Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:16/19.3BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:04/29/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:DECISÃO ARBITRAL;
PRONÚNCIA INDEVIDA;
FALTA DE CONTRADITÓRIO.
Sumário:1. Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os Tribunais Centrais, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no art.º27.º do RJAT, com os fundamentos previstos no art.º28.º, n.º 1, do mesmo diploma.
2. Não padece de vício inquinatório de nulidade por pronúncia indevida, a decisão do tribunal arbitral que conclui não se verificar caso julgado formado sobre determinados factos provados em prévios processos arbitrais em que são as mesmas as partes e a causa de pedir.
3. O princípio do contraditório, previsto no art.º 3/3 do CPC como concretização do princípio constitucional de proibição da indefesa e do processo equitativo, não demanda que o Tribunal oiça previamente as partes só porque vai decidir as questões controvertidas com recurso a fundamentos factuais e jurídicos diversos dos invocados pelas partes como fundamento da sua pretensão.
4. Nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão ou de um excesso de pronúncia. Essa causa de nulidade traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no art. 608.º, n.º 2, do CPC o qual consiste, por um lado, no dever de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de conhecimento oficioso.
5. Não integra a nulidade prevista no citado normativo a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões a apreciar, ou, mera divergência com a interpretação e aplicação do direito que foi feita na decisão arbitral.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

F………….., LDA., vem, ao abrigo do disposto no artigo 27.º e alíneas c) e d) do artigo 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT), aprovado pelo D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, impugnar o acórdão arbitral proferido no processo n.º180/2018 – T, pelo Tribunal Arbitral constituído junto do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante CAAD).

A impugnante termina as alegações da impugnação com as seguintes e doutas Conclusões:
«
a) A presente impugnação tem por objeto diversas causas de anulação da decisão arbitral fundadas, especificamente (i) na pronúncia indevida do Tribunal Arbitral, por violação do caso julgado noutros processos arbitrais do CAAD relativos aos mesmos contratos e em que as partes e a causa de pedir eram as mesmas - os citados processos n.ºs 614/2015-T e 680/2016-T -, o que culminou na desconsideração do valor extra-processual da prova produzida, não impugnada pela Administração Tributária e admitida nos referidos processos arbitrais; e (ii) na violação do princípio do contraditório, na medida em que a decisão arbitral em apreço configura uma “decisão surpresa”, na medida em que não seguiu o raciocínio lógico-jurídico que já se havia consolidado na ordem jurídica por via do trânsito em julgado da decisão proferida no processo n.º 614/2015-T e no âmbito do processo n.º 680/2016-T que em sede de Impugnação da decisão arbitral não foram contestados (e, portanto, transitaram materialmente em julgado), sem ter dado oportunidade à Impugnante de adicionar prova ou de se defender;

b) Nos termos dos artigos 619.º e 621.º do CPC, a sentença transitada em julgado (tal como a decisão arbitral, por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) passa a ter força obrigatória dentro e fora do processo, constituindo caso julgado (material) nos termos em que julga, o qual abrange não só a parte final da sentença (ou decisão arbitral) como também os fundamentos ou motivos da decisão “necessário(s) para interpretar o verdadeiro sentido da decisão e o seu exacto conteúdo”, respeitantes a pontos suscetíveis de serem objeto de processo autónomo e que constituem antecedente lógico, necessário e indispensável da decisão;

c) O alcance do caso julgado que induz a doutrina a autonomizar aquilo que vem sendo
designado por “efeito preclusivo do caso julgado” e que se traduz na impossibilidade de uma nova ação - e decisão - ter como objeto uma qualquer questão (facto / pedido) que na acção já decidida por sentença transitada em julgado não foi invocada pelas partes, podendo tê-lo sido;

d) A decisão arbitral ora impugnada estava impedida de não atender aos factos dados como provados na decisão arbitral proferida no processo n.º 614/2015-T - a título definitivo - e que, bem assim, foram novamente reapreciados no mesmo sentido no processo n.º 680/2016-T - que, apesar de não transitada, não podia ser ignorada, desde logo porquanto em relação à factualidade não contestada pela Autoridade Tributária se considera transitada (materialmente) em julgado -, os quais foram essenciais para a decisão de improcedência do pedido formulado pela Impugnante na presente ação;

e) Na situação em análise, para além da inequívoca identidade de sujeitos e causa de pedir em relação aos anteriores processos arbitrais, verifica-se que da comparação entre os referidos processos (614/2015-T e 680/2016-T) e a decisão arbitral ora impugnada, há identidade total entre uma parte substancial (e relevante) dos factos;

f) Constatando-se que, no caso sub judice, se está perante a mesma situação de facto do
processo n.º 614/2015-T (já transitado em julgado) e do processo n.º 680/2016-T (cuja factualidade transitou materialmente) - isto é, os contratos de financiamento efetuados pela Impugnante para a aquisição de 70% do capital social da “Fórum Almada Comandita” e a desconsideração, pela Autoridade Tributária, dos gastos subjacentes aos referidos contratos -, estando, apenas em divergência o pedido (in casu, foi requerida a anulação da liquidação de IRC de 2013, ao passo que, no processo n.º 614/2015-T foi requerida a anulação da liquidação de IRC de 2010) -, a solução a dar ao caso teria de ser idêntica, em pleno cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, e do princípio da tutela jurisdicional efetiva, na sua vertente do processo equitativo, a que alude o n.º 4 do artigo 20.º da CRP;

g) É manifesto que a decisão arbitral se pronunciou, de forma indevida, sobre questões (facto / pedido) que já estavam decididas por decisão arbitral transitada em julgado, ofendendo, desta forma, o caso julgado material formado no contexto da decisão arbitral proferida no processo n.º 614/2015-T (e, também, n.º 680/2016-T, embora quanto a esta ainda não se verifique o caso julgado), pelo que padece do vício de pronúncia indevida, razão pela qual deverá ser declarada nula nos termos e para os efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT;

h) O argumento de que as relações entre a Impugnante e a Fórum Almada Comandita permaneceram inalteradas com a aquisição do complexo comercial Almada Fórum nada tem a ver com a indispensabilidade do gasto, mas sim com a desconsideração dos efeitos fiscais das operações de restruturação do modelo societário e de detenção de ativos - o que poderia em tese ser passível de correção mas com diverso fundamento legal, porventura com base na aplicação da Cláusula Geral Anti-abuso (tendo por referência a alegada falta de motivação económica) ou na aplicação de normas sobre preços de transferência (no que respeita o argumento de que os juros são claramente excessivos, não obstante em momento algum ter sido esclarecido ou demonstrado porque razão a taxa de juro aplicável deveria ser considerada excessiva) -, razão pela qual, atendendo às decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 614/2015-T e 680/2016-T, sempre teria de se concluir que andou mal o Tribunal Arbitral na apreciação da factualidade (e consequente aplicação do Direito) na decisão ora impugnada;

i) A liquidação de impostos com base em prática abusiva sem ter sido precedida da instauração do procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT é ilegal;

j) Da análise da factualidade e ponderados os ordenamentos jurídicos em análise (com as suas especificidades fiscais, societárias e regulatórias) é possível constatar que esta alteração estatutária teve em vista obter uma estrutura igual ou semelhante em todo o grupo;

k) Não basta - para justificar o não preenchimento do critério da indispensabilidade dos gastos do artigo 23.º do Código do IRC - invocar que a estrutura societária (e de financiamento) adotada pela Impugnante (e pelo grupo em que se insere) não tem racionalidade económica, devendo, antes, indicar-se qual a estrutura que, na ótica do Tribunal Arbitral (e também da Autoridade Tributária) a teria;

l) Qualquer outra estrutura de negócio que viesse a ser adotada pela Impugnante, designadamente a aquisição do imóvel, não só não implicaria qualquer alteração aos seus lucros tributáveis, como implicaria que, quer a Fórum Almada Comandita (naturalmente repercutindo nos seus comanditários) quer a Impugnante tivessem custos adicionais, respetivamente com o pagamento de mais-valias e de IMT;

m) A incorporação (por fusão) da Fórum Almada Comandita na Impugnante também não seria uma opção, porquanto, o facto de aquela ser fiscalmente transparente não permitiria que tal operação fosse enquadrada no âmbito do regime da neutralidade fiscal (na medida em que a Fórum Almada Comandita está sujeita a um regime fiscal diferente do aplicável à Impugnante, conforme a posição adotada pela Autoridade Tributária em informação vinculativa ainda não publicada no site do Portal das Finanças), o que, naturalmente, também implicaria um custo fiscal (a não dedução dos prejuízos fiscais incorridos na esfera da Fórum Almada Comandita e a potencial de tributação de mais-valias), sem qualquer resultado distinto ao nível da operação do grupo;

n) Não é exigível aos operadores económicos incorrer em custos fiscais adicionais para obter o mesmo resultado operativo, pelo que se verifica que o Tribunal Arbitral pronunciou-se indevidamente - em face da factualidade dada como provada, do raciocínio lógico constante dos processos n.ºs 614/2015-T e 680/2016-T e dos ordenamentos jurídicos em análise -, razão pela qual a decisão arbitral padece do vício de pronúncia indevida, razão pela qual deverá ser declarada nula, nos termos e para os efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT;

o) Também o entendimento do Tribunal Arbitral sobre a existência “de uma situação manifesta de juros excessivos” para justificar a inexistência de uma racionalidade económica na operação em análise configura uma pronúncia indevida, na medida em que estando-se efetivamente perante uma “questão” que não foi submetida pela Impugnante à apreciação do Tribunal e que não é de conhecimento oficioso, há que concluir que a decisão, quanto à mesma, extravasa a competência do Tribunal Arbitral, o que determina que a decisão padeça de manifesta pronúncia indevida, devendo ser declarada nula, nos termos e para os efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT;

p) Ainda que se entendesse que o Tribunal Arbitral não estava obrigado a seguir a orientação perfilhada nos anteriores processos arbitrais com idênticos sujeitos e causa de pedir (processos do CAAD n.ºs 614/2015-T e 680/2016-T), a verdade é que a factualidade e a prova aí consideradas provadas, não impugnadas pela Autoridade Tributária e admitidas pêlos Tribunais Arbitrais nos citados processos arbitrais nunca poderiam ter sido totalmente desconsideradas - como foram expressamente - pelo Tribunal Arbitral no presente processo;

q) Verificando-se, no caso sub judice a existência de prova (documental e testemunhal) produzida nos processos n.ºs 614/2015-T e 680/206-T sempre deveria a mesma ter sido utilizada - e relevada nos mesmos termos das ações arbitrais anteriores - no presente processo, ao abrigo do regime do valor ou da eficácia extraprocessual das provas (artigo 421.º do CPC, ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT);

r) A decisão arbitral em análise configura uma “decisão surpresa”, na medida em que deu como não provados factos que já se haviam consolidado na ordem jurídica por via do trânsito em julgado da decisão proferida no processo n.º 614/2015-T e dos factos provados no âmbito do processo n.º 680/2016-T que em sede de Impugnação da decisão arbitral não foram contestados (e, portanto, transitaram materialmente em julgado), sem ter dado oportunidade à Impugnante de adicionar prova ou de se defender;

s) A imposição de um processo equitativo, que naturalmente se dirige ao processo arbitral como modalidade de tutela jurisdicional, impõe a efetividade do direito de defesa, na dimensão da proibição de decisões surpresa e do respeito pelo princípio do contraditório, postulando a necessidade de cada uma das partes expor as suas razões de facto e de direito;

t) A audição prévia da Impugnante sobre a concreta questão ou fundamento subjacente à desconsideração do teor das sentenças proferidas nos processos n.ºs 614/2015-T e 680/2016-T era essencial, razão pela qual a decisão arbitral constitui uma verdadeira decisão surpresa, em clara violação do princípio do contraditório;

u) Da análise da decisão arbitral é inquestionável que ocorreu violação do princípio do
contraditório e, ainda, do direito da Impugnante a exercer concretamente o contraditório sobre a apreciação feita pelo Tribunal Arbitral das provas produzidas em audiência e da matéria de facto julgada provada;

v) A violação do contraditório em causa teve influência decisiva no desfecho do litígio arbitral, já que, caso tivesse pedido à Impugnante para se pronunciar sobre a nova argumentação, certamente que o Tribunal Arbitral não teria proferido uma decisão de facto e de direito absolutamente desconforme com o que se passou substantivamente, desde logo porque se teria apercebido que, independentemente da conclusão da Autoridade Tributária quanto à indispensabilidade dos gastos, a realidade é que a Autoridade Tributária utilizou uma argumentação subjacente a uma lógica de abuso, não tendo, contudo, iniciado o procedimento legal para o efeito (nos termos do artigo 63.º do CPPT);

w) Tratando-se o princípio do contraditório de um princípio fundamental do processo, o qual é comum à arbitragem e ao processo civil (cfr. n.º 3 do artigo 3.º, do CPC, ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT), tanto mais que encontra expressão na alínea a) do artigo 16.º, alínea a) do RJAT, o mesmo funciona em todas as fases do processo e não pode deixar de ser observado pelo Tribunal Arbitral ou pelas partes, mesmo que a sua aplicação implique adequação às circunstâncias do caso e/ou a sua harmonização com outros princípios e exigências do processo;

x) Para além da violação do direito de defesa na modalidade da proibição das decisões surpresa, terá de concluir-se que a decisão arbitral violou o princípio do contraditório (um dos princípios fundamentais também da arbitragem) e o direito da Impugnante ao contraditório (cfr. alínea a) do artigo 16.º do RJAT), sendo certo que essa violação teve uma influência decisiva na resolução do litígio arbitral, razão pela qual deve ser anulada com fundamento na violação do contraditório, ex vi alínea d) do artigo 28.º do RJAT;

y) O n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil acolheu o princípio da equidade, o qual está expressamente consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da CRP (tutela jurisdicional efetiva);

z) A aplicação do princípio de processo equitativo decorre, ainda, do artigo 6.º da CEDH, onde se consagrou expressamente o direito ao processo equitativo, a qual, por força do artigo 8.º da CRP prevalece no ordenamento jurídico português, atento o princípio do primado do direito internacional convencional;

aa) Caso se entenda que, em face das limitações de impugnação da decisão arbitral constantes nas várias alíneas do artigo 28.º do RJAT, não é admissível a presente impugnação, sempre deverá concluir-se que a referida norma, interpretada no sentido de que não é admissível contestar decisões que, por não atenderem ao caso julgado, violam expressamente o princípio do processo equitativo, é inconstitucional, por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, na vertente do princípio do processo equitativo, o que se invoca nos termos do n.º 4 do artigo 20.º da CRP e, ainda, nos termos do artigo 8.º da CRP, que determina a aplicação no ordenamento jurídico do n.º 1 do artigo 6.º da CEDH, sendo que a suscitação da inconstitucionalidade da norma (artigo 28.º do RJAT) é efetuada, de modo processualmente adequado, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional, razão pela qual está este Tribunal Central Administrativo obrigado a dela conhecer;

bb) Caso a decisão arbitral ora impugnada venha a ser declarada nula, nos termos acima requeridos, requer-se a Vossas Excelências se dignem conhecer do objeto do presente recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 149.º do CPTA, aplicável ex vi n.º 2 do artigo 27.º do RJAT, devendo, para o efeito, proceder-se à alteração/aditamento da matéria de facto dada como provada e não provada na decisão arbitral, passando-se a consagrar a matéria dada como provada nos processos n.º 614/2015-T e 680/2016-T, o que requer, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC ex vi n.º 2 do artigo 149.º do CPTA e do n.º 2 do artigo 27.º do RJAT;

cc) Considerando a matéria de facto provada no âmbito do pedido arbitral e, ainda, a matéria de facto que, na ótica da Impugnante deverá ser dada como provada, entende a mesma que, em cumprimento do disposto nos artigos 619.º e 621.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do princípio da tutela jurisdicional efetiva, na sua vertente do princípio do processo equitativo (n.º 4 do artigo 20.º da CRP), a sua pretensão deverá ser totalmente procedente.

Nestes termos e demais de direito, deverá a presente Impugnação de Decisão Arbitral ser declarada totalmente procedente e, em consequência, ser anulada a Decisão Arbitral recorrida, nos termos supra expostos, tudo com as legais consequências.

Em virtude do valor da causa ser superior a € 275.000,00, requer-se a V. Exa. se digne, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º doRegulamento das Custas Processuais, determinar a dispensa de
pagamento das custas acima do referido valor.».


A impugnada, Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentou contra-alegações em que expendeu o seguinte quadro Conclusivo:
«
« IMAGENS NO ORIGINAL»


».

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal foi notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), não tendo emitido pronúncia.

Com dispensa dos vistos legais dada a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

De facto
Nos termos do art.º 663º, n.º 6, do CPC, remete-se para a decisão de facto fixada na decisão arbitral impugnada.

De direito

Seguindo a linha expositiva do acórdão deste Tribunal e secção proferido em 18/04/2018, no proc.º121/17.0BCLSB, diremos que,

O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr. artº.2, nº.2, do RJAT).

Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.

No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.

Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.

Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.

Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é dirigido à Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A.

Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in) constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.

Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr. artºs.27 e 28, do RJAT).

Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6, nº.2, al. b), do RJAT.

Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:
1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
2-Oposição dos fundamentos com a decisão;
3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.

Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para o Tribunal Central Administrativo, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27.º, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do consignado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do CPC, com a particularidade de, por razões de conformidade constitucional, se abranger no conceito de pronúncia indevida, para além do excesso de pronúncia, as situações em que o Tribunal arbitral funcionou de modo irregular ou em que excedeu a sua competência – vd., entre outros, o Acórdão deste TCA Sul, de 06/09/2016, tirado no proc.º09156/15.

E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para o Tribunal Central Administrativo (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.)» (fim de cit.).

São estes os vícios apontados pela impugnante à decisão arbitral: i) pronúncia indevida do Tribunal arbitral “por violação do caso julgado noutros processos arbitrais do CAAD relativos aos mesmo contratos e em que as partes e a causa de pedir eram as mesmas”; ii) violação do contraditório, na medida em que a decisão arbitral configura uma verdadeira “decisão-surpresa” que não teve em devida conta o valor extraprocessual das provas; iii) excesso de pronúncia.

Como resulta dos considerandos acima expostos, a pronúncia indevida, prevista no art.º 28.º, n.º1 alínea c) do RJAT como fundamento válido de impugnação judicial, compreende as situações de excesso de pronúncia – que se verifica quando o juiz se pronuncie sobre questões não suscitadas pelas partes, nem de conhecimento oficioso, a que se refere a segunda parte do art.º 608/2 do CPC – e situações em que o Tribunal arbitral se não constituiu nos termos da lei.

Pois bem, a impugnante invoca como fundamento de pronúncia indevida o desrespeito pelo caso julgado ou pela autoridade do caso julgado.

Entende que por virtude da autoridade do caso julgado, o Tribunal arbitral estava vinculado a reconhecer a matéria de facto dada como provada em dois outros processos arbitrais, em que são as mesmas as partes e a causa de pedir, apenas sendo diverso o pedido, ou a pretensão anulatória deduzida.

No fundo, pretende a impugnante que a decisão arbitral de mérito proferida dispensava a discussão sobre os pressupostos materiais do pedido cuja verificação já estava feita em dois outros processos arbitrais, integrando a respectiva causa de pedir, que é a mesma do processo arbitral cuja decisão vem agora impugnar. E que, ao reabrir a discussão desses pressupostos materiais, modificando-os, o Tribunal arbitral violou o caso julgado ou a autoridade do caso julgado.

Ora, se o Tribunal arbitral violou o caso julgado formado acerca de determinada matéria de facto dada como provada em outros processos arbitrais, contrariando-a, de forma inadmissível, tal vicia a decisão arbitral de eventual erro de julgamento (“error in judicando”) sobre a verificação da excepção do caso julgado, a sindicar por via de recurso, que não mediante impugnação da decisão arbitral, cujos fundamentos são muito limitado e estão taxativamente enunciados nas alíneas do n.º1 do art.º 28.º do RJAT.

Pretende a impugnante que, a entender-se que a pronúncia indevida não abrange as situações em que se impunha ao Tribunal arbitral o respeito pelo caso julgado formado pela decisão sobre a matéria de facto proferida nos processos arbitrais n.ºs 614/2015-T e 680/2016-T, tal entendimento não se mostra conforme à Constituição.
Todavia e salvo o devido respeito, não alcançamos em que medida a interpretação feita – segundo a qual não cabe no conceito de pronúncia indevida o alegado não reconhecimento do caso julgado numa situação em que tal se impunha à decisão arbitral impugnada – viola princípios constitucionais e vertidos em convenções internacionais garantísticos, nomeadamente, da proibição da indefesa, do processo equitativo e da tutela jurisdicional efectiva.

Como se deixou consignado no Acórdão do Tribunal Constitucional de 5 de Dezembro de 2013, exarado no Processo n.º 727/13,
«O artigo 20.º da CRP garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efetive através de um processo equitativo (n.º 4).
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange nomeadamente: (a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas (veja-se, neste sentido, entre outros, o Acórdão n.º 440/94).
O direito de ação ou direito de agir em juízo terá de efetivar-se através de um processo equitativo, o qual deve ser entendido não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais.
A jurisprudência e a doutrina têm procurado densificar o conceito de processo equitativo essencialmente através dos seguintes princípios: (1) direito à igualdade de armas ou igualdade de posição no processo, sendo proibidas todas as diferenças de tratamento arbitrárias; (2) proibição da indefesa e direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e direito, oferecer provas, controlar a admissibilidade e a produção das provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras; (3) direito a prazos razoáveis de ação e de recurso, sendo proibidos os prazos de caducidade demasiados exíguos; (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em prazo razoável; (6) direito de conhecimento dos dados do processo (dossier); (7) direito à prova; (8) direito a um processo orientado para a justiça material (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Ano­tada, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, Volume I, págs. 415 e 416).
A exigência de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo. Contudo, impõe, no seu núcleo essencial, que os regimes adjetivos proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efetiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva» (fim de cit.).

Sendo estas as dimensões em que se concretizam aqueles princípios da proibição da indefesa, do processo equitativo e da tutela jurisdicional efectiva, não se vê de que forma a interpretação normativa em causa os possa ter beliscado ao reconduzir o alegado desrespeito pelo caso julgado, ou autoridade do caso julgado, a um erro de julgamento da decisão arbitral sobre a verificação da excepção, não sindicável por via de impugnação para o Tribunal Central Administrativo, prevista nos artigos 27.º e 28.º do RJAT.

Nem venha a impugnante dizer, em reforço da sua posição, que o decidido pelo Tribunal arbitral quanto à não verificação do caso julgado formado sobre matéria de facto dada como provada noutros dois processos arbitrais põe em causa jurisprudência reiterada dos tribunais arbitrais e/ou estaduais, pois é para tutela dessas divergências que o legislador consagrou justamente a via do recurso para uniformização de jurisprudência, contemplado no art.º 25.º n.º 2, do RJAT.

Concluímos, por conseguinte, que a pronúncia indevida, enquanto fundamento susceptível de impugnação da decisão arbitral nos termos do art.º 28.º, n.º1 alínea c) do RJAT, não abrange o erro de julgamento sobre a (não) verificação da excepção do caso julgado ou autoridade do caso julgado.

Quanto ao princípio do contraditório, que a impugnante alega ter sido violado pela “decisão-surpresa” do Tribunal arbitral de desconsiderar a decisão de facto proferida em dois prévios processos arbitrais, também não acompanhamos a posição da impugnante.

A garantia do exercício do direito do contraditório, que se encontra plasmado no art.º 3º, n.º 3, do CPC, visa, como princípio estruturante de todo o nosso processo civil, evitar “decisões surpresa”, ou seja, baseadas em fundamentos (causas de pedir) que não tenham sido previamente considerados pelas partes e, consequentemente, reforçar, assim, o direito de defesa.

A propósito do conceito de “decisão-surpresa”, escreveu-se lapidarmente no acórdão do STJ, de 09/27/2011, exarado no proc.º 2005/03.0TVLSB.L1.S1, o seguinte:
«(…) A questão que se coloca na doutrina é saber se tendo, por exemplo, dirigido ao tribunal um pedido para, segundo determinada factologia, apreciar se ocorreu um inadimplemento de um contrato e o juiz, oficiosamente, na apreciação de mérito a que procede declara a nulidade do contrato. Vale por dizer se é legítimo, neste caso, o juiz decidir sobre a nulidade de um contrato sem que qualquer das partes tenha suscitado a questão e sem que, previamente, tenha convocado as partes a pronunciar-se sobre esta hipótese decisão.
O exemplo, académico, que se convocou, dilucida de forma paradigmática o que deve ser tido por decisão-surpresa ou “decisão solitária” do juiz. O juiz de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeqúe a uma correcta e atinada resolução do litígio. Não tendo, no entanto, as partes, configurado a questão na via adoptada pelo Juiz caber-lhe-ia dar-lhes a conhecer a solução jurídica que pretenderia vir a assumir para que as partes pudessem contrapor os seus argumentos.
Não subsistirão dúvidas de que na estruturação de um processo justo o tribunal deve prevenir e, na medida do possível, obviar a que os pleiteantes sejam surpreendidos com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não foram tomadas em consideração. A questão da falta ou ausência de participação das partes na formação do juízo decisório do tribunal deve ser, contudo, objecto de uma disquisição mais aprofundada. Trata-se de emanações dos princípios fundantes do processo justo como sejam os princípios de cooperação, boa fé processual e colaboração entre as partes e entre estas e o tribunal.» (fim de citação).

Por outro lado, sobre o valor extraprocessual das provas, deixou-se consignado no sumário doutrinal do acórdão do STJ, de 10/12/2004, tirado no proc.º 05B691, o que por pertinente e transponível para estes autos, se transcreve:
«1. O princípio da eficácia extraprocessual das provas, consagrado no art. 522º, nº 1, do Código de Processo Civil [corresponde ao actual 421.º], significa que a prova produzida (depoimentos e arbitramentos) num processo pode ser utilizada contra a mesma pessoa num outro processo, para fundamentar uma nova pretensão, seja da pessoa que requereu a prova, seja de pessoa diferente, mas apoiada no mesmo facto.
2. Não pode é confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial.
3. Transpor os factos provados numa acção para a outra constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui.» (fim de citação).

Regressando aos autos e em detalhe, pretende a impugnante que a sua audição prévia pelo Tribunal arbitral sobre a concreta questão ou fundamento subjacente à desconsideração do teor das sentenças proferidas nos processos n.ºs 614/2015-T e 680/2016-T, era essencial, razão pela qual a decisão arbitral constitui uma verdadeira decisão surpresa, em clara violação do princípio do contraditório – vd. conclusão t).

Ora, lembrando os considerandos de doutrina e jurisprudência anteriormente feitos, logo se vê que não estamos perante resolução do litígio com base em fundamentos novos, introduzidos pelo Tribunal arbitral e com que as partes razoavelmente não podiam contar.

Como decorre do plasmado no ponto 28., do acórdão arbitral, foi decidido “aproveitar eventualmente para o objecto deste processo, depois de a ouvir, a prova testemunhal produzida nos processos n.ºs 614/2015-T e 690/2016-T (artigo 421.º, do CPC)…”.

Todavia, não se pode confundir o aproveitamento, para mais eventual, da prova testemunhal produzida noutros processos (situação, aliás, recorrente nos tribunais estaduais), com a vinculação do tribunal à decisão de facto proferida nos processos em que a prova foi produzida, e mesmo na circunstância de o tribunal da prova emprestada, não prescindindo embora do crivo da sua apreciação, dar como provados os mesmos factos dados como provados no processo em que a prova foi produzida, aquele é livre de extrair as ilações ou conclusões que operem a interpretação e desenvolvimento dos factos, ainda que os não altere, fazendo uma leitura diferente dos mesmos factos.

Vale tanto por dizer que não é minimamente sustentável qualquer expectativa das partes em como o tribunal da prova emprestada, com relação ao mesmo núcleo de questões colocadas pelas partes, vá decidir os factos e deles extrair as mesmas ilações e conclusões que o tribunal onde foi produzida a prova extraiu, como se houvesse caso julgado formado sobre esses factos (cf. conclusões f) e g)).

Nessa linha de entendimento e concluindo, não se verifica no processo arbitral preterição do princípio do contraditório enquanto vício estruturante da decisão proferida.

Numa outra perspectiva, pretende a impugnante que o entendimento do Tribunal Arbitral sobre a existência “de uma situação manifesta de juros excessivos” para justificar a inexistência de uma racionalidade económica na operação em análise configura uma pronúncia indevida, na medida em que se está perante uma “questão” que não foi submetida pela impugnante à apreciação do Tribunal e que não é de conhecimento oficioso (cf. conclusão o)).

Ora, basta contextualizar aquela referência da decisão arbitral para resultar manifesto que se reconduz a um mero considerando, argumento ou razão do Tribunal arbitral para decidir, no sentido que decidiu, a questão nuclear decidenda, a qual, no dizer da própria decisão arbitral, “consiste, essencialmente, em saber da verificação do requisito da comprovada indispensabilidade dos encargos suportados pela FAU [requerente e ora impugnante] com os créditos obtidos para aquisição de 70% do capital da FAC para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora estabelecido pelo n.º 1 do art.º 23.º do CIRC (…) relativamente ao ano de 2013” (vd. pontos 50 a 59 do acórdão arbitral).

Ou seja, o Tribunal arbitral limitou-se a resolver questão configurada pela causa de pedir que as partes submeteram à sua apreciação embora com recurso a argumentos, motivos ou razões (factuais ou de direito) diferentes quer daqueles em que a impugnante fundava a sua posição na controvérsia dos autos, quer daqueles com base nos quais decidiram a mesma questão dois outros acórdãos arbitrais, o que não consubstancia excesso de pronúncia, como é entendimento unânime na jurisprudência e na doutrina processualista.

Como se deixou consignado no sumário doutrinal do acórdão do STJ, de 02/16/2005, tirado no proc.º 05S2137, «o excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conhece de questões que não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso. As questões não se confundem com os argumentos, as razões e motivações produzidas pelas partes para fazer valer as suas pretensões».

Como assim, este último fundamento da impugnação (excesso de pronúncia), também não colhe.

Atento tudo o que se vem de referir tem que improceder in totum a impugnação do acórdão arbitral.
*

O valor atribuído ao processo é de 2.001.603,86 Euros.

Dispõe o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais que «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.».

Trata-se, portanto, de uma dispensa excepcional que, à semelhança do que ocorre com o agravamento previsto no nº 7 do art. 7º do mesmo Regulamento, depende de concreta e casuística avaliação pelo juiz e deve ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de aí ser omitida, mediante requerimento de reforma da decisão — cf., neste sentido, o acórdão do Pleno da Secção do CT do STA, de 15/10/2014, tirado no proc. nº 01435/12.

Ora, constata-se que, no caso, as questões factuais e jurídicas suscitadas e decididas não se revestiram de especial complexidade e que a sua apreciação reclamou uma tramitação processual simples, potenciada pela adequada conduta processual das partes.

Assim, considerando a concreta e casuística avaliação, assente nos supra apontados pressupostos que, no caso, se têm por verificados, a que acrescem ainda razões constitucionais de justiça e proporcionalidade, entende-se justificar-se a peticionada dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida no recurso, ao abrigo do disposto no nº 7 do artigo 6º do citado Regulamento, dispensa que aproveita a ambas as partes.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
i. Julgar improcedente a presente impugnação da decisão arbitral;
ii. Deferir a peticionada dispensa, por ambas as partes, do pagamento do remanescente de taxa de justiça.

Condena-se a Impugnante em custas, sem prejuízo da dispensa de pagamento do remanescente de taxa de justiça.

Registe e Notifique.

Lisboa, 29 de Abril de 2021



[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, LUÍSA SOARES e CRISTINA FLORA].

VITAL LOPES