Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04311/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/24/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRC.
CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO.
PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO.
COMPENSAÇÃO.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. O vício de contradição entre os fundamentos da decisão e a conclusão nela alcançada, conducente à declaração da sua nulidade, como vício formal que é, reconduz-se a uma falta de consequência lógica-formal entre as suas premissas e a conclusão alcançada, num encadeado lógico e consequente, em que os fundamentos mais não são do que o esteio, o suporte, lógico e coerente, que a tal conduz, sendo aferida por ela própria, que não por outros fundamentos que dela não constam;
2. O RCPIT prevê vários tipos de inspecção, sendo que o relativo a consulta, recolha e cruzamento de elementos, entre outros, não se encontra sujeito a ordem de serviço para esse efeito;
3. A ultrapassagem do prazo de duração do procedimento de inspecção não culmina de anulação a posterior liquidação, mas tão só o de não contar como período de suspensão no decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação;
4. Tendo o contribuinte na sua escrita, cometido uma irregularidade ao inscrever um custo por valor acima do real, o mesmo, na parte injustificada, não constitui um custo fiscal do exercício e se tiver feito reflectir tais valores nos montantes das existências, para poder operar a devida compensação ou balanceamento, deve apresentar uma declaração de substituição, ou não sendo esta já possível, uma reclamação graciosa.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A...– Vinhos de Portugal, SA, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


A) Os documentos juntos autos actos anexos ao requerimento da Administração Fiscal datado de 13 de Outubro de 2009, e os excertos do depoimento da testemunha Inspector Nuno Silva, impugna fixação distinta da que foi efectuada pelo Tribunal a quo, nos pontos da matéria de facto 1 a 4.
B) Pois fica assente que existiu um único despacho tributário que ordenou a inspecção à Impugnada e que o conhecimento de tal despacho a esta se deu a 12 de Outubro de 2007, pela mão da Dra. Carla Macedo, que marca o conhecimento do início da inspecção para a Impugnada, a qual vem a terminar a 2 de Junho de 2008, já com o Inspector Nuno Silva.
C) Ficando ultrapassados dos seis meses de inspecção que a lei, através do regulamento de inspecções tributárias, determina, fazendo assim, não apenas caducar o acto de inspecção, mas igualmente ferir de ilegalidade o acto de corecção à matéria tributável imputado pela Administração Fiscal à Impugnante (sujeito passivo).
D) A Administração fiscal, furtou-se a admitir a utilidade da diligência requerida pela Impugnante em sede de audiência prévia, de inquirição da Dra. Carla Macedo, pessoa que deu conhecimento ao sujeito passivo da existência do despacho que ordenada a inspecção à Impugnante, ora Recorrente, o que permitiria determinar com exactidão e total verdade qual o efectivo momento de início da inspecção tributária sobre a Impugnante, bem como sobre que objecto a inspeccionar recaiu.
E) Ao actuar desse forma, preterindo a possibilidade de realização de uma diligência validade requerida, e fazendo-se sem qualquer fundamentação a Administração Tributária ofendeu o princípio da participação dos administrados no procedimento tributário, princípio constitucionalmente consagrado, inquinando o procedimento tributário por preterição de formalidade essencial
F) Existe erro na apreciação da prova, ao ver-se que o Tribunal não produz qualquer análise crítica sobre o depoimento das testemunhas apresentadas pela Impugnante, limitando-se a apresentar o resultado objectivo do seu depoimento, sem que tomasse posição sobre a credibilidade e convicção que infligiram no Tribunal, não se percebendo como foi tal depoimento valorizado, dado que se o tivesse sido, teria levado a uma decisão em sentido contrário e senão foi valorizado porque razão o não foi, tal lapso na sentença proferida determina a sua nulidade por contradição entre a motivação e a decisão proferida.
G) Relativamente à correcção à matéria colectável, uma vez mais toda a prova produzida pela Impugnada, documental e testemunhal, bem como a própria testemunha da Administração Fiscal, permitiu perceber que existiu duplo lapso na contabilização de valores, os quais se anulam reciprocamente.
H) Ficando claro que a Administração Fiscal se apercebeu que a situação líquida efectiva da matéria colectável não se alterou com a correcção do custo erradamente contabilizado, não deveria de ter insistido na correcção da matéria colectável, unicamente com o fito de cobrar um imposto relativamente ao qual se apercebeu objectivamente não ter direito, por inexistência de lucro real.
Ofende assim a sentença sob recurso, ao validar o acto tributário o princípio constitucional ínsito no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República portuguesa, uma vez que não respeita o princípio da Tribunal pelo lucro real.
I) O Depoimento transcrito da testemunha inspector tributário implicaria igualmente uma resposta diferente e um facto dado como provado de sentido oposto ao que foi dado no ponto 10.

Termos em que se requer a V. Exas que com o mui douto suprimento iuris que possuem, julguem o presente recurso procedente por provado e em conformidade revoguem a decisão proferida pelo Tribunal a quo e em sua substituição, seja proferida decisão de procedência da impugnação do acto tributário em causa. Assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por não ter sido ultrapassado o prazo legal da inspecção e ter a sentença recorrida feito uma correcta apreciação de facto e de direito que conduziram à improcedência da impugnação.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a sentença recorrida padece do vício formal de contradição entre os seus fundamentos e a decisão ou de falta de exame crítico das provas; E não padecendo, se a matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida deve ser alterada no sentido propugnado pela ora recorrente; Se a falta de inquirição de uma testemunha arrolada pelo sujeito passivo aquando do exercício do direito de audição prévia enferma a posterior liquidação de preterição de formalidade legal; Se o procedimento de inspecção foi concluído para além do prazo de seis meses previsto para a sua conclusão e respectivos efeitos; E se tendo a AT desconsiderado um custo fiscal por haver sido inscrito por montante superior ao real, deve também a mesma tentar apurar dos seus reflexos ao nível dos montantes das existências a fim de proceder a eventual compensação ou balanceamento, ou antes deve ser o próprio contribuinte a apresentar uma declaração de substituição ou reclamação graciosa, por tal erro na auto-liquidação.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1. A impugnante foi sujeita a uma acção de recolha de elementos realizada a coberto do Despacho n.º DI200703662 (fls. 10, do PA);
2. Realizada entre os meses de Outubro de 2007 e Maio de 2008 (fls. 10. do PA);
3. A impugnante foi sujeita a acção de inspecção externa, a coberto da Ordem de Serviço n.º O1200800111 (fls. 11, do PA);
4. Que teve início em 14 de Março de 2008 e termo em 2 de Junho de 2008 (fls. 11, do PA e 212);
5. Cujo âmbito e incidência temporal foram o IRC do exercício de 2005 (fls. 11, do PA);
6. A acção inspectiva teve como motivo a circunstância de terem sido detectadas anomalias, em sede de IRC, resultantes da recolha de elementos à impugnante (fls. 35, do PA);
7. A impugnante é sujeito passivo, colectado em IRC, para o exercício da actividade de comércio por grosso de bebidas alcoólicas - CAE 51341, estando enquadrada no regime geral de apuramento da matéria colectável e para efeitos de IVA, encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal (fls. 35, do PA);
8. A impugnante efectuou uma compra a crédito, isenta de IVA, ao fornecedor B..., Lda., no montante de € 17.555,20 (fls. 36 e 41, do PA);
9. Tendo registado essa operação na conta terceiros/fornecedores (22110256), por contrapartida da conta compras/mercadorias (31210) pelo valor de € 87.555,20 (fls. 36, 44, 45, do PA);
10. A administração tributária fundamentou a determinação da matéria tributável com recurso a correcções aritméticas, pelos factos atrás descritos, conforme resulta do projecto de relatório de inspecção (fls. 21, do PA);
Esta operação, seguindo os procedimentos contabilísticos, implica a transferência de compras para a conta de mercadorias e a consequente transferência de mercadorias para a conta de custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas (CMVCM), aumentando desta rubrica, de forma a expressar um menor quantitativo das existências finais.
Ou seja a contabilização da operação com a B..., Lda. pelo valor de €87.555,20, implica um aumento dos custos (conta 61 ­CMVMC) da empresa no exercício de 2005 de €70.000,00 (€87.555,20 - €17.555,20)...
Portanto de acordo com o mencionado no parágrafo anterior, o sujeito passivo ao registar por €87.555,20 uma compra que efectuou por €17.55,20 está a diminuir de forma artificial, através do aumento de custos, o seu lucro tributável, no montante de €70.000,00;
11. Durante a acção inspectiva a impugnante apresentou à AT duas exposições escritas (fls. 49 e ss., do PA);
12. A impugnante foi notificada do projecto de relatório em 9 de Junho de 2008 (fls. 14 a 16);
13. A impugnante não procedeu à apresentação de nova declaração de rendimentos, modelo 22, de substituição referente ao exercício de 2005;
14. A impugnante exerceu direito de audição prévia (fls. 49 a 54, do PA), do qual resulta em síntese o seguinte:
a. A impugnante pretendia que fosse feita uma compensação entre o lapso que deu origem à correcção da matéria tributável e um outro em que houve sobrevalorização de existências, por se valorizar vinhos correntes como se fossem de qualidade, sendo que estes dois erros de contabilidade se anulariam reciprocamente;
b. Invocou a caducidade da inspecção por ter durado mais de 6 meses;
c. Falta de apreciação da exposição de factos apresentados em sede de acção inspectiva;
15. A impugnante foi notificada do relatório final de inspecção em 28 de Julho de 2007 (fls. 30 a 32);
16. O relatório final reproduz o projecto de relatório, ali acrescentando elementos referentes à audição prévia da impugnada (fls. 28 a 40);
17. Assim, o ponto IX.2.1., daquele relatório, que aqui se dá por integralmente reproduzido, pronuncia-se sobre a questão da caducidade do prazo do procedimento inspectivo concluindo que não foi excedido o prazo de 6 meses (fls. 38 e 39. do PA);
18. O ponto IX.2.2., daquele relatório, que aqui se dá por integralmente reproduzido, pronuncia-se sobre a questão da apreciação da exposição dos factos apresentada pela impugnante, concluindo que o princípio da participação dos administrados apenas se impõe no momento da audição prévia (fls. 39);
19. A impugnante apresentou reclamação graciosa que foi improcedente (PA em anexo).
*
Factos não provados:
Com interesse para a decisão da causa não houve.
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MOTIVAÇÃO.
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base nos documentos juntos aos autos, para os quais se remete nos respectivos factos provados, bem como na análise critica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º, da Lei Geral Tributária (LGT). também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes, do Código Civil (CC) e ainda na prova testemunhal produzida, valorada da forma seguinte:
A testemunha Nuno Silva, arrolada pela impugnada, no essencial explicou a forma de realização da inspecção efectuada à impugnante e a sua origem, corroborando os factos descritos no relatório final.
Esta testemunha esclareceu que houve inicialmente uma recolha de elementos junto da impugnante que não deu origem a qualquer correcção, havendo depois a inspecção externa, por si realizada, que veio a originar a liquidação impugnada.
Esta testemunha depôs de forma coerente e credível, revelando um conhecimento directo dos factos.
As testemunhas indicadas pela impugnante Sandra Rodrigues e Vítor Ramos, respectivamente, escriturária e TOC da impugnante, confirmaram os factos alegados pela impugnante, no sentido de que houve um lançamento incorrecto daquela factura, que gerou um custo de €70.000,00, inexistente e que não corrigiram a respectiva declaração porque devia ser compensada com um outro lapso contabilístico da impugnada de sobrevalorização de existências.
Conjugada toda a prova, o tribunal ficou convencido que a impugnante lançou de forma errada aquela factura, tal como descreve a AF no seu relatório de inspecção, facto que é admitido pela própria impugnante.

Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e por não terem relevância para a decisão da causa.


4. Na matéria da sua conclusão F) do recurso, veio a ora recorrente imputar à sentença recorrida o vício formal que denomina de contradição entre a motivação e a decisão proferida, não pelo que nela se contém mas pelo que nela se deveria conter, se tivesse tomado em consideração os depoimentos prestados pelas suas testemunhas inquiridas, que pretende conduzir à declaração da sua nulidade – embora a final se “tenha esquecido” de formular o correspondente pedido, já que apenas peticiona “revoguem a decisão proferida pelo Tribunal a quo e em sua substituição, seja proferida decisão de procedência da impugnação do acto tributário” - porque aquele vício de contradição entre os seus fundamentos e a decisão alcançada, gerar, na realidade, a nulidade desta, nos termos do disposto nos art.ºs 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 668.º, n.º1, alínea c) do Código de Processo Civil (CPC), importa por isso conhecer, em primeiro lugar, desta invocada nulidade.

Quanto a esta invocada nulidade da sentença recorrida, substancia-a a ora recorrente, como acima se já fez referência, por a M. Juiz do Tribunal “a quo” não ter procedido à análise crítica da prova apresentada pela ora recorrente, especialmente sobre a prova testemunhal produzida relativamente aos depoimentos das testemunhas inquiridas e por si oferecidas, o que, no seu entender, levaria a uma decisão diversa sobre a matéria de facto que, iria estar em contradição com a decisão que se veio a alcançar na mesma sentença de improcedência da impugnação, tese que, para além de engenhosa, pouco tem a ver com tal vício formal da sentença, que só pode ser aferido pelo que nela se decide e respectivos fundamentos que a esteiam, e não por aquilo que se deveria ter decidido.

Desde logo convém referir que tal nulidade da sentença enquanto vício formal que é, constitui um vício lógico desta própria, em que os seus fundamentos, enquanto premissas em que o decidido se esteia, conduzem num certo sentido, num processo lógico e coerente, enquanto que a conclusão aí alcançada, ou seja a decisão das mesmas retiradas, conduzem a um resultado oposto, ou pelo menos, diverso, o que a ora recorrente nem sequer lhe imputa, nos termos supra citados, o mesmo sendo de dizer que, tal vício assim substanciado, jamais poderia integrar tal vício formal de contradição entre os fundamentos da sentença e a respectiva decisão, mas sim, a existir, de errado julgamento de tal matéria de facto [ou eventualmente, de falta de fundamentação do julgamento da matéria de facto, por falta desse exame crítico das provas, nos termos do disposto nos art.ºs 125.º do CPPT, 659.º, n.º3 e 668.º, n.º1, alínea b) do CPC].

A contradição entre os fundamentos da sentença e a respectiva decisão - cfr. matéria da alínea III) - a existir, constituiria causa de nulidade da sentença subsumível às normas dos art.ºs 144.º do CPT, hoje 125.º n.º1 do CPPT e 668.º n.º1 c) do CPC - Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão - conducente à declaração da sua nulidade.

Entende a mais autorizada doutrina (v. Prof. J. A. Reis, CPC Anotado, Vol. V, pág. 141 e A Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, CPC Anotado, pág. 686) que este vício afecta a estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão - os fundamentos invocados pelo juiz não conduziriam ao resultado expresso na decisão; conduziriam logicamente, isso sim, a resultado oposto. Ou seja, existe aqui um vício real no raciocínio do julgador, uma real contradição entre os fundamentos e a decisão que se analisa em que a fundamentação aponta num determinado sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direcção diferente.

Por outro lado, da fundamentação da sentença efectuada pela M. Juiz do Tribunal "a quo" se vê, claramente, que não pode ocorrer o apontado erro entre a fundamentação nela utilizada, como suas premissas, e a sua conclusão, já que todas as questões nela conhecidas e tratadas foram no sentido da sua inexistência, pelo que o resultado final, ou seja a sua decisão, só poderia ser a de improcedência da impugnação, como foi, com a manutenção do acto de liquidação, surgindo assim a conclusão, como a sua causa lógica, coerente, congruente e necessária, de tal esteio em que se ancora, ou seja, a decisão, mais não é do que a conclusão a extrair dessas invocadas premissas, não podendo a sentença recorrida incorrer no invocado vício formal de contradição entre os seus fundamentos e a decisão alcançada, desta forma improcedendo este vício formal assacado à sentença recorrida, nem mesmo no de falta de exame crítico das provas, maxime da prova testemunha testemunhal produzida relativos aos depoimentos das testemunhas inquiridas e oferecidas pela ora recorrente, antes a mesma sentença apresenta uma motivação com alguma desenvoltura até, como dela se pode colher, justificativa das razões porque deu como provados uns factos e não outros, tendo dado pleno acolhimento ao estatuído no normativo do n.º3 do art.º 659.º do CPC, improcedendo a matéria da citada conclusão.


4.1. Na matéria das conclusões A), B) e I) das suas conclusões do recurso, vem a recorrente a insurgir-se com a sentença recorrida no que ao julgamento da matéria de facto diz respeito, questão que importa conhecer de seguida, a fim de se formar o necessário quadro factual a que depois se possa aplicar o direito correspondente.

E nessa impugnação da matéria de facto, desde logo convém frisar, não ter a mesma dado cabal cumprimento ao disposto no actual art.º 685.º-B do CPC, na redacção do Dec-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto (já vigente à data da instauração da presente impugnação judicial e o aplicável), designadamente do seu n.º1, alíneas a) e b) e n.º2, pelo que o conhecimento desta matéria se irá ater ao preceituado no n.º1 do art. 712.º do mesmo CPC, na parte que permite ao Tribunal a apreciação oficiosa de tal matéria.

A matéria de facto sobre que a ora recorrente pretende ver alterada, por seu errado julgamento, quanto às alíneas A) e B) das suas conclusões do recurso, prende-se com a existência de uma (com pretende a recorrente) ou de duas inspecções (como se decidiu na sentença recorrida) à escrita da mesma, sendo que a prova constante do PA apenso, manifestamente, atesta a não razão da ora recorrente e não vimos dos autos, outra prova que a infirme.

Na verdade, como se pode ver de fls 98 e segs de PA, o primeiro dos procedimentos de inspecção foi efectuado ao abrigo do disposto no art.º 46.º, n.ºs 4 e 5 do RCPIT, como nele se exara, e teve por objecto, como se assinalou na respectiva quadrícula, o objectivo de “Consulta, recolha e cruzamento de elementos”, de que a mesma tomou conhecimento em 12-10-2007, caso em que não é necessária a ordem de serviço para esse efeito, nos termos do citado n.º4, apenas devendo referir os seus objectivos (como fez) a identidade da entidade a inspeccionar e dos funcionários incumbidos da sua execução, requisitos que no caso se mostram perfeitamente cumpridos.

Mercê dos elementos recolhidos na escrituração da ora recorrente naquela primeira inspecção, foi então ordenada um segunda inspecção, esta já com um âmbito não restrito às situações subsumíveis ao n.º4 do citado art.º 46.º, onde a ordem de serviço já não era dispensada, tendo para o efeito sido emitida a ordem de serviço mencionada na matéria dos pontos 3 e 4 do probatório fixado na sentença recorrida, respaldada nos documentos de fls 11 e segs do mesmo PA apenso que a atestam, de que a mesma tomou conhecimento em 14-3-2008 (sendo absolutamente irrelevante que o então administrador que assinou o conhecimento de tal ordem de serviço, tenha nela feito mencionar, que para efeitos do disposto no artigo 36.º, n.º2 do RCPIT declara-se que o início da inspecção se deu em 12-10-2007, já que a mesma mais não faz do traduzir o seu entendimento nessa matéria), já que tal declaração mais não faz do que exprimir o pensamento do mesmo acerca dessa inspecção.

Em suma, duas inspecções que não só uma como pretende a recorrente, pelo que a matéria da citadas alíneas do probatório não pode deixar de manter-se.

Também se não vê como poderia a matéria fixada no ponto 10 da matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida, enquanto pressupostos erigidos para proceder à liquidação adicional em causa, cuja transcrição é efectuada do relatório do exame à escrita, possa ser alterada por um depoimento testemunhal, já que o que interessa na matéria desse ponto do probatório é determinar a fundamentação desse acto que, nos termos do disposto no art.º 77.º da LGT tem de ser escrita, e nem a ora recorrente o explica, desta forma improcedendo a matéria destas alíneas das conclusões das alegações do recurso.

Tendo esta segunda acção inspectiva tido início em 14-3-2008 e fim em 2-6-2008, como não sofre dúvidas, é manifesto que ela não excedeu o prazo de seis meses contido no n.º2 do art.º 36.º do RCPIT, que em todo o caso, apenas teria por efeito o de fazer cessar o efeito da suspensão do decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação que tal inspecção provoca, nos termos do n.º1 do art.º 46.º da LGT, como bem se fundamentou na sentença recorrida, de acordo aliás, com jurisprudência corrente do STA(1).


4.2. Na matéria das conclusões D) e E) das suas alegações do recurso, continua a ora recorrente a pugnar que a falta de inquirição, em sede de audiência prévia, da Dra. Carla Macedo, a fim de permitir conhecer, com exactidão, o início da inspecção, inquinou os posteriores actos, incluindo o de liquidação, de preterição dessa formalidade, ao que a sentença recorrida fundamentou que tal inquirição não tinha nenhum interesse para a descoberta da verdade material, já que a mesma pretendia demonstrar um facto que se encontrava plenamente provado por prova documental, sendo desnecessária e até inútil proceder a tal inquirição, já que com a mesma visava provar a data do início da acção inspectiva a 12 de Outubro de 2008(SIC) – cfr. fls 54 do PA apenso – o que os autos já demonstravam, qual tinha sido a data certa de tal notificação, da inspecção donde resultou a liquidação aqui em causa e nenhum interesse tinha a data em que ocorreu a notificação da 1.ª inspecção, já acima referida, com âmbito restrito, como acima se analisou e donde, directamente, nenhuma liquidação resultou, desde logo tendo em conta o seu objectivo: “Consulta, recolha e cruzamento de elementos”, como nela expressamente se menciona.

Ora, nos termos do disposto nos art.sº 60.º da LGT, 60.º do RCPIT e 50.º do CPPT, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, não lhe impondo a lei que aceite todos os meios de prova oferecidos pelo sujeito passivo, como parece pretender a ora recorrente, e no caso, tendo a AT por certa tal data do início da inspecção relevante para a presente liquidação adicional, não procedeu a tal inquirição, por desnecessária, como é bem de ver, desta forma não se tendo preterido nenhuma formalidade imposta por lei, já que esta não impõe a realização de todas as diligências de prova requeridas pelo sujeito passivo, desta forma não podendo ter ocorrido a apontada preterição dessa formalidade, sendo sempre certo contudo, que sempre poderia a mesma, em sede desta impugnação judicial, ter vindo arrolar tal pessoa como testemunha, o que não fez, como da respectiva petição inicial se pode colher, desta forma improcedendo também a matéria destas conclusões das alegações do recurso.


4.3. Na matéria das conclusões G) e H) das suas alegações do recurso continua a ora recorrente a pugnar que sempre a matéria ora acrescida ao lucro tributável deveria ser compensada com o lapso de escrituração para si favorável relativo à valorização de existências dos produtos correntes, do mesmo montante, o que levaria a uma liquidação nula.

A esta parte do julgado responde a sentença recorrida, que não existem dúvidas do indevido lançamento da compra de € 87.755,20, quando a mesma apenas era do valor de € 17.555,20, pelo que o apuramento do lucro tributável ficou eivado em erro, para mais, de € 70.000,00, que assim não pode deixar de ser desconsiderado como custo fiscal do exercício, e que a eventual compensação apenas poderia ter lugar por iniciativa do sujeito passivo e com a entrega da respectiva declaração de substituição, o que a mesma não fez, pelo que a liquidação em causa não pode deixar de se manter.

Desde logo convém frisar, que nem no relatório do exame à escrita, nem posteriormente, se encontra provado que o quantitativo das existências finais tenha sido reduzido pelo mesmo montante de € 70.000,00, mercê daquele erro de escrituração daquele custo por aquele montante acima do real, pelo tal compensação ou balanceamento não poderia desde logo ter lugar, sendo sempre certo que, a tal resultar, deveria então a mesma ter feito apresentar uma reclamação graciosa da referida autoliquidação, no prazo de dois anos, onde apurou esse valor inferior de existências, nos termos do disposto nos art.ºs 128.º do CIRC (aprovado e republicado por força do art.º 1.º do Dec-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho) e 131.º do CPPT, ou de substituição da declaração de rendimentos entregue, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do art.º 59.º do CPPT, se apresentada antes do prazo de um mês a contar da data do termo legal dessa entrega, como bem se pronuncia a AT na informação de fls 5/8 do mesmo PA apenso, em apreciação da impugnação judicial deduzida.

Também a sentença recorrida em si, ao também assim ter entendido e decidido, não pode violar o princípio constitucional da tributação das empresas pelo lucro real, contido no art.º 104.º, n.º2 da CRP, desde logo por apenas puderem ser inconstitucionais as normas aplicadas em dimensão que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados – cfr. art.º 277.º, n.º1 da CRP – que não quaisquer outros actos, sendo que no caso se tal não tributação pelo lucro real tiver acontecido, o que não se concede, apenas a ora recorrente de si própria se pode queixar, por não ter sabido aproveitar os meios procedimentais/processuais ao seu dispor pela ordem jurídica em ordem a evitá-lo, como acima se fundamentou, para além de que tal princípio de tributação ser, como nele expressamente se diz, fundamentalmente sobre o seu rendimento real, que não exclusivamente, para além de que o custo desconsiderado como custo fiscal, como a própria recorrente nem coloca em causa, não constituía, nessa parte, um custo real.


Improcedem assim todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa,24/05/2011

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
LUCAS MARTINS




1- Cfr. neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 4-6-2008 e de 20-10-2010, recursos n.ºs 103/08-30 e 112/10, respectivamente.