Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:742/20.4BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:07/08/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:RAC – 276º DO CPPT
DISPENSA DE GARANTIA
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - Da letra do n.º 4 do artigo 52º da LGT resulta que o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia está sujeito à verificação de três requisitos, sendo dois deles de verificação alternativa e um terceiro de verificação cumulativa, a saber: alternativamente, importa provar que (i) a prestação de garantia causa prejuízo irreparável ou (ii) a manifesta falta de meios económicos a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; cumulativamente, cumpre demonstrar (iii) a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.

II – Quanto ao ónus probatório, quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o Requerente que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa. Por seu turno, compete à AT a demonstração da existência de fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a atuação dolosa dos Requerentes.

III - No caso, face à matéria de facto fixada, confirma-se que a Recorrente não logrou demonstrar a manifesta falta de meios económicos para prestar a garantia em causa.

IV - Os poderes da AT e do Juiz não servem para colmatar a inércia ou a falta de diligência das partes, como aqui patentemente aconteceu, sob pena de se esvaziar, por completo, a obrigação das partes no cumprimento daquilo que a lei lhes impõe, no que, aliás, seria uma actuação de carácter absolutamente paternalista que entendemos não ser de acolher no contencioso tributário.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

V... Construção Civil e Obras Públicas, Lda., veio apresentar reclamação contra o despacho proferido pela Diretora de Finanças de Setúbal, em 30.09.2020, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia formulado no âmbito do processo de execução fiscal nºs 21862020..., que correm termos no Serviço de Finanças da Moita, com vista à cobrança coerciva de dívidas de IRC, e acrescido, do ano de 2015, no montante total de €132.713,67.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, por sentença de 03 de Fevereiro de 2020, julgou improcedente a reclamação.

Inconformada, a Reclamante veio recorrer da sentença, apresentando alegações que concluiu nos seguintes termos:

«a) Quando a prova produzida impuser decisão diversa, pode esse TCA Sul, alterar a decisão proferida em 1ª Instância sobre a matéria de facto, alteração que ora se peticiona nos seguintes termos (nº 1 do art.º 662º do CPC, aplicável nos termos da al. e) do CPPT).

b) Considera a recorrente incorretamente julgados, por não terem sido levados ao Probatório da douta Sentença recorrida, não obstante relevantes para a decisão de mérito, os pontos da matéria de facto, acima transcritos, nos artigos 1º e 2º das presentes Alegações.

c) O concreto meio probatório constante do processo que impunha, que os factos referidos no artigo 1º, tivessem sido considerados como provados, consiste na posição tomada pela Fazenda Pública, na sua resposta à reclamação, em que refere “(…) que todas as suas contas (da recorrente) foram penhoradas pela AT, o que efetivamente aconteceu (…)”.

d) Os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham, que os factos referidos no artigo 2º, tivessem sido considerados como provados, consistem na posição tomada pela Fazenda Pública, na sua resposta à reclamação acima transcrita, no que respeita à penhora das contas bancárias.

e) Bem como, as cartas de resposta aos pedidos de constituição de garantia bancária, remetidas à ora recorrente, pelo E... e B..., juntas como doc. nº 4, fls. 1 e 2 da p.i., no que respeita à ausência de meios para prestar garantia bancária ou seguro caução.

f) No que respeita aos restantes factos, salvo melhor opinião, para que fossem dados como provados, não se afigura necessário qualquer outro meio probatório, porquanto, não carecem de prova, nem tão pouco de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral (nº 1 do art.º 412º do CPC, aplicável nos termos da al. e) do art.º 2º do CPPT).

g) Resulta evidente, claro e do conhecimento geral de todos os cidadãos medianamente informados, que nenhuma entidade bancária concede garantia bancária ou outro tipo de financiamento a entidade que não apresente a sua situação tributária regularizada perante a AT.

h) Exigindo, para o efeito tais entidades, a apresentação de certidão que da mesma ateste, tanto mais, seria impossível conceder tal financiamento a uma sociedade com as contas bancárias penhoradas pela AT.

i) Um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado e esse TCA Sul pode considerar certos factos como notórios, independentemente, até, de os mesmos, no caso de terem sido levados ao questionário, terem obtido resposta negativa por parte do tribunal (neste sentido, vide, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/06/2010, tirado no Recurso nº 1803/08.3TBVIS.C1, que embora proferido à luz do anterior Código de Processo Civil, a sua jurisprudência permanece aplicável).

j) Pelo que, salvo o devido respeito e melhor opinião, se impõe que esse TCA SUL, ao abrigo do disposto no atual nº1 do art.º 412º do CPC, considere tais factos como notórios, o que se requer a V. Exas.

k) No que respeita à decisão que deve ser tomada sobre as questões de facto impugnadas, entende a recorrente que devem os pontos de facto acima referidos, serem considerados como provados, o que igualmente, se requer a V. Exas.

l) Para fundamentar o indeferimento do pedido de dispensa de apresentação de garantia apresentado, recorreu a AT no despacho confirmado pela douta Sentença recorrida, ao argumento de a ora recorrente não ter apresentado documentos comprovativos da impossibilidade de emissão de garantia bancária por parte das instituições bancárias.

m) Nada tendo apresentado relativamente à impossibilidade de obtenção de seguro bancário, deixando subjacente, a falta de prova de tais factos, entendimento que veio a ser acolhido na douta Sentença recorrida.

n) Mais referindo no despacho reclamado, que a reclamante não apresentou certidão de registo predial dos imóveis, com ressalva do prédio urbano sito no concelho de Rio Maior, que pudessem demonstrar a manutenção dos registos de hipotecas a favor do banco B....

o) Mais se referindo, não ter a ora recorrente apresentado qualquer comprovativo dos valores em dívida quer à Segurança Social, quer ao banco B..., garantidos pelas hipotecas, elementos que nunca a AT pediu.

p) Mais se referindo que, em relação aos bens inscritos na rubrica “inventários”, poderá ser admitida a constituição de hipoteca ou penhor, depois de efetuadas as diligências de verificação e análise julgadas necessárias, diligências que a AT, igualmente, não realizou.

q) Mais se escudando, no argumento de que a ora recorrente não apresentou comprovativos de disponibilidades ou encargos financeiros emitidos pelo Banco de Portugal, nem comprovativos dos saldos de contas em instituições bancárias, elementos que, igualmente, não solicitou.

r) Cabendo, no entanto, nesta sede referir, tal como se fez na reclamação julgada improcedente na douta Sentença recorrida, e no que respeita aos comprovativos dos saldos das contas bancárias da recorrente, que tal exigência só pode causar espanto.

s) Atendendo a que todas as contas bancárias da recorrente foram penhoradas pela AT, tendo ficado os respetivos saldos à sua disposição, o que foi inclusive, reconhecido na resposta da Fazenda Pública, acima referida.

t) Referindo ainda a este respeito, que pela análise da Declaração IES do ano de 2019, se verifica que a recorrente apresenta ao nível da rubrica “Caixa e Depósitos Bancários”, registo no montante de € 60.162, 57, no ano de 2019.

u) Mais se referindo, na informação que sustentou o despacho acolhido na douta Sentença recorrida, que a recorrente não apresentou qualquer elemento contabilístico, os quais, igualmente, a AT não solicitou.

v) Mais se aludindo, a que da Declaração IES de 2019, resulta existirem valores registados na conta “Clientes C/Corrente”, no montante de € 249.161,00, relativamente ao qual, mediante análise, poderá (eventualmente) ser admitida a constituição de contrato de penhor, análise que a AT, igualmente, não efetuou.

w) Referindo-se ainda, que sobre o valor em “Outras contas a receber”, mediante análise, que igualmente não efetuou, poderá (eventualmente) ser admitida a constituição de contrato de penhor.

x) Referindo-se por último, em idêntico registo, que também o estabelecimento comercial é passível de penhora depois de se proceder à sua avaliação, a fim de se aferir da sua idoneidade e suficiência, avaliação a que; igualmente; a AT não procedeu.

y) Assentando o indeferimento, em meras suposições ou hipotéticas possibilidades, porquanto não solicitou à recorrente qualquer informação complementar que as pudesse confirmar, no intuito de poder formular um juízo fundado sobre a alegada situação de insuficiência.

z) Concluindo de forma totalmente infundamentada, não se poder considerar que estejam preenchidos os pressupostos para ser autorizada a dispensa de garantia.

aa) Pelo que, não obstante a AT “(…) perante os elementos coligidos, entendeu que estava em posição de decidir como decidiu”, conforme consta da douta Sentença recorrida, salvo o devido respeito e melhor opinião, resulta claro que não se encontrava em tal posição, porquanto não tinha em seu poder os elementos necessários à prolação de uma decisão e muito menos, cabalmente fundamentada.

bb) Ora, cabia à AT, ao abrigo do princípio do inquisitório e do dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte solicitar a este o esclarecimento de dúvidas e os elementos de prova adicionais ou complementares a seu ver necessários para poder formular um juízo fundado sobre a alegada situação de insuficiência (neste sentido, vide, o recente Acórdão desse Tribunal Central Administrativo Sul de 24/01/2020, tirado no Recurso nº460/19.6BEALM). E,

cc) Não o fazendo, optando por indeferir logo o pedido, o ato reclamado incorreu em erro nos pressupostos, vício determinante da sua anulação (neste sentido, vide, ainda, o recente Acórdão desse Tribunal Central Administrativo Sul de 24/01/2020, tirado no Recurso nº 460/19.6BEALM).

dd) Mais, a busca da verdade, não permite a omissão das restantes partes, intervenientes no processo. (neste sentido, vide, o Acórdão do STA de 7 de maio de 2003, tirado no Recurso nº 1026/02).

ee) Sendo impróprio falar-se de um ônus subjetivo da prova, não interessando quem deve alegar e provar os fatos, o que importa é que os fatos resultem provados, mercê da atividade das partes, e do juiz (neste sentido, vide, ainda o Acórdão do STA de 7 de maio de 2003, tirado no Recurso nº 1026/02).

ff) Mais, sendo que os despachos de indeferimento de pedido de isenção de prestação de garantia não são precedidos de audição prévia, o princípio do inquisitório e o dever de colaboração devem assumir uma dimensão com maior significado e alcance.

gg) Deveria a AT, ao contrário do decidido na douta Sentença recorrida, ter solicitado os elementos adicionais que julgasse necessários à apreciação fundamentada do pedido, mormente junto da ora recorrente, contribuindo assim para a descoberta da verdade material.

hh) Pelo que, optando a AT por indeferir o pedido, sem solicitar os elementos que se mostravam manifestamente necessários para uma fundada decisão sobre o pedido formulado, o despacho que indeferiu a peticionada dispensa de prestação de garantia, incorreu em erro nos pressupostos, vício determinante da sua anulação, na senda da jurisprudência que emana do acima citado Acórdão desse TCA Sul de 24/01/2020, tirado no Recurso nº 460/19.6BEALM.

ii) Assim, por todo o exposto, a douta Sentença recorrida ao ter mantido o despacho reclamado, julgando improcedente a reclamação, preconizou uma errónea interpretação das disposições legais aplicáveis, padecendo de erro de julgamento e não podendo, em consequência, permanecer na ordem jurídica, o que se requer a V. Exas.

jj) A AT pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia no caso de manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado (nº 4 do art.º 52º da LGT).

kk) Ao contrário do acolhido na douta Sentença ora recorrida, a recorrente alegou e demonstrou o preenchimento dos requisitos de que dependia a concessão da dispensa de garantia no seu requerimento, bem como, o fez em sede de reclamação. ll) Sendo aliás, por todo o exposto, a falta de meios económicos para prestar garantia evidente, atentos os valores em causa e a situação financeira da recorrente, suficientemente demonstrada.

mm) Tanto mais, que ainda que existam bens penhoráveis, se insuficientes para constituir a garantia, deve ser concedida a dispensa de prestação da mesma (Neste sentido, cabe trazer à colação o Acórdão desse TCA Sul, de 08/03/2018, tirado no Recurso nº 1868/17.7BELRS).

nn) No que respeita à insuficiência de bens não ser da responsabilidade da recorrente, igualmente decorre da factualidade demonstrada, aliás, para afastar a concessão da dispensa de prestação de garantia, seria necessária a existência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado, o que nem foi alegado, nem se verifica (nº 4 do artigo 52º da LGT).

oo) Acresce que, o mais importante de todos os princípios é o que respeita à legalidade da atuação administrativa, devendo a AT abster-se de atuar quando da sua ação não resulte qualquer vantagem para o Estado (DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, cit,).

pp) Resultando evidente, que da aniquilação da ora recorrente, enquanto operador económico, em virtude de ser impedida de continuar a exercer a sua atividade, na sequência de liquidações objeto de reclamação, aliás, ainda não fixadas na ordem jurídica, não trará qualquer vantagem para o Estado.

qq) Pelo que, também pelo ora aludido, se impunha que o pedido de dispensa de garantia na génese dos presentes autos, tivesse sido deferido, o que foi alegado e não acolhido na douta Sentença recorrida.

rr) Assim, também por todo o ora exposto, a douta Sentença recorrida ao ter mantido o despacho reclamado, julgando improcedente a reclamação, preconizou uma errónea interpretação das disposições legais aplicáveis, padecendo de erro de julgamento e não podendo, em consequência, permanecer na ordem jurídica, o que se requer a V. Exas.

ss) Foi entendido na douta Sentença recorrida, que “(…) Para refutar os argumentos apresentados na decisão reclamada (…) todavia, o que resulta dos autos é que a Reclamante não juntou qualquer tipo de prova para sustentar esta alegação (…)”.

tt) Resulta claro, que nesta parte a douta Sentença recorrida, se reporta não ao pedido de dispensa de garantia cujo despacho de indeferimento manteve na ordem jurídica, mas antes ao alegado em sede de reclamação.

uu) Nesta sede, vigora o princípio do inquisitório, a que o Mmo. Juiz de Direito do Tribunal “a quo”, se encontrava adstrito, mas que salvo o devido respeito e melhor opinião, não foi observado na douta Sentença recorrida.

vv) Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente a factos que lhes seja lícito conhecer (nº 1 do art.º 13º do CPPT).

ww) Como ensina o Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, o nº 1 deste artigo consagra dois princípios estruturantes do processo judicial tributário: o princípio da oficialidade e o princípio da investigação ou do inquisitório.
O primeiro consubstancia-se na atribuição ao juiz de poderes para dirigir o processo, o segundo, também enunciado no nº 1 do art.º 99º da LGT, consiste no poder de ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade, in, Código de Procedimento e de Processo Tributário…cit, p. 163.

xx) Mais, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08/07/92, tirado no Recurso nº12147, “Os juízes dos tribunais tributários têm o dever de realizar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade”, in, AP-DR de 30/06/95, pág. 2070.

yy) Pelo que, entendendo inexistir prova, “(…) para refutar os argumentos apresentados na decisão reclamada (…)”, sempre o Mmo. Juiz “a quo”, salvo melhor opinião, deveria ter solicitado à ora recorrente, os elementos que entendesse por necessários, o que não ocorreu.

zz) Assim, também pelo ora exposto, a douta Sentença recorrida, preconizou uma errónea interpretação das disposições legais aplicáveis, padecendo de erro de julgamento e não podendo, em consequência, permanecer na ordem jurídica.

Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso, depois de recebido e analisadas as questões colocadas, ser julgado procedente por provado, sendo revogada a douta Sentença do Tribunal “a quo”, com todas as consequências legais daí advindas.»


*

A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

*

Neste TCA, o Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*

Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



*






II – FUNDAMENTAÇÃO


- De facto


A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) Em 25.02.2020, foi instaurado no Serviço de Finanças da Moita, contra a ora Reclamante, o processo de execução fiscal n.º 21862020..., por dívida relativa a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), referente ao exercício de 2015, com a quantia exequenda de 129.412,35 EUR (cfr. certidão de dívida a fls. 229 e 230 dos autos);

B) Em 30.03.2020, deu entrada no Serviço de Finanças da Moita um requerimento da Reclamante, no qual foi requerida a suspensão do processo de execução fiscal identificado em A) que antecede, oferecendo como garantia o bem móvel “Plataforma Electromotriz, de marca LIFTLUX, modelo SL205-25 4WD-SP, com o número de série 002336” (cfr. documento de fls. 232 a 233 dos autos);

C) A 06.05.2020, por e-mail, a Reclamante ofereceu como garantia, a acrescer ao bem mencionado na alínea B) que antecede, vinte e um bens móveis (acordo: facto alegado no artigo 10.º da petição inicial e confirmado no artigo 11º da resposta; cfr. informação que fundamentou a decisão de indeferimento do pedido de suspensão do processo de execução fiscal n.º 21862020..., a fls. 250 dos autos);

D) Em 14.08.2020, a Directora de Finanças de Setúbal proferiu despacho de indeferimento do requerimento identificado na alínea B) supra (cfr. documento de fls. 247 dos autos);

E) Em 16.09.2020, deu entrada no Serviço de Finanças da Moita um requerimento da Reclamante, no qual requereu a dispensa de prestação de garantia e suspensão do processo de execução fiscal identificado em A) supra, com o seguinte teor:

“(…)


QUESTÃO PRÉVIA



A Requerente solicitou em 30 de março passado, a suspensão do processo executivo referido em epígrafe, tendo para o efeito oferecido em garantia um bem móvel descrito como Plataforma Eletromotriz, de marca LIFTLUX, modelo SL205- 25 4WD-SP.



Posteriormente a Requerente ofereceu para reforço da garantia apresentada, mais 21 bens, ou seja, todos os bens móveis que possui.



Juntou relatório de perito certificado onde constava a avaliação de todos os bens oferecidos, por forma a demonstrar o valor dos mesmos e a sua idoneidade para servir de garantia à divida que esteve na origem do referido processo.



Tendo o perito avaliador certificado não só o valor de mercado dos bens, como o seu valor de venda forçada.



Porém, os bens oferecidos em garantia não foram considerados idóneos para o efeito.



Por esse facto, foi indeferido o pedido de suspensão do processo executivo, conforme despacho da Exma. Sra. Diretora de Finanças de Setúbal, datado de 14/08/2020, notificado ao mandatário da Requerente em 24/08/2020, através do oficio nº1760, datado de 19/04/2020.



Logo que recebido o referido despacho, solicitou a Requerente junto dos bancos com quem mantém relações comerciais, a emissão de garantia bancária com o intuito de garantir a dívida e acréscimos legais (doc. 1 e 2).



Porém, a Requerente corre o risco de não lhe ser emitida tal garantia, em consequência das penhoras efetuadas às suas contas bancárias pela Autoridade Tributária, em período em que ainda decorria a análise do pedido referido em 1, sendo por esse facto, as mesmas, ilegais, conforme jurisprudência dos tribunais superiores.



Apesar de solicitado o levantamento das referidas penhoras (doc. 3), tal não aconteceu até à presente data, estando assim posta em causa a concessão da garantia solicitada, o que obriga à apresentação do presente pedido de dispensa de garantia.

DOS FACTOS:


10°


O valor a garantir no presente processo de execução fiscal é atualmente de € 165.803,10 (doc. n° 4).

11°


A Requerente é proprietário de 9 prédios urbanos, cujos respetivos valores patrimoniais totalizam o valor total de € 126.214,71 (cento e vinte e seis mil duzentos e catorze euros e setenta e um cêntimos) – doc. n.º 5.

12º


Porém, sobre os mesmos recai hipoteca de valor superior ao valor em dívida, o que impede que os referidos imóveis sejam idóneos para garantir a dívida em causa.

13°


No que respeita aos imóveis, atento o seu valor patrimonial, resulta evidente que são insuficientes para garantir a dívida, mesmo que sobre os mesmos não recaísse qualquer hipoteca.

14°


Porém, sobre o prédio inscrito na matriz sob o artigo 513, da União das freguesias de Azambujeira e Malaqueijo, concelho de Rio Maior, está a garantir o pagamento prestacional à Segurança Social, de uma dívida de valor superior a € 20.000,00 (doc. 6).

15°


Estando os restantes a servir de garantia a uma dívida contraída junto do banco B... (doc. 7).

16°


Como se referiu anteriormente, os restantes bens que a Requerente possui, constantes do seu inventário, já foram considerados inidóneos após serem oferecidos em garantia, de harmonia com o despacho da Exma. Sra. Diretora de Finanças de Setúbal, datado de 14/08/2020, supracitado.

17º


Resulta assim clara a inidoneidade dos bens de que a Requerente é titular, para efeito de prestação de garantia.

18°


A Requerente não possui outros bens móveis ou imóveis que possa oferecer em garantia quer à Autoridade Tributária, conforme aliás resulta das bases de dados desta.

19°


Quer a entidades bancárias, constituindo facto notório que não haverá banco algum que conceda um financiamento a uma sociedade com dívidas fiscais em valor superior a € 130.000,00, mormente quando foram efetuadas penhoras, apesar de ilegais, sobre as suas contas bancárias. E,

20°


Por outro lado, não foi por sua culpa que as dívidas surgiram, nem por sua culpa que revela manifesta falta de meios económicos para garantir a dívida em causa e acrescido, o que já ficou demonstrado na reclamação apresentada.

(…)


26º


Estando assim reunidos os pressupostos para a dispensa de garantia prevista no art.° 54°, n.° 4, da LGT, face à manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens.

(…)” (cfr. documento de fls. 336 a 344 dos autos);

F) Em 30.09.2020, sobre o requerimento mencionado na alínea anterior, foi emitida informação pela Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal, com o seguinte teor:

“(…)

C - DO PEDIDO DE DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA COM VISTA À SUSPENSÃO DO PROCESSO

A suspensão da execução fiscal exige a prestação de garantia ou a realização de penhora que garanta a totalidade da dívida exequenda e do acrescido, nos termos das disposições legais previstas no artigo 52.° n.° 1 e 2 da LGT e nos artigos 169.° e 199.º n.º 1, 2 e 6, ambos do CPPT, ou em alternativa, e nos termos conjugados dos n.°s 1 e 4 do artigo 52.° da LGT, do artigo 170.° e do nº 3 do artigo 199.°, ambos do CPPT, a administração tributária pode dispensar o executado da apresentação de garantia se:

(…)

Compete ao executado no requerimento em que solicita a dispensa de garantia, provar que a prestação da mesma lhe causa prejuízo irreparável ou existe manifesta falta de meios económicos revelados pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido (Cfr. artigo 342.° do C.C, n.° 1 do artigo 74.° da LGT e n.° 3 do artigo 170.° do CPPT).

(…)

C.1 - Garantia Bancária e Seguro Caução

Juntamente com o requerimento a executada apresenta como prova documental da impossibilidade de obtenção de garantia bancária a correspondência trocada quer com a instituição bancária M..., quer com a instituição bancária M..., que comprovam que se encontra em análise a emissão de garantia bancária por essas entidades bancárias.

No entanto os documentos enviados apenas comprovam o pedido de emissão da garantia e não a sua impossibilidade, uma vez que em nenhum dos casos se encontra expressa a referida impossibilidade de emissão da garantia por parte dessas instituições bancárias.

Quanto à obtenção de seguro caução nada é referido, nem apresentado.

C.2 - Bens Imóveis

Relativamente aos imóveis e por consulta ao sistema informático disponível para a AT, nomeadamente o Imposto Municipal sobre Imóveis, verifica-se existirem 10 imóveis urbanos registados em nome da executada, como a seguir se descriminam (quadro 2):


«Imagem no original»


Relativamente a estes e com excepção do artigo urbano do Concelho de Rio Maior, a executada não apresenta qualquer certidão do registo predial comprovativa da manutenção do registo de hipoteca a favor da entidade bancária B....

Mais há a referir que relativamente a ambas as situações, crédito bancário do banco B... e plano prestacional da Segurança Social, também a executada não apresenta qualquer comprovativo do valor em divida, como seja declaração com indicação do valor em divida emitido pelas respetivas entidades.

C.3 - Inventário vs. Ativos Fixos Tangíveis

Quanto a este ponto há que fazer distinguir primeiro os termos “inventários” e “ativos fixos tangíveis”.

Assim, em termos contabilísticos, inventários são ativos detidos pela entidade para venda no decurso da sua atividade, no processo de produção para tal venda, ou na forma de materiais ou bens de consumo a serem consumidos no processo de produção ou na prestação de serviços.

Ao passo que os ativos fixos tangíveis são itens tangíveis que sejam detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a outros, ou para fins administrativos e que se espera que sejam usados durante mais do que um período, e aqui período entenda-se como o tempo que dura o ciclo operacional da entidade (normalmente um ano).

Este esclarecimento prévio destina-se a enquadrar os argumentos aduzidos pela executada quando refere que possui inventários, mas que os mesmos foram considerados inidóneos após serem oferecidos em garantia, de harmonia com o despacho da Exma. Srª Diretora de Finanças de Setúbal, datado de 14-08-2020.

Ora tal não se mostra correto na medida em que os bens indicados como garantia em 30-03-2020 e complementarmente em 06-05-2020 não foram considerados como se de inventários se tratassem, mas sim como bens pertencentes ao ativo fixo tangível da sociedade, constando aliás dos relatórios de avaliação dos 22 equipamentos remetidos pela executada e elaborados por perito certificado para o efeito sempre a referência a ativos fixos tangíveis e nunca a inventários.

Posto isto, e ainda com base nos elementos disponíveis através da leitura da IES de 2019 submetida pela sociedade em 27-08-2020 (declaração n.° 2186-10157-25) verifica-se que a executada apresenta ao nível da rubrica “Inventários” registo do montante de € 455.130,00.

Sobre estes, poderá ser admitida a constituição de hipoteca ou penhor, consoante sejam ou não sujeitos a registo, sendo que, caso a executada pretenda indicá-los como garantia, deverão ser sempre efetuadas as diligências de verificação e análise julgadas necessárias (…).

C.4 - Disponibilidade Banco de Portugal - “Caixa e depósitos Bancários”

Com o requerimento a executada não apresentava prova documental da insuficiência/inexistência de bens, como seria com a apresentação de comprovativos de disponibilidades ou encargos financeiros emitidos pelo Banco de Portugal e a apresentação de comprovativo do saldo de contas em instituições bancárias.

Também aqui, e com base nos elementos disponíveis através da leitura da IES de 2019 submetida pela sociedade em 27-08-2020 (declaração n.° 2186-10157-25) verifica-se que a executada apresenta ao nível da rubrica "Caixa e Depósitos Bancários” registo do montante de €60.162,57.

C.5 - Das restantes rubricas contabilísticas constantes do balanço junto à IES 2019

Como já se referiu atrás a executada não apresenta qualquer elemento contabilístico, no entanto e por consulta ao sistema informático verifica-se que foi submetida a Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal (IES) do ano de 2019 pela qual se verifica que existem valores registados na conta de “Clientes C/Corrente” no montante de € 249.161.98, sob a qual, mediante análise, poderá ser admitida a constituição de contrato de penhor.

Verifica-se também, o registo do valor de € 76.646,02 na conta de “Outras contas a receber”, sobre a qual, mediante análise, poderá também ser admitida a constituição de contrato de penhor.

C.6 - Do estabelecimento comercial enquanto unidade jurídica

Estando ainda perante um estabelecimento comercial enquanto unidade jurídica, o mesmo também é passível de penhora, nos termos do artigo 782.° do CPC, sem que a mesma ponha em causa o seu normal funcionamento ou até a sua viabilidade e continuidade, devendo sempre proceder-se à sua avaliação a fim de se aferir da sua idoneidade e suficiência.

Assim sendo, não podemos considerar que estejam preenchidos os pressupostos para ser autorizada a dispensa de garantia, nos termos do n.° 4 do artigo 52.° da LGT.

III - CONCLUSÃO

Quanto ao pedido de apreciação da dispensa de prestação de garantia com vista à suspensão do processo de execução fiscal n.° 21862020..., nos termos do n.° 4 do artigo 52.° da LGT, face ao exposto e, salvo melhor opinião, propõe-se o indeferimento do pedido de dispensa de garantia, por não se provarem os pressupostos para a sua autorização. (…)” (cfr. documento de fls. 351 a 358 dos autos);

G) Em 30.09.2020, sobre a informação mencionada na alínea anterior, a Directora de Finanças de Setúbal proferiu despacho de indeferimento do requerimento de dispensa de prestação da garantia referido na alínea E) supra, com o seguinte teor:

“Concordo.

Com os fundamentos aduzidos na informação prestada indefiro o pedido de dispensa de garantia.

(…)” (cfr. documento junto a fls. 350 dos autos);

H) O Reclamante é titular do direito de propriedade sobre os seguintes imóveis:


«Imagem no original»


(cfr. certidões permanentes a fls. 176 a 193 e cadernetas prediais a fls. 314 a 335, todas dos autos);

I) Os prédios urbanos identificados na alínea anterior encontram-se onerados com hipotecas voluntárias (cfr. certidões permanentes a fls. 176 a 193 dos autos);

J) Encontra-se registado na conta “Clientes C/Corrente”, da contabilidade da Reclamante relativa ao ano de 2019, o montante de 249.161,00 EUR (matéria não controvertida: facto afirmado na informação emitida pela Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal, a fls. 351 a 358 dos autos, e implicitamente admitido pela Reclamante na petição inicial – artigos 61º a 66º);

K) Encontra-se registado na conta “Outras contas a receber”, da contabilidade da Reclamante relativa ao ano de 2019, o montante de 76.646,02 EUR (matéria não controvertida: facto afirmado na informação emitida pela Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal, a fls. 351 a 358 dos autos, e implicitamente admitido pela Reclamante na petição inicial – artigos 67º e 68º);

L) A Reclamante apresentou uma proposta de garantia bancária a conceder pelo E..., a qual mereceu, por parte desta instituição, a 25.09.2020, a seguinte resposta:

“(…)

ASSUNTO: Proposta de Garantia Bancária

Vimos informar V. Exas que o pedido de Garantia Bancária por parte da vossa prezada Instituição, o qual mereceu a nossa melhor atenção, no entanto, não consideramos oportuno o presente apoio creditício nos moldes apresentados. (…)” (cfr. documento de fls. 194 dos autos);

M) A Reclamante efectuou um pedido de garantia bancária junto do B..., que mereceu, a 28.09.2020, a seguinte resposta

“(…)

ASSUNTO: Resposta ao pedido de financiamento GARANTIA BANCÁRIA – 166.000,00€ - BENEFICIÁRIA – AT

Na sequência do pedido de financiamento efetuado junto do B..., informamos que, nas condições atualmente propostas, não nos é possível dar seguimento ao mesmo, ficando este pedido sem efeito. (…)(cfr. documento de fls. 195 dos autos).


*


FACTOS NÃO PROVADOS:

Dão-se como não provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:

1. O banco M... recusou à Reclamante o pedido de garantia bancária para suspender o processo de execução fiscal n.º 21862020...;

2. O montante de 249.161,00 EUR registado na conta “Clientes C/Corrente”, da contabilidade da Reclamante relativa ao ano de 2019, respeita a valores incobráveis;

3. O montante de 76.646,02 EUR registado na conta “Outras contas a receber”, da contabilidade da Reclamante relativa ao ano de 2019, encontra-se reduzido a 37.000,00 EUR.

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos e do processo de execução apenso, não impugnados, tudo conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.

Os factos não provados foram assim considerados por não existir qualquer documento, ou outro elemento de prova, junto aos autos, que comprovem os mesmos.»


*

- De Direito

Está em causa a sentença do TAF de Almada que julgou improcedente a reclamação apresentada, ao abrigo do artigo 276º do CPPT, contra a decisão de indeferimento do pedido de dispensa de garantia, formulado no âmbito do processo de execução fiscal nº21862020..., o qual corre termo no Serviço de Finanças da Moita.

No essencial, considerou o Mmo. Juiz a quo que a Reclamante, ora Recorrente, “que não ficou provada “a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido”. Não ficando, assim, demonstrado nos autos estarem reunidos os pressupostos da dispensa de prestação de garantia previstos no artigo 52.º, n.º 4, da LGT”.

Inconformada, a V... insurge-se contra o decidido, começando por atacar o julgamento da matéria de facto. Fá-lo nas conclusões correspondentes às alíneas a) a k), considerando que os seguintes factos alegados em sede de reclamação deveriam ter sido considerados provados:

“19º

Enquanto ainda não tinha existido decisão sobre o primeiro pedido de suspensão do processo executivo, as contas bancárias da ora reclamante foram alvo de penhora por parte da Administração Tributária (AT), á ordem do processo de execução fiscal à margem referenciado,

20°

O que não só não abonou como prejudicou, a situação da reclamante perante tais entidades bancárias.

21°

Maís, sendo evidente, que a reclamante não tem meios de apresentar garantia bancária ou seguro caução.

22°

Constituindo facto notório, que entidade bancária ou seguradora alguma, concede um financiamento ou seguro caução a sociedade com dívidas fiscais em valor superior a € 130.000,00, mormente, porquanto para o efeito, exigem certidão de não dívida à AT.

23°

Tanto mais, tendo a sociedade comercial ora reclamante as contas bancárias penhoradas, ainda que ilegalmente, E,

24°

Exigem a apresentação de garantia idónea, a qual a reclamante, conforme acima exposto, não tem meios para prestar junto de tais entidades, como não tem meios para a prestar junto da AT”.

Vejamos, então, em detalhe.

O transcrito em 20º, 21º e 24º são asserções que constituem meras conclusões, juízos conclusivos. O mesmo se diga quanto à afirmação contida 23º e à conclusão (jurídica) aí asseverada quanto à suposta ilegalidade das alegadas penhoras que, de resto, nem são objecto destes autos de reclamação.

Diga-se, por outro lado, quanto ao facto contido em 22º supra que, contrariamente ao que pressupõe o Recorrente, tal não corresponde a qualquer facto notório, na acepção de que são notórios apenas aqueles factos que sejam do conhecimento geral, ou seja, os que sejam do conhecimento da massa dos cidadãos portugueses regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação (cfr. Alberto dos Reis, CPC Anotado, III, p. 261). Aliás, recentemente o TCA Sul, a este propósito, teve oportunidade de se pronunciar dizendo, além do mais, no respectivo sumário, o seguinte: “(…) II.O facto inscrito no ponto 1 da materialidade não provada não pode ser havido como notório, visto que a concessão de garantias bancárias, dadas pelas instituições bancárias/financeiras, depende da avaliação do risco da operação que é mensurado através da análise de diversos factores, designadamente, o sistema 6 C’s: caracter do cliente, capacidade, capital, condições do meio ambiente, colateral e controlo, não sendo, por conseguinte, percebido pela generalidade da população. III. Mas ainda que se entenda – e bem - que o beneficiário da garantia deve ter a sua situação fiscal regularizada junto da Administração Tributária, por ser esse um dos indicadores para sua concessão, nos casos em que tal não ocorre, como é caso dos autos, nada obsta a garantia bancária ainda assim seja concedida. IV. E, isto porque, a concessão da garantia bancária depende, para o garante /instituição bancária da avaliação do potencial de retorno do crédito, e nesta análise sopesa as garantias que o cliente /beneficiário da garantia pode oferecer, como forma de atenuar o risco da operação” – processo nº 689/20.4BEALM, de 09/06/21.

Quanto ao facto 19º deve reconhecer-se razão à Reclamante e, face aos elementos juntos aos autos, em particular à certidão do PEF, pode afirmar-se que:

N) No âmbito do processo de execução fiscal nº 21862020..., através das ordens de penhora nºs 218620200000009192 e 218620200000009508, de Agosto de 2010, enviadas para a C... SA e C…, foram comunicadas as penhoras das contas bancárias da ora Recorrente (16, 30 a 34 da certidão do PEF).

Ao abrigo do artigo 662º do CPC, adita-se ao probatório a seguinte factualidade:

O) Em 12/10/20, a Directora de Finanças de Setúbal proferiu despacho determinando o cancelamento das penhoras das contas bancárias nºs 21862020000… e 218620200000… (cfr. fls. 45 a 48 dos autos);

P) Tal cancelamento foi comunicado à Recorrente através de ofício de 20 de Dezembro de 2020 e às respectivas instituições bancárias em 16 de Dezembro (cfr. fls. 40 a 44 dos autos).


*

Estabilizado julgamento de facto, e lembrando que a matéria de facto não provada não foi questionada, avancemos para o julgamento de direito.

A suspensão da execução fiscal depende da prestação de garantia idónea nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º da LGT. Pode, porém, a AT, mediante requerimento do executado, dispensá-lo da prestação de garantia, nos termos previstos no n.º 4 do mesmo preceito legal, de acordo com o qual:

“4 - A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado."

Da letra do n.º 4 do artigo 52º da LGT resulta que o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia está sujeito à verificação de três requisitos, sendo dois deles de verificação alternativa e um terceiro de verificação cumulativa, a saber: alternativamente, importa provar que (i) a prestação de garantia causa prejuízo irreparável ou (ii) a manifesta falta de meios económicos a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; cumulativamente, cumpre demonstrar (iii) a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.

“Em termos de ónus probatório, cumpre relevar que quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o Requerente, in casu a Recorrida, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa.

Por seu turno, compete à Administração Tributária a demonstração da existência de fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a atuação dolosa dos Reclamantes. A ratio legis coaduna-se com a circunstância de não se justificar a isenção de prestação de garantia quando o executado tenha previamente sonegado ou dissipado os bens com o intuito de diminuir as garantias dos credores ou que tenha colocado dolosamente a sociedade em situação de manifesta insuficiência económica para a prestação da garantia.

Note-se que com a nova redação do n.º 4, do art.º 52.º, da LGT o legislador tributário procedeu à inversão do ónus da prova no que concerne ao preenchimento do terceiro pressuposto (cumulativo) passando a constar uma atuação dolosa invés da prova do afastamento de uma atuação culposa por parte do executado” – cfr. acórdão deste TCA, de 16/09/19, proc. nº 513/19.0BESNT.

Vejamos, então, atenta a matéria de facto, se a sentença recorrida é digna da censura que a Fazenda Pública lhe dirige.

Comecemos por deixar claro que, lido atentamente o requerimento a que alude a alínea E) dos factos provados, dúvidas não restam de que o pedido de dispensa de prestação de garantia assentou, quanto aos apontados pressupostos alternativos, unicamente na invocação da manifesta falta de meios económicos para prestar a garantia, jamais tendo sido aflorado o requisito atinente à existência de prejuízo irreparável para a executada.

Significa isto, face à exposição anteriormente adiantada, que, recaindo sobre o executado/requerente o ónus de alegação e prova do requisito respeitante à manifesta falta de meios económicos, se tal pressuposto não resultar provado, a pretensão da requerente fica inelutavelmente condenada ao insucesso, tornando-se irrelevante apreciar e decidir se a AT, enquanto exequente, demonstrou o terceiro pressuposto (cumulativo), ou seja, se demonstrou a existência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.

Deixemos claro, desde já, até pela análise exaustiva e merecedora do nosso inteiro acordo, aquele que foi, no essencial, o discurso fundamentador alinhado na sentença recorrida e com o qual a Recorrente não se conforma.

Escreveu o Mmo. Juiz a quo, além do mais, o seguinte:

“(…)

Considerando o teor da fundamentação da decisão reclamada e da alegação do Reclamante1, a questão a decidir aqui traduz-se em saber se o Reclamante provou (ou não), como lhe competia, a alegada manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida em execução.

Conforme supra exposto, cabe à Reclamante provar a alegada falta de bens que lhe permita prestar a garantia.

No caso em apreço, coligidos os factos que resultam provados nos presentes autos, constata-se que, em momento anterior ao pedido de dispensa de prestação de garantia, a Reclamante requereu junto do órgão de execução fiscal a suspensão do processo de execução fiscal em referência, tendo, para esse efeito, oferecido para o garantir 22 bens móveis. Porém, a Directora de Finanças de Setúbal indeferiu o requerido com fundamento na inidoneidade das garantias prestadas [cfr. alíneas B), C) e D) do probatório].

Resulta ainda dos autos que a Reclamante possui bens imóveis, no entanto, os mesmos encontram-se onerados com hipotecas voluntárias, conforme decorre da factualidade assente em H) e I) do probatório, pelo que estes bens revelam-se insuficientes, por si só, para garantir o processo de execução fiscal, nos moldes em que obriga o n.º 2, do artigo 52.º, da LGT e n.º 1, do artigo 169.º, do CPPT.

Contudo, conforme se refere na informação transcrita na alínea F) do probatório, a Administração Tributária constatou que “(…) com base nos elementos disponíveis através da leitura da IES de 2019 submetida pela sociedade em 27-08-2020 (declaração n.° 2186-10157-25) verifica-se que a executada apresenta ao nível da rubrica “Inventários” registo do montante de € 455.130,00.”

Apurou ainda que, “(…) com base nos elementos disponíveis através da leitura da IES de 2019 submetida pela sociedade em 27-08-2020 (declaração n.° 2186-10157-25) verifica-se que a executada apresenta ao nível da rubrica "Caixa e Depósitos Bancários” registo do montante de €60.162,57”.

Constatou também a Administração Tributária, por consulta à “Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal (IES) do ano de 2019, que existem valores registados na conta de “Clientes C/Corrente” no montante de € 249.161.98, sob a qual, mediante análise, poderá ser admitida a constituição de contrato de penhor”. Tendo igualmente verificado “o registo do valor de € 76.646,02 na conta de “Outras contas a receber”, sobre a qual, mediante análise, poderá também ser admitida a constituição de contrato de penhor” [registos contabilísticos dados como provados nas alíneas J) e K) da factualidade assente].

Para refutar os argumentos apresentados na decisão reclamada, a Reclamante alega, nesta sede, que, no que concerne à conta “Clientes C/ Corrente”, que a Administração Tributária não efectuou a análise para a constituição de contrato de penhor, afirmando, quanto a esta conta, que o valor correspondente a 102.420,00 EUR reporta-se a dívida de um casal, ambos já falecidos, e que a quantia de 96.857,00 EUR respeita à de dívidas dos condomínios, que a Administração Tributária não aceita, sendo o restante valor referente “(…) a meia dúzia de clientes, resultando da actividade normal da empresa, em parte substancial, de cobrança duvidosa.” (cfr. artigos 61º a 66º da petição inicial).

Quanto ao valor inscrito em “outras contas a receber” entende que a Administração Tributária deveria ter feito a análise para a eventual constituição de penhor, mas que este valor encontra-se reduzido a cerca de 37.000,00 EUR.

Todavia, o que resulta dos autos é que a Reclamante não junta qualquer tipo de prova para sustentar estas alegações, pelo que não é possível aferir se os montantes inseridos na Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal, por si submetida a 27.08.2020, foram alocados do modo como refere, razão pela qual se deu como não provado (cfr. factos não provados n.ºs 2 e 3), que o montante de 249.161,00 EUR registado na conta “Clientes C/Corrente”, da contabilidade da Reclamante relativa ao ano de 2019, respeita a valores incobráveis, e que o montante de 76.646,02 EUR registado na conta “Outras contas a receber”, da contabilidade da Reclamante relativa ao mesmo ano, encontra-se reduzido a 37.000,00 EUR.

Por outro lado, tendo a Reclamante diligenciado junto de entidades bancárias a constituição de garantia bancária de modo a suspender o processo de execução fiscal, resultando do ponto C.1 da informação que fundamentou a decisão de indeferimento do pedido de dispensa da prestação de garantia, transcrita na alínea F) do probatório, que a Reclamante havia junto ao seu requerimento a troca de correspondência com o M... e o M..., constata-se, contudo, que nos presentes autos apenas se encontra provado que o banco E... e o B... recusaram o pedido de garantia aludido, não resultando dos autos a eventual resposta do M... [cfr. alíneas L) e M) do probatório e facto não provado n.º 1].

Acresce que, analisadas as referidas respostas do banco E... e o B..., o que das mesmas resulta é que as garantias foram recusadas nos termos propostos pela ora Reclamante, e não que a recusa é absoluta, que não poderia ser autorizada com condições algo diferentes.

Com efeito, a Reclamante não juntou nesta sede de reclamação, nem aquando do pedido de isenção efectuado perante o Órgão de Execução Fiscal, a prova suficiente demonstrativa do alegado.

Ademais, tendo a Administração Tributária alegado, como fundamento da decisão reclamada, que a Reclamante possui um estabelecimento comercial, que é um bem susceptível de penhora, constituindo, assim, possibilidade de garantia da divida (se não total, pelo menos parcial), não causando essa garantia prejuízo irreparável, a Reclamante nada diz a este propósito, não colocando em causa tal fundamento da decisão − referindo-se somente ao prejuízo decorrente de eventual penhora e venda dos bens que constituem o estabelecimento, mas não a prejuízo decorrente da utilização desse estabelecimento como garantia.

Em conclusão, na própria decisão reclamada são enumerados um conjunto de bens, cuja existência a Reclamante não contesta, que podem servir de garantia da dívida em cobrança

Deste modo, não obstante a Reclamante pretender escudar-se numa alegada inércia da Administração Tributária, uma vez que entende que a administração tributária, perante os registos contabilísticos na rubrica “inventários”, de 455.130,00 EUR, e nas contas “Caixa e Depósitos Bancários” e “Clientes C/ Corrente”, de 60.162,57 EUR e 249.161,98 EUR, respectivamente, deveria ter avançado com a análise para a constituição dos penhores, facto é que não compete à Administração Tributária, no âmbito de um pedido de dispensa de garantia, diligenciar, oficiosamente, a idoneidade dos meios económicos detidos pela Reclamante, os quais nunca foram oferecidos como garantia para a suspensão do processo de execução fiscal em curso.

A este propósito, e numa situação similar à dos presentes autos, veja-se o entendimento sufragado no recente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04.11.2020, proferido no processo n.º 0289/20.9BEALM (disponível para consulta em www.dgsi.pt):

“[A] AT considerou que não ocorre a situação de manifesta falta de meios económicos porque a Executada pode oferecer como garantia o seu estabelecimento comercial e uma viatura automóvel, sendo que nem deu conhecimento da existência desta, ou a mercadoria que tem em stock.

É certo que nessa decisão, a AT considerou também que não tinha elementos bastantes sobre o real valor do estabelecimento e da viatura automóvel ou de eventuais ónus que incidam sobre os mesmos. Mas, não foi a falta desses elementos que determinou o indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia; foi, tão-só, a falta de prova da insuficiência de bens reveladora da invocada manifesta falta de meios económicos, tanto mais que ficou demonstrado que a Executada tinha em stock mercadoria de valor contabilizado em mais de € 100.000,00, tinha um veículo automóvel e tinha o seu estabelecimento comercial; assim, a AT considerou não estar provada a manifesta falta de meios económicos para prestar garantia, em face do valor da dívida exequenda – € 45.589,55 – a que haverá que adicionar o acrescido. (…)

Salvo o devido respeito, impor à AT que, em sede do procedimento de dispensa de prestação de garantia, diligencie oficiosamente no sentido de apurar o real valor de bens que a Executada não se propôs oferecer em garantia e, alguns, de cuja existência nem sequer lhe deu conta, é fazer tábua rasa da obrigação de alegação e prova que o legislador pôs a cargo do executado que, em ordem à suspensão da execução fiscal, pretenda ser dispensado da prestação de garantia mediante a invocação de falta de condições económicas para a prestar.”.

Sendo que, não obstante as diligências realizadas oficiosamente, perante a ausência de junção de prova e, até, de alegação por parte de quem tem esse ónus (a Reclamante), é forçoso considerar que Administração Tributária não está em condições de se substituir à parte para demonstrar se ela está impossibilitada de suportar uma garantia, seja ela, por exemplo, uma garantia bancária um seguro-caução, ou outra (cfr. acórdão do TCA Sul de 25.06.2020, processo n.º 633/19.1BEALM).

Não procede, assim, a alegação da Reclamante de que o despacho reclamado incorreu em erro nos pressupostos, em virtude de a Administração Tributária não ter solicitado o esclarecimento de dúvidas e de elementos de prova adicionais ao abrigo do princípio do inquisitório, para efeitos da verificação dos pressupostos consagrados no artigo 52.º, n.º 4, da LGT.

Na verdade, a Administração Tributária, perante os elementos coligidos, entendeu que estava em posição de decidir como decidiu, face ao valor dos bens da Reclamante.

Como tem sido afirmado na jurisprudência dos tribunais superiores, de que é exemplo o acórdão do STA de 04.11.2020, proferido no processo n.º 0289/20.9BEALM:

“I - Invocando o executado a manifesta falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis susceptíveis de garantir a dívida exequenda e o acrescido, em ordem a obter a dispensa de prestação de garantia (cf. art. 52.º, n.º 4, da LGT), incumbe-lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos susceptíveis de integrarem essa insuficiência, o que deve fazer com o requerimento de pedido, instruindo-o com a documentação pertinente (cf. art. 342.º do CC, art. 77.º, n.º 1, da LGT e art. 170.º, n.º 1, do CPPT).

II - Não pode considerar-se que o executado se desincumbiu desse ónus se, para além de não provar a invocada manifesta falta de meios económicos, a AT logrou demonstrar a existência de bens susceptíveis de serem dados em garantia.

III - Nessa circunstância, o indeferimento do pedido de dispensa de garantia não fica dependente de quaisquer diligências a efectuar oficiosamente pela AT ou de quaisquer esclarecimentos a solicitar ao executado, em ordem a estabelecer o valor desses bens.”.

Foi, pois, perante este entendimento, e considerando a demonstração de um conjunto de bens e rendimentos na titularidade da Reclamante, bem como a falta de prova da impossibilidade de apresentação de garantia bancaria ou instrumento equivalente, que a Administração Tributária conclui, e bem, que não se encontravam preenchidos os pressupostos para que fosse autorizada a dispensa de prestação de garantia, nos termos do artigo 52.º, n.º 4, da LGT.

Atente-se que, numa fase inicial, a Reclamante até solicitou a prestação de garantia tendo em vista a suspensão da execução. O que ocorreu é que os bens oferecidos em garantia não eram idóneos, não tendo indicado os demais bens de que era titular.

Sendo que, tendo a Administração Tributária evidenciado a existência de outros bens susceptíveis de constituírem a garantia devida, a Reclamante não logrou demonstrar que os mesmos não poderiam servir de garantia.

Salientando-se, mais uma vez, que, recaindo sobre o executado o ónus da prova dos requisitos previstos no artigo 52.º, n.º 4, da LGT para a dispensa da prestação de garantia, deve, para o efeito, alegar e provar factos concretos.

Face a todo o exposto, terá que se concluir que não ficou provada “a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido”. Não ficando, assim, demonstrado nos autos estarem reunidos os pressupostos da dispensa de prestação de garantia previstos no artigo 52.º, n.º 4, da LGT.

(…)”

Ora, vistas as conclusões atinentes à discordância com a aplicação do direito aos factos, temos que a Recorrente, no essencial, discorda com a abordagem feita por considerar que, quer a AT, quer o Tribunal tinham a obrigação de levar mais além os poderes investigatórios e inquisitórios, de molde a obter a verdade material correspondente à alegada situação de insuficiência dos bens que, oportunamente, não terá sido trazida aos autos. A isso obrigavam, segundo a Recorrente, desde logo, os princípios/deveres de colaboração e cooperação entre a Administração e contribuintes.

Salvo o devido respeito, a Recorrente não tem razão naquilo que alega e na crítica que aponta à sentença, sendo para nós de confirmar, apreciada toda a matéria de facto, que a Recorrente não logrou demonstrar a manifesta falta de meios económicos para prestar a garantia em causa, nos termos expostos na sentença e aqui reproduzidos.

Com efeito, não demonstrou a impossibilidade de prestar garantia bancária, através do M..., ou seguro caução. Quanto às restantes instituições bancárias, fica-se sem perceber os termos em que as garantias foram propostas (veja-se o respectivo texto da autoria das entidades bancárias) e os termos em que, por isso, foram desatendidas; não se demonstra que os 249.161,00 Euros registados em conta de clientes c/ corrente respeitam a valores incobráveis; há 76.646,02 Euros registados em outras contas a receber, sem que se demostre que o mesmo foi reduzido para 37.000,00 Euros; verifica-se que a executada apresenta 455.130,00 E uros ao nível da rubrica Inventários; para além daquilo que fica dito, a AT indica, sem que tal seja contrariado, a possibilidade de penhora do estabelecimento comercial, penhora essa que, mesmo que não na totalidade, ao menos em parte, pode garantir a dívida exequenda.

São estes aspectos factuais, circunstanciados, que invocados pela executada, por ela teriam que ser demonstrados e não foram. Por outro lado, a existência de bens apontada pela AT, na extensão apontada, não vem posta em causa.

E nem se diga, como entende a Recorrente que cabia à AT e/ou ao Tribunal substituírem-se à requerente e providenciar pelos inúmeros elementos em falta, como se os mesmos fossem dados na esfera de disponibilidade da Administração Tributária, com vista à análise da concreta situação da Executada/Reclamante e ora Recorrente.

A este propósito, diremos que os poderes da AT e do Juiz não servem para colmatar a inércia ou a absoluta falta de diligência das partes, como aqui patentemente aconteceu, sob pena de se esvaziar, por completo, a obrigação das partes no cumprimento daquilo que a lei lhes impõe, no que, aliás, seria uma actuação de carácter absolutamente paternalista que entendemos não ser de acolher no contencioso tributário.

De resto, nem sequer foram indicados os elementos/documentos em poder da AT, nem, patentemente, a AT está em condições de se substituir à parte para demonstrar se ela está impossibilitada de suportar uma garantia suficiente.

Portanto, deve concluir-se que a conclusão retirada pelo Tribunal de 1ª instância não merece censura e, nessa medida, o decidido quanto à não verificação dos pressupostos para a dispensa da garantia.

Nesta conformidade, e sem necessidade de maiores considerações, conclui-se pela improcedência das conclusões da alegação de recurso que por fim vimos analisando, devendo negar-se provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.


*




III - Decisão




Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.


Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa,08/07/21

[A Relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Hélia Gameiro e Ana Cristina Carvalho]


Catarina Almeida e Sousa