Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:119/09.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/26/2022
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:PROCEDIMENTO DE PROVA DO PREÇO EFETIVO
ARTIGO 129.º DO CIRC
ART. 54.º DO CPPT
Sumário: Em matéria de recorribilidade dos atos vigora no direito tributário o princípio da impugnação unitária consagrado no artigo 54.º do CPPT, pelo que, o ato que põe termo ao procedimento de prova do preço efetivo (artigo 129.º do CIRC, atual art. 139.º, por ser um ato, por natureza, interlocutório do procedimento de liquidação do IRC, e não ser imediatamente lesivo, não é autonomamente impugnável, devendo os eventuais vícios de que o mesmo enferme ser alegados e conhecidos no âmbito da impugnação do ato de liquidação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

PROCESSO N.º 119/09.2BESNT

I. RELATÓRIO

J…. FARMACEUTICA, LDA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, que julgou improcedente a acção administrativa especial apresentada, contra o acto de 29/10/2008, proferido pelo Director de Finanças de Lisboa, que determinou o arquivamento do procedimento de prova de preço efectivo na transmissão de imóveis.

A recorrente, J… FARMACEUTICA, LDA apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:
«conclusões

A. A sentença recorrida procedeu a uma incorreta interpretação dos argumentos aduzidos pela Recorrente, quanto ao Despacho proferido pelo Diretor de Finanças de Lisboa, da AT que determinou o arquivamento do procedimento de prova de preço efetivo na transmissão dos Imóveis, ocorrida a 15.12.2004.

B. Com efeito, a AT e o Tribunal a quo efetuaram uma interpretação manifestamente inconstitucional do disposto nos artigos 58.º-A e 129.º, ambos do CIRC, em vigor à data dos factos.

C. Ao invés dos 6 meses previstos na lei, a AT demorou 3 anos e 3 meses a fixar o VPT dos Imóveis aqui em causa.

D. Quando a Recorrente foi notificada da fixação do VPT, já quatro dos seis gerentes haviam deixado de exercer funções nas suas fileiras, pelo que se revela impossível exigir aos (agora) terceiros o acesso à respetiva informação bancária, pois como é evidente a Recorrente já não dispunha de qualquer poder de autoridade, disciplinar ou, em geral impositivo sobre a respetiva vontade.

E. Mais, atendendo à redação do n.º 6 do artigo 129.º, do CIRC em vigor à data da transmissão dos Imóveis, tão pouco se revelaria adequado e proporcional exigir que a Recorrente tivesse solicitado, a título cautelar, uma autorização escrita dos gerentes para acesso às respetivas contas, requisito que a lei só passou a exigir dois anos após a transmissão dos Imóveis.

F. Acresce a isto o facto de ser impossível à Recorrente efetuar qualquer juízo de prognose sobre o VPT que viria a ser apurado pela AT, sobretudo quando este ente público demorou 3 anos e 3 meses a fazê-lo.

G. Em suma, nunca poderia considerar-se como proporcional que, não tendo a recorrente obtido qualquer tipo de autorização dos seus gerentes, antes ou após o respetivo exercício de funções – porque não lhe era exigível e proporcional que o fizesse – fosse arquivado o procedimento destinado à prova efetiva do preço praticado na referida transação.

H. O que, em última instância, bem atesta a manifesta desproporcionalidade que subjaz à atuação daquele ente público, face ao disposto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP.

I. Ou seja, os artigos 58.º-A e 129.º, do CIRC, quando interpretados no sentido de exigirem ao sujeito passivo que apresente a autorização de acesso a contas bancárias de pessoas que eram gerentes à data da transmissão de imóveis, mas que deixaram de o ser em momento anterior à fixação do VPT e à própria alteração legislativa que vem exigir essa autorização, é manifestamente inconstitucional por desconforme ao princípio da proporcionalidade, da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real.

J. Com efeito, e como acima se explicou, a AT e a sentença recorrida transformaram, através da interpretação daqueles dois artigos, uma presunção que constitucionalmente deve ser ilidível em presunção inilidível, violando assim os acima referidos princípios constitucionais.

K. Acresce que o Tribunal a quo secundou a interpretação da AT, segundo a qual, para contrariar a presunção subjacente ao disposto no artigo 58.º-A, do CIRC, o acesso à informação bancária constituiria o único meio à disposição dos sujeitos passivos, para que lhes fosse possível alcançar os efeitos pretendidos pela faculdade prevista no artigo 129.º no CIRC.

L. Trata-se de uma leitura incompatível com os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da tributação do lucro real, presentes no artigo 104.º, n.º 2, da CRP.

M. De facto, a interpretação constitucionalmente conforme do estipulado no artigo 58.º-A, do CIRC, dependeria sempre, de um escrutínio e ponderação equilibrados entre os interesses públicos (e.g. travar a fraude e evasão fiscal) e privados em causa (e.g. tributação das empresas de acordo com a capacidade contributiva e o seu lucro real).

N. Razão pela qual deveria ter sido concedido à Recorrente o direito a apresentar os elementos que comprovassem os valores registados na respetiva contabilidade, relativos à operação de compra e venda dos imóveis em causa, de modo a comprovar a diferença entre o seu preço de revenda (na perspetiva do vendedor) e custo histórico (na perspetiva do comprador).

O. Ao mesmo tempo, facto é que tão pouco foi a Recorrente chamada a disponibilizar à AT a sua própria informação bancária, para comprovar as reais e efetivas condições que presidiram à operação de transmissão onerosa dos imóveis.

P. Por outro lado, ainda subjacente à posição da AT, está a interpretação do artigo 58.º-A, do CIRC, num sentido de acordo com o qual, existindo um desvio entre o valor da transmissão dos Imóveis e o respetivo VPT, deverá o mesmo ser imputável à conta dos próprios gerentes da Recorrente – quando a única presunção subjacente ao referido preceito diz respeito ao valor da transmissão dos Imóveis e à sua relação com o respetivo VPT.

Q. Mas, tão errado como a interpretação da AT, foi o arquivamento automático do procedimento de prova de preço efetivo na transmissão dos Imóveis, privando a Recorrente de um direito que, para todos os efeitos, se reconduz à sua legítima tributação de acordo com os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real, presentes no artigo 104.º, n.º 2, da CRP.

R. De facto, com o arquivamento liminar do referido procedimento, a AT convolou uma presunção legal ilidível numa presunção de facto inilidível, privando a Recorrente de uma tributação em igualdade de circunstâncias, face às demais sujeitas a IRC.

S. Em paralelo, o Tribunal a quo ignorou ainda o facto de a norma antiabuso prevista no artigo 58.º-A, do CIRC, não ter aplicação ao caso concreto, já que as partes - a Recorrente e a L… – Sociedade T…, S.A. – não tinham qualquer interesse em imputar aos imóveis um valor inferior ao respetivo VPT.

T. Qualquer entendimento diverso daquele que se encontra aqui pugnado estará em total violação com o que prescreve na lei e, bem assim, na CRP.

Nestes termos, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., que se roga, deve ser dado provimento ao presente recurso, e consequentemente, revogar-se a sentença recorrida com todas as demais consequências de lei.»
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A entidade Recorrida, apresentou contra-alegações, conforme seguidamente expendido:
«Conclusões:
1ª) A sentença, a fls…, ao ter julgado totalmente improcedente a acção administrativa especial e ao ter absolvido a R. e ora recorrida dos pedidos formulados pela Autora, fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, pelo que, deve ser mantida.

2ª) Da matéria de facto dada como provada na sentença, a fls…, ponto II.1, não consta como provada quer a data em que os gerentes da recorrente foram designados quer a data da renúncia, veja-se al. B) do referido ponto II.1.

3ª) Donde, contrariamente ao alegado pela recorrente tais factos não foram dados como assentes pelo Tribunal a quo, mas apenas, para o que importou para a decisão, que no ano de 2003 e 2004 eram gerentes da Autora: J…, C…, M…, M…, A… e J….
E, tendo em conta que o recorrente também não impugnou a decisão relativa à matéria de facto, cfr. art. 640º do CPC, a data de renúncia de 4 gerentes, não pode ser considerada como facto provado, pelo Tribunal ad quem.

5ª) Invoca a recorrente que a sentença, a fls…, transformou, a partir da interpretação dos artigos 58º-A e 129º do CIRC, uma presunção que constitucionalmente deve ser ilidível em presunção inilidível, violando assim o referido princípio constitucional.

6ª) Ora, o legislador conferia no então art. 129º do CIRC, a possibilidade/direito de o contribuinte poder ilidir uma presunção legal, facto que a recorrente não contesta, uma vez que lhe é permitido contrapor, face ao que se encontra previamente estabelecido na lei, uma outra forma de determinação do lucro tributável. E, no caso, os pressupostos de que depende tal procedimento, destinado a contrapor um outro valor, um outro preço de transmissão do imóvel, destinam-se a esclarecer a verdade dos factos.

7ª) Donde, contrariamente ao que invoca a recorrente não existe aqui uma impossibilidade prática de ilidir a presunção, mas sim, o estabelecimento de uma medida adequada e proporcional ao fim que visa tal procedimento: apurar a verdade material dos factos.

8ª) Pelo que, está-se perante um procedimento destinado a apurar a realidade dos factos e atenta a natureza do mesmo (o preço da transacção) que se pretende provar, só os documentos bancários constituem o meio adequado e a prova real e fidedigna da veracidade do preço pelo qual o imóvel foi vendido.

9ª) Para além disso, como se deliberou no Acórdão do Tribunal Constitucional Acórdão nº 145/2014, de 13/02/14: “ o consentimento do interessado para permitir à Administração Fiscal confrontar esses elementos probatórios com outros dados cobertos pelo sigilo bancário é uma medida que se mostra consentânea com o dever de cooperação que incumbe ao contribuinte, tanto mais que o procedimento foi instaurado, no seu interesse, para repor a verdade material. A derrogação do sigilo bancário constitui, por outro lado, um meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei, tendo em conta que se trata de uma diligência dirigida à descoberta da verdade fiscal; é um meio necessário já que a demonstração da não veracidade do facto dificilmente poderia ser alcançada através de outros elementos probatórios que o interessado estivesse na disposição de divulgar; e não é um meio desproporcionado ou excessivo se se considerar que a quebra de privacidade é inerente ao exercício do direito e ajusta-se aos objetivos do procedimento tributário utilizado (cfr. artigo 350º, n.º 2, do Código Civil).”

10ª) Donde, não ocorre qualquer violação do princípio da proporcionalidade.

11ª) Estando directamente consagrada na lei a possibilidade de acesso, que é feita na prossecução das atribuições da AT, de verificação da real capacidade contributiva do sujeito passivo, da igualdade e da justiça fiscal e, tendo em conta os interesses em confronto, da AT e dos contribuintes, há também que concluir que o acesso ao segredo bancário, aos documentos bancários dos administradores da então A., consagrado na lei, é adequado, proporcional e não excessivo, o que salvaguarda, ainda, o conteúdo constitucional do direito à reserva da intimidade da sua vida privada.

12ª) Na verdade, em primeiro lugar, o procedimento previsto no então art. 129º do CIRC parte da iniciativa do contribuinte e não da AT, é ele que pretende provar, como invoca, uma situação tributária real, relativamente ao lucro auferido pela alienação de bens imóveis.

13ª) Deste modo, para concretizar a justiça fiscal e a igualdade contributiva constitucionalmente exigida, o acesso à sua informação bancária e à dos seus administradores ou gerentes é um instrumento único e uma diligência manifestamente indispensável ao apuramento dessa mesma real situação tributária.

14ª) Não se vislumbrando, por outro lado, que outros meios alternativos existam que possam colmatar a falta de acesso à informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores ou gerentes, uma vez que é indispensável conferir as contas de todos para saber, com total rigor e isenção, se houve desvio para qualquer uma das contas e, designadamente, para a dos administradores, de montantes que devem ser reportados à venda dos imóveis.

15ª) Acresce que, o acesso a informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores ou gerentes não é um poder discricionário da AT, a exercer quando se suscitem dúvidas sobre a existência de condições anormais de mercado que determinaram uma fixação de um preço inferior ao do valor patrimonial tributário definitivo do imóvel transmitido, mas antes, um meio de produção de prova despoletado pelo contribuinte e único e necessário à determinação daquela realidade.

16ª) Pelo que, não só não está prevista, legalmente, a possibilidade da sua substituição por outro meio de prova, como também, não se antevê que à então A. fosse possível oferecer qualquer outro meio de prova destinado a colmatar a finalidade que com aquele meio se pretende, em concreto, alcançar.

17ª) Invoca, ainda, a ora recorrente, que o normativo constante do art. 129º nº 6 do CIRC quando interpretado e aplicado no sentido de que a autorização de derrogação do sigilo bancário dos administradores ou gerentes constitui um requisito imprescindível ao afastamento da presunção de rendimento do contribuinte pessoa colectiva prevista no art. 58º-A do CIRC, padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da tributação pelo rendimento real, art. 104º nº 2 da CRP e do princípio da igualdade contributiva, previsto, entre outros, nos artigos 13º e 104, nº 1 e 2 ambos da CRP.

18ª) Desde logo, o Ac. do TC nº 517/15 indicia para tal não violação ao referir que a tributação pelo rendimento real é assumida pela CRP de uma forma tendencial, uma vez que a prevalência absoluta do princípio exigiria um sistema também absolutamente fiável de informações sobre os resultados das empresas e que, ainda assim, a prevalência de tal princípio implica um aumento da cooperação exigida ao contribuinte que se traduz numa acrescida exigência dos seus deveres declarativos.

19ª) Refere ainda tal Acórdão que é um dado assente “ que a necessidade de garantir um sistema fiscal eficaz, quanto à efectiva tributação do rendimento real das empresas, e justo, na medida em que assegure uma distribuição equitativa do peso dos impostos, demanda o acesso a informações bancárias”

20ª) Donde, diremos nós, não faz sentido invocar a necessidade de se assegurar uma tributação pelo rendimento real e o respeito pela igualdade contributiva quando, ao mesmo tempo, o contribuinte se pretende eximir ao dever de colaboração para com a AT que visa determinar uma situação real reveladora da sua real capacidade contributiva.

21ª) É que a AT não pretende aceder, só porque sim, aos documentos bancários pretende fazê-lo em busca da verdade material e para assegurar o respeito pelo princípio da tributação real do sujeito passivo e da capacidade contributiva do mesmo.

22ª) Donde, contrariamente ao que invoca a recorrente não existe aqui uma impossibilidade prática de ilidir a presunção, mas sim, o estabelecimento de uma medida adequada e proporcional ao fim que visa tal procedimento: apurar a verdade material dos factos.

23ª) Finalmente, como então resultava dos então artigos 58º-A e 129º, nas transmissões onerosas de direitos reais sobre bens imóveis e, para efeitos de determinação do lucro tributável nos termos do CIRC, sempre que o valor do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), é este o valor a considerar tanto pelo alienante como pelo adquirente.

24ª) Ora, que a recorrente não tinha dúvidas que este artigo lhe era aplicável e que era o VPT que tinha que considerar prova-o o facto de ela ter apresentado junto do Serviço de Finanças de Oeiras 2 requerimento no qual requeria que se desse início a procedimento de prova do preço efectivamente praticado nas transmissões dos imóveis.

25ª) E é precisamente por tal procedimento lhe ter sido arquivado que foi interposta a presente acção, donde não faz qualquer sentido que a recorrente venha, agora, pretender provar o que lhe cabia provar em sede do referido procedimento: que o preço praticado na compra e venda dos imóveis era o por si efectivamente declarado.

Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas, deve ser negado provimento ao recurso interposto pela A. e, em consequência, deve ser mantida a sentença, a fls…, na parte em que absolveu a R. e ora recorrida de todos os pedidos formulados pela mesma A.»

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A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA apresentou recurso do despacho-saneador proferido a 30/09/2011, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, que julgou improcedente a excepção de inimpugnabilidade do acto de 29/10/2008, proferido pelo Director de Finanças de Lisboa, que determinou o arquivamento do procedimento de prova de preço efectivo na transmissão de imóveis.

A recorrente AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES:
A) O saneador, a fls…, ao ter julgado improcedente a excepção dilatória da inimpugnabilidade do acto administrativo impugnado e ao não ter absolvido a então R. e ora recorrente da instância, fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos, pelo que, não deve ser mantido.

B) Tendo a decisão da AT que não determina o prosseguimento do procedimento de prova de demonstração de preço efectivamente praticado na transmissão de imóvel sido proferida no âmbito de uma matéria regulada nos termos do procedimento de revisão da matéria colectável a pedido do contribuinte (cfr. art. 91º e 92º da LGT, para os quais remete o nº 5 do então art. 129º do CIRC), ela constitui um acto interlocutório, que não é imediatamente lesivo dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, do procedimento de liquidação que só pode ser atacado, contenciosamente, a final.

C) O arquivamento do procedimento de demonstração do preço, não faz, pois, contrariamente ao defendido no saneador, a fls…, precludir a possibilidade de a ora recorrida, a final e com a prática do acto de liquidação, discutir a questão de não ter sido deferido o seu pedido de demonstração do preço efectivamente pago nas transmissões dos imóveis.

D) Acresce que, tendo cessado qualquer efeito suspensivo da liquidação, a partir do momento em que a AT toma a sua decisão do não prosseguimento do pedido, cfr. nº 4 do então art. 129º do CIRC, a ora recorrida está em perfeitas condições de impugnar a liquidação invocando essa mesma ilegalidade, de preterição da formalidade de ser admitida a fazer a demonstração do preço de transmissão do imóvel, nos termos do art. 129º do CIRC, donde, a decisão da AT não lesa directa e imediatamente o sujeito passivo.

E) Pelo que, não podemos aceitar o entendimento plasmado no saneador, a fls…, quando refere que o indeferimento do pedido de produção do preço efectivo na transmissão do prédio urbano em causa nos autos era imediatamente lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos da então A.

F) Refira-se aliás que, no presente caso, encontra-se especificado na matéria de facto, da sentença, a fls…, que a liquidação relativa ao ano de 2008 já foi efectuada, cfr. al. Q)do ponto II.1 da sentença a fls…

G) Donde, pode até existir, eventualmente, uma excepção de litispendência ou de caso julgado, caso o ora recorrido tenha interposto impugnação contra tal liquidação, pelo que, deve ser determinada a baixa dos autos ao Tribunal “ a quo” a fim de que seja apurado tal facto que se assume, nessa circunstância, como relevante para a correcta apreciação da questão daquela excepção, cfr. nº 3 do art. 636º do CPC.

H) Assim, ao ter decidido que o acto que não admitiu a ora recorrida a fazer a prova de preço praticado nas transmissões de imóveis, nos termos do art. 129º do CIRC, era impugnável autonomamente e por via de acção administrativa especial, o saneador, a fls…, fez uma incorrecta interpretação e aplicação do referido art. 129º do CIRC, art. 54º do CPPT e 66º da LGT, aos factos, motivo pelo qual não deve ser mantido.

Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas, deve ser concedido provimento ao recurso subordinado interposto pela R. e ora recorrente, devendo o saneador recorrido ser revogado e ser substituído por Acórdão que julgue procedente a excepção da inimpugnabilidade do acto, deve ainda, ser determinada a baixa dos autos ao Tribunal a quo a fim de que se apure se o ora recorrido impugnou, ou não, a liquidação do ano de 2008, por ser facto relevante para a apreciação da referida excepção, com todas as legais consequências.»

A Recorrida J… FARMACEUTICA, LDA, apresentou contra-alegações, conforme seguidamente expendido:
« Conclusões

A. A tributação da mais-valia para efeitos de IRC com base no valor patrimonial tributário apurado para efeitos de IMI é, na sua essência, uma tributação por avaliação indireta.

B. Para evitar esta tributação “indireta”, o legislador estabeleceu que o sujeito passivo tem o dever de iniciar o procedimento previsto no então artigo 129.º, do Código do IRC, no âmbito do qual poderá, inclusivamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados em portaria, conforme estabelece o n.º 2 daquele artigo.

C. Este procedimento segue, em conformidade com o disposto no n.º 5 do artigo 129.º do Código do IRC, as regras dos artigos 91.º e 92.º, ambos da LGT, com um debate entre peritos para se apurar um valor “consensual” a tributar.

D. Na eventualidade de o sujeito passivo, após o referido debate pericial, não concordar com o valor “consensual” apurado, poderá aguardar, então sim, pela impugnação do ato tributário para invocar qualquer ilegalidade da “avaliação indirecta”, nos termos do acima referido n.º 4 do artigo 86.º da LGT.

E. Como é bom de ver, nos presentes autos não se invocou uma qualquer ilegalidade da “avaliação indireta” mas sim uma ilegalidade no arquivamento do procedimento em que a Autora visava, pelo contrário, pôr termo à avaliação indirecta.

F. É deste arquivamento do procedimento previsto no então artigo 129.º, do Código do IRC, que esteve na origem da ação administrativa especial intentada pela ora Recorrida e, no âmbito da qual, foi proferido o despacho saneador ora recorrido.

G. Ora, convém ter presente que o artigo 51.º, n.º 1, do CPTA, prevê que são impugnáveis os atos administrativos com eficácia externa, ainda que inseridos num procedimento administrativo, dispondo ainda o seu n.º 3 que a circunstância de não ter impugnado qualquer ato procedimental não impede o interessado de impugnar o ato final com fundamento em ilegalidade cometida ao longo do procedimento.

H. Ora, no presente caso, estamos perante um ato que põe termo ao procedimento, ou seja, o ato final do procedimento.

I. Por outro lado, este ato final tem, obviamente, eficácia externa, já que o efeito legal do arquivamento é a tributação da mais-valia em sede de IRC pelo valor patrimonial tributário apurado para efeitos de IMI, sem possibilidade de contra-argumentação.

J. Assim, tendo a ora Recorrida sido notificada do arquivamento do procedimento referido, a mesma tinha o dever de reagir contra este ato final, sob pena de com ele se conformar…

K. Ou seja, a ora Recorrida colocou em crise o ato que arquivou o procedimento e não o valor ou a forma como se apurou o valor resultante de uma “avaliação indireta” (caso esta se tivesse concretizado).

L. Desta forma, o ato de arquivamento é impugnável nos termos gerais, conforme foi bem decidido pelo Tribunal a quo, em linha com o que vem sendo professado pela mais ilustre jurisprudência.

M. Acresce ao exposto que nem sequer a argumentação da ora Recorrente é coerente, já que o n.º 5 do artigo 129.º do Código do IRC remete apenas para o n.º 4 do artigo 86.º da LGT… e não para o seu n.º 3, que estabelece a inimpugnabilidade direta da “avaliação indireta” (a tal que nunca chegou a ocorrer por força da decisão de arquivamento impugnada).

N. Ademais, sempre importa recordar que a liquidação adicional de IRC a que a ora Recorrente faz referência nas suas alegações de recurso foi efetuada à entidade dominante (a J… Portugal, Lda.) do grupo especial de tributação em que se insere a ora Recorrida… e não à ora Recorrida propriamente dita.

O. Nestes termos, não só não faz sentido alegar que a ora Recorrida poderia “contrariar tal decisão [a de arquivamento] no âmbito da impugnação judicial interposta contra o acto de liquidação”, porquanto essa liquidação nem sequer lhe foi a si efetuada, mas sim à sua sociedade dominante…

P. Também não tem cabimento a alegação da Recorrente que se poderia estar na presença de uma eventual situação de litispendência ou de caso julgado, porquanto nenhum dos requisitos de que depende a verificação dessas exceções se mostra aqui verificado.

Q. Resulta mais uma vez do exposto que a alegada inimpugnabilidade do ato não colhe, razão pela qual deverá ser aqui confirmada a legalidade do despacho saneador recorrido.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo no despacho saneador recorrido.»

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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que não emitiu parecer.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:




«II.1. DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa e compulsada a prova documental junta aos autos e por acordo e confissão, consideram-se provados os seguintes factos:
A. A Autora é uma sociedade comercial dedicada ao comércio e indústria de produtos químicos e farmacêuticos, cujo capital social é integralmente detido pela J… Portugal, Lda. [não controvertido].
B. No ano de 2003 e 2004, eram gerentes da Autora: J…, C…, M…, M…, A… e J… [cf. cópia do relatório de inspecção apresentado junto à PI a fls. 218 dos autos e cópia da certidão de registo comercial a fls. 58 do PAT em apenso].
C. Em 15.12.2004, a Autora procedeu à alienação à L… – SOCIEDADE T…, S.A., dos imóveis inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Barcarena, concelho de Oeiras, sob os artigos 2… e 3…, pelos valores de €563.790,00 e €3.228.100,00 [cf. cópia da escritura de compra e venda apresentada como doc. 1 junto à PI, a fls. 38 a 66 dos autos, e fls. 11 a 38 do PAT em apenso].
D. No negócio identificado no ponto anterior foi ainda alienado pela Autora o prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia de Barcarena sob o artigo 3…, secção 2…, pelo valor de €249.299,00 [cf. cópia da escritura de compra e venda apresentada como doc. 1 junto à PI, a fls. 38 a 66 dos autos, e fls. 11 a 38 do PAT em apenso].
E. As alienações identificadas nos pontos anteriores fizeram parte de um negócio celebrado entre a Autora e a L… – SOCIEDADE T…, S.A., cujo valor de transacção era composto pelos valores identificados em B) e C) supra, acrescido da transferência de inventário no montante de €1.458.811,00 e stock no montante de €2.300.000,00 [cf. cópia do contrato celebrado apresentado como doc. 10 junto à PI, a fls. 90 a 210 dos autos].
F. Em 27.03.2008 a Autora foi notificada dos valores patrimoniais fixados para os imóveis identificados em B) supra, nos termos do CIMI de, respectivamente, €1.434.440,00 e €3.685.810,00 [cf. cópia das notificações da avaliação dos prédios mencionados, apresentados como doc. 2 junto à PI, a fls. 67 e 68 dos autos, e fls. 8 e 9 do PAT em apenso].
G. Em 28.04.2008, a Autora apresentou, junto do Serviço de Finanças de Oeiras 2, um pedido de início do procedimento de prova do preço efectivo na transmissão identificada em B) supra, efectuado nos termos do artigo 129.º do CIRC [cf. cópia do requerimento apresentado como doc. 3 junto à PI, a fls. 65 a 67 dos autos, e fls. 3 a 7 do PAT em apenso].
H. Através do ofício n.º 56.457, de 25.07.2008, do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão, da Direcção de Finanças de Lisboa, foi a Autora notificada para apresentar a identificação do perito para representar a empresa na reunião do procedimento de revisão, e documento que “autorize a Administração Fiscal a aceder à informação bancária da empresa e do(s) respectivo(s) administrador(s) ou gerente(s) referente ao exercício em que ocorreu a(s) transmissões(s) e ao exercício anterior”, sob pena de arquivamento do procedimento [cf. cópia do requerimento apresentado como doc. 4 junto à PI, a fls. 74 dos autos, e fls. 43 do PAT em apenso].
I. Em 08.08.2008, a Autora enviou mensagem electrónica para a AT, indicando o nome do perito, e informando que oportunamente as declarações de autorização bancária seriam enviadas [cf. cópia do email apresentado como doc. 5 junto à PI, a fls. 75 dos autos, e fls. 46 do PAT em apenso].
J. Em 26.08.2008, a Autora enviou mensagem electrónica para a AT, remetendo autorização para acesso à informação bancária da empresa, informando ainda que nenhum dos administradores/gerentes se encontravam a trabalhar naquela empresa [cf. cópia email apresentado como doc. 5 junto à PI, a fls. 75 dos autos, e fls. 48 do PAT em apenso].
K. Através do ofício n.º 76.554, de 10.10.2008, do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão, da Direcção de Finanças de Lisboa, foi a Autora notificada para juntar ao procedimento: “1. O original da declaração de autorização bancária para a Administração Fiscal poder aceder à informação bancária da J… FARMACÊUTICA, LDA., relativamente ao exercício em que ocorreu a transmissão dos imóveis supra identificados e, no exercício que o antecedeu; 2. As declarações de autorização dos gerentes da J… FARMACÊUTICA, LDA., em exercício de funções nos anos de 2003 e 2004, ano em que ocorreu a transmissão dos imóveis em apreço, bem como, o que o antecedeu (…)”[cf. cópia do ofício apresentado como doc. 6 junto à PI, a fls. 77 dos autos, e fls. 136 do PAT em apenso].
L. A 23.10.2008, a Autora apresentou um requerimento de resposta ao requerido no ponto anterior, apresentando o original da declaração de autorização bancária para a AT poder aceder à sua informação bancária, e no qual constava, nomeadamente, o seguinte: “[a] Administração Fiscal dispõe de meios, mais do que suficientes, que lhe permitem atestar a veracidade dos elementos fiscais e constabilísticos da J…, razão pela qual os gerentes da J…, em funções nos anos de 2003 e 2004, não autorizam o acesso às suas contas bancárias, uma vez que, no entender dos mesmos, este procedimento viola o princípio da reserva da intimidade e vida privada dos cidadãos, previsto no artigo 26.º da Constituição de República Portuguesa, revelando-se claramente excessivo para atingir o fim que se pretende, violando-se, desta forma, o princípio da proporcionalidade, tutelado constitucionalmente através do artigo 18.º do diploma fundamental”. [cf. cópia do requerimento apresentado como doc. 7 junto à PI, a fls. 78 e 80 dos autos, e fls. 146 a 151 do PAT em apenso].
M. Na resposta identificada no ponto anterior a Autora anexou um documento “[n]o qual a detentora do capital da J… declara que não existe qualquer fundamento que possa motivar o levantamento do sigilo bancário dos seus gerentes, uma vez que todas as operações da J… são realizadas com respeito às normas vigentes em Portugal (…)”[cf. cópia do requerimento apresentado como doc. 7 junto à PI, a fls. 78 e 80 dos autos e fls. 146 a 151 do PAT em apenso].
N. Por despacho de 29.10.2008 do Director de Finanças de Lisboa, foi determinado o arquivamento do procedimento de prova de preço efectivo, peticionado pela Autora, remetendo para a informação n.º 111/2008, do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão, onde consta nomeadamente o seguinte:
“Assim, atendendo à falta de normativo legal que dispense o requisito de apresentação de documento que autorize a administração fiscal a aceder à informação bancária dos gerentes da requerente relativamente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior, e tendo o sujeito passivo já sido devidamente notificado através dos ofícios n.º 056457, de
25.07.08 e n.º 076554, de 10/10/200, desta Direcção de Finanças para apresentar no prazo de dez dias as autorizações em falta, tendo também sido advertido das consequências do respectivo incumprimento, como até à presente data não apresentou as declarações solicitadas, proponho que o Pedido/Requerimento em apreço seja arquivado, procedendo os Serviços desta Direcção de Finanças à competente Liquidação de IRC na parte respeitante aos valores do ajustamento previsto no n.º 2 do art.º 58-A do CIRC, para o exercício de 2004. (…)”[cf. cópia da decisão apresentada como doc. 8 junto à PI, a fls. 85 a 89 dos autos e fls. 162 a 166 do PAT em apenso].
O. Através do ofício n.º 82680, de 30.10.2008, do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão, da Direcção de Finanças de Lisboa, foi a Autora notificada do teor da decisão identificada no ponto anterior [cf. cópia do ofício apresentado como doc. 8 junto à PI, a fls. 85 a 89 dos autos e fls. 168 do PAT em apenso].
P. O ofício identificado no ponto anterior foi recepcionado pela Autora em 03.11.2008 [cf. data aposta no aviso de recepção constante de fls. 170 do PAT em apenso].
Q. A 05.12.2008 foi emitida a liquidação de IRC referente ao exercício de 2008, em nome da Autora, que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2008.00007105419, no montante de €416.060,54 [cf. cópia da demonstração de acerto de contas junta à PI como doc.12, a fls. 225 dos autos].
R. A 29.01.2009 foi remetida via postal a petição inicial que deu origem à presente acção [cf. fls. 226 dos autos].

Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.

Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.»
****

Conforme resulta dos autos, a A. intentou Ação Administrativa Especial (AAE) de impugnação de ato administrativo de arquivamento do procedimento de prova do preço efetivo de transmissão de imóveis requerido pela A. ao abrigo do art. 129.º do CIRC, e de condenação na prática de ato devido, nomeadamente, na prática de ato de deferimento do requerimento apresentado ao abrigo do art. 129.º do CIRC, contra o Ministério das Finanças.

No despacho saneador a Meritíssima Juíza a quo entendeu que não se verificavam as exceções suscitadas na contestação, nomeadamente, a de caducidade do direito de ação, e a de inimpugnabilidade do ato.
Foi proferida sentença que julgou improcedente a ação, absolvendo o R. do pedido.

Contextualizando os contornos do caso material em discussão, resulta dos autos, a A. alienou dois imóveis, por determinado preço, aos quais foi fixado pela AT os respetivos valores patrimoniais tributários (VPT) nos termos do Código do IMI, em montante superior ao do preço de alienação. Na sequência da fixação do valor patrimonial, a A. requereu junto do serviço de finanças, ao abrigo do art. 129.º do CIRC, que não fosse efetuada qualquer correção ao lucro tributável nos termos do art. 58.º do CIRC, e que fosse considerado provado o valor do contrato de compra e venda dos imóveis em causa, apresentando 3 documentos.

Na sequência de tal requerimento, a A. foi convidada a suprir as irregularidades formais consideradas verificadas, designadamente, na parte com relevo para os autos, para que juntasse que autorize a AT a aceder à informação bancária da empresa e do respetivo administrador ou gerente referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior.

A A. juntou o documento de autorização de acesso às suas contas bancárias referente aos exercícios de 2003 e 2004, mas não juntou a autorização relativa aos seus gerentes.

Com fundamento na não junção de autorização de acesso às contas bancárias dos gerentes da A. referentes aos exercícios de 2003 e 2004, foi proferida a decisão de arquivar o procedimento desencadeado pelo requerimento apresentado pela A., por entender que o consentimento de acesso a tais dados bancários constitui um requisito do n.º 6, do art. 129.º do CIRC para a abertura do procedimento de demonstração do preço efetivo na transmissão de imóveis.

A A. não se conformando com tal decisão de arquivamento interpôs a presente AAE que, conforme já referimos, foi julgada improcedente.

Efetivamente, na sentença recorrida entendeu-se, em síntese, por um lado, que a autorização escrita prevista no n.º 6, do art. 129.º do CIRC, apesar de apenas ter sido introduzida posteriormente à alienação dos imóveis (2004), nomeadamente, pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, que entrou em vigor a 01/01/2007, e por outro lado, também entendeu que a exigência de tal autorização de acesso às contas bancárias não viola os princípios constitucionais da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real, e da proporcionalidade.

A A. vem interpor recurso da sentença invocando erro de julgamento de direito, na medida em que a interpretação efetuada pelo Tribunal aos artigos 58.º-A e art. 129.º, ambos do CIRC viola a Constituição, nomeadamente o art. 18.º, n.º 2 da CRP, violando ainda o princípio da proporcionalidade, da capacidade contributiva e tributação pelo lucro real (art. 104.º, n.º 2, da CRP), e da tributação pelo lucro real, uma vez que a interpretação transforma a presunção ilidível em inilidível. Invoca que à data do procedimento apenas se mantinham 2, dos 6 gerentes de 2003 e 2004.

Portanto, e em suma, quanto ao recurso interposto pela A., a questão a decidir consiste em aferir da legalidade e constitucionalidade da interpretação do art. 58.º-A e 129.º, n.º 6 do CIRC que foi feita na sentença recorrida.


No que diz respeito ao recurso do R., este insurge-se contra a decisão proferida no despacho saneador que decidiu desfavoravelmente a exceção de inimpugnabilidade do ato. Ora, o conhecimento desta questão suscitada no recursa da R. prece às demais suscitadas no recurso da A., pois a proceder a exceção, tal conduzirá, necessariamente, à revogação da sentença recorrida, uma vez que não é admissível conhecer-se do mérito da ação.

Deste modo, tal questão suscitada, consiste em aferir se a decisão proferida no despacho saneador enferma de erro de julgamento de direito, uma vez que o R. entende que a decisão impugnada constitui um ato interlocutório que não é imediatamente lesivo dos direitos ou interesses legalmente protegidos da A., e nessa medida só impugnável a final, nos termos do art. 54.º da LGT, com o ato de liquidação.

Apreciando.

Para a resolução desta questão aqui acolhemos o entendimento vertido no recente acórdão do STA de 28/04/2021, proc. n.º 01263/12.4BEPRT 0512/16, proferido em recurso de revista de um acórdão do TCAN, em que se discutiu a mesma questão de direito, sendo que o circunstancialismo fático daquele litigio é em tudo idêntico ao dos autos.

Na verdade, analisada a matéria de facto assente naquele acórdão verificamos que estava em causa uma AAE a sindicar a legalidade do ato de indeferimento do pedido formulado no procedimento de prova do preço efetivo da transmissão de imóveis (art. 139.º do CIRC a que corresponde o anterior 129.º do mesmo código, preceito este em causa nos presentes autos), porque o contribuinte não juntou ao procedimento a autorização de acesso à informação bancária dos seus administradores/gerentes. Ou seja, a mesma situação fáctica em causa nos presentes autos.

Naquele acórdão identificou-se como questão a decidir “(…) a determinação da impugnabilidade ou não do acto de indeferimento do pedido de prova do preço efectivo na transmissão de um imóvel, previsto no artigo 139.º do CIRC (…)”, questão essa que também aqui cumpre conhecer.

Pelo exposto, subscrevemos a fundamentação do STA de 28/04/2021, proc. n.º 01263/12.4BEPRT 0512/16, que é aplicável ao caso dos autos dada a identidade fática e de questão a decidir, e aqui nos limitamos a transcrever:

“3.1. Na origem do presente litígio está a impugnação pela A. e aqui Recorrente do despacho proferido pelo Chefe do SACR da Direção de Finanças do Porto, que indeferiu o pedido de prova do preço efectivo na transmissão de imóvel para um fundo imobiliário, por falta de requisitos legais. Inconformada com aquela decisão, que reputou de ilegal, a A. intentou acção administrativa especial no TAF do Porto tendo em vista obter a respectiva anulação. Porém, a sentença do TAF do Porto considerou o acto irrecorrível, decisão que foi confirmada pelo acórdão do TCA Norte, com fundamento na equiparação entre o procedimento de prova do preço efectivo e o procedimento de revisão da matéria tributável fixada através de métodos indirectos; uma equiparação que, no entender da referida jurisprudência, resultaria do disposto no artigo 139.º, n.º 5, do Código do IRC, da qual adviria a inimpugnabilidade autónoma do acto de indeferimento do pedido de prova do preço efectivo, devendo aplicar-se, neste caso, o princípio da impugnação unitária.
A decisão do acórdão recorrido fundamentou-se no disposto no artigo 139.º, n.º 5 do CIRC, no qual se dispõe expressamente o seguinte: “O procedimento previsto no n.º 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei”.
Importa, por isso, começar por analisar, brevemente, o procedimento de prova do preço efectivo.
3.2. O procedimento de prova do preço efectivo constitui a forma legalmente prevista para que os alienantes e adquirentes de direitos sobre bens imóveis possam “inscrever” o valor constante do contrato pelo qual se transaccionou aquele bem para efeitos de determinação do lucro tributável quando o mesmo seja inferior ao valor patrimonial tributável do imóvel. Só através da utilização deste procedimento é possível “afastar” a regra legal que impõe que o valor a considerar para efeitos de lucro tributável seja o correspondente ao VPT do imóvel, quando o mesmo tenha sido transmitido por um valor inferior (artigo 64.º, n.ºs 1 e 2 e artigo 139.º, n.º 1 do CIRC).
Trata-se de um procedimento especial, a instaurar pelo interessado, mediante a apresentação de requerimento dirigido ao director de finanças competente, em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado nessa data, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se torne definitiva, nos restantes casos (artigos 64.º, n.º 4 e 139.º, n.º 3 do CIRC).
A apresentação deste pedido suspende a liquidação na parte correspondente ao valor da diferença positiva entre o valor pelo qual o imóvel seja alienado e o respectivo VPT. Em caso de indeferimento total ou parcial do pedido, compete à Direcção-Geral dos Impostos proceder à liquidação do montante de imposto em falta (artigo 139.º n.º 4 do CIRC).
De acordo com o já mencionado n.º 5 do artigo 139.º do CIRC, o procedimento instaurado nos termos deste artigo rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da LGT.
O legislador impõe ainda que o sujeito passivo que queira impugnar uma liquidação ou uma correcção ao lucro tributável com fundamento na aplicação ilegal do disposto no n.º 2 do artigo 64.º da LGT tenha de iniciar previamente este procedimento de prova do preço efectivo do imóvel, constituindo o mesmo uma condição de impugnabilidade da liquidação (artigo 139.º, n.º 7 do CIRC).
3.3. Ora, o que está em causa nos autos – já o dissemos – é saber se o acto que põe termo ao procedimento de prova do preço efectivo é ou não um acto impugnável. E a resposta releva, tanto em termos gerais, para apurar se a decisão final daquele procedimento se deve qualificar como acto recorrível ou não, como no que respeita ao circunstancialismo do caso, em que o pedido foi indeferido liminarmente por o requerente não ter procedido à junção dos documentos de autorização para acesso à informação bancária, alegando que essa exigência violava diversos preceitos e princípios constitucionais, designadamente no respeitante à reserva da vida privada. Vejamos, por isso, a questão sob os dois prismas e de forma separada.

3.3.1. Lembremos que a regra no direito tributário é a que emerge do princípio da impugnação unitária, consagrado no artigo 54.º do CPPT, segundo o qual, “salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida”.
O acto cuja impugnabilidade autónoma aqui se questiona de forma genérica é o acto que põe termo ao procedimento de prova do preço efectivo, ou seja, aquele que decide se os sujeitos passivos podem utilizar para a determinação do lucro tributável o valor de compra e venda de um imóvel constante do contrato quando este valor seja inferior ao valor patrimonial tributável que serviu de base à liquidação do IMT ou que serviria se o negócio estivesse abrangido pelo âmbito de incidência daquele imposto.
Ora, a primeira premissa é a de que este é um acto, por natureza, interlocutório do procedimento de liquidação do IRC, ou seja, um acto que põe termo a um (sub)procedimento especial que se inscreve no âmbito do procedimento geral de liquidação geral do IRC e que respeita a um aspecto específico da determinação da matéria colectável daquele imposto nos casos em que da mesma façam parte receitas ou despesas relativas à transmissão onerosa de imóveis e em que o valor atribuído a essa transmissão seja inferior ao do VPT do imóvel para efeitos de IMT. Nessa medida, tratando-se de um acto interlocutório, aplicar-se-á, em princípio, a regra prevista no princípio da impugnação unitária, pelo que, os vícios de que o mesmo padeça devem ser invocados na impugnação do acto de liquidação ou de correcção da matéria colectável.
Lembramos que é uma ideia de economia procedimental e processual que está subjacente ao princípio da impugnação unitária, pelo qual se alcança uma declaração de autoridade a respeito da situação tributária dos sujeitos passivos de forma mais célere – como impõe a necessidade de obter recursos financeiros públicos – sem contudo comprometer a garantia da tutela jurisdicional efectiva, ou seja, sem pôr em causa, as garantias dos contribuintes em relação a todos os aspectos que estejam subjacentes ao teor do acto de liquidação, os quais são analisados e decididos no âmbito do processo de impugnação do mesmo. Soma-se ainda a exigência de que esses actos interlocutórios, cuja apreciação da respectiva ilegalidade é “diferida” para o momento da impugnação da liquidação, não poderem ter carácter lesivo a não ser através do próprio acto de liquidação (ou seja, têm de ser actos que, em si, não sejam aptos a produzir imediatamente efeitos lesivos para o sujeito passivo).
O legislador admite apenas duas excepções a este princípio da impugnação unitária: i) os casos em que estas decisões interlocutórias sejam imediatamente lesivas, pois nesse caso prevalece a garantia do sujeito passivo a poder repelir de imediato um acto que lhe esteja a provocar uma lesão efectiva; e ii) os casos em que o legislador expressamente preveja a impugnação imediata e autónoma dessa decisão interlocutória.
Importa por isso saber se o acto que põe termo ao procedimento de prova do preço efectivo se pode integrar em alguma destas excepções.

3.3.2. A Recorrente alega que na prova do preço efectivo estamos perante um procedimento de avaliação directa da matéria colectável e, como tal, tem de aplicar-se o disposto no n.º 1 do artigo 86.º da LGT, onde se afirma que “a avaliação directa é susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa”. Acrescenta ainda, em abono da tese da impugnação directa e autónoma do acto em apreço, que, por se tratar de um acto que fixa os direitos dos contribuintes quanto à questão da determinação do valor da transmissão do imóvel a inscrever no âmbito do apuramento da matéria colectável em sede de IRC, é um “acto definitivo” segundo o artigo 60.º do CPPT, e, nessa medida, imediatamente recorrível. E mobiliza ainda, no mesmo sentido, um argumento literal, assente no facto de no artigo 139.º do CIRC, n.º 5 não se fazer remissão para o n.º 3 do artigo 86.º da LGT, o único onde se afirma que a “avaliação indirecta não é susceptível de impugnação contenciosa directa, salvo quando não dê origem a qualquer liquidação”. Acrescenta, por último, que não pode falar-se de falta de lesividade do acto de avaliação, uma vez que a decisão deste procedimento não vem acompanhada da liquidação adicional ou da correcção dos prejuízos que lhe permita saber se terá posteriormente a oportunidade de atacar esta decisão. No essencial, a Recorrente considera que neste caso se conjugam e estão presentes as duas excepções ao princípio da impugnação unitária, ou seja, que da conjugação do artigo 139.º do CIRS com o artigo 86.º, n.º da LGT resulta uma previsão expressa da impugnação imediata da decisão do procedimento de prova do preço efectivo; e que o carácter imediatamente lesivo daquela decisão dita igualmente a sua recorribilidade imediata.
Mas, como veremos, sem razão.

3.3.2.1. Em primeiro lugar, não é verdade que resulte expressamente da lei a imediata recorribilidade da decisão daquele procedimento. Uma tal recorribilidade não tem previsão expressa no artigo 139.º do CIRC e ela também não se retira do disposto no n.º 1 do artigo 86.º da LGT. Pelo contrário, a remissão que encontramos no n.º 5 do artigo 139.º do CIRC para o n.º 4 do artigo 86.º da LGT – artigo onde se afirma que “na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo” – no qual se indica, expressamente, que as eventuais ilegalidades que possam ser assacadas à decisão que põe termo ao procedimento de prova do preço efectivo podem (ou seja, devem) ser invocadas na impugnação do acto tributário de liquidação, que venha ser praticado ao abrigo do n.º 4 do artigo 139.º do CIRC.
De resto, a remissão do artigo 139.º do CIRC para as regras do procedimento de determinação da matéria colectável por métodos indirectos compreende-se porque, aqui (no procedimento de prova do preço efectivo), tal como ali (na decisão de quantificação a matéria colectável com recurso a métodos indirectos), a obrigação de previamente lançar mão de um meio administrativo (ali o pedido de revisão da matéria colectável nos termos do artigo 91.º da LGT e aqui o procedimento de prova do preço efectivo) constituem, como já dissemos, condição de impugnabilidade do acto final de liquidação, quando o impugnante o pretenda atacar a respectiva fundamentação (ali, uma ilegalidade na quantificação da matéria tributável, aqui, uma ilegal quantificação do valor do imóvel para efeitos de determinação do lucro tributável).
E por isso não tem sentido, como pretende a Recorrente, a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 86.º da LGT, pois não estamos perante um problema de avaliação directa da matéria colectável (não estamos a corrigir ou a discutir o valor nominal pelo qual o imóvel é transmitido), mas sim perante um expediente procedimental necessário para afastar uma presunção legal (a de que o imóvel foi transmitido pelo valor do respectivo VPT, quando o valor dessa transmissão seja inferior àquele) prevista no artigo 64.º, n.º 2 do CIRC.

3.3.2.2. E também não tem razão a Recorrente quando alega que a decisão do procedimento para a prova do preço efectivo é imediatamente lesiva, pois o n.º 4 do artigo 139.º do CIRC estipula, expressamente, que o procedimento de prova do preço efectivo tem efeito suspensivo da liquidação na parte correspondente ao valor da diferença entre o preço que alegadamente foi praticado e o VPT que serviu de base à liquidação do IMT. Na prática, isto quer dizer que, em caso de transmissão do imóvel por valor inferior ao VPT, o sujeito passivo, no ano a que corresponde o negócio de transmissão do imóvel, declara, liquida e paga o IRC correspondente ao valor da transmissão e dá início ao procedimento de prova do preço efectivo. Quando esse procedimento termina e caso a decisão lhe seja desfavorável, haverá lugar à prática, pela AT, de um acto de liquidação adicional ou de correcção de prejuízos no valor correspondente àquela diferença (artigo 139.º, n.º 4 CIRC) e são esses os actos impugnáveis (artigo 139.º, n.º 7 do CIRC).
Na hipótese aventada pelo Recorrente, de que a AT não venha a praticar o acto subsequente – seja a liquidação adicional, seja a correcção dos prejuízos – então também não se produzirá a lesão, tendo em conta que o sujeito passivo auto-liquidou o imposto apenas com base no valor que atribuiu à transmissão.
Assim, também não se preenche o pressuposto legal da imediata lesividade do acto que põe termo ao procedimento de prova do preço efectivo para efeitos de excepção ao princípio da impugnação unitária.

3.3.3. Em suma, quer do que resulta da interpretação dos preceitos legais em crise – artigos 139.º e 86.º, n.º 4 da LGT – quer do regime regra do procedimento tributário assente no princípio da impugnação unitária – artigo 54.º do CPPT – conclui-se que o acto que põe termo ao procedimento de prova do preço efectivo não é impugnável, devendo os eventuais vícios de que o mesmo enferme ser alegados e conhecidos no âmbito da impugnação do acto de liquidação adicional ou do que determine a correcção de prejuízos fiscais.

3.3.4. E nem a situação dos autos – querer discutir a conformidade constitucional da norma que impõe o acesso à informação bancária (artigo 139.º, n.º 6 do CIRC) como condição para a instrução do procedimento de prova do preço efectivo e o acto de indeferimento liminar daquele procedimento em caso de recursa – altera o que antes afirmámos, pois a lesividade deste indeferimento liminar apenas se projectará na esfera jurídica do Recorrente por intermédio do acto de liquidação adicional ou de correcção dos prejuízos fiscais.
3.4. Da alegada inconstitucionalidade
O Recorrente sustenta, por último, que a interpretação do disposto no artigo 139.º do Código do IRC, no sentido de que a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efectivo não constitui um acto lesivo dos direitos do contribuinte e não é impugnável contenciosamente de forma autónoma, é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP.
No essencial, o Recorrente alega que o princípio da impugnação unitária constitui, neste caso, uma violação do acesso ao direito e garantia da tutela jurisdicional efectiva. Mas uma vez mais sem razão, atento o facto de, como antes demonstrámos, a decisão que, ao abrigo daquela regra do processo tributário, se considera irrecorrível, não consubstanciar uma lesão imediata.
Cumpre acrescentar também, em linha com a jurisprudência do Tribunal Constitucional vertida no acórdão n.º 410/2015, que a decisão do procedimento da prova do preço efectivo é, claramente, uma decisão de um procedimento interlocutório do procedimento de liquidação do IRC, seja, por se tratar de um subprocedimento enxertado no procedimento de liquidação daquele imposto, seja porque a decisão que aí seja adoptada esgota a sua eficácia no âmbito da liquidação do IRC (não se comunicando, desde logo, à liquidação de IMT).
Assim, concluindo-se que não estamos ante um acto destacável (ou seja, um acto que a lei determine que seja impugnado autonomamente), nem imediatamente lesivo, e que se trata de um acto interlocutório, haverá que concluir que a aplicação da regra da impugnação unitária não fere as garantias fundamentais dos contribuintes consagradas nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP.”

Portanto, secundando o acórdão supra citado, e em suma, em matéria de recorribilidade dos atos vigora no direito tributário o princípio da impugnação unitária consagrado no artigo 54.º do CPPT, pelo que, o ato que põe termo ao procedimento de prova do preço efetivo previsto no artigo 129.º do CIRC (atual art. 139.º do CIRC, por ser um ato, por natureza, interlocutório do procedimento de liquidação do IRC, e não ser imediatamente lesivo, não é autonomamente impugnável, devendo os eventuais vícios de que o mesmo enferme ser alegados e conhecidos no âmbito da impugnação do ato de liquidação.

Pelo exposto, verifica-se a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato impugnado, pelo que é de conceder provimento ao recurso do R., e consequentemente, revogar-se o despacho saneador, anulando-se a sentença recorrida que não poderia ter prosseguido o processo e conhecido do mérito da causa, pois verificando-se esta exceção dilatória o juiz deve abster-se do mérito do pedido e absolver o Réu da instância (cf. art. 89.º, n.º 1, alínea c), do CPTA, a que corresponde atualmente ao art. 89.º, n.º 2, e n.º 4, alínea i), do CPTA, alterado pelo DL 214-G/2015, de 02/10).

Consequentemente, prejudicado o conhecimento dos fundamentos do recurso da A., nos termos do disposto no art. 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 663.º, n.º 2 do CPC, ex vi art. 281.º do CPPT.

Nos termos do artigo 527.º do CPC aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte a que elas houver dado causa (n.º 1), entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for (n.º 2), e, portanto, vencida no recurso a A., esta é responsável pelas custas.

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

Em matéria de recorribilidade dos atos vigora no direito tributário o princípio da impugnação unitária consagrado no artigo 54.º do CPPT, pelo que, o ato que põe termo ao procedimento de prova do preço efetivo (artigo 129.º do CIRC, atual art. 139.º, por ser um ato, por natureza, interlocutório do procedimento de liquidação do IRC, e não ser imediatamente lesivo, não é autonomamente impugnável, devendo os eventuais vícios de que o mesmo enferme ser alegados e conhecidos no âmbito da impugnação do ato de liquidação.

DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção, da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, conceder provimento ao recurso da R., julgando-se verificada a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato impugnado, absolvendo-se o R. da Instância, e consequentemente, revoga-se o despacho saneador, anulando-se a sentença recorrida, e julga-se prejudicado o conhecimento do recurso da A.
****
Custas pela A.
D.n.
Lisboa, 26 de maio de 2022.

Cristina Flora (Relatora)

Patrícia Manuel Pires (1.ª adjunta)

Vital Lopes (2.º adjunto)