Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:498/18.0BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:10/10/2019
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL;
PROPOSTA VARIANTE NÃO ADMITIDA NOS DOCUMENTOS DO PROCEDIMENTO.
EXCLUSÃO.
Sumário:
I- A ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido supõe uma ação preventiva a uma possível decisão a proferir e não uma reação impugnativa a uma decisão já proferida.
II- Recorre-se da decisão e amplia-se o recurso quanto aos seus fundamentos; assim se delimita os casos em que cabe recurso da decisão, dos casos em que cabe a ampliação do seu âmbito por iniciativa do recorrido.
III- A apresentação de uma proposta com termos e condições que infrinjam uma cláusula fixa e fechada do caderno de encargos, sobre um aspeto da execução do contrato subtraído à concorrência, é motivo de exclusão da proposta nos termos das disposições conjugadas dos art.s 70.º, n.º 2, alínea b), 2.ª parte, e 146.º, n.º 2, alínea o), todos do CCP.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

E.... – S....., S.A. e C.... – C.....(Recorrentes), interpuseram recurso jurisdicional da sentença de 20.05.2019 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que na ação de contencioso pré-contratual intentada por A.... – A....., Lda., ora Recorrida, decidiu, impondo a anulação de todo o processado posterior à decisão de retificação das peças do procedimento, ficando a Ré constituída no dever de reconstituição da situação hipotética atual, que passará, antes de mais, por decidir e comunicar aos interessados qual o “quantum” da prorrogação do prazo para a apresentação das propostas que gozam” :

1) Absolver a Ré da instância relativamente à impugnação da decisão de contratar, à impugnação da decisão de escolha do procedimento, e à impugnação da decisão de aprovação das peças do procedimento relativamente à determinação do preço base e aos critérios de determinação de preço anormalmente baixo.

2) Anular as decisões de exclusão da Autora do procedimento e de adjudicação do contrato.

3) Fixar à causa o valor de € 190.000,00.

4) Condenar Autora e Ré no pagamento das custas, na proporção, respetivamente, de três quintos a Autora e dois quintos a Ré.

Em sede de recurso, a Recorrente E.... – S....., S.A., apresenta as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco em 20.05.2019, na parte em que julgou parcialmente procedente a acção de contencioso pré-contratual.

II. A sentença ora recorrida veio, então, decidir:

a. Absolver a Ré da instância relativamente à impugnação da decisão de contratar, à impugnação da decisão de escolha do procedimento, e à impugnação da decisão de aprovação das peças do procedimento relativamente à determinação do preço base e aos critérios de determinação de preço anormalmente baixo;

b. Anular as decisões de exclusão da Autora do procedimento e de adjudicação do contrato.

III. A Recorrente não se conforma com a anulação da decisão de exclusão da Autora do procedimento e da decisão de adjudicação do contrato, razão pela qual vem o presente recurso.

IV. O presente recurso está limitado àquelas anulações, não pretendendo a Recorrente recorrer do teor da decisão no segmento a) supra, que deverá ser mantido.

V. De acordo com a Cláusula 16, ponto 13, alínea B) do Caderno de Encargos do Procedimento era exigido que a solução a apresentar corresse em “máquinas virtuais num ambiente virtualizado baseado em Microsoft”.

VI. A proposta da Autora refere expressamente, quanto a este atributo, que a solução corre “em máquinas virtuais num ambiente virtualizado baseado em Microsoft Hyper-V 2012 e versões mais recentes ou Container Docker." (sublinhado e negrito nosso)

VII. A utilização da conjunção “ou” tem sempre um disjuntivo (disjungir, separar, desunir), em contraposição à utilização da conjunção “e”, que denota uma relação de adição.

VIII. A sentença recorrida considerou erradamente que a proposta da Autora não deveria ter sido interpretada com base na sua letra, devendo ter sido objecto de um pedido de esclarecimentos.

IX. A Ré compreendeu de forma perfeitamente clara qual o sentido da proposta da Autora, que não deixava margem para dúvidas:

X. A Autora pretendia fornecer um software computacional que correria:

a. Em máquinas virtuais num ambiente virtualizado baseado em Microsoft Hyper-V 2012 e versões mais recentes; ou

b. Em máquinas virtuais num ambiente virtualizado baseado em Container Docker.

XI. A Autora propunha-se fornecer, em alternativa e de acordo com o seu arbítrio, um software computacional com as características indicadas em a) supra ou um software computacional com as características indicadas em b) supra.

XII. A Ré compreendeu de forma bastante clara a proposta da Autora, ou seja, que a proposta não correspondia ao exigido pelo Caderno de Encargos na medida em que a alternatividade proposta levaria a que pudesse não vir a ser fornecido um software computacional que corresse em máquinas virtuais num ambiente virtualizado baseado em Microsoft Hyper-V 2012 e versões mais recentes.

XIII. O Container Docker não é uma máquina virtual.

XIV. O Container Docker não é uma tecnologia de virtualização. O Hyper-V da Microsoft é uma tecnologia de virtualização baseada em hypervisor.

XV. A Autora, ao dizer “Correr em máquinas virtuais num ambiente virtualizado baseado em Microsoft Hyper-V2012 e versões mais recentes ou Container Docker” confunde os conceitos na medida em que o Container Docker é uma tecnologia de software enquanto Microsoft Hiper-V é uma tecnologia de virtualização.

XVI. A documentação disponível do Container Docker assim o confirma expressamente (https://docs-docker.com/aet-startedA.

XVII. Nos termos da proposta que apresentou, a Autora tanto poderia fornecer um software computacional que corresse em Microsoft Hyper-V 2012 e versões mais recentes como, em alternativa, um software computacional que corresse em Container Docker.

XVIII. Fornecer um sistema que corre em Container Docker seria sempre uma forma de violar os requisitos previstos no Caderno de Encargos, tal como é comprovado pela documentação técnica disponível em fhttDs://docs.docker.com/qet-startedfl.

XIX. A Ré dispõe de conhecimentos técnicos suficientes para interpretar a proposta da Autora com a alternatividade que esta lhe quis conferir.

XX. A Ré não está obrigada, naturalmente, a manter uma proposta que não cumpre os requisitos constantes do Caderno de Encargos apenas porque a Autora se vinculou a aceitar os seus termos ao assinar a declaração a que se refere a alínea a) o Art.° 57.° do CCP.

XXI. Se assim fosse, qualquer desconformidade da proposta seria sempre sanada pela mera apresentação de uma declaração de conformidade com o conteúdo do Caderno de Encargos o que seria, salvo o devido respeito, manifestamente absurdo. A sentença incorre, também nesta parte, em erro de direito.

XXII. A sentença erra também manifestamente na interpretação da proposta da Autora e na aplicação do direito, ao considerar que aquela “dissipou” as suas dúvidas ao declarar, em sede de audiência prévia, que a utilização da conjunção “ou” tinha o valor de “e” seria a de cumprir as condições do Caderno de Encargos e, ainda, um plus.

XXIII. Seria manifestamente desconforme às disposições legais constantes do CCP admitir que o esclarecimento em sede de audiência prévia viesse alterar o sentido da proposta apresentada fazendo equivaler um “ou" a um “e”.

XXIV. A interpretação que a sentença faz do disposto no citado Art.° 96.° do CCP é ilegal na medida em que permitiria sanar qualquer ilegalidade da proposta pela simples e mera existência de uma ordem de prevalência do Caderno de Encargos sobre aquele documento, o que é manifestamente absurdo. A sentença recorrida é também ilegal por violação daquela mesma disposição legal.

XXV. A Ré não procedeu a qualquer alteração de um aspecto fundamental do programa de procedimento.

XXVI. A eliminação de um subfactor de ponderação que não tem qualquer implicação nos atributos da proposta não é uma alteração de um “aspecto fundamental” das peças do procedimento que determine a prorrogação do prazo fixado para apresentação das propostas, nos termos do n.º 2 do art.° 64.° do CCP.

XXVII. A Autora, ao contrário do que afirma a sentença recorrida, não refere na sua petição inicial qualquer intenção de "repensar o investimento em recursos humanos" ou a “a avaliação dos recursos em função da sua alocação a outros projectos'.

XXVIII. A sentença vai muito mais longe que o que foi sequer alegado pela Autora nos Artigos 59 e seguintes da sua petição inicial.

XXIX. A Autora pretendia que a prorrogação de prazo para apresentação da proposta fizesse adiar a demonstração, demonstração essa para a qual não tinha os recursos disponíveis nem sequer a solução a fornecer passível de cumprir os requisitos do Caderno de Encargos.

XXX. Este facto é corroborado pela avaliação constante da demonstração realizada: dos 15 aspectos técnicos a avaliar, a Autora incumpre 10, de acordo com os documentos do processo administrativo, junto aos autos.

XXXI. A Autora não alega que a eventual prorrogação do prazo para a apresentação da proposta era necessária por força de uma eventual necessidade de adaptação da estratégia da proposta.

XXXII. A Autora alega exclusivamente a possibilidade de poder contar com os seus profissionais mais qualificados para a demonstração da solução.

XXXIII. A sentença ora recorrida fez uma errada interpretação da petição inicial da Autora, nos seus Artigos 59 e seguintes, e uma errada aplicação do direito ao considerar que a mera redistribuição das ponderações dos factores de avaliação determinariam uma alteração de aspectos fundamentais das peças do procedimento, justificando uma eventual prorrogação de prazo.

XXXIV. A Autora confessa no artigo 70.° da petição inicial a sua incapacidade técnica para cumprir o objecto do fornecimento pretendido pelo Procedimento, e que se confirmou com a proposta que apresentou e com a respectiva demonstração.

XXXV. A eventual prorrogação de prazo de apresentação da proposta da Autora era exclusivamente necessária para adiar a demonstração técnica.

XXXVI. Andou mal a sentença recorrida ao entender algo que nem sequer a Autora alegou: a necessidade de tempo para modificar a estratégia de recursos humanos da sua proposta. A sentença recorrida, também aqui, incorre em erro de direito por violação de lei, indo mais longe do que a própria Autora sequer alegou.

XXXVII. Ainda que se admitisse que a prorrogação do prazo para apresentação das propostas fosse devida, o que se admite sem conceder, sempre se teria que concluir que a eventual avaliação da proposta da Autora não teria sofrido qualquer alteração, caso tivesse sido admitida e ponderada.

XXXVIII. A Autora apenas detectou a alegada irregularidade da ausência de prorrogação de prazo para apresentação da proposta curiosamente após ter sido excluída do Procedimento, ganhando tempo para desenvolver as funcionalidades da solução que não cumpriu na demonstração.

XXXIX. A sentença recorrida errou manifestamente ao considerar que os concorrentes necessitavam alegadamente de tempo para uma reformulação das suas propostas, na medida em que a modificação das ponderações dos factores em nada faria modificar a sua estratégia.

XL. Eliminar um subfactor referente à qualidade da proposta é manifestamente distinto de alterar um atributo da proposta com incidência na respectiva avaliação.

XLI. Os atributos da proposta constam do Caderno de Encargos e não do Programa de Procedimento.

XUI. A eliminação de um subfactor de ponderação, em nada altera ou modifica os atributos aos quais a proposta deve responder, e que constam do Caderno de Encargos.

XLIH. A eliminação de um subfactor de ponderação que não tem qualquer implicação nos atributos da proposta, não é uma alteração de um “aspecto fundamental" das peças do procedimento e não determina a prorrogação do prazo fixado para apresentação das propostas, nos termos do n.° 2 do art.° 64.° do CCP.

XLIV. A Recorrente, não obstante o que fica dito supra sobre a revogação da sentença e sem conceder, esclarece que a decisão é, só por si, manifestamente injusta e violadora dos princípios da concorrência.

XLV. A repetição de todos os actos subsequentes à prorrogação de prazo para apresentação da proposta é manifestamente desproporcionada na medida em que coloca a Autora numa posição de vantagem relativamente à Recorrente: já teve tempo para desenvolver uma solução, de que não dispunha aquando da abertura do procedimento, e de realizar uma demonstração.

XLVI. A esta altura já os concorrentes conhecem o teor das propostas apresentadas o que, neste procedimento, coloca em causa manifestamente o princípio da concorrência.

XLVII. A sentença recorrida devia, em conformidade com o disposto no CPTA em matéria de execução de sentença, determinar, caso se admitisse a manutenção daquela decisão e sem conceder, o aproveitamento dos actos praticados no Procedimento ainda que subsequentes àquela prorrogação, designadamente a manutenção das demonstrações já realizadas, dado que tal manutenção não é incompatível com a execução integral da sentença (Art.° 173.° n.° 2 do CPTA).”


Também a Recorrente, C.... – C..... apresentou alegações de recurso, concluindo como segue:

O presente recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, datada de 20/05/2019, incide na parte que foi julgado parcialmente procedente a ação de contencioso pré-contratual porquanto:

a) A sentença ora recorrida decidiu absolver a Ré da instância relativamente à impugnação da decisão de contratar, à impugnação da escolha do procedimento, e à impugnação da decisão de aprovação das peças do procedimento relativamente à determinação do preço base e aos critérios de determinação de preço anormalmente baixo.

b) Julgou ainda parcialmente procedente a ação e determinou a anulação das decisões de exclusão da Autora do procedimento e de adjudicação do contrato.

c) A ora Recorrente não se com a decisão vertida em b), o que motivou o presente recurso.

d) Deve a douta sentença manter-se em relação a a).

e) O Tribunal o quo laborou em erro de direito e em consequência violação de lei, quando aponta erro de direito, quanto à exclusão da proposta da Autora com fundamento na inadmissibilidade de propostas variantes, pois não é de admitir pedido de esclarecimento, por parte do júri, tendo em conta que não subsistem dúvidas que a proposta da Autora oferece a possibilidade da solução correr em tecnologia "Microsoft Hiper-V 2012 e versões mais recentes" OU em "Container Docker", claramente alternativa, nos termos do n.º 1 do artigo 72.º do CCP.

f) O suprimento do subfator em causa não teve qualquer implicação nos atributos da proposta e nesse sentido, não ser necessário operar à prorrogação do prazo para apresentação das propostas.

g) Labora ainda em erro de direito e em consequência violação de lei, quando sentencia a necessidade de prorrogação de prazo para apresentação das propostas, em consequência de retificação das peças do procedimento, em que apenas se reajusta a pontuação de um subfator, não havendo qualquer alteração de aspetos fundamentais das peças do procedimento, nos termos do n.º 2 do artigo 64.º do CCP.

h) Com a eliminação do subfactor referente à qualidade da proposta, não se logrou alterar um atributo da mesma. Nunca o júri poderia pedir esclarecimentos para alterar literalmente o sentido da proposta.

i) A Autora apenas pugnou pela prorrogação do prazo, não para melhorar a sua proposta em termos de recursos humanos, mas sim para desenvolver a solução que não tinha desenvolvida à data da demonstração, conforme artigo 70.º da sua petição inicial.

j) A decisão vertida pelo tribunal a quo, é manifestamente desproporcional e injusta, bem como violadora dos princípios constantes no Código da contratação pública, porquanto repetir todos os atos subsequentes à prorrogação do prazo para a apresentação de propostas, colocaria a Autora numa posição de vantagem face aos restantes concorrentes, devendo, conforme disposto no CPTA, em matéria de execução de sentença, pugnar pelo aproveitamento dos atos praticados no procedimento, mantendo-se as demonstrações já realizadas.

Neste sentido, deve o presente recurso ser admitido e em consequência, a sentença que julgou parcialmente procedente a ação proposta pela Autora, ser revogada, tendo como fundamento erro de direito, por violação de lei.

A A., ora Recorrida, apresentou contra-alegações no âmbito das quais requereu a ampliação do recurso, tendo, quanto a este pedido de ampliação, concluído da seguinte forma:

1. Além do pedido de anulação do ato que aprovou o relatório final do júri e determinou a exclusão da proposta da Autora e a adjudicação do contrato à Contrainteressada, foram formulados na p.i. sob as alíneas b) e c) do petitório, um pedido de condenação da entidade demandada a proferir novas decisões de contratar, de escolha do procedimento e de aprovação das peças do procedimento, sem reincidir nas ilegalidades que conduziram à procedência do pedido impugnatório e a praticar todos os atos e diligências subsequentes previstos na tramitação legal do procedimento de concurso público e um pedido de fixação do prazo de 20 dias para o cumprimento de tal condenação.

2. Apesar de, no segmento relativo à fundamentação de Direito, conter uma breve referência aos termos em que deve consistir a reconstituição da situação atual hipotética, na parte dispositiva a sentença não proferiu qualquer decisão sobre o pedido condenatório, nem tão pouco sobre o pedido de fixação de prazo para o respetivo cumprimento, incorrendo, assim, em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos conjugados dos artigos 95.°, n.° 1 do CPTA e 615.°, n.° 1 alínea d) do CPC.

3. Deverá, pois, a nulidade da sentença ser suprida pelo Tribunal ad quem, ou, caso este assim não entenda, ser declarada pelo Tribunal a quo, proferindo este decisão sobre os pedidos mencionados, nos termos do artigo 149.°, n.° 1 do CPTA.

4. O único dos pedidos deduzidos pela Autora na p.i. que foi efetivamente objeto de decisão na parte dispositiva foi o pedido impugnatório, o qual foi julgado totalmente procedente, tendo o Tribunal anulado o ato que aprovou o relatório final do júri e determinou a exclusão da proposta da Autora e a adjudicação do contrato à Contrainteressada.

5. O que significa que a entidade demandada e a Contrainteressada ficaram integralmente vencidas, e deveriam, como tal, ter sido condenadas em custas, na proporção de metade cada uma, como determinam os artigos 527.°, n.°s 1 e 2 e 528.°, n.° 1 do CPC, ex vi do artigo 1.° do CPTA.

6. Assim, requer-se a reforma da sentença quanto a custas, com a consequente condenação (apenas) da entidade demandada e da contrainteressada no respetivo pagamento, em partes iguais.

7. Na p.i., a Autora a Autora invocou uma série de invalidades correspondentes a i) falta de fundamentação da decisão de contratar, ii) falta de fundamentação da decisão de escolha do procedimento, iii) falta de indicação e fundamentação do valor estimado do contrato, iv) falta de fundamentação da necessidade de fixação de preço anormalmente baixo e dos critérios que presidiram a tal fixação e v) erro sobre os pressupostos de facto e de direito na fixação do preço base e na fixação do preço anormalmente baixo.

8. Tais invalidades correspondem a vícios cometidos no momento inicial do procedimento os quais foram alegados, em função dos elementos documentais disponibilizados, por referência à decisão inicial do procedimento materializada na deliberação do Conselho Intermunicipal da Entidade Demandada de 12 de junho de 2018, que integra a decisão de contratar, a decisão de escolha do procedimento e a aprovação das peças do procedimento.

9. Os vícios referidos foram invocados enquanto fundamento da invalidade do ato final do procedimento, esse sim impugnado nos autos, ao abrigo do princípio da impugnação unitária, expressamente consagrado no artigo 51.°, n.° 3 do CPTA, do qual resulta que o interessado goza da faculdade de impugnar o ato final do procedimento com fundamento na invalidade de atos anteriores praticados no seu decurso.

10. De acordo com a tese do Tribunal a quo, impõe-se aferir da legitimidade processual e do interesse em agir por referência aos atos procedimentais anteriores à adjudicação, individualmente e em função do concreto vício que lhes é imputado.

11. Deste modo, a Autora careceria de legitimidade processual para a imputação de quaisquer vícios ou ilegalidades à decisão de contratar porque, ao ter participado no procedimento (e nos anteriores com o mesmo objeto) aceitou tal ato.

12. Do mesmo passo, careceria de interesse em agir para a imputação dos vícios de falta de fundamentação da escolha do procedimento, de falta de indicação e de fundamentação do valor estimado do contrato, de falta de fundamentação da necessidade de fixação e dos critérios de fixação do preço anormalmente baixo, de falta de fundamentação e de erro na determinação do preço base do limiar do preço anormalmente baixo, porque não estaria alegado um efeito lesivo dessas invalidades sobre a esfera jurídica da Autora.

13. Ao contrário do que refere a sentença recorrida, não existe qualquer cumulação implícita de impugnações, mas sim, e apenas, a impugnação do ato final do procedimento, aparecendo as invalidades imputadas aos atos procedimentais anteriores, designadamente à decisão inicial, como fundamentos desse pedido, porquanto aquelas invalidades são “absorvidas” pelo ato efetivamente impugnado.

14. E é por referência apenas a este ato que devem ser aferidos os pressupostos processuais, designadamente a legitimidade, o interesse em agir (para quem entenda que este tem autonomia relativamente àquela) e a não aceitação do ato.

15. No caso dos autos é absolutamente indiscutível que a Autora tem um interesse direto e pessoal na impugnação do ato de adjudicação, retirando da respetiva anulação uma vantagem evidente.

16. E tanto é o bastante para concluir pela existência de legitimidade processual ativa e de interesse processual em agir, nos termos do artigo 55.°, n° 1, alínea a) ex vi do artigo 101.° do CPTA.

17. Como é igualmente evidente que a Autora não aceitou, de modo algum, o ato impugnado ou seus efeitos.

18. A sentença recorrida ao proceder à apreciação dos pressupostos processuais por referência à “impugnação da decisão de contratar, à impugnação da decisão de escolha do procedimento, e à impugnação da decisão de aprovação das peças do procedimento relativamente à determinação do preço base e aos critérios de determinação de preço anormalmente baixo” e não por referência à impugnação do ato final do procedimento, incorre em erro de julgamento, por violação dos artigos 51.°, n.° 3, 55.°, n.° 1 al. a) e 56.°, n.° s 1 e 2 ex vi do artigo 97.°, n.° 1, alínea c) do CPTA.

19. Tal erro de julgamento refletiu-se na decisão contida na al. a) do dispositivo, que não tem sentido algum, pois os pedidos ali mencionados relativamente aos quais as demandadas foram absolvidas do pedido, não foram deduzidos.

20. O erro de julgamento teve por consequência que a sentença recorrida deixou de conhecer, como devia, dos vícios correspondentes a i) falta de fundamentação da decisão de contratar, ii) falta de fundamentação da decisão de escolha do procedimento, iii) falta de indicação e fundamentação do valor estimado do contrato, iv) falta de fundamentação da necessidade de fixação de preço anormalmente baixo e dos critérios que presidiram a tal fixação e v) erro sobre os pressupostos de facto e de direito na fixação do preço base e na fixação do preço anormalmente baixo, imputados ao ato impugnado.

21. Deverá, assim, este Venerando Tribunal de Apelação, ao abrigo do artigo 149.°, n.° 2 do CPTA, conhecer dos referidos fundamentos de invalidade do ato impugnado e não deixará, estamos certos, de os julgar integralmente procedentes.

Termos em que deverá ser admitida a ampliação do âmbito do recurso e concedido provimento ao respetivo objeto.

Por seu turno, em sede de contra-alegações, defende ainda a Recorrida, que a sentença recorrida, relativamente aos fundamentos de invalidade do ato impugnado referentes à ilegalidade da exclusão da sua proposta e à omissão da prorrogação do prazo de apresentação de propostas, de que conheceu, como se impunha, proferiu uma decisão juridicamente correta.

Neste Tribunal Central Administrativo, a DMMP, notificada nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, não se pronunciou.

Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

I. 1. Questões a apreciar e decidir:

O objeto dos recursos é delimitado, em princípio, pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado – cfr. art.s 635º, 639.º e 608º, n.º 2, 2ª parte, todos do CPC.

E dizemos em princípio, porque o art. 636.º permite a ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, situação que se coloca nos autos.

Importa, porém, precisar os casos em que tal ampliação é admissível. E, começando por um limite negativo, a ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido não é admissível no caso de ter ficado vencido no pedido cujo fundamento a determina. Tendo ficado vencido o caminho é o recurso seja recurso independente, seja subordinado (art.s 631º e 633º, do CPC).

Se a parte não obteve total ganho de causa pode interpor recurso, se obteve não pode, e é precisamente nas situações em que a parte obteve total ganho de causa e, por isso, não pode recorrer que a lei permite, verificados determinados pressupostos, a ampliação do âmbito do recurso pelo recorrido.

Numa síntese justificativa deste regime Lopes do Rego explica: “(…) no direito anterior, perante a conclusão de que «vencido» era apenas o «afectado objectivamente pela decisão» - e não pelos fundamentos desta, não sendo possível a interposição do recurso reportado apenas aos fundamentos do decidido – questionava-se a doutrina sobre qual seria o meio procedimental idóneo para a parte vencedora, que todavia vira rejeitado um dos vários fundamentos (da acção ou da defesa) deduzidos, garantir o seu direito a ver reapreciada tal matéria, no caso de o recurso interposto pela outra parte vir a ser julgado procedente(1) .

Foi esta dificuldade que regime vigente ultrapassou e é esta a causa/função da norma ínsita no citado art. 636.º do CPC.

A ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido supõe assim uma ação preventiva a uma possível decisão a proferir e não uma reação impugnativa a uma decisão já proferida.

Atuação preventiva essa que pode reportar-se aos fundamentos da ação ou da defesa (desde que plurais e a aparte vencedora haja decaído em algum ou alguns deles; prevenindo a possibilidade de vir a decair quanto ao fundamento ou fundamentos que procederam na 1ª instância), ao julgamento da matéria de facto desfavorável ao vencedor (prevenindo a possibilidade da decisão do recurso lhe vir a ser desfavorável por insuficiência de factos – provados – justificativos da solução jurídica impugnada) ou à nulidade da sentença (prevenindo a possibilidade de passar de vencedor a vencido e enfermar a sentença de um erro que, não fora a ampliação

Ou seja, a parte que com pluralidade de fundamentos propôs a ação ou se defendeu, pode requerer a ampliação do âmbito do recurso por forma a abranger os fundamentos em que decaiu prevenindo a possibilidade dos fundamentos que procederam (na 1ª instância) virem a improceder (no tribunal superior) e, assim, a necessidade da reapreciação dos demais fundamentos que suportavam a sua pretensão, por forma a manter incólume a posição de vencedora.

Caso diverso é se a improcedência decretada pela sentença abrangeu, não só os fundamentos, como a própria pretensão, então o meio processual adequado para a reapreciação (de uns e de outros) é o recurso e não a ampliação do âmbito do recurso, por ser inquestionável a legitimidade da parte, assim vencida, para recorrer e ser o recurso o instrumento processual destinado à impugnação das decisões judiciais (art. 631.º, n.º 1, do CPC).

Recorre-se da decisão e amplia-se o recurso quanto aos fundamentos desta. Assim se delimita os casos em que cabe recurso da decisão, dos casos em que cabe a ampliação do seu âmbito por iniciativa do recorrido.

É precisamente esta distinção que os autos demonstram não ter sido operada pela A., ora Recorrida, pois esta, em sede do pedido de ampliação do recurso que formulou, pretende que seja reapreciada por este tribunal a parte da decisão da 1ª instância na qual não obteve provimento, e, assim dizendo, perdeu, e que se reconduz aos itens 1) e 4) do dispositivo da sentença, na parte em que absolveu a Ré da instância relativamente à impugnação da decisão de contratar, à impugnação da decisão de escolha do procedimento relativamente à determinação do preço base e aos critérios de determinação de preço anormalmente baixo (1) e decidiu quanto a custas (4).

Acresce que, nos termos das conclusões dos recursos apresentados pelas Recorrentes, é expressamente dito que a decisão tomada em sede de alínea a) [que corresponde ao item 1) do dispositivo da sentença recorrida, supra transcrito] não faz parte do objeto do recurso, mas sim a alínea b) [que corresponde apenas ao item 2) do dispositivo da sentença recorrida], na parte em que anulou as decisões de exclusão da Autora do procedimento e de adjudicação do contrato.

Termos em que não se admite a ampliação do objeto do recurso requerida pela A., ora Recorrida.

I.1.1. Questões a decidir

Como já se disse supra, o objeto dos recursos é delimitado, em princípio, pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado – cfr. art.s 635.º, 639.º e 608.º, n.º 2, 2.ª parte, todos do CPC.

As questões suscitadas pelas Recorrentes, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, foram coincidentes e podem resumir-se da seguinte forma:

a) Do erro de direito imputado à sentença recorrida, ao ter considerado que a proposta da A., apresentada nos seguintes termos, no item “3.3.1. Características Globais da Arquitetura - Fiabilidade e Robustez> (página 50) do documento intitulado "Atributos da Proposta”: “A arquitectura proposta (...) correr em máquinas virtuais num ambiente vírtuaiízado baseado em Microsoft Hyper- V 2012 e versões mais recentes ou Container Docker.”, não deveria ter sido excluída – art.s 59.º, n.º 7 e 146.º, n.º 2, ambos do CCP – e que o júri deveria ter solicitado esclarecimentos sobre a proposta;
b) Do erro de direito imputado à sentença recorrida, ao ter concluído pela obrigatoriedade da prorrogação do prazo de apresentação das propostas por alteração de aspetos fundamentais das peças do procedimento - art.s 64.º e 133.º, n.º 6 e 7, ambos do CCP.

Defendem, pois, as Recorrentes, e em suma, que a decisão vertida pelo tribunal a quo, é manifestamente desproporcional e injusta, bem como violadora dos princípios constantes no Código da Contratação Pública.

II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, não impugnada, a qual se reproduz, na parte que releva no âmbito do presente recurso:

“(…) Factos Provados:
1. De acordo com as cláusulas 1. e 16. do respetivo caderno de encargos, é objeto principal do contrato a celebrar o fornecimento de um sistema de informação de rede de águas sobre a forma de software computacional para cadastro, computação e exploração de dados e informação das infraestruturas em rede de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais existentes nos sistemas em baixa, geridos pelos municípios de Alter do Chão, Arronches, Castelo de Vide, Crato, Fronteira, Gavião, Marvão, Monforte, Nisa, Ponte de Sor, Portalegre, Sousel e serviços municipalizados de águas e transportes da Câmara Municipal de Portalegre - cfr, o respetivo teor reproduzido no processo administrativo (fls. não numeradas).

2. Com a aquisição do referido software, pretende a Ré, fundamentalmente - cfr. a cláusula 1. do caderno de encargos reproduzido no processo administrativo (fls. não numeradas):
Possuir o cadastro dos sistemas de abastecimento de água, com a identificação das áreas de reabilitação e/ou substituição de infraestruturas, de forma a minorar as situações de perda, aumentando a fiabilidade dos sistemas e a gestão racional dos mesmos;
Automatizar a representação esquemática das redes de água, optimizando a gestão, desenho, visualização, operação, manutenção e supervisão das redes;
Consultar numa base de dados geográfica informação de qualidade, caudal, clientes e serviços, que já existe em bases de dados individuais;
Efetuar a modelação hidráulica e de qualidade de água;
Ligar a informação através de uma única base de dados geográfica que esteja disponível aos utilizadores, existindo partilha e divulgação de informação;
Responder com rapidez e fiabilidade a diversos indicadores de gestão e de desempenho para o sector de abastecimento de água, permitindo fazer análises económicas das utilizações da água. Por exemplo, ao nível da avaliação da população servida pelos sistemas de abastecimento, da tipologia dos utilizadores da água, dos custos de exploração, do valor dos investimentos realizados, entre outros;
Recuperação de custos, gestão eficiente dos recursos e prevenção da contaminação.

3. O caderno de encargos dispõe, no n.° 1 da alínea B) do n.° 13 da cláusula 16, o seguinte - cfr o processo administrativo, pasta n.° 1:
«1- A infraestrutura de computação utilizada na C….. é baseada num modelo de alta disponibilidade, segurança, estabilidade e resistência. As soluções a serem integradas neste ambiente deverão possuir as seguintes características:
- Correr em máquinas virtuais num ambiente virtualizado baseado em Microsoft Hyper-V2012 e versões mais recentes».

4. No ponto «3.3.1. Características Globais da Arquitetura - Fiabilidade e Robustez> (página 50) do documento intitulado "Atributos da Proposta”, apresentado pela Autora para instrução da sua proposta, a Autora declarou o seguinte:
«A arquitectura proposta (...) correr em máquinas virtuais num ambiente vírtuaiízado baseado em Microsoft Hyper- V 2012 e versões mais recentes ou Container Docker».

5. A Ré interpretou este segmento da proposta contratual da Autora como uma proposta variante, com a seguinte fundamentação - cfr. o relatório final do procedimento, constante do processo administrativo:
«A entidade adjudicante não quis prever nas suas peças do procedimento, a possibilidade do SIGRedes correr em máquinas virtuais num ambiente virtualizado que não em Microsoft Hyper-V 2012 e versões mais recentes. Todas as operações que possam ser propostas para além do Microsoft Hyper V-2012 e versões mais recentes, serão tidas como propostas adicionais e por isso variantes. Trata-se de uma condição contratual alternativa apresentada pelo concorrente. Contudo, a entidade adjudicante proibiu expressamente a apresentação de propostas variantes.
Assim, apesar de numa primeira análise esta proposta variante estar diluída na proposta "base” apresentada pelo concorrente, e não numa proposta autónoma para o efeito, o júri entendeu e entende que correr em Microsoft Hyper-V 2012 e versões mais recentes ou em Container Docker pressupõe um espírito alternativo, ao qual não se sabe, nem se tem a perceção de quando corre num ou quando corre noutro. Ainda, quem é que decide quando corre em Microsoft Hyper V-2012 e versões mais recentes ou Container Docker».


6. Com esta motivação e, ainda, mediante invocação do disposto nas cláusulas 16. e 17.a do caderno de encargos, e do quanto resulta da conjugação do disposto na alínea b) do n.° 2 do artigo 70.° e nas alíneas f), i) e o) do n.° 2 do artigo 146.° do CCP a Ré decidiu excluir a proposta da Autora.

7. A Autora instruiu a sua proposta com a subscrição da declaração que constitui o anexo I ao CCP [a que se refere a alínea a) do n.° 1 do artigo 57.° do CCP], onde se lê que «(...) tendo tomado inteiro e perfeito conhecimento do caderno de encargos relativo à execução do contrato a celebrar (...) declara, sob compromisso de honra, que a sua representada se obriga a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado caderno de encargos, relativamente ao qual declara aceitar, sem reservas, todas as suas cláusulas» - cfr o processo administrativo, pasta n.° 2.

8. .(…)
9. (…).
10. (…).
11. (…).
12. (…).
13. (…).
14. (…).
15. (…).

16. Nos dias 11, 12 e 25 de julho de 2018, ocorreram reuniões nas quais o júri deliberou, por unanimidade, a aprovação do relatório preliminar, no qual se propôs a exclusão da proposta da Autora e a adjudicação do contrato à proposta da contrainteressada [cfr. o relatório preliminar reproduzido na pasta n.° 1 do processo administrativo].

17. (…).
18. (…).
19. No dia 21 de setembro de 2018, ocorreu reunião no qual o júri deliberou, por unanimidade, manter integralmente as propostas contidas no relatório preliminar [cfr. o relatório final reproduzido na pasta n.° 1 do processo administrativo].
20. (…).
21. (…).
22. (…).
23. No dia 28-06-2016, a Ré proferiu a seguinte decisão - cfr. a pasta 1 do processo administrativo:

“(texto integral no original; imagem)”
(…)
“(texto integral no original; imagem)”

(…)”

24. Na sequência/apesar de tal decisão, a ré não alterou o prazo de apresentação das propostas.
25. De acordo com a cláusula 10.a do caderno de encargos, o prazo para a apresentação das propostas era de 12 dias a contar da data do envio para publicação no Diário da República e era «prorrogável nos termos da lei aplicável».
26. O anúncio do procedimento foi enviado para publicação no diário da república no dia 22/06/2018 - cfr o n.° 14 do anúncio publicado no diário da república, reproduzido no processo administrativo.
(…)”

Adita-se à matéria de facto, fixada na 1.ª instância, o(s) seguinte(s) facto(s), ao abrigo do art. 662.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA:

27. No n.º 4 do anúncio referido no facto n.º 26 que antecede, consta o seguinte:
«4. Admissibilidade da apresentação de propostas variantes: Não.»
28. A cláusula 9 do programa do concurso, sob epígrafe “Propostas Variantes” dispõe que:
«Não é admissível a apresentação de propostas variantes».

II.2. De direito

II.2.1. Das questões a decidir

a) Do erro de direito imputado à sentença recorrida, ao ter considerado que a proposta da A., ora Recorrida, apresentada nos seguintes termos, no item “3.3.1. Características Globais da Arquitetura - Fiabilidade e Robustez> (página 50) do documento intitulado "Atributos da Proposta”: “A arquitectura proposta (...) correr em máquinas virtuais num ambiente vírtuaiízado baseado em Microsoft Hyper- V 2012 e versões mais recentes ou Container Docker.”, não deveria ter sido excluída, como foi, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 70.º, n.º 2, alínea, b) e 146.º, n.º 2, alíneas f), i) e o), ambos do CCP – e que o júri deveria ter solicitado esclarecimentos sobre a proposta.

A proposta da A., ora Recorrida, foi excluída, com fundamento na inadmissibilidade de propostas variantes (cfr. factos n.º 5 e 6 supra), ao abrigo do disposto nas cláusulas 16. e 17.a do caderno de encargos, conjugadas do disposto na alínea b) do n.° 2 do artigo 70.° e nas alíneas f), i) e o) do n.° 2 do artigo 146.° do CCP, nos seguintes termos:
A entidade adjudicante não quis prever nas suas peças do procedimento, a possibilidade do SIGRedes correr em máquinas virtuais num ambiente virtualizado que não em Microsoft Hyper-V 2012 e versões mais recentes.
Todas as operações que possam ser propostas para além do Microsoft Hyper V-2012 e versões mais recentes, serão tidas como propostas adicionais e por isso variantes.
Trata-se de uma condição contratual alternativa apresentada pelo concorrente.
Contudo, a entidade adjudicante proibiu expressamente a apresentação de propostas variantes.
Assim, apesar de numa primeira análise esta proposta variante estar diluída na proposta "base” apresentada pelo concorrente, e não numa proposta autónoma para o efeito, o júri entendeu e entende que correr em Microsoft Hyper-V 2012 e versões mais recentes ou em Container Docker pressupõe um espírito alternativo, ao qual não se sabe, nem se tem a perceção de quando corre num ou quando corre noutro. Ainda, quem é que decide quando corre em Microsoft Hyper V-2012 e versões mais recentes ou Container Docker.” (negrito nosso).

O objeto do contrato a celebrar é o fornecimento de um sistema de informação de rede de águas sob a forma de software computacional para cadastro, computação e exploração de dados e informação de infraestruturas em rede de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais (cfr. facto n.° 1 supra).


Por seu turno, o caderno de encargos exige, no n.° 1 da alínea B) do n.° 13 da cláusula 16, que o software computacional a adquirir corra “em máquinas virtuais num ambiente virtualizado baseado em Microsoft Hyper-V 2012 e versões mais recentes”. (cfr. facto n.º 3 supra).

Em causa está, uma cláusula do caderno de encargos, fixada em termos fixos e fechados, sobre um aspeto da execução do contrato não submetido à concorrência, pois não iria ser tomado em consideração na avaliação das propostas (cfr. facto n.º 23 supra), tal como resulta do disposto no art. 42.º, n.º 11, do CCP, pois “para efeitos do disposto nos n.ºs 3 e 5 consideram-se aspetos submetidos à concorrência todos aqueles que são objeto de avaliação de acordo com o critério de adjudicação, e aspetos não submetidos à concorrência todos aqueles que, sendo apreciados, não são objeto de avaliação e classificação.”

A A., ora Recorrida, na proposta que apresentou, fez constar o seguinte: «A arquitectura proposta (...) correr em máquinas virtuais num ambiente virtualizado baseado em Microsoft Hyper-V 2012 e versões mais recentes ou Container Docker” (cfr. facto n.º 4 supra; negrito e sublinhado nossos).

Alega a A., ora Recorrida, que a sua proposta foi mal interpretada pela R. C….., ora Recorrente, já que o emprego da conjunção "ou” no segmento da proposta a que se refere o facto provado n.° 4 não tem o sentido de estabelecer qualquer aspeto ou condição de execução do contrato alternativa, mas sim, e apenas, a de deixar consignado que a solução a fornecer tem, também, a aptidão técnica para correr em Container Docker.


Vejamos.

Nos termos e condições determinados no caderno de encargos, pretendia-se que os concorrentes se vinculassem a fornecer um software computacional que corresse «em máquinas virtuais num ambiente virtualizado baseado em Microsoft Hyper-V 2012 e versões mais recentes».

Na sua proposta, a A., ora Recorrida, apresentou a seguinte solução «A arquitectura proposta (...) [irá] correr em máquinas virtuais num ambiente virtualizado baseado em Microsoft Hyper-V 2012 e versões mais recentes ou Container Docker».(sublinhado nosso).

Segundo Pedro Gonçalves(2) «o conceito de “condições contratuais alternativas”, revela-se essencial para discernir o significado de proposta variante: trata-se, pois, de uma proposta em que o concorrente apresenta uma alternativa, uma variante, isto é, uma condição de execução do contrato diferente daquela que se encontra inscrita no caderno de encargos como “condição base” ou “standart” (…) com grande simplicidade e igual eficácia, se dizia na legislação mais antiga, anterior ao CCP (Decreto-Lei n.º 197/99) “proposta com variantes é aquela que apresenta diferenças em relação à proposta base”.

No que se prende com a admissibilidade de variantes, o Código dos Contratos Públicos (CCP), segundo o mesmo autor, não prima pela clareza(3), porém, conclui, «em coerência com o n.º 7 do artigo 59.º, o artigo 146.º, n.º 2, alínea f), determina a exclusão de propostas apresentadas como variantes “quando estas não sejam admitidas pelo programa do concurso.”», mas que se refiram a atributos da proposta submetido à concorrência, o que, como vimos, não é o caso.

Em causa está, sim, a apresentação de uma proposta com termos e condições que infringem uma cláusula do caderno de encargos, sobre um aspeto da execução do contrato subtraído à concorrência, sendo também este um motivo de exclusão da proposta nos termos das disposições conjugadas dos art.s 70.º, n.º 2, alínea b), 2.ª parte, e , 146.º, n.º 2, alínea o), todos do CCP, tal como foi decido pela entidade adjudicante C…., ora Recorrente, embora com erro quanto aos pressupostos de direito de tal exclusão, dado que, face a todo o exposto, não se trata de uma proposta variante.

E é o que basta para não se poder acompanhar a decisão recorrida, e manter a decisão de exclusão da proposta da A., ora Recorrida, pois aceitar a sua proposta nos termos em que foi apresentada - «A arquitectura proposta (...) [irá] correr em máquinas virtuais num ambiente virtualizado baseado em Microsoft Hyper-V 2012 e versões mais recentes ou Container Docker», envolveria pelo menos, uma de duas alternativas juridicamente ilegítimas: ou se esquecia o aspeto da execução do contrato considerado imperativo pelo caderno de encargos – situação que aconteceria no caso em apreço, pois a alternatividade manifestada permite que se afaste a execução ambiente virtualizado baseado em Microsoft Hyper-V 2012 e versões mais recentes por um outro meio de execução, não querido pela entidade adjudicante, em Container Docker – ou então, considerava-se não escrito um dos termos ou condições sobre que o concorrente se manifestou disposto a contratar, compelindo-o a um termo ou condição (e portanto um contrato) que ele revelou não querer”(4), pelo menos, nem sempre ou não obrigatoriamente.

Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, sobre esta questão esclarecem ainda que “uma coisa é, portanto, um termo ou condição praeter legem, é dizer, sobre um aspeto não submetido à concorrência, mas que não viola o caderno de encargos, por exemplo, num procedimento com vista à aquisição de viaturas, com rádio obrigatório (parâmetro base, não se fazendo sobre ele qualquer especificação adicional), um concorrente informa que na sua proposta que o rádio pode ser fornecido com tampa amovível ou com integração plena (…), termos e condições estes que são admitidos. Outra coisa é um termo ou condição contra legem, que viole aspectos da execução do contrato [não] submetidos à concorrência pelo caderno de encargos: no mesmo exemplo, da aquisição de viaturas, incluindo o serviço de revisão com entrega de viatura de substituição equivalente na sede da entidade adjudicante, um concorrente, sobre este aspecto, informa na sua proposta que a viatura de substituição deverá ser recolhida no seu stand actual, termos e condições estes que já determinam a exclusão da proposta.”(5).

Entendemos, pois, que no caso em apreço, a proposta da A., ora Recorrida, tal como foi apresentada, infringe termo ou condição contra legem, pois a alternativa apresentada viola o que foi estabelecido, em termos fixos e fechados, no caderno de encargos.

Nestes termos, e por todos os fundamentos expostos, outra coisa não restava à Recorrente C….. do que excluir a proposta da A. ora Recorrida, como efetiva mente fez (cfr. facto n.º 19 supra).

O entendimento seguido pela entidade adjudicante, ora Recorrente, que suportou a decisão de exclusão da proposta, está enquadrado nos termos em que tal proposta foi apresentada, sendo que os aspetos exemplificativos que referiu na decisão (cfr. facto n.º 5 supra), não retiram a imperatividade da não admissibilidade de propostas com termos e condições contra legem, embora a sua qualificação jurídica tenha caído para o conceito de “proposta variante”, pois a consequência é a mesma, a exclusão da proposta por se afastar de um dos parâmetros base a que estava vinculada, não sendo obrigatório, ou sequer, devido, o pedido de esclarecimentos sobre a proposta, que a sentença recorrida, recorrendo a aspetos gerais sobre a interpretação de declarações negociais, refere.
Razão pela qual, perante um caso de apresentação de uma proposta cujos termos ou condições violam cláusulas do caderno de encargos, sendo esse o motivo da exclusão da proposta em apreço – nos termos da alínea b), 2.ª parte, do n.º 2 do art. 70.º do CCP -, não pode ser chamado à colação, como fez a sentença recorrida, o disposto nos números 2 e 5 do artigo 96.° do CCP, sob a epígrafe “conteúdo do contrato”, pois a ordem de prevalência ali estabelecida (n.º 5) em caso de divergência entre os documentos que ficam a fazer parte integrante do contrato (n.º 2), termina com a proposta adjudicada e portanto, não excluída. Assim como, a relevância que na sentença recorrida se dá à declaração apresentada pelo A., ora Recorrida (cfr. facto n.º 7 supra), que constitui o anexo I ao CCP [a que se refere a alínea a) do n.° 1 do artigo 57.° do CCP], onde se lê que «(...) tendo tomado inteiro e perfeito conhecimento do caderno de encargos relativo à execução do contrato a celebrar (...) declara, sob compromisso de honra, que a sua representada se obriga a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado caderno de encargos, relativamente ao qual declara aceitar, sem reservas, todas as suas cláusulas», pois este documento mais não é que um termo de responsabilidade, não podendo ser interpretado como um documento que tudo sana, caso haja divergências entre a proposta apresentada e os documentos do concurso, divergências essas que sejam causa de exclusão da proposta, como é o caso(6).

Nestes termos, não poderá manter-se o decidido na sentença recorrida que, assim, se revoga, mantendo-se na ordem jurídica a decisão de exclusão da proposta da A., ora Recorrida, embora com qualificação jurídica distinta, face ao verificado erro quanto aos pressupostos de direito que a entidade adjudicante incorreu naquela decisão, mas aos quais o tribunal não está vinculado, mantendo-se, como se mantem, a decisão de exclusão.
Fica prejudicado, por inútil, o conhecimento da última questão colocada, a saber, do erro de direito imputado à sentença recorrida, ao ter concluído pela obrigatoriedade da prorrogação do prazo de apresentação das propostas por alteração de aspetos fundamentais das peças do procedimento.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

a) Não conhecer do pedido de ampliação do recurso;

b) conceder provimento ao recurso;

c) anular a sentença recorrida; e

d) julgar improcedente ação de contencioso pré-contratual.

Custas pela A., ora Recorrida, em ambas as instâncias.

Lisboa, 10.10.2019





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Dora Lucas Neto


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Alda Nunes


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Carlos Araújo


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(1) Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., 1º VOL., pg. 574.
(2) In “Direito dos Contratos Públicos”, 3.ª edição, vol. 1, Almedina, 2018, pgs.821-822.
(3) Idem op.cit.
(4) Situação descrita, em abstrato, por Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, “Concursos e outros procedimentos de contratação pública”, Almedina, 2011, pg.933.
(5) Idem, op. cit. pg. 933-934.
(6) Ibidem, op.cit., pg. 934.