e não por qualquer imposição legal constantes dos diplomas que aprovaram as reformas legislativas”.
21. Finalmente, vem o A. invocar que a sentença recorrida não apreciou a questão da violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (em particular o teor do seu artigo 25.º, n.º 1) pela aplicação de tais diplomas nacionais relativos à reforma da ação executiva, mais invocando que havia suscitado tal questão nos artigos 137.º a 161.º da petição inicial,
22. Arguindo sessa forma a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (art.º 615º, n.º 2, al. d) do CPC).
23. Não assiste manifestamente razão ao recorrente.
24. Com efeito, por um lado, o que o ora recorrente invocou nos artigos 137.º a 161.º da petição inicial no que respeita à violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem foi apenas – ao contrário do que vem agora alegar – a alegada infração ao seu direito a um processo equitativo e dentro de um prazo razoável, reconhecido pelo artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no que respeita ao processo executivo em causa em concreto, ou seja, relativamente ao processo executivo n.º 42/04.7TCSNT, do Juízo de Execução de Sintra, Juiz 2, da Comarca de Lisboa Oeste,
25. E não relativamente à reforma legislativa do processo executivo, em geral, operada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, e pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro.
26. Por outro lado, cumpre ter presente que toda a extensa fundamentação da douta sentença recorrida é no sentido de – relativamente ao processo executivo em causa – não se considerar verificada a violação, no que respeita ao Estado Português, do direito a uma decisão em prazo razoável, previsto no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
27. Mas mais: o tribunal a quo expressamente referiu na douta sentença recorrida que “impõe-se concluir que não vem assacada aos referidos decretos-lei a violação da Constituição, de normas de direito internacional e de direito comunitário ou de normas constantes de leis de valor reforçado, pelo que não teria aplicação in casu a referida norma, não se verificando a responsabilidade do R. no exercício da função político-legislativa”.
28. Não existe, assim, qualquer nulidade da sentença por omissão de pronúncia, uma vez que a alegada violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem – na vertente que havia sido alegada pelo A. na petição inicial, ou seja, respeitante ao atraso processual no processo executivo n.º 42/04.7TCSNT – foi devidamente explanada na sentença,
29. Assim como foi expressamente referido não ter sido alegado pelo A. na petição inicial a violação pelo conjunto das normas da reforma do processo executivo de quaisquer normas de direito internacional.
30. E tal foi efetuado com uma fundamentação absolutamente clara, sendo que a leitura integrada da decisão recorrida era fácil e bastante para o recorrente formular e conformar o direito ao recurso, não se fundando em qualquer incerteza sobre o conteúdo decidido, nem sendo ambígua ou obscura, nada mais sendo necessário para o conhecimento da decisão recorrida.
31. Face ao exposto, a douta sentença recorrida não é merecedora de qualquer censura, devendo a mesma, como tal, ser integralmente confirmada.
Nestes termos, e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser considerado improcedente e manter-se, nos seus precisos termos, a douta sentença recorrida.
Assim decidindo farão V. Ex.as JUSTIÇA!”

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Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir se:
- ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto à questão da reforma da ação executiva de 2003 redundar em violação dos artigos 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e 25.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
- ocorrem erros de julgamento de direito, ao julgar-se inverificados os pressupostos legais da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito do Estado e os relativos à responsabilidade civil pelos danos decorrentes do exercício da função político-legislativa.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1 - No dia 21/04/1997, o A. constituiu-se fiador em dois mútuos, celebrados entre A….. e a C……, S.A. (cf. documento n.º 1, junto com a petição inicial, e acordo das partes).
2 - Em 19/12/2003, a C….. apresentou acção executiva para a cobrança do montante de 57.998,74 euros contra o mutuário e contra o ora A., que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Execução de Sintra, Juiz 2, Processo n.º 42/04.7TCSNT. (facto admitido por acordo das partes – artigos 9.º e 10.º da petição inicial e artigo 41.º da contestação).
3 - Em 9/12/2004, o A. e o mutuário foram citados para a referida acção executiva. (facto admitido por acordo das partes – artigos 9.º e 10.º da petição inicial e artigo 41.º da contestação).
4 - Não foi apresentada oposição à execução, cujo prazo decorreu até 11/01/2005. (facto admitido por acordo das partes – artigo 13.º da petição inicial e artigo 41.º da contestação).
5 - Com data de 13/12/2006, a Agente de Execução informou o Tribunal que, face à citação dos executados e à inexistência de oposição, iria de imediato proceder à penhora do imóvel (cf. documento n.º 2, junto com a petição inicial, e acordo das partes).
6 - Com data de 12/07/2007, foi lavrado o auto de penhora do imóvel (cf. documento n.º 2, junto com a petição inicial, e acordo das partes).
7 - Com data de 07/02/2008, foi fixada a modalidade de venda (cf. documento n.º 4, junto com a petição inicial, e acordo das partes).
8 - Em 14/05/2010, foi proferido despacho judicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido:
«Notifique o solicitador da execução para em dez dias informar o que tiver por conveniente.
Notifique o exequente para no mesmo prazo requerer o que tiver por conveniente, nomeadamente pela inércia do solicitador da execução, sob pena do disposto no artº 285º do CPC.» (cf. documento n.º 4, junto com a petição inicial, e acordo das partes).
9 - Com data de 08/11/2010, a Agente de Execução requereu, no processo n.º 42/04.7TCSNT, a designação de dia e hora para abertura das propostas em carta fechada. (cf. documento n.º 5, junto com a petição inicial, e acordo das partes).
10 - Com data de 20/01/2011, foi dirigida ao mandatário «Notificação de dia e hora da abertura de propostas», designada para dia 29/03/2011. (cf. documento n.º 5, junto com a petição inicial, e acordo das partes).
11 - Com data de 29/03/2011, foi lavrado o «Auto de abertura de propostas», no âmbito do processo n.º 42/04.7TCSNT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e do qual extrai-se o seguinte: «(…) foi aceite proposta apresentada pela C….., S.A., (…), pelo montante de 59.500,00 € (…)». (cf. documento n.º 7, junto com a petição inicial, e acordo das partes).
12 - Com data de 20/04/2011, foi emitida «Nota discriminativa», pela Agente de Execução, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e do qual extrai-se o seguinte:
«(…)
4. Devido ao exequente
Quantia exequenda 57.998,74
Custas de Parte (Quadro 2) 2188,13
Juros e Imposto de Selo 44.174,54
SALDO A ARECEBER 101.381,41».
(cf. documento n.º 8, junto com a petição inicial, e acordo das partes).
13 - Com data de 05/05/2011, foi apresentada reclamação da nota discriminativa referida no ponto anterior. (cf. documento n.º 9, junto com a petição inicial, e acordo das partes).
14 - Com data de 14/06/2013, foi lavrado o auto de penhora do salário do A. (cf. documento n.º 10, junto com a petição inicial, e acordo das partes).
15 - Com data de 01/07/2013, foi deduzida, por apenso à execução n.º42/04.7TCSNT, oposição à penhora. (cf. documento n.º 11, junto com a petição inicial, e acordo das partes).
16 - Com data de 16/05/2014, foi lavrado o auto de penhora de imóvel do A. (cf. documento n.º 12, junto com a petição inicial, e acordo das partes).
17 - Com data de 02/06/2014, foi deduzida, por apenso à execução n.º42/04.7TCSNT, oposição à penhora. (cf. documento n.º 13, junto com a petição inicial, e acordo das partes).
18 - Foi proferida sentença pelo Tribunal de 1.ª instância, da qual foi apresentado recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa e para o Supremo Tribunal de Justiça (cf. documentos n.ºs 14 a 20, juntos com a petição inicial, e acordo das partes).
19 - Com data de 28/01/2020, foi lavrado o auto de penhora de imóvel do A. (cf. documento n.º 21, junto com a petição inicial, e acordo das partes).

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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO


As questões a decidir neste processo, tal como supra enunciado, cingem-se a saber se:
- ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto à questão da reforma da ação executiva de 2003 redundar em violação dos artigos 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e 25.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
- ocorrem erros de julgamento de direito, ao não julgar verificados os pressupostos legais da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito do Estado e os relativos à responsabilidade civil pelos danos decorrentes do exercício da função político-legislativa.


a) da nulidade da sentença por omissão de pronúncia

O recorrente invoca que a sentença padece de nulidade, uma vez que não apreciou a questão por si colocada da reforma da ação executiva de 2003 redundar em violação dos artigos 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e 25.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Nos termos do artigo 95.º, n.º 1, do CPTA, a sentença deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
Por seu turno, decorre do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, que é nula a sentença quando o juiz deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
À evidência, tal nulidade não se verifica.
É consensual na nossa jurisprudência que esta omissão de pronúncia se verifica perante ausência de posição expressa ou de decisão expressa do tribunal sobre as matérias que os sujeitos processuais interessados submeteram à apreciação do tribunal em sede de pedido, causa de pedir e exceções, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, bem como sobre as que sejam de conhecimento oficioso, mas não perante a ausência de resposta concreta aos argumentos convocados pelas partes em defesa dos seus pontos de vista (cf., vg, os acórdãos do STA de 06/02/2019, proc. n.º 0249/09.0BEVIS 01161/16, e de 19/05/2016, proc. n.º 01657/12, e do TCAS de 10/01/2019, proc. n.º 113/18.2BCLSB, de 22/11/2018, proc. n.º 942/14.6BELLE, e de 16/12/2015, proc. n.º 04899/09, todos disponíveis em www.dgsi.pt/).
Veja-se que a suposta omissão assenta em argumentário apresentado pelo então autor no quadro do pedido de indemnização fundado em responsabilidade civil extracontratual no exercício da função político legislativa, alegando que o seu direito a uma decisão em prazo razoável (artigo 20.º, n.º 4 da CRP) foi posto em causa pela política-legislativa, em especial, com as reformas da ação executiva.
E conforme se assinala nas contra-alegações do recorrido Estado Português, representado pelo Ministério Público, consta da decisão recorrida a tomada de posição expressa quanto à invocada violação por parte do Estado Português do direito a uma decisão em prazo razoável.
Assim, ali se concluindo não ter aplicação a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e não se verificar a ilicitude dos diplomas em questão, no quadro invocado pelo recorrente, estava desde logo votada ao insucesso a pretendida responsabilização do Estado Português no exercício da função político legislativa.
Improcede, pois, a invocada nulidade da sentença.


b) dos erros de julgamento

Consta da sentença recorrida a seguinte fundamentação:
A actividade do agente de execução encontra-se regulada no Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, (EOSAE), aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro e, bem assim, nos artigos 719.º e 720.º do CPC.
Não obstante, praticar actos no âmbito das acções executivas, na medida das competências que a lei lhe atribui, o agente de execução não faz parte do tribunal nem pratica actos de natureza jurisdicional, não integrando a função administrativa ou judicial do Estado.
Trata-se de um profissional liberal, pessoa autónoma e distinta do Estado, que não recebe ordens ou instruções do Estado, não tem qualquer relação de dependência profissional em relação ao Estado, não é remunerado pelo Estado, nem está sujeito ao poder disciplinar do Estado.
Acresce referir que o agente de execução que, no exercício da sua profissão, viole, com dolo ou mera culpa, os direitos e interesses do seu cliente, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos daí resultantes, nos termos do disposto no artigo 15.º, n.º 1, do Regulamento n.º 202/2015, de 28 de Abril, que aprovou o Código Deontológico dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Por isso mesmo, encontra-se legalmente obrigado a contratar e a manter seguro de responsabilidade civil profissional, cf. artigo 123.º do EOSAE.
Como defende, e bem, o MP na sua contestação, não existe qualquer norma jurídica que atribua responsabilidade ao Estado Português pela conduta do agente de execução.
O Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro) obriga à existência de vínculo com o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público. Apenas os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício, podem originar a responsabilidade daqueles pelos danos que resultem das acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, destes cf. artigo 7.º, n.º 1, Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro.
Com efeito, a responsabilidade do Estado está circunscrita à ligação entre o indivíduo causador do dano e o Estado, desde que a conduta produtora dos danos tenha ocorrido no exercício de funções públicas e por causa desse exercício, o que não sucede com o agente de execução.
Este tem sido também o entendimento da jurisprudência dos Tribunais Superiores, nomeadamente do TCA Sul, que no seu Acórdão de 28/06/2018, no processo n.º 1039/16.0BELRA, decidiu nos seguintes termos:
«(…) a responsabilidade civil que aos agentes de execução for imputada, no âmbito do exercício da sua actividade, obedece ao regime geral privado e não ao regime da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, previsto no Dec. 48.051, 21.11.67, entretanto substituído pela Lei 67/2007, 31.12», e que «o atraso em processo executivo por se ter excedido o prazo julgado razoável é imputável ao Estado apenas e tão só no tocante às fases em que a instância tramitou sob a alçada do Tribunal ».
Acresce referir que a causa directa dos danos patrimoniais invocados pelo A., que no processo executivo ditou a penhora do seu salário e da casa de morada de família, resulta, em primeiro lugar, do não pagamento dos contractos de mútuo quer pelo devedor, quer pelo ora A., enquanto fiador, e, em segundo lugar, do vencimento de juros que prosseguiram, como demonstrado, pela delonga da agente de execução na tramitação que lhe competia realizar.
Refira-se ainda que inexistindo a prática de qualquer facto ilícito por parte do R. Estado Português, ou por parte de titular de órgão, funcionário ou agente do R. Estado Português, ou dos seus serviços, impõe-se concluir que inexiste nexo de causalidade com os danos alegados. Falhando também a verificação deste requisito.
Por último, fazer notar que o Tribunal Administrativo não tem competência em razão da matéria para apreciar e decidir as acções de responsabilidade civil extracontratual relativas a agente de execução, pelo que, também por esta razão, não poderia a presente acção ser julgada procedente nesta jurisdição.
Neste sentido, vide o Acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 01/02/2018, no Processo n.º 018/17, nos termos do qual se determinou como se segue:
«I - No domínio da vigência do Estatuto da Câmara dos Solicitadores aprovado pelo DL nº 88/2003 de 26/4, alterado pela Lei nº 49/2004 de 24/8 e Lei nº 14/2006 de 26/4 e pelo DL nº 226/2008 de 20/11, a responsabilidade civil extracontratual que aos Agentes de Execução for imputada no exercício das respectivas funções profissionais e por causa delas obedece ao regime geral da responsabilidade por factos ilícitos previsto no art. 483º e seguintes do Código Civil, e não ao regime de responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas previsto na Lei nº 67/2007, de 31/12.
II - A competência dos tribunais comuns é residual, uma vez que incide sobre “as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” - art. 64º do CPC.
III - Visto que a responsabilidade exigida à Agente de Execução é fundada numa sua conduta qualificável como privada e, portanto, enquadrável no art. 64º do CPC, são os tribunais comuns os competentes para conhecer da acção proposta .»
Nestes termos, e com os fundamentos supra expendidos, não pode o Estado ser responsabilizado pelos actos resultantes da acção do agente de execução, pois, não se verificam os pressupostos legais relativos à responsabilidade civil por factos ilícitos.
- Da responsabilidade civil do Estado pelos danos decorrentes do exercício da função político-legislativa
Improcedendo o pedido de indemnização do A. com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, cabe apreciar e decidir, subsidiariamente, da sua procedência com fundamento em responsabilidade civil extracontratual no exercício da função político legislativa.
O A. alega que o seu direito a uma decisão em prazo razoável (artigo 20.º, n.º 4 da CRP) foi posto em causa pela política-legislativa, em especial, com as sucessivas reformas da acção executiva – de 2003 e 2008, as quais se revelaram «na verdade, um fracasso, que as pendências não diminuíram por via dela e que o sistema judiciário não estava pronto para a operacionalização das medidas divulgadas ».
Por seu turno, o MP invoca que não se verifica nenhum dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por danos decorrentes do exercício da função político-legislativa.
Vejamos a qual das partes assiste razão.
O Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, introduziu a reforma da acção executiva, e o Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, introduziu uma nova reforma na acção executiva.
A responsabilidade do Estado pelos danos decorrentes do exercício da função político-legislativa pressupõe a existência de um facto ilícito imputado ao legislador, um juízo ético-jurídico de censura, a existência de um dano e um nexo de causalidade entre o ilícito legislativo e o dano causado.
O artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, sob a epígrafe «Responsabilidade no exercício da função político-legislativa» prevê que «[o] Estado e as regiões autónomas são civilmente responsáveis pelos danos anormais causados aos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos por actos que, no exercício da função político-legislativa, pratiquem, em desconformidade com a Constituição, o direito internacional, o direito comunitário ou acto legislativo de valor reforçado.».
Resulta do elemento literal desta norma que o Estado só será civilmente responsável pelos actos praticados no exercício da sua função político-legislativa, se os mesmos violarem i) a Constituição, ii) normas de direito internacional e de direito comunitário ou ainda, iii) normas constantes de leis de valor reforçado.
Ora, e desde logo, impõe-se concluir que não vem assacada aos referidos decretos-lei a violação da Constituição, de normas de direito internacional e de direito comunitário ou de normas constantes de leis de valor reforçado, pelo que não teria aplicação in casu a referida norma, não se verificando a responsabilidade do R. no exercício da função político-legislativa.
Além do mais, o A. não logrou alegar, nem provar, a ilicitude advinda da aprovação dos supra-referidos decretos-lei no caso subjudice .
O que se constatou foi a inércia da agente de execução na tramitação do processo executivo, porém, em momento algum o A. alega ou demonstra a que título a mesma ocorreu - se por força da aplicação das reformas na acção executiva ou se por qualquer outro motivo.
Além disso, não se pode afirmar, sem mais, que a eventual inacção de um profissional no exercício das suas funções/competências resulta, por si só, da alteração do quadro legislativo.
É certo que em alguns casos a aplicação de legislação nova pode comportar dificuldades para os profissionais que a aplicam, porém não será, à partida, essa a razão que obsta à prática dos actos necessários à tramitação processual, nomeadamente durante períodos que, como no caso em apreço nos presentes autos, excederam mais de 2 e 3 anos, em certos momentos.
E, ainda que se verificasse a ilicitude, não pode ser atribuída ao R. a culpa, enquanto imputação ético-jurídica que liga o facto à vontade do agente. Por um lado, não foi produzida qualquer prova nesse sentido e, por outro lado, as reformas da acção executiva aprovadas, com maior ou menor grau de dificuldade, foram aplicadas aos demais processos executivos que correram os seus termos sem que tivessem gerado atraso na justiça ou a inacção dos agentes de execução nos processos executivos.
Como ficou demonstrado, os danos que o A. alega ter sofrido ocorreram pela delonga na tramitação efectuada pela agente de execução, nomeada pela exequente, e não por qualquer imposição legal constantes dos diplomas que aprovaram as reformas legislativas.
E, quanto ao nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos, verificada a inexistência do facto ilícito, torna-se inviável estabelecer qualquer nexo causal com a produção do dano invocado.
Nestes termos, e com os fundamentos expendidos, conclui-se pela não verificação dos pressupostos legais relativos à responsabilidade civil do Estado pelos danos decorrentes do exercício da função político-legislativa.
Face a todo o exposto, e com os fundamentos atrás enunciados, improcede o pedido de indemnização por danos patrimoniais fundado na responsabilidade civil extracontratual do Estado Português por factos ilícitos e, subsidiariamente, na responsabilidade do Estado pelos danos decorrentes do exercício da função político-legislativa.”
Ao que contrapõe o recorrente, em síntese:
- está demonstrado na factualidade assente que entre a prática de atos processuais decorreu muito mais do que o que seria necessário, sem qualquer entrave ao andamento do processo por parte dos executados;
- na vigência do Decreto-Lei n.º 88/2003, de 26 de abril, o agente de execução agia em nome do tribunal, controlado diretamente pelo juiz de execução;
- não é razoável que num processo simples e sem entraves a sua tramitação tivesse decorrido 7 anos, originando os juros que ainda são devidos;
- a reforma executiva de 2003 causou atrasos inusitados e muito para lá do que seria normal e razoável, sendo responsabilidade do réu ter entregue competências a quem as não podia ou sabia exercer, e assim pelo tempo excessivo que demorou o processo executivo.
Vejamos se lhe assiste razão.
O artigo 20.º, n.º 4, da CRP, prevê que “[t]odos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.”
Plasmando na nossa Lei Fundamental o direito a um processo equitativo previsto no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem: “[q]ualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela” (Convenção aberta à assinatura em 04/11/1950, aprovada para ratificação por Portugal através da Lei n.º 65/78, de 13/10/1978, com depósito do instrumento de ratificação em 09/11/1978).
A responsabilidade das entidades públicas encontra-se prevista no artigo 22.º da CRP, onde se estatui que “[o] Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.”
Está em causa a responsabilidade civil extracontratual do réu Estado Português decorrente da demora irrazoável, de um processo de execução, entre dezembro de 2003 e janeiro de 2020.
Como entre estas datas se sucederam os regimes previstos no Decreto-Lei n.º 48.051, de 21/11/1967, e na Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, rege o princípio que resulta do artigo 12.º do Código Civil, da lei nova se aplicar aos factos posteriores à sua entrada em vigor, com respeito do regido pela lei antiga, tal como reconhecido na sentença sob recurso, sendo aplicáveis os dois regimes, em concorrência e sucessivamente.
Note-se que a Lei n.º 67/ 2007, de 31 de dezembro, criou no respetivo capítulo III um regime específico de responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função jurisdicional, até então inexistente.
Certo é que, anteriormente à sua entrada em vigor, o citado artigo 22.º da CRP, pela sua abrangência, já impunha a responsabilização do Estado pela sua atuação no exercício da função jurisdicional, conforme era então entendimento que se crê consensual da doutrina e jurisprudência (cf. os acórdãos do STA de 07/03/1989, proc. n.º 26535, de 19/11/2009, proc. 0533/09, de 05/05/2010, proc. n.º 0122/10, e de 27/11/2013, proc. n.º 0144/13; na doutrina, Jorge Miranda - “A Constituição e a Responsabilidade Civil do Estado” - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Coimbra, 2001, págs. 927/934; JJ Gomes Canotilho - Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4º ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000, pág. 496; Fausto Quadros - “Omissões legislativas sobre direitos fundamentais”. Nos Dez Anos da Constituição, Lisboa INCM, 1987, págs. 60/61; Rui Medeiros - A Decisão de Inconstitucionalidade, Os Autores, o Conteúdo e os Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade da Lei. Lisboa: Universidade Católica Editora, 1999, págs. 576/620; Manuel Afonso Vaz - A Responsabilidade Civil do Estado, Considerações Breves sobre o seu Estatuto Constitucional. Porto: Edição UCP, 1995, págs. 7/13; Maria da Glória Dias Garcia - A Responsabilidade Civil do Estado e Demais Pessoas Colectivas Públicas. Lisboa: CES, 1997, págs. 40/46; Maria Rangel de Mesquita - “Responsabilidade do Estado e Demais Entidades Públicas: o Decreto-lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967 e o Artigo 22º da Constituição”. Perspectivas Constitucionais, Nos 20 anos da Constituição de 1976, vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 1997; Isabel Celeste M. Fonseca - “A responsabilidade do Estado pela violação do prazo razoável: quo vadis?”. Revista do Ministério Público, Ano 29, Jul-Set. 2008, nº 115, págs. 8/9).
A obrigação de indemnizar constava do artigo 2.º, n.º 1, daquele Decreto-Lei n.º 48.051, com os seguintes termos:
“O Estado e demais pessoas coletivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.”
O artigo 12.º da Lei nº 67/ 2007, de 31 de dezembro, veio prever a aplicação do regime da responsabilidade civil extracontratual do estado e demais entidades públicas aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, constando a obrigação de indemnizar do respetivo artigo 3.º com os seguintes termos:
“1 - Quem esteja obrigado a reparar um dano, segundo o disposto na presente lei, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
2- A indemnização é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa.
3 - A responsabilidade prevista na presente lei compreende os danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como os danos já produzidos e os danos futuros, nos termos gerais de direito.”
A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos e agentes assenta nos mesmos parâmetros do conceito civilístico da responsabilidade civil extracontratual (cf. artigos 483.º e ss. do Código Civil), exigindo-se, também por referência aos normativos a seguir indicados do regime aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos legais:
- o facto, que se pode traduzir numa ação ou numa omissão, cf. artigo 7.º;
- a ilicitude, ação ou omissão violadora de normas ou deveres objetivos de cuidado, podendo ainda traduzir-se em funcionamento anormal do serviço, cf. artigos 7.º e 9.º;
- a culpa, juízo de censura dirigido ao agente, em função da diligência e aptidão exigíveis no caso concreto, cf. artigo 10.º;
- o dano, lesão ou prejuízo, patrimonial ou não patrimonial, resultante da ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos, cf. artigos 3.º e 9.º;
- o nexo de causalidade entre o facto e o dano, cf. artigo 7.º.
Verificados estes pressupostos, constitui-se na esfera do Estado a obrigação de indemnizar.
Na sentença sob recurso, entendeu-se não estarem verificados tais pressupostos, pelo que foi julgado improcedente o pedido do autor.
Partindo do facto, incontornável, um processo executivo que se iniciou em dezembro de 2003 e se mantinha pendente em janeiro de 2020, vejamos então se bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu.
São de considerar ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos – artigo 9.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.
O Estado será ainda responsável quando os danos devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço, que ocorre, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, quando seja razoavelmente exigível ao serviço uma atuação suscetível de evitar os danos produzidos – artigo 7.º do Regime aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.
Na ótica do recorrente, a ilicitude decorre da demora excessiva do processo executivo, invocando que o mesmo correu termos na vigência do Decreto-Lei n.º 88/2003, de 26 de abril, do qual decorria que o agente de execução agia em nome do tribunal e era controlado diretamente pelo juiz de execução. Pelo que a falta de razoabilidade daquela demora, num processo simples e sem entraves, deve ser imputada ao Estado Português.
Como se apreende do preâmbulo do citado diploma legal, com a reforma da ação executiva criou-se uma nova profissão, o agente de execução, com funções determinantes no desenrolar da ação executiva. Uma vez que este agente passou a ser recrutado de entre solicitadores de execução, tornou-se indispensável criar um novo regime que regulasse esta nova profissão, quem a pode exercer e quais o seus direitos e deveres, alterando a estrutura da Câmara dos Solicitadores e implicando uma nova regulamentação da mesma, definindo-se quais os seus órgãos nacionais, os seus órgãos regionais, os seus órgãos locais e os colégios de especialidade, estruturando em colégio a especialidade de solicitador de execução.
E ainda que, nos termos do Estatuto então objeto de alteração, se coloque o solicitador de execução na dependência funcional do juiz, previamente prevê-se que o solicitador se encontra sob fiscalização da Câmara e da causa. Para em seguida se estatuir que os solicitadores de execução, assim como todos os solicitadores, estão sujeitos ao poder disciplinar exclusivo da Câmara dos Solicitadores.
Vale isto por dizer que aquela dependência funcional, situada evidentemente no quadro do processo executivo do qual o juiz é titular, de algum modo se esvazia, ao serem-lhe subtraídas as prerrogativas de fiscalização e de titularidade do poder disciplinar relativamente a tais profissionais.
Este regime legal tem sido alvo de labor jurisprudencial, do qual se destacam os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 06/07/2011, proc. 95/09.1TJLSB.L1.S1, e de 11/04/2013, proc. 5548/09.9TVLSNB.L1.S1 (disponíveis em www.dgsi.pt), afigurando-se no presente inequívoco que, para efeitos de responsabilidade civil, ressaltam os elementos de direito privado, sejam a forma de designação, o grau de autonomia perante o juiz, o regime de honorários, as regras de substituição e de destituição, a obrigatoriedade de seguro ou do facto de o recrutamento, a nomeação, a inspeção e a ação disciplinar serem da competência de uma entidade que não integra a Administração, conforme se aduz no primeiro daqueles arestos.
Tudo convergindo no sentido de que a responsabilidade civil dos agentes de execução no exercício da sua atividade encontra-se sujeita ao regime geral e não ao regime da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, plasmada nos já citados D-L n.º 48.051, de 21/11/1967, e Lei n.º 67/07, de 31 de dezembro.
Conforme se assinala no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 199/2012, de 24/04/2012, “o agente de execução não exerce nem participa na função jurisdicional, e não integra o tribunal enquanto órgão de soberania”, aproximando-se a sua relação com o exequente, que o nomeia e pode livremente destituir, claramente de uma relação de direito privado de mandato (disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Vejam-se igualmente no sentido que se vem de expor os acórdãos do Tribunal dos Conflitos de 01/02/2018, proc. n.º 018/17, deste Tribunal Central Administrativo Sul de 28/06/2018, proc. 1039/16.0BELRA, de 21/11/2019, proc. n.º 1184/16.1BELRA (com revistas negadas pelo Supremo Tribunal Administrativo por acórdãos de, respetivamente, 11/01/2019 e 10/09/2020), e de 17/03/2022, proc. n.º 1273/16.2BELRA, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Nesta medida, encontra-se votada ao insucesso a questão da responsabilidade do Estado Português por via da responsabilização do agente de execução pelos seus atos e omissões. Pois que falham naturalmente o primeiro e segundo pressupostos supra enunciados.
Tal não significa, contudo, que o Estado não possa ser responsabilizado pela demora global do processo, verificados que estejam os respetivos pressupostos.
Aqui se divergindo da posição sustentada pelo recorrido, na medida em que não decorre da petição inicial, tal como o autor configurou a ação, que este apenas demandou o Estado Português por entender que o Estado deve responder pelos atos do agente de execução. Com efeito, à parte destas ações e omissões, o autor sustenta igualmente o pedido na demora global do processo executivo, o que não pode deixar de ser equacionado.
Quanto ao facto ilícito:
De acordo com o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 48.051, são de considerar ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.
Já o artigo 9.º do Regime aprovado pela Lei n.º 67/2007 considera ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
Quanto a saber em que medida o atraso na decisão de um processo judicial põe em causa o direito a uma decisão em prazo razoável, existe profusa jurisprudência do nosso STA, com uma evolução clara nos anos mais recentes, que em seguida se deixa sintetizada:
Acórdão de 08/07/2009, proc. n.º 0122/09:
I - O atraso na decisão de processos judiciais, quando puser em causa o direito a uma decisão em prazo razoável, garantido pelo artigo 20.º, n.º 4 da CRP, em sintonia com o artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, gera uma obrigação de indemnizar, desde que estejam verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
II - Para efeitos de integração do conceito de ‘prazo razoável’, ínsito nas disposições legais citadas, haverá que considerar todas as coordenadas do caso, designadamente, a complexidade, incidentes suscitados, ocorrências especiais, tempo de atraso injustificado que tenha ficado a dever-se à atuação da parte que pede a indemnização.
Acórdão de 10/09/2009, proc. n.º 083/09:
I - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública assenta na verificação cumulativa dos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, que são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano e o nexo de causalidade entre este e o facto.
II - Os preceitos legais que estabelecem os prazos para a prática, no processo, dos atos de magistrados e funcionários são normas disciplinadoras da atividade processual, cuja violação, por si só, não constitui facto ilícito.
III - Todavia, a não efetivação desses atos processuais num prazo razoável contraria o preceituado no art. 20/1 da Constituição da República Portuguesa e viola também o artigo 6°, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei n.º 65/78, de 13/10, e aplicável, por isso, na ordem jurídica interna.
IV - A determinação do que seja, para esse efeito, um prazo razoável não pode fazer-se em abstrato, antes havendo que ter em consideração as circunstâncias concretas do caso.
V - Não constitui, em concreto, violação do direito à administração da justiça em prazo razoável o atraso, relativamente aos prazos legalmente estabelecidos, da instrução de um processo em que se investigavam ilícitos criminais de grande complexidade e dificuldade, como o branqueamento de capitais e o tráfico de droga, os quais se suspeitava terem sido praticados não só em Portugal como no estrangeiro e em que, por isso, teve de haver relacionamento com as polícias desses países.
Acórdão de 05/05/2010, proc. n.º 0122/10:
I - Num processo para efetivação de responsabilidade civil extracontratual emergente de atraso na administração da justiça, se se considerar globalmente excedido o prazo razoável de modo manifesto ou indiscutível, não há que apreciar se foram cumpridos os prazos processuais relativos a cada ato processual, porque, mesmo que se concluísse pelo respetivo cumprimento, não se infirmaria a conclusão obtida sobre o excesso do prazo razoável, antes deveria concluir-se que os meios de resolução daquele conflito pela justiça estadual não são adequados e não estão estruturados de forma eficiente, o que envolve também responsabilidade do Estado por deficiência da organização.
II - É violado o direito a uma decisão em prazo razoável, assegurado pelo art. 20.º, n.º 4, da CRP, em sintonia com o art. 6.º, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, se num processo de recuperação de empresa seguido de falência decorrem mais de sete anos e meio entre a data em que foi apresentada uma reclamação de créditos e aquela em que ficou definido que não havia verba suficiente para o pagar.
Acórdão de 27/11/2013, proc. n.º 0144/13:
I - A duração global de um processo judicial, por mais de 8 anos, traduz um anormal funcionamento da justiça e é, por si só, violadora, pelo Estado, dos art.º 6º §1º e art.º 20º, n. º4 da CRP.
II - O facto de as partes utilizarem os vários meios processuais que a lei lhes permite para defesa dos seus interesses não pode relevar como comportamento censurável a atender para efeitos de excluir a responsabilidade do Estado pela duração de um processo para além do prazo razoável, a não ser que deles façam um uso abusivo ou pré-determinado a atrasar o processo.
III - É que cabe ao Estado organizar o seu sistema judiciário de molde a evitar que os processos se eternizem nos tribunais, através de sucessivos incidentes e recursos permitidos na lei interna.
Acórdão de 10/09/2014, proc. n.º 090/12:
I – O atraso na decisão de processos judiciais, quando viola o direito a uma decisão em prazo razoável, é um facto ilícito, gerador de responsabilidade civil do Estado.
II – Quando, considerando o processo na sua globalidade, é manifesto que a sua duração ultrapassou o prazo razoável, não há que apreciar se foram cumpridos os prazos processuais relativos a cada ato, pois, ainda que assim se considerasse, não se poderia infirmar aquela conclusão, porque o Estado sempre teria que prover à criação de outros ou diferentes meios, mecanismos, prazos, organização para atingir o objetivo de administrar a justiça em prazo razoável.
III – Tratando-se de um meio processual de tramitação simplificada e não revestindo a matéria nele em causa especial complexidade ou dificuldade, não pode deixar de se concluir que ultrapassou o prazo razoável a alteração da regulação do exercício do poder paternal que, até à obtenção de uma decisão transitada em julgado, durou cerca de 7 anos.
Acórdão de 21/05/2015, proc. n.º 072/14:
I - O atraso na decisão de processos judiciais, quando viola o direito a uma decisão em prazo razoável, constitui facto ilícito gerador de responsabilidade civil do Estado.
II - A apreciação da razoabilidade de duração dum processo terá de ser feita em concreto, apreciação essa em que importa atender, nomeadamente, à complexidade do processo, ao comportamento das partes, à atuação das autoridades competentes no processo e à natureza do litígio [assunto objeto de apreciação, tipo de consequências que dele resultam para a vida pessoal ou profissional das pessoas ou sujeitos envolvidos, mormente, a importância que a decisão tem para as partes - l’ enjeu du litige].
III - Não tendo os AA., após prolação de sentença que decretou a falência duma sociedade, deduzido qualquer reclamação de créditos, cujo pagamento visassem vir a obter através da massa falida e em função da respetiva sentença de graduação, não lhes assiste o direito a indemnização por atraso ocorrido na tramitação do apenso de reclamação e graduação de créditos, visto não poderem invocar que tenha existido, in casu, atuação ilícita lesiva da sua esfera jurídica por falta de emissão de decisão judicial em prazo razoável.
Acórdão de 08/03/2018, proc. n.º 0350/17:
I - Para aferição do concreto prazo que se deve entender por “razoável” não se pode adicionar o tempo de duração do processo penal ao da ação cível sem se demonstrar que a possibilidade legal de decidir o pedido cível em separado determinada pelo juiz criminal carece de sentido.
II - A demora excessiva de um processo, que resulta de dificuldades encontradas na ação executiva, nomeadamente na efetivação das penhoras ordenadas pelo tribunal - bens móveis, contas bancárias, quota social - e na venda dos bens penhorados, com recurso à negociação particular não deriva de insatisfatória regulamentação legal imputável ao Estado nem da falta de andamento dos referidos processos em moldes normais e aceitáveis.
Acórdão de 05/07/2018, proc. n.º 259/18:
I - Constatada uma violação do art. 06.º, § 1.º, da CEDH, relativamente ao direito à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável, existe e opera, em favor da vítima daquela violação da Convenção, uma forte presunção natural da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo em tempo razoável.
II - Àquela vítima impenderá um ónus de alegação e de prova dos danos não patrimoniais que excedam aquele dano comum e se mostrem relativos à sua específica situação concreta.
III - Tal presunção é, todavia, ilidível pelo demandado, impendendo sobre este o ónus de alegação e de prova em concreto da inexistência daquele dano e do afastamento do automatismo entre a violação constatada da Convenção e aquele dano.
IV - O demandante, para poder beneficiar da operatividade e aplicação daquela presunção, carecerá apenas de alegar e demonstrar a existência de uma violação objetivamente constatada da Convenção, nisso radicando o seu ónus de alegação e prova, que, uma vez satisfeito, conduz a que se presuma como existente o dano psicológico e moral comum, sem necessidade de que dele por si seja feita a sua prova.
Acórdão de 13/03/2019, proc. n.º 0437/12:
I - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas coletivas públicas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos de idêntica responsabilidade prevista na lei civil, com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos (cfr. arts. 7º e 12º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Pessoas Coletivas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31/12 e art. 483º e seguintes do CC).
II - A obrigação que não foi cumprida pelo réu Estado é a obrigação de garantir o direito constitucional a uma decisão em prazo razoável, que pode consubstanciar responsabilidade civil extracontratual, não é uma obrigação pecuniária, pelo que não tem aqui aplicação a norma do art. 806º, nº1 do CC.
III - Não tendo alegado e demonstrado os danos que lhe foram causados pelo atraso nas decisões definitivas nos processos expropriativos, não podia o Réu ser condenado na indemnização respetiva.
IV - O TCAS não podia conhecer do pedido de indemnização a título de danos não patrimoniais causados pelo anormal funcionamento dos serviços de administração da justiça, já que a aqui Recorrida, não o efetuou, como devia, na PI, tendo sido violado o princípio da estabilidade da instância (cfr. arts. 260º, 264º e 265º do CPC) e o princípio do contraditório (cfr. art. 3º, nº 3 e 415º do CPC), visto que o Réu Estado não teve oportunidade de se pronunciar sobre esse pedido em sede própria, e, sobre o qual a sentença de primeira instância não se havia pronunciado ao não ter sido formulado pedido nesse sentido na petição inicial ou até ao encerramento da discussão em 1ª instância, no qual veio o R. a ser condenado.
V - Assim, o TCAS incorreu na nulidade de decisão prevista no art. 615º, nº 1, al. e) do CPC, já que decidiu questão e pedido de que não podia conhecer, por ter sido efetuado extemporaneamente.
VI - A fixação do valor da indemnização devida pelos honorários suportados em excesso nos processos expropriativos, por recurso à equidade, nos termos do art. 566º, nº 3 do CC, pressupunha que a aqui recorrida tivesse provado que pagou honorários ao seu advogado num determinado montante, o qual foi superior, mesmo que não apurado um valor exato, àquele que seria caso os referidos processos não tivessem sofrido atrasos, ou seja, que sofreu um dano, prova que não logrou fazer.
Seguindo as linhas orientadoras destes arestos, por sufragarmos o entendimento neles expresso, temos que a análise da eventual verificação de violação do direito a uma decisão em prazo razoável passa por ter em consideração, num primeiro momento, se foram cumpridos os prazos legais para a prática de atos e para a ocorrência das várias fases processuais.
Constatada a violação de um ou múltiplos prazos, haverá que atender às circunstâncias do caso concreto, e designadamente:
- à complexidade do caso;
- ao comportamento processual das partes;
- à atuação das autoridades competentes no processo; e
- à relevância do assunto do processo e do significado que ele pode ter para os interessados.
Num segundo momento, passará a ter-se em consideração a totalidade do período de tempo em que o processo se desenvolveu.

Apreciada analiticamente a tramitação do processo entre dezembro de 2003 e janeiro de 2020, genericamente temos que entre a instauração da ação executiva e a citação dos executados decorreu praticamente um ano, a penhora do imóvel veio a ser concretizada mais de dois anos e meio depois, com a venda a ser finalizada quase quatro anos mais tarde. Foi então penhorado o vencimento do recorrente e cerca de três anos mais tarde o seu imóvel. Perante a oposição a esta penhora apresentada no dia 02/06/2014, foram proferidas decisões em primeira instância nos dias 27/04/2016 e 22/09/2017, pelo Tribunal da Relação de Lisboa nos dias 26/04/2017 e 09/10/2018, e pelo Supremo Tribunal de Justiça no dia 11/03/2019.
Em janeiro de 2020, foi lavrado o auto de penhora do imóvel do recorrente.
No que concerne ao enxerto declarativo da ação executiva, que esteve pendente entre junho de 2014 e março de 2019, afigura-se razoável uma duração inferior a cinco anos, num contexto em que o processo correu termos nas três instâncias.
No que tange à tramitação da ação executiva propriamente dita, não se afigura percetível a realização de diligências de complexidade entre dezembro de 2003 e junho de 2014.
Estamos aqui perante uma demora irrazoável e como tal ilícita, posto que os mais de dez anos de atividade processual não encontram justificação na atividade processual das partes.
Quanto à atuação das autoridades competentes no processo, é sustentável que parte desta demora, claramente irrazoável, possa não ser integralmente imputável ao aparelho de administração da justiça, mas também às leis que nos regem, em particular ao ordenamento processual.
Ainda que assim seja, o Estado não pode deixar de ser responsabilizado pela verificação de casos como o presente, sem que se note a verificação de eventos que tenham inapelavelmente atrasado a tramitação dos autos.
A duração a ter em equação é de cerca de dez anos.
Como se reconhece no acórdão do STA de 09/10/2008, tirado no proc. n.º 0319/08 (disponível em http://www.dgsi.pt/), após análise da globalidade do tempo de duração da ação e o seu estado e “a conclusão que se recolher deste conspecto for clara e seguramente no sentido de que foi ultrapassado o prazo razoável não deveremos perder-nos na floresta dos meandros processuais à procura de saber se foi ou não cumprido religiosamente cada um dos prazos dos atos daquele percurso. Uma situação deste tipo pressupõe evidentemente uma opinião praticamente unânime de um universo de apreciadores que o julgador pode prefigurar e portanto ocorre apenas quando a demora processual seja chocante, inaceitável, para os critérios do homem comum e das suas expectativas ponderadas sobre o andamento da máquina da administração da justiça.”
No caso vertente, impõe-se concluir que a administração da justiça não funcionou de acordo com os padrões médios de resultado expectáveis num Estado de Direito, assim impedindo a sua conclusão num prazo mais curto.
Tendo presente que, conforme já sublinhado, é orientação do TEDH que uma carga excessiva de trabalho ou a falta de meios disponíveis nos Tribunais não é fundamento legal para isentar ou obstar à efetivação da responsabilidade por atrasos na administração da justiça, respondendo o Estado pela ineficiência do aparelho de administração de justiça no seu todo.
Isto posto, temos de reconhecer que inexiste justificação adequada para a duração do processo.
O atraso configura, pois, um facto ilícito.

Quanto ao terceiro dos invocados pressupostos, previa o artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48.051, que a culpa é apreciada nos termos do artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil, ou seja, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.
E segundo o artigo 10.º do Regime aprovado pela Lei n.º 67/2007, a culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor (n.º 1), presumindo-se a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos (n.º 2).
Parte-se, pois, de uma conceção de culpa em abstrato, à semelhança do que sucede na lei civil, sem perder de vista as circunstâncias particulares do caso concreto, pela diligência que é exigível em abstrato a um titular de órgão, funcionário ou agente, e não segundo a diligência habitual do autor do dano (cf. Carlos Fernandes Cadilha, Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, 2008, págs. 162/163).
Não é exigível, contudo, uma culpa subjetivada, sendo de aceitar a culpa do serviço, que pode decorrer do deficiente funcionamento dos serviços de justiça de acordo apurado em função das circunstâncias e a padrões médios de resultado, expectáveis num Estado de Direito, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 7.º da Lei n.º 67/2007.
Como se afirma em acórdão do STA de 23/04/2020 (proc. n.º 0290/13.9BESNT), uma vez preenchido o pressuposto da ilicitude, mostra-se igualmente verificado o pressuposto da culpa, pois “o elemento culpa dilui-se na ilicitude quando é violado o dever de boa administração da justiça, assumindo a culpa o aspeto subjetivo da ilicitude; resultando essa culpa igualmente, no caso vertente, do próprio facto de os serviços de justiça não terem funcionado de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são esperados e constituem uma obrigação do Estado de Direito perante os cidadãos.”
Tal como no presente caso ocorre, o atraso já apurado na resolução do processo em causa, que consubstancia um facto ilícito, permite igualmente concluir que se encontra preenchido o pressuposto da culpa.

Quanto ao dano, não suscita dúvidas que o direito à indemnização a título de responsabilidade extracontratual depende da sua existência, pois “para haver obrigação de indemnizar, é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 1989, pág. 567).
Já se constatou que foi violado o direito do recorrente à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável.
O autor ancora o seu pedido de indemnização pela verificação de danos patrimoniais nos juros que se venceram durante a pendência da execução. Que levaram, numa execução instaurada em 2003, a que, depois de penhorado e vendido o bem imóvel do executado mutuário sobre o qual pendia hipoteca, em 2011, viesse depois a ser penhorado o vencimento do executado fiador, em 2013, e mais tarde penhorado o bem imóvel de que este era proprietário, em 2014. Seguindo-se o enxerto declarativo da ação executiva, que como já se salientou não entrará na contabilização do período de atraso global do processo.
Sublinhe-se ainda que não está em causa a responsabilização do Estado Português pela verificação de danos não patrimoniais, questão que se encontra arredada do objeto da ação e, como tal, à evidência, do objeto do recurso.
No que tange aos danos patrimoniais, a respetiva verificação deve ser aferida a partir de uma análise conjunta com a verificação do pressuposto nexo de causalidade.
A necessidade da sua existência entre o facto e o dano encontrava-se prevista no já citado artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48.051, de 21 de novembro de 1967: “[o] Estado e demais pessoas coletivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício” (sublinhado nosso).
Tal como se encontra previsto no artigo 7.º do regime aprovado pela Lei n.º 67/2007, que “[o] Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas” (sublinhado nosso).
Prevendo o artigo 563.º do Código Civil, com a epígrafe ‘nexo de causalidade’, que “[a] obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”
Aqui se consagra a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, proposta por Ennecerus-Lehman, “segundo a qual a condição deixará de ser causa do dano sempre que ela seja de todo indiferente para a produção do mesmo, e só se tenha tornado condição dele em virtude de outras circunstâncias, sendo pois inadequada à sua produção. À luz desta teoria, não serão ressarcíveis todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto causador do resultado danoso, mas tão só os que ele tenha realmente ocasionado, ou seja, aqueles cuja ocorrência com ele esteja numa relação de adequação causal. Por outras palavras, dir-se-á que o juízo de adequação causal tem que assentar numa relação intrínseca entre o facto e o dano, de modo que este decorra como consequência normal e típica daquele, ou seja, que corresponda a uma decorrência adequada do mesmo” (acórdão do STJ de 05/07 /2017, proc. n.º 4861/11.0TAMTS.Pl.Sl, disponível em www.dgsi.pt).
Ensina Antunes Varela que podem ocorrer “danos que o lesado muito provavelmente não teria sofrido se não fosse o facto ilícito imputável ao agente, e que, no entanto, não podem ser incluídos na obrigação de indemnização, porque isso repugnaria ao pensamento da causalidade adequada, que o art. 563º indubitavelmente quis perfilhar. (...) [P]ara que um dano seja reparável pelo autor do facto, é necessário que o facto tenha atuado como condição do dano. Mas não basta a relação de condicionalidade concreta entre o facto e o dano. É preciso ainda que, em abstrato, o facto seja uma causa adequada (hoc sensu) desse dano” (Direito das Obrigações, Vol. I, 1991, p. 899).
Uma condição deixará de ser causa adequada se for irrelevante para a produção do dano, segundo as regras da experiência, ocorrendo essa irrelevância quando a ação não é de molde a agravar o risco de verificação do dano (Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 1982, pág. 321).
E o facto tem de ser, em concreto, condição sine qua non do dano, e ao mesmo tempo constituir, em abstrato, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção (Almeida Costa, Direito das Obrigações, 1984, pág. 518).
Os factos são incontornáveis, num processo executivo que se iniciou em dezembro de 2003, foi penhorado e vendido o bem imóvel do executado mutuário sobre o qual pendia hipoteca no decurso de 2011, foi penhorado o vencimento do executado fiador em 2013, e penhorado o bem imóvel de que este era proprietário em 2014, mantendo-se pendente a execução e continuando a vencer-se juros sobre a dívida inicial.
Como se assinala no acórdão do STA de 08/03/2018, na apreciação da “duração razoável standard de um processo judicial convém ter em conta a jurisprudência do TEDH, de acordo com a qual a duração média - que corresponde à «duração razoável» - de um processo em 1ª instância é de cerca de 3 anos, e a de todo o processo - incluindo recursos e eventual execução - deve corresponder, por regra, a um período que vai de 4 a 6 anos, salvo casos especiais [ver Isabel Celeste Fonseca, in «CJA», n.º 72, págs. 45 e 46, e jurisprudência aludida].”
No caso vertente, impõe-se concluir que, em face das aludidas circunstâncias do caso concreto, será razoável equacionar uma duração de quatro anos, ligeiramente superior ao patamar gizado pelo TEDH.
Ou seja, o processo teve uma duração excessiva superior a seis anos, a reclamar tutela indemnizatória.
Tem-se, pois, por verificado que o autor sofreu prejuízos com as penhoras que recaíram sobre o seu património, o que derivou da demora excessiva do processo de execução, pelo que se mostram demonstrados os pressupostos dano e nexo de causalidade.
Apurada a responsabilidade do Estado Português quanto à violação do direito a uma decisão em prazo razoável, haverá que apurar o montante indemnizatório da respetiva condenação.
Firmando-se que, perante a procedência do pedido principal, não será de apreciar a petição subsidiária relativa à responsabilidade do réu Estado Português no exercício da função político-legislativa. Sem que se deixe de assinalar que, para os efeitos previstos no artigo 15.º do D-L n.º 67/2007, sempre queda por alegar a ilicitude advinda da aprovação dos diplomas legislativos relativos à reforma da ação executiva, conforme corretamente se assume na decisão recorrida.
Cingem-se então os prejuízos para o património do autor / recorrente, os invocados danos patrimoniais, aos montantes relativos aos juros da dívida exequenda que se venceram no período de duração excessiva do processo executivo, no caso seis anos.
Sucede que os autos não contêm os elementos que permitam calcular este montante, pelo que este tribunal deve limitar-se a condenar no que vier a ser liquidado, cf. artigo 609.º, n.º 2, do Código Civil.
Assim, será de conceder provimento ao recurso, revogar a sentença, julgar a ação procedente e condenar o Estado português a pagar ao recorrente o que vier a ser liquidado, a título de indemnização por danos patrimoniais, nos termos e com o objeto supra delimitado.

*

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença, julgar a ação procedente e condenar o Estado Português a pagar ao recorrente o que vier a ser liquidado, a título de indemnização por danos patrimoniais, nos termos e com o objeto supra delimitado.
Custas a cargo do recorrido.

Lisboa, 17 de novembro de 2022
(Pedro Nuno Figueiredo)

(Ana Cristina Lameira)

(Ricardo Ferreira Leite)