Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1618/15.2BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/26/2022
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:IVA
DIREITO À DEDUÇÃO
FACTURAS FALSAS
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - Sobre a administração tributária recai o ónus de provar que reúne os pressupostos legais que a habilitam a proceder às correcções de IVA, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), cabendo-lhe demonstrar a factualidade que abala a presunção de veracidade das declarações do contribuinte, prevista no artigo 75.º, n.º 1 da LGT.
II - Cumprido este ónus probatório, recai sobre o contribuinte o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a deduzir o imposto nos termos do disposto no artigo 19.º, n.º 3 do CIVA, ou seja, o ónus de demonstrar que as transacções tituladas pelas facturas apresentadas são verdadeiras e reais e, por conseguinte, tem direito a proceder à dedução do respectivo imposto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem a AT- Autoridade Tributária e Aduaneira interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A....., S.A., contra o indeferimento da reclamação graciosa apresentada com referência à liquidação de IVA e juros compensatórios relativa aos períodos de 2010/01 a 2010/09T no montante de € 52.320,02.

A Recorrente, nas suas alegações formulou conclusões nos seguintes termos:

“A. Analisada a informação existente sobre D....., no sistema informático da Administração Tributária e Aduaneira (AT), verificou-se que se trata de um sujeito passivo não declarante em sede de IRC e IVA sem bens sujeitos a registo (imóveis e viaturas), relativamente ao qual não consta. nos cruzamentos dos Anexos O e P da Declaracão Anual, a existência de sujeitos passivos a declarar ter-lhe efetuado vendas. Por outro lado ninguém declarou nas Declarações de Rendimentos Mod 3 - IRS, do ano de 2010, ter auferido rendimentos pagos por este sujeito passivo. Nos dados da segurança social esta entidade não tem dados enquanto entidade empregadora, no ano de 2010 e seguintes.

B. Para que haja direito à dedução do IVA mencionado nas faturas, além de ser necessário que estes estejam passados em forma legal, é também fundamental que as operações constantes das faturas se tenham realizado, tenham sido realizadas pelos operadores aí mencionados e pelo preço aí referido, não podendo deduzir-se imposto que resulte de operações simuladas ou em que seja simulado o preço constante da fatura.

C. Há indícios fundados de que as faturas emitidas em nome de "D....." simulam vendas de madeira de pinho e eucalipto a ''A.....". Não se coloca em causa que o sujeito passivo "A....." tenha adquirido a madeira tanto mais que se confirmou que a madeira "faturada" por "D..... deu entrada nas instalações da P..... SA e na P..... Lda, clientes de "A....." e foi integralmente faturada a estes dois clientes. As faturas emitidas a estas entidades estão registadas na contabilidade na conta "71.2.1.1.3- vendas à taxa normal.

D. M....., sócio de "A..... ", referiu, quando questionado durante o procedimentos de inspeção, que era com "Florindo" que se relacionava nos negócios, que não conhecia a D..... , e que apenas o via aparecer com uma senhora mas que nem sabia quem era. Quanto aos cheques serem emitidos em nome de "D..... ", a justificação era a de que "F…" se dizia colaborador de "D.....". Como a madeira era colocada nas fábricas estava tudo certo. O conhecimento e os negócios com "F....." eram anteriores a 2010 mas, neste ano, este alegou ser colaborador de "D....." e por isso as faturas eram emitidas por esta.

E. Cabe assim à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua atuação, ou seja, a lei apenas exige a recolha de "indícios fundados", não impondo à Administração Tributária a "prova" de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente refletem e comprovam. E nesta medida a AT recolheu indícios fundados de que D..... não realizou qualquer das operações mencionadas nas faturas emitidas em seu nome, porquanto no sistema informático da Administração Tributaria e Aduaneira (AT), verificou-se que se tratava de um sujeito passivo não declarante em sede de IRC e IVA, sem bens sujeitos a registo (imóveis e viaturas), relativamente ao qual não consta, nos cruzamentos dos Anexos O e P da Declaração Anual, a existência de sujeitos passivos a declarar ter-lhe efetuado vendas. Ninguém declarou nas Declaracões de Rendimentos Mod 3 - IRS. do ano de 2010, ter auferido rendimentos pagos por este sujeito passivo. Nos dados da segurança social esta entidade não tinha dados enquanto entidade empregadora. no ano de 2010 e seguintes.

F. À impugnante competia o ónus da prova de que as aquisições eram feitas efetivamente a D....., contrariando todos os factos recolhidos que indiciam claramente ser um operador apenas registado para efeitos de emissão de faturas, neste caso escudando um outro operador económico - F......

G. Em cumprimento da Ordem de Serviço Externa n. 0120…, datada de 01-10-2014, foi desenvolvida pela Divisão de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de Santarém, uma ação inspetiva de âmbito geral, ao exercício de 2010, a qual teve origem no facto de ter sido detetado no cruzamento dos anexos O e P da Declaração Anual de "A.....", que este declarou no Anexo P - Fornecedores da Declaração Anual de 2010, aquisições no montante de € 253.802,00 a D....., NIF 22…., sujeito passivo não declarante para efeitos de IRS e IVA.
Nestes termos e nos demais de facto e de Direito, que certamente o mui douto entendimento do Insigne Coletivo não deixará de convocar, defende a Representação da
Fazenda Pública, o provimento do presente recurso jurisdicional.”.
* *
A Recorrida apresentou contra-alegações formulando as seguintes conclusões:

“1. A decisão ora sob escrutínio não merece reparo e o recurso interposto está votado ao insucesso. Vejamos:
2. A Recorrida intentou impugnação judicial da decisão administrativa de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações oficiosas de IVA a que foi sujeita, no montante de € 42.625,11 (quarenta e dois mil seiscentos e vinte e cinco euros e vinte e onze cêntimos).
3. Alegando, em síntese, que:
4. A liquidação de IVA impugnada é referente aos períodos compreendidos entre 2010/01 e 2010/09 (inclusive) e, consequentemente, dos respectivos juros compensatórios.
5. As referidas liquidações de IVA resultaram de correcções efectuadas oficiosamente, no ano de 2014, na sequência de um procedimento de inspecção realizado à Impugnante pelos Serviços de Inspecção Tributária, ao abrigo do OI 201….., emitida pela Direcção de Finanças de Santarém em 01/10/2014, referente a compras de madeira efectuadas no decurso daqueles trimestres.
6. Com efeito, considerou a AT - mal - que as facturas emitidas pelo sujeito D....., no predito valor, simulam vendas de madeira de pinho e eucalipto à Recorrida, pelo que não é aceite a dedução do IVA mencionado nas facturas, nos termos do disposto no artigo 19.º, n.º 3 do CIVA.
7. Ora, da análise do acervo probatório constante dos autos, designadamente dos documentos juntos – faturas, recibos, guias de remessa, guias de entrada e cópias dos cheques – resulta provado, sem margens para dúvidas que as compras são reais.
8. Efectivamente, para cada aquisição foi emitida a respectiva factura.
9. Para cada factura foi efectuado o transporte, estando nos autos a respectiva guia de remessa, com matrícula do camião que fez o transporte.
10. Para cada guia de remessa há uma guia de entrada na fábrica de celulose (e aqui não podemos obliterar que a guia de entrada é da Impugnante, daí o número não coincidir com o número de remessa emitido pelo sujeito D.....), no qual a matrícula do camião é aquela que consta da guia de remessa.
11. Mais: para cada pagamento, foi sacado o respectivo cheque e emitido o correspondente recibo.
12. E todos estes documentos comprovativos de cada uma das transacções constantes dos autos, designadamente que:
13. - a Recorrida adquiriu a madeira facturada ao sujeito D.....;
14. - o sujeito D....., por cada transacção celebrada, emitiu a respectiva e competente factura em nome da aqui Recorrida, como legalmente exigível;
15. - a cada transacção correspondeu o competente pagamento, através de cheques sacados sobre as contas de que é titular a Recorrida e emitidos a favor daquele sujeito;
16. - a madeira referente às transacções em causa foram entregues, em nome a Recorrida, na CAIMA;
17. - o sujeito D..... providenciou pelo transporte da referida madeira;
18. - o sujeito D..... emitiu guias de remessa correspondentes a cada negócio de madeira que vendeu à Impugnante;
19. - relativamente a cada uma das facturas existem guias de entrada de madeira na sociedade C....., S.A., em nome da Recorrida.
20. Por outro lado, as testemunhas inquiridas foram peremptórias em reconhecer o sujeito D..... como fornecedora da Impugnante tendo, inclusive a testemunha M..... – que depôs com isenção e objectividade – explicado todo o funcionamento de aquisição de madeira ao sujeito D....., por banda da Impugnante.
21. Ou seja, os próprios depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento corroboram os documentos junto e vice-versa.
22. Desta feita, da prova carreada para estes autos é fácil de concluir que:
23. Não há simulações.
24. Os negócios em escrutínio foram reais.
25. A Recorrida vendeu e recebeu dos seus clientes o que comprou ao sujeito D....., como documental e cabalmente comprovado.
26. Existem documentos justificativos das operações realizadas, de origem externa.
27. A sua proveniência é indiscutível.
28. A Recorrida agiu de boa-fé convencida que estava (e está) da legalidade das transacções efectuadas com o sujeito passivo D......
29. As declarações periódicas apresentadas estão, pois, correctas,
30. E, as deduções de IVA, em causa, assentaram em factos reais.
31. Nesta confluência, o sujeito D..... efectuou as vendas de madeira que se encontravam registadas na contabilidade da Impugnante.
32. Por outra banca, a AT ancora a sua posição – existência de vendas simuladas – na circunstância de o sujeito passivo D..... não se dedicar ao comércio de madeira, nem demonstrar ter qualquer estrutura empresarial susceptível desse comércio.
33. Não obstante, em sede administrativa não indicou as diligências efectuadas e, menos ainda, os elementos, que lhe permitiram concluir nesse sentido.
34. Acresce que a AT nunca se pronunciou sobre a boa-fé invocada pela Impugnante nas assinaladas operações, violando, deste jeito o princípio da decisão.
35. A AT concluiu que o beneficiário das operações em causa foi o F....., acrescentando que era ele que contactava fornecedores e clientes em nome do sujeito D..... e recebia cheques e outros valores de clientes em nome da referida D......
36. Ou seja, da tese da própria AT se conclui que sempre seria legítimo à Impugnante representar que as operações eram realmente efectuadas por conta do sujeito passivo D......
37. E, encontrando-se a Impugnante de boa fé, o direito à dedução mantém-se.
38. A final, foi proferida sentença pelo Tribunal de 1ª Instância, que entre o mais, arrestou que: Ora, em face do exposto somos forçados a concluir que a Autoridade Tributária não reuniu indícios suficientemente fortes para concluir pela falsidade das faturas aqui colocadas em causa, porquanto é a própria Autoridade Tributária que “Não (...) coloca em causa que o sujeito passivo “A.....” tenha adquirido a madeira tanto mais que se confirmou que a madeira “faturada” por “D.....” deu entrada nas instalações da P..... SA e na P....., Lda, clientes de “A.....” e foi integralmente faturada a estes dois clientes.”
Ou seja, em momento algum a Autoridade Tributária vem negar expressamente que a ora impugnante tenha adquirido a madeira em causa, ou provando com prova bastante, que não meros indícios e insuficientes, que esta sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender a mercadoria não era a entidade que figurava nas faturas.
De facto, a prova carreada para o processo administrativo tributário refere-se a factos praticados por uma entidade terceira – o fornecedor – que alegadamente terá burlado o Estado em sede de vários impostos por falta absoluta do cumprimento das suas obrigações tributárias, mas em momento algum ligando este à impugnante, ainda que indiretamente, provando que esta teria de saber que este era falso, o que, reitera-se, não se logrou fazer.
Nenhum indício relevante foi aduzido pela Autoridade Tributária no sentido de demonstrar que a impugnante tinha conhecimento dos factos imputados à emitente das faturas, descritos no relatório de inspeção.
Por outro lado, a impugnante não está obrigada a averiguar da situação empresarial ou fiscal dos emitentes das faturas que lhe vendiam a mercadoria. In casu, estando demonstrado que a impugnante adquiriu a mercadoria e a vendeu aos seus clientes teria a Autoridade Tributária que recolher indícios bastantes de que a impugnante sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender não era a entidade que figurava nas faturas.
Em suma, a conclusão que a Autoridade Tributária retirou dos indícios que apurou no Relatório de Inspeção Tributária quanto à emitente das faturas em causa nos autos não lhe permite, sem mais, extrair a conclusão de que as operações em que a impugnante esteve envolvida sejam simuladas e que, nesse pressuposto, esta perca o direito à dedução do imposto.
Face ao antecedente, e seguindo a jurisprudência acima citada, estando demonstrado que a ora impugnante adquiriu a mercadoria em causa, teria a administração tributária que recolher indícios bastantes de que a recorrida sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender não era a pessoa que figurava nas faturas. E não tendo tal acontecido, concluímos que a administração tributária não recolheu indícios que legitimam a sua atuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas faturas em causa nos autos, ou seja, não cumpriu com o ónus que sobre si impedia no sentido de fundamentar as liquidações impugnadas, as quais estão, assim, feridas de ilegalidade, impondo-se determinar a sua anulação. (…)
Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se a presente ação procedente, e em consequência anulam-se as liquidações, com as devidas consequências legais.”
39. Nesta sequência, veio, a Autoridade Tributária, recorrer da douta sentença proferida, porquanto, alega a Recorrente que esta padece de erro de julgamento.
40. Ora, discorda-se, in tottum, com a posição da Recorrente. Vejamos:
41. A Recorrente alega haver “fortes indícios de que as faturas emitidas por D..... não consubstanciam operações reais efetuadas por esta, mas sim operações simuladas pelo que não é aceite a dedução do IVA nelas mencionado, nos termos do Código do IVA.”
42. Reforçando “Nestas circunstâncias o IVA constante das faturas emitidas por "D....." não é dedutível, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 19º do Código do IVA, devendo ser o sujeito passivo a comprovar a efetiva realização daquelas operações e não a Administração Fiscal.”
43. Mais invocando que cumpria à recorrida comprovar a efetiva realização daquelas operações e não à AT.
44. O que não se concede.
45. Liminarmente, sempre se alegará que, nos termos do disposto no art. 75º da LGT, as declarações dos sujeitos passivos gozam de presunção de verdade, o que não invalida que a AT, no âmbito das suas funções, leve a cabo acções de fiscalização, internas ou externas, tendentes a confirmar aquela presunção.
46. Assim, deve entender-se que os factos tributários expressos nas declarações apresentadas pelo contribuinte são verdadeiros e que nenhuns outros podem relevar, relativamente a esse contribuinte, para efeitos de incidência tributária e, por conseguinte, de sujeição a imposto.
47. No entanto, tratando-se de uma presunção legal, o legislador admite, contudo, a sua ilisão através da produção, por parte da Administração Tributária, de prova em sentido contrário.
48. E, nesse sentido o art.º 74º, n.º 1 da LGT estabelece inequivocamente que a prova constitutiva dos direitos invocados recai sobre quem os invoca.
49. Ou seja, compete à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, isto é, que existem indícios sérios de que a operação constante das faturas não corresponde à realidade.
50. A AT ancora a sua posição – existência de vendas simuladas – na circunstância do sujeito passivo D..... não se dedicar ao comércio de madeira, nem demonstrar ter qualquer estrutura empresarial susceptível desse comércio.
51. Não obstante, em sede administrativa não indicou as diligências efetuadas e, menos ainda, os elementos que lhe permitiram concluir nesse sentido. Mutatis, mutandis, no processo judicial.
52. E, como tal, é irrepreensível a sentença proferida pelo Tribunal a quo, ao decidir que:
“(…) somos forçados a concluir que a Autoridade Tributária não reuniu indícios suficientemente fortes para concluir pela falsidade das faturas aqui colocadas em causa, porquanto é a própria Autoridade Tributária.
(…) Em momento algum a Autoridade Tributária vem negar expressamente que a ora impugnante tenha adquirido a madeira em causa, ou provando com prova bastante, que não meros indícios e insuficientes, que esta sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender a mercadoria não era a entidade que figurava nas faturas.
De facto, a prova carreada para o processo administrativo tributário refere-se a factos praticados por uma entidade terceira – o fornecedor – que alegadamente terá burlado o Estado em sede de vários impostos por falta absoluta do cumprimento das suas obrigações tributárias, mas em momento algum ligando este à impugnante, ainda que indiretamente, provando que esta teria de saber que este era falso, o que, reitera-se, não se logrou fazer. (…)”. – sublinhado e negrito nossos.
53. Além do mais, todas as testemunhas esclareceram que a D....., em nome próprio, emitia facturas, emitia recibos, recebia cheques, ia ao escritório da Recorrida, discutia preços de madeira e negociava-a.
54. Desta feita, as conclusões a retirar da prova produzida são, como supra exposto, simples:
55. Não há simulações.
56. Os negócios em escrutínio foram reais.
57. A Recorrida vendeu e recebeu dos seus clientes o que comprou ao sujeito D....., como documental e cabalmente comprovado.
58. Existem documentos justificativos das operações realizadas, de origem externa.
59. A sua proveniência é indiscutível.
60. A impugnante agiu de boa-fé convencida que estava (e está) da legalidade das transacções efectuadas com o sujeito passivo D.....
61. As declarações periódicas apresentadas estão, pois, correctas,
62. E, as deduções de IVA em causa assentaram em factos reais.
63. Por conseguinte, bem andou o Tribunal a quo a julgar procedente a presente ação e em consequência anular as liquidações, com as devidas consequências legais.
64. Para além do mais, é a própria AT concluí que o beneficiário das operações em causa foi o F....., acrescentando que era ele que contactava fornecedores e clientes em nome da D....., e recebia cheques e outros valores dos clientes em nome da referida D.....,
65. Da própria tese da AT se conclui que era legítimo ao impugnante representar que as operações eram realmente efectuadas por conta do sujeito passivo D......
66. E, encontrando-se a impugnante de boa fé, o direito à dedução mantém-se.
67. Essa é posição da jurisprudência do TJUE, como menciona a douta sentença: “não ser compatível com o regime do direito à dedução a recusa desse direito a um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, estava viciada por fraude ao IVA”.
68. Como tal, repetimos, não está a Recorrida obrigada a averiguar da situação empresarial ou fiscal dos emitentes das faturas que lhe vendiam a mercadoria.
69. Nesse sentido, deveria a AT ter recolhido indícios bastantes de que a Recorrida sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender não era a entidade que figurava nas faturas, o que não sucedeu.
70. E, assim, encontrando-se a Recorrida de boa fé, o direito à dedução mantém-se.
71. Conclui-se, portanto, contrariamente ao que alega, que AT não reuniu indícios suficientemente fortes ou fundados para concluir pela falsidade das faturas colocadas em causa.
72. Destarte, as liquidações oficiosas de imposto e juros compensatórios são destituídas de qualquer fundamento de facto e/ou direito.
73. Pelo que, não restam dúvidas que a decisão recorrida não merece, de facto e /ou de direito, qualquer censura devendo o recurso dela interposto improceder, com as legais consequências.
74. Por conseguinte, deve a decisão recorrida ser mantida nos exactos e doutos termos proferidos e, em consequência deverá determinar-se a anulação das liquidações impugnadas.
Termos em que deve o recurso a que se responde ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, com todas as legais consequências, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!”
* *
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter considerado que a administração tributária não recolheu indícios que legitimam a sua actuação, no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas facturas emitidas por D....., não tendo assim cumprido o ónus probatório quanto à desconsideração das facturas, reputando-as de falsas.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. Com base na Ordem de Serviço n.º OI2…., datada de 01.10.2014, a impugnante “A....., Lda.” foi submetida a uma ação inspetiva de âmbito geral a exercício de 2010 – cf. fls. 26v. e 27 do Procedimento de Reclamação Graciosa (PRG).

2. Em 29.12.2014, em nome da impugnante foi emitido o Relatório de Inspeção Tributário, do qual se extrai o seguinte: “(…)
DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA AÇÃO
O presente procedimento de inspeção externo ao sujeito passivo A....., Lda., NIPC 503…., doravante designado “A.....”, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI20…., dirigida ao período de tributação de 2010, foi concluído com regularizações voluntárias e correcções técnicas, após apreciação do direito de audição, conforme a seguir se descrevem:
2 - CORREÇÕES TÉCNICAS
2.1 - Em sede de IVA
Natureza da correção
Valor
    Ponto do relatório
Infração
Dedução indevida de IVA relativo a operações com indicios de serem simuladas
€42.625,11
    2.1.Cap.III
Artigo 19.°n.°3 do Código do IVA
(…)
II – OBJETIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA AÇÃO DE INSPEÇÃO
(…)
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MÉRAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
(…)
2. Em sede de IVA
2.1 - Dedução indevida de IVA resultante de operações simuladas - € 42.625,11.
Na consulta aos elementos disponíveis na Administração Tributária e Aduaneira (AT) constatou-se, no cruzamento dos anexos O e P da Declaração Anual de “A.....”, que este declarou no Anexo P - Fornecedores da Declaração Anual de 2010, aquisições no montante de €253.802,00 a D....., NIF 227…...
Analisada a informação existente sobre D....., no sistema informático da Administração Tributária e Aduaneira (AT), verificou-se que se trata de um sujeito passivo não declarante em sede de IRC e IVA, sem bens sujeitos a registo (imóveis e viaturas) relativamente ao qual não consta, nos cruzamentos dos Anexos O e P da Declaração Anual, a existência de sujeitos passivos a declarar ter-lhe efetuado vendas. Por outro lado ninguém, declarou nas Declarações de Rendimentos Mod 3 -IRS. do ano de 2010. ter auferido rendimentos pagos por este sujeito passivo. Nos dados da segurança social esta entidade não tem dados enquanto entidade empregadora, no ano de 2010 e seguintes.
Solicitada informação à Direção de Finanças de Setúbal no sentido de averiguarem se a mesma evidenciava dispor de estrutura produtiva ou unidade económica que lhe permitisse realizar as vendas formalmente faturadas a “A.....”, em resposta veio a mesma informar que, em face das diligências efetuadas foi apurado que a Sra. D..... não havia sido a beneficiária das transações mas sim o Sr. F....., NIF 161…., com morada em Caldas da Rainha.
A recolha de elementos na contabilidade de “A.....” relativa às alegadas aquisições a “D.....”, permitiu concluir que o valor total por esta “faturado” ascendeu o montante de €253.802,79, com IVA incluído. No quadro seguinte discriminam-se as faturas em causa, guias de remessa, entidade bancária/n.º cheque e as entidades recetoras dos bens:

Fatura
    data
Base
tributável
IVA
Total
N. ° Guia remessa
Banco
N. ° ChequeEntidades recetoras dos bens
2406-10
2010
6.357,331.271,477.628,8065,66,67,
68
M.....1924….P.....,
Lda.
P.....,
SA
2708-01
2010
7.884,901.576,989.461,8872, 73, 74M.....19246….P.....,
SA
2820-01
2010
6.455,311.291,067.746,3776, 77, 78, 79S…400000….P.....,
Lda.
P.....,
SA
3022-01
2010
5.355,021.071,006.426,0282, 83, 84S….3100002000P.....,
SA
3229-01
2010
5.882,541.176,517.059,0585, 86,
87
S….22000….P.....,
Lda.
P.....,
SA
3503-02
2010
1.910,50382,102.292,60102S…..13000….P.....,
SA
3605-02
2010
4.138,75827,754.966,50103,
106,107
S….4000….P.....,
Lda.
P.....,
SA
3809-02
2010
1.434,18286,841.721,02108M.....19246…P.....
SA
3911-02
2010
4.765,50953,105.718,60111, 112M.....19246…P.....
SA
4419-02
2010
5.707,741.141,556.849,29109,
110,
113, 114
M…..19246…P.....,
Lda.
P.....,
SA
4624-02
2010
1.964,00392,802.356,80215S….92000…P.....,
SA
4824-03
2010
2.171,50434,302.605,80138S….470000…P.....
SA
5029-03
2010
1.250,41250,081.500,49142S….29000….P.....,
Lda.
5131-03
2010
3.166,50633,303.799,80143, 144M….1924…P.....
SA
5109-07
2010
1.566,06328,871.894,93324M….19246…P.....
SA
5516-04
2010
2.630,13526,033.156,16164, 174S…..72000….P.....,
Lda.
P.....,
SA
5719-04
2010
2.821,58564,323.385,90178,179S…..6300…P.....,
Lda
5727-07
2010
1.781,49374,112.155,60344S……93000….P.....
SA
5923-04
2010
8.415,101.683,0210.098,12181,182,
183,184,
185
M…..19246…..P.....
SA

5903-08
2010
1.679,15352,622.031,77349S….6600…..P.....
SA
6023-04
2010
1.732,90346,582.079,48186S…..45000….P.....
SA
6127-04
2010
5.071,421.014,286.085,70187,188,
189
S….3600…..P.....
SA
6311-08
2010
3.553,52746,244.299,76356,357M….19246…..P.....
SA
6629-04
2010
7.749,831.549,979.299,80190,191,
192,193,
194
S……1800002023P.....,
Lda.
P.....,
SA
6803-05
2010
1.536,82307,361.844,18195S….900002024P.....,
SA
7006-05
2010
9.478,141.895,6311.373,77197,198,
199,200,
201,202
S….8800002026P.....,
SA
7030-08
2010
1.738,92365,172.104,09384S….8900002069P.....,
SA
7207-09
2010
1.835,24385,402.220,64403M…..1924668848P.....,
SA
7414-05
2010
8.746,641.749,3310.495,97221,222,
223,224,
225
M….1924656238P.....
SA
7510-09
2010
5.421,011.138,416.559,42411,412,
413
M….1924668945P.....
SA
7618-05
2010
8.511,061.702,2110.213,27228,229,
230,232,
233
M….1924657014
1924657111
P.....,
Lda.
P.....,
SA
7719-05
2010
5.569,791.113,966.683,75234,235,
238
M….1924657305P.....
SA
7820-05
2010
5.633,001.126,606.759,60237,239,
241
M…..1924657499P.....
SA
7921-05
2010
3.731,42746,284.477,70236,240M….1924657596P.....
SA
8021-05
2010
3.724,95744,994.469,94242,243M….1924657693P.....,
Lda.
8117-09
2010
5.419,291.138,056.557,34434,435,
436
M…..1924669042P.....
SA
8220-09
2010
7.656,581.607,889.264,46437,438,
439,440
S….4400002074P.....
SA
8327-05
2010
7.500,921.500,189.001,10248,249,
253,254
S….2500002033P.....
SA
8428-05
2010
10.169,382.033,8812.203,26255,256,
257,258,
259,260
M….1924667490P.....
SA
8531-05
2010
4.025,00805,004.830,00298,297M….1924667587P.....,
Lda.
P.....,
SA
9324-06
2010
5.139,951.027,996.167,94294,295,
296
M…1924667878P.....,
Lda.
9428-06
2010
1.692,91338,582.031,49299M….1924667975P.....
SA
9830-06
2010
720,45144,09864,54311M…..1924668169P.....,
Lda.
9902-07
2010
2.748,97577,283.326,25312,313P.....,
Lda.
P.....,
SA
TOTAL211.177,6842.625,11253.802,79
Há indícios fundados de que as faturas emitidas em nome de “D.....” simulam vendas de madeira de pinho e eucalipto a “A.....”. Não se coloca em causa que o sujeito passivo “A.....” tenha adquirido a madeira tanto mais que se confirmou que a madeira “faturada” por “D.....” deu entrada nas instalações da P..... SA e na P....., Lda, clientes de “A.....” e foi integralmente faturada a estes dois clientes. As faturas emitidas a estas entidades estão registadas na contabilidade na conta “71.2.1.1.3 - vendas à taxa normal” e correspondem às seguintes “Guias de Entrada de Madeiras”, da P....., e “Talões de Pesagem”, da P.....:

Fatura (n. °)
Data
Valor
Cliente
Guias (n. °s)
666215-01-20101.341,50P....., Lda.10/0156
666015-01-201013.789,10P....., SA15.216, 15.254, 14.933, 15.201, 14.945,15.218
666830-01-20101.671,22P....., Lda.32135
667331-01-201018.164,70P....., SA100.225,100.414,100.326,100.546, 101.161,100.165
667715-02-20103.208,34P....., Lda.10/0432
668728-02-20103.829,94P…, Lda.T 326/327
668015-02-201018.723,02P....., SA101.633,101.749,102.005,102.269,
102.170,102.176
668628-02-20102.356,80P....., Lda.102.675
670831-03-20101.523,34P....., Lda.T 475
671031-03-20106.405,60P....., SA106.030,107.127,107.128
672115-04-20101.371,24P....., Lda.T773
672315-04-20101.805,48P....., SA109.771
673430-04-201025.882,56P....., SA110.174,110.175, 110.555, 110.933, 110.963, 110.987, 111.531,111.739,111.900
673530-04-20107.015,86P....., Lda.T 840,841,1027,1036
674615-05-20109.716,06P....., Lda.T 1136,1175,1200,1.231
675015-05-201026.183,33P....., SA112.210,112.382,112.383,112.517,112.552,
112.585,113.462,113.614,113.644,113.821,
113.964,112.184,112.768,113.624
678131-05-201016.178,40P....., Lda.T 1484,1465,1556,1555,1579,1591,1418
679131-05-201041.977,01P....., SA114.073,114.271,114.284,114.499,114.545
114.596,114.801,114.816,114.967,114.993
115.286,115.881,116.184,116.185,116.333
116.431,116.436,114.513,116.827
679715-07-20106.778,80P....., Lda.T 1785,1814,
682730-07-20105.717,04P....., Lda.T 1983,2026
683030-06-20102031,49P....., SA121.326
685315-07-20101.258,88P....., Lda.T2137
685415-07-20103.980,82P....., SA122.213,123.512
687031-07-20102.155,60P....., SA126.268
688015-08-20106.331,53P....., SA127.283,128.596,128.849
689731-08-20102.104,09P....., SA131.270
690215-09-201015.505,46P....., SA132.629,133.168,133.169,133.184,133.349
133.357,133.358
691630-09-201015.821,80P....., SA134.197,134.198,134.199,134.373,134.374,
134.430,134.431
    TOTAL
262.829,01
As “guias de entrada de madeiras” da P..... e os “talões de pesagem” da P....., contêm a identificação do tipo de madeira, dos pesos brutos e líquidos, a identificação da viatura que as transportou e a data de entrada, o que tornou possível estabelecer a correspondência entre as guias e talões emitidos por estas entidades e as guias de remessa de “D.....”, existindo conformidade entre elas. No entanto, nenhuma das viaturas identificadas naquelas guias e talões pertence a “D.....”:
    Guia
Talão
Viatura
Matrícula
Proprietário
    99470
24-…
G...., Lda.
    99463
92-…
M...., Lda.
    99542
15-…
T....SA, em liquidação
    99543
….-49
com matricula cancelada desde 12-05-2008
    99688
24-…
G...., Lda.
    99615
…-49
com matricula cancelada desde 12-05-2008
    100326
92-….
M...., Lda.
    100225
…-58
Cancelada desde 24-09-19
    100414
…-58
Cancelada desde 24-09-19
    100548
78-…
T...., Lda.
    100546
40-…
F....., Lda.
32135
90-…
F.....
    101165
97-…
F....., Lda.
    101161
40-
F....., Lda.
80
81-….
F.....
    101401
92-…
M....., Lda.
    101633
10-….
T....., Lda.
    101749
10-…
T....., Lda.
    102005
10-..
T....., Lda.
    102170
97-….
F....., Lda.
    102176
78-…
T...., Lda.
326
12-…
E.....
327
90-…
F.....
    102269
10-…
T....., Lda.
    102675
92-…
M...., Lda.
475
81-…
F.....
    106030
92-…
M...., Lda.
    107127
40-…
F....., Lda.
    107128
15-…
T....SA
    123512
92-…
M...., Lda.
    126268
92-…
M...., Lda.
773
12-…
F.....

    840
81-…
F.....
    841
90-…
F.....
109771
10-…..
T....., Lda.
110709
97-…
F....., Lda.
110174
10-…
T....., Lda.
110175
97-….
F....., Lda.
110759
10-….
T....., Lda.
110555
10-….
T....., Lda.
110933
92-…
M…, Lda.
127283
92-….
M…, Lda.
128849
91-….
T....., Lda.
128596
92-…
M….., Lda.
    1027
90-….
F.....
    1036
12-….
F.....
110963
10-….
T....., Lda.
110987
01-…
S….
110988
10-….
T....., Lda.
111402
10-…
T....., Lda.
111531
10-…
T....., Lda.
111739
10-…
T....., Lda.
111900
10-…
T....., Lda.
112184
92-….
M….., Lda.
112210
10-….
T....., Lda.
112383
10-….
T....., Lda.
112382
01-….
S…..
112552
10-…..
T....., Lda.
112517
01-….
S…
131270
92-…
M…., Lda.
    1136
12-….
T....., Lda.
    1175
12-…
T....., Lda.
    1200
12-…
T....., Lda.
    1231
81-….
F.....
112768
92-….
M....., Lda.
112585
53-..
S....., Lda.
113462
53-..
S....., Lda.
113614
53-…
S....., Lda.
113644
53-…
S....., Lda.
113821
10-..
T....., Lda.
132629
92-…
M...., Lda.
133168
87-….
F....., Lda.
133169
18-…
F....., Lda.
133184
80-….
S....., Lda.
113964
10-…
T....., Lda.
    1418
81-…
F.....
113964
10-….
T....., Lda.
114284
53-….
S....., Lda.
114271
10-….
T....., Lda.
114073
53-….
S....., Lda
114801
53-….
S....., Lda.
114816
92-….
S....., Lda.
114993
53-….
S....., Lda.
114545
53-….
S....., Lda.
114499
10-…
T....., Lda.
114596
92-…
S....., Lda.
133349
80-….
C…..
133358
18-….
F....., Lda.
133357
87-….
F....., Lda.
115881
10-….
T....., Lda.
115286
92-….
S....., Lda.
116184
92-….
S....., Lda.
116185
53-…
S....., Lda.
134197
18-….
F....., Lda.
134198
81-….
F.....
134199
87-….
F....., Lda.
114967
10-…
T....., Lda.
114513
92-….
M...., Lda.
    1484
81-….
F.....
1465
12-….
T....., Lda.
134374
87-…
F....., Lda.
134373
18-….
F....., Lda.
134431
87-….
F....., Lda.
134430
18-….
F....., Lda.
    1556
12-….
T....., Lda.
    1555
81-…
F.....
    1579
90-…
F.....
    1591
81…
F.....
116333
10-…
T....., Lda.
116431
93-…
B……
116436
92-….
S....., Lda.
116827
97-…
F....., Lda.
    1814
81-...
F.....
    1785
12-…..
T....., Lda.
    1983
38-…..
P…., Lda.
121326
92-….
M...., Lda.
    2026
38-…..
P, Lda.
    2137
81-…
P…., Lda.
122213
92-…..
M...., Lda.

A madeira foi facturada aos clientes P..... e P..... com base nos pesos líquidos das pesagens efetuadas nestas entidades o que implica que anteriormente houve aquisições da mesma, mas existem indícios fundados de que as faturas de “D.....” titulam operações simuladas.
M....., sócio de “A.....”, referiu, quando questionado durante o procedimento de inspecção, que era com “Florindo” que se relacionava nos negócios, que não conhecia a “D.....”, e que apenas o via aparecer com uma senhora, mas que nem sabia quem era. Quanto aos cheques serem emitidos em nome de “D.....”, a justificação era a de que “F…” se dizia colaborador de “D.....”. Como a madeira era colocada nas fábricas estava tudo certo. O conhecimento e os negócios com “F.....” eram anteriores a 2010, mas, neste ano, este alegou ser colaborador de “D.....” e por isso as faturas eram emitidas por esta.
Conclusão:
Em face do exposto conclui-se pela existência de fortes indícios de que as faturas emitidas por D..... não consubstanciam operações reais efetuadas por esta, mas sim operações simuladas. pelo que não é aceite a dedução do IVA nelas mencionado, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA, que dispõe o seguinte: “Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente” (sublinhado nosso).
O montante global do IVA indevidamente deduzido ascende a €42.625,11, com a seguinte distribuição por período de imposto:

Período de
IVA indevidamente
Imposto
Deduzido
201001
€ 6.387,02
201002
€ 3.984,14
201003
€ 1.317,68
201004
€ 5.684,20
201005
€ 15.560,16
201006
€ 1.510,66
201007
€ 1.280,26
201008
€ 1.464,03
201009
€ 5.436,96
TOTAL
€ 42.625,11

(…)
IX - DIREITO DE AUDIÇÃO
O sujeito passivo foi notificado na data de 09-12-2014, nos termos previstos no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), para a possibilidade de exercer, no prazo de 15 dias, o direito de audição que lhe assiste, sobre o Projeto de Relatório de Inspeção Tributária.
O sujeito passivo exerceu o direito de audição sobre o referido projecto de que foi notificado e de que se faz a sua apreciação, relativamente às alegações sobre as correcções técnicas apresentadas em sede de IVA e IRC.
(…)
2. Em sede de IVA
2.1- Dedução indevida de IVA resultante de operações simuladas - € 42.625,11
O sujeito passivo considera ter cumprido todos os requisitos legais para efeitos da dedução de IVA referente às aquisições de mercadorias efectuadas a “D.....”, alegando para o efeito ter declarado no anexo P da declaração anual de 2010, aquisições no valor de €253.802,79 a D....., NIF 227…... Pese embora o facto da AT ter constatado que este sujeito passivo não cumpriu com as obrigações fiscais e declarativas, tal facto não pode constituir uma penalização para esta empresa.
Refere que no seu dever de colaboração e a pedido da Direção de Finanças de Setúbal enviou a esta direcção todos os elementos relativos às transções efectuadas com D....., tendo dado autorização, por escrito, para consulta nas respectivas entidades bancárias dos movimentos bancários relacionados com aquele sujeito passivo, não percebendo como é que o beneficiário das transacções foi F..... e não D....., uma vez que a documentação é toda em nome desta. Questiona como é que se pergunta se D..... tem estrutura produtiva para realizar vendas formalmente facturadas a “A.....”, pois tanto quanto sabem D..... efectuou vendas a outros sujeitos passivos, e que na altura das transacções estava devidamente registada, em sede de IRS e IVA, estando, portanto, em situação legal para emitir faturas. Questiona como podem ser simuladas as aquisições quando é a própria AT que as dá como provadas, não podendo por isso duvidar-se que D..... tenha adquirido a madeira que vendeu a A...... Alega que o n.º 3 do artigo 19.º do CIVA que dispõe: “Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente” é bem explícito indicando que tem que resultar de operação simulada. No relatório a AT considera que há indícios de vendas simuladas, não tendo por isso a certeza desse facto.
Considera não ser relevante o facto das viaturas que transportaram a madeira para as fábricas não serem propriedade de D....., uma vez que é da responsabilidade do transmitente o transporte.
Referindo que a empresa tem dezenas de fornecedores e que na maior parte dos casos não conhece os proprietários das mesmas, e são os seus funcionários ou colaboradores que fazem os negócios, registam as encomendas e até nalguns casos responsáveis pelas cobranças, não estranharam que D..... tivesse também um funcionário ou colaborador.
Manifestando que foi provado o cumprimento das obrigações fiscais declarativas de A....., que o sujeito passivo D..... estava devidamente registada na AT à data das transacções e que se trataram de operações materiais e não de negócio simulado, que se verificou o pagamento integral das mesmas tendo o cheque sido emitido à ordem do fornecedor, que as mercadorias foram posteriormente facturadas a clientes seus, considera a reclamante que não tendo havido qualquer tipo de anomalia nos negócios efectuados, não pode aceitar a correcção de €42.625,11 relativo ao IVA que deduziu.
Apreciação das alegações do sujeito passivo:
Pesem embora os factos alegados já terem sido constatados pela inspecção tributária, a questão está no facto do sujeito passivo sustentar o seu direito à dedução do IVA mencionado nas faturas emitidas por "D.....", quando existem indícios de que não efectuou as vendas de madeiras nelas mencionadas, cabendo por isso ao sujeito passivo comprovar a efectiva realização das operações por “D.....”.
A AT recolheu indícios fundados de que D..... não realizou qualquer das operações mencionadas nas faturas emitidas em seu nome, porquanto como referimos no Cap. III, no sistema informático da Administração Tributária e Aduaneira (AT), verificou-se que se trata de um sujeito passivo não declarante em sede de IRC e IVA, sem bens sujeitos a registo (imóveis e viaturas), relativamente ao qual não consta. nos cruzamentos dos Anexos O e P da Declaração Anual, a existência de sujeitos passivos a declarar ter-lhe efetuado vendas. Ninguém declarou nas Declarações de Rendimentos Mod 3 -IRS, do ano de 2010, ter auferido rendimentos pagos por este sujeito passivo. Nos dados da segurança social esta entidade não tem dados enquanto entidade empregadora, no ano de 2010 e seguintes.
A constatação destes factos constituem indícios fundados. objectivos e credíveis de que as faturas emitidas por “D.....”, não titulam operações reais desta tanto mais que foi possível à AT concluir que foi F..... a realizá-las uma vez que se apurou que foi ele o beneficiário dos recebimentos das transacções comerciais simuladas por “D.....”. Nestas circunstâncias o IVA constante das faturas emitidas por “D.....” não é dedutível, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA, devendo ser o sujeito passivo a comprovar a efectiva realização daquelas operações e não a Administração Fiscal.
Neste sentido se tem manifestado uniformemente a Jurisprudência dos Tribunais Tributários Superiores afirmando que quando a Administração Tributária recolher indícios sérios da inexistência de operações tituladas por faturas. cabe ao contribuinte o ónus da prova de que tais operações económicas se realizaram efectivamente, conforme excerto do Acórdão do STA, Proc.º 01026/02, de 07/05/2003, que aqui se reproduz:
“ ... não é necessário que a A.F. prove os pressupostos da simulação previstos no artigo 240.0 do C.C., sendo bastante a prova de elementos indiciários que levem a concluir nesse sentido, isto é, pois de contrário seria praticamente impossível aquele objectivo legal de combate à evasão fiscal.”
(…)
“O artigo 74.º, n.º 1 da LGT, veio repartir deste modo o ónus da prova entre a Administração Fiscal e os contribuintes: a prova dos constitutivos dos direitos cabe a quem os invoque.”
(…)
“Dispunha o artigo 78.º do C.P.T. que “quando a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostra organizada segundo a lei comercial ou fiscal, presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não refecte a matéria tributável efectiva do contribuinte”.
Ora, como quem tem a seu favor uma presunção estabelecida na lei está dispensado da prova do facto presumido [(cfr. Os artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do Código Civil (C.C.)], a recorrente, tendo a sua escrita organizada conforme as exigências legais, não precisa de provar que são verdadeiros os dados decorrentes.
A não ser que se verifiquem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva.
Ainda neste contexto e a propósito da utilização por sujeitos passivos de “faturas falsas”, conforme acórdão do STA de 20-11-2002, no processo n.º 1483/02, a presunção de veracidade e de boa fé das declarações e da contabilidade, consagrada no artigo 75° da Lei Geral Tributária (LGT), cessa quando aquelas revelarem “omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável do sujeito passivo”, o que será o caso de a contabilidade incluir operações tituladas por um operador mas que não é este que as realiza por não ter estrutura económica compatível com o desenvolvimento de atividade(s) económica(s) .. Nestas circunstâncias, considera o STA “a lei não exige senão “indícios fundados”, ou seja não impõe a Administração a "prova provada" de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam, basta-se com indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte. E a este, desprovido do escudo protector da presunção, não resta senão demonstrar a veracidade dos elementos contabilísticos, e respectivos suportes, destarte posta em crise, face àqueles “fundados indícios”.
Reforçando o fundamento invocamos os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte; o proc.º n.º 810/04 do STA de 2004-10-27; os proc.ºs n.ºs 01834/04 de Viseu ambos de 2008-01-24 e também os Proc.ºs n.ºs 455/05.7 e 456/05 de BEPNF datados respetivamente de 2011-01-27 e 2011-03-18, os quais versam que compete à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios fundados de que a operação constante da fatura não é feita pelo operador formal da mesma.
De notar conforme consta no acórdão do STA datado de 2004-10-27, que a AT não precisa de demonstrar a falsidade das faturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo, invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas faturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75º da LGT.
Cabe assim à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua atuação, ou seja, a lei apenas exige a recolha de "indícios fundados", não impondo à Administração Tributária a "prova" de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam. E nesta medida a AT recolheu indícios fundados de que D..... não realizou qualquer das operações mencionadas nas faturas emitidas em seu nome, porquanto como referimos no Cap. III, no sistema informático da Administração Tributária e Aduaneira (AT), verificou-se que se trata de um sujeito passivo não declarante em sede de IRC e IVA, sem bens sujeitos a registo (imóveis e viaturas), relativamente ao qual não consta, nos cruzamentos dos Anexos O e P da Declaração Anual, a existência de sujeitos passivos a declarar ter-lhe efetuado vendas. Ninguém declarou nas Declarações de Rendimentos Mod 3 - IRS, do ano de 2010, ter auferido rendimentos pagos por este sujeito passivo. Nos dados da segurança social esta entidade não tem dados enquanto entidade empregadora, no ano de 2010 e seguintes.
A Direção de Finanças de Setúbal apurou que a Sra. D..... não havia sido a beneficiária das transacções que as faturas titulavam, mas sim o Sr. F....., NIF 161….., com morada em Caldas da Rainha.
Á agora reclamante competia o ónus da prova de que as aquisições eram feitas efectivamente a D....., contrariando todos os factos recolhidos que indiciam claramente ser um operador apenas registado para efeitos de emissão de faturas, neste caso escudando um outro operador económico - F......
Assim, tendo sido reunidos e apresentados factos que indiciam que as faturas visadas são fictícias, na medida em que tais facturas não consubstanciam operações realmente efectuadas pela entidade emitente das mesmas, por si ou por subcontratação, e não tendo o sujeito passivo feito prova de que as faturas emitidas por "D.....", e registadas na sua contabilidade, correspondem a operações efectivamente realizadas por "D.....", propõe-se que se mantenham as correcções propostas no capítulo III.
(…)
Apreciação das alegações do sujeito passivo:
Não tendo sido comprovada a regularização da situação em causa, através da entrega de declaração periódica de IVA para o período 2010 06, mantém-se a correcção proposta.
Em face da apreciação do direito de audição resumem-se em seguida as correções aritméticas relativas a dedução indevida de IVA relativo a operações simuladas, no montante de €42.625,11, e de IVA resultante de falta de registo contabilístico de declaração e pagamento, no montante € 1.725,43, conforme quadro seguinte:
201001201002201003201004201005201006201007201008201009
Total
6387,023.984,141.317,685684,2015.560,161.510,661280,261.464,035.436,9642.625,11
1.725,43

a)

1.725,43
6.387,023.984,141317.685.684.2015.560,161510,663005.691.464.035.436,9644.350,54

a) Nota:. Por lapso este valor tinha sido considerado no quadro apresentado no ponto 2.4 do Cap. III, no período 2010 06 no entanto reporta-se ao período 2010 07 como
agora está considerado
(…).” – cf. fls. 25 a 38 do PRG.

3. Em 31.01.2015 foram emitidas as seguintes liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios, no valor total de €52.320,02:
(1) IVA - Período de 2010 01:
- Liquidação adicional n.º 150…., no valor de €6.387,02;
- Liquidação de juros compensatórios n.º 150…., no valor de €1.227,01;
(2) IVA - Período de 2010 02:
- Liquidação adicional n.º 1500…, no valor de €3.984,14;
- Liquidação de juros compensatórios n.º 1500…, no valor de €751,86;
(3) IVA - Período de 2010 03:
- Liquidação adicional n.º 1500…., no valor de €1.317 ,68;
- Liquidação de juros compensatórios n.º 1500…., no valor de €244,62;
(4) IVA - Período de 2010 04:
- Liquidação adicional n.º 1500…, no valor de €5.684,20;
- Liquidação de juros compensatórios n.º 1500…., no valor de €1.035,30;
(5) IVA - Período de 2010 05:
- Liquidação adicional n.º 1500…, no valor de €15.560,16;
- Liquidação de juros compensatórios n.º 1500…., no valor de €2.781,22;
(6) IVA - Período de 2010 06:
- Liquidação adicional n.º 1500……, no valor de €1.510,66;
- Liquidação de juros compensatórios n.º 1500…., no valor de €265,21;
(7) IVA - Período de 2010 07:
- Liquidação adicional n.º 1500…., no valor de €3.005,69;
- Liquidação de juros compensatórios n.º 1500…., no valor de €517,47.
(8) IVA - Período de 2010 08:
- Liquidação adicional n.º 1500…, no valor de €1.464,03;
- Liquidação de juros compensatórios n.º 1500…, no valor de €247,08;
(9) IVA - Período de 2010 09:
- Liquidação adicional n.º 1500…., no valor de €5.436,96;
- Liquidação de juros compensatórios n.º 1500…, no valor de €899,71 – cf. fls. 42 a 48 do PRG.

4. Das liquidações identificadas no ponto antecedente a impugnante apresentou reclamação graciosa, a qual veio a ser indeferida por despacho de 16.09.2015, da Chefe de Divisão, por delegação de competências do Diretor de Finanças – cf. fls. 5 a 12 e 74 do PRG.
Mais se provou que:

5. A madeira adquirida pela impugnante a D..... foi entregue diretamente nas instalações dos clientes da impugnante (P..... SA e P....., Lda.), tendo sido o transporte da referida madeira efetuado por conta da mesma – cf. fls. 29 a 31 do PRG, corroborado pelo depoimento das testemunhas.

6. A impugnante efetuou o pagamento do fornecimento da madeira por D..... através de cheques – cf. depoimentos das testemunhas.

7. A madeira faturada por D..... deu entrada nas instalações da P..... SA e na P....., Lda., clientes da impugnante, tendo sido integralmente faturada a estes dois clientes – cf. fls. 29v. do PRG, corroborado pelo depoimento das testemunhas.

8. As faturas emitidas a estas entidades encontram-se registados na contabilidade na conta “71.2.1.1.3 – vendas à taxa normal”, correspondendo às seguintes “Guias de Entrada de Madeiras”, da P..... e “Talões de Pesagem” da P.....:
Fatura (n. °)
Data
Valor
Cliente
Guias (n. °s)
666215-01-20101.341,50P....., Lda.10/0156
666015-01-201013.789,10P....., SA15.216, 15.254, 14.933, 15.201, 14.945,15.218
666830-01-20101.671,22P....., Lda.32135
667331-01-201018.164,70P....., SA100.225,100.414,100.326,100.546, 101.161,100.165
667715-02-20103.208,34P....., Lda.10/0432
668728-02-20103.829,94P…, Lda.T 326/327
668015-02-201018.723,02P....., SA101.633,101.749,102.005,102.269,
102.170,102.176
668628-02-20102.356,80P....., Lda.102.675
670831-03-20101.523,34P....., Lda.T 475
671031-03-20106.405,60P....., SA106.030,107.127,107.128
672115-04-20101.371,24P....., Lda.T773
672315-04-20101.805,48P....., SA109.771
673430-04-201025.882,56P....., SA110.174,110.175, 110.555, 110.933, 110.963, 110.987, 111.531,111.739,111.900
673530-04-20107.015,86P....., Lda.T 840,841,1027,1036
674615-05-20109.716,06P....., Lda.T 1136,1175,1200,1.231
675015-05-201026.183,33P....., SA112.210,112.382,112.383,112.517,112.552,
112.585,113.462,113.614,113.644,113.821,
113.964,112.184,112.768,113.624
678131-05-201016.178,40P....., Lda.T 1484,1465,1556,1555,1579,1591,1418
679131-05-201041.977,01P....., SA114.073,114.271,114.284,114.499,114.545
114.596,114.801,114.816,114.967,114.993
115.286,115.881,116.184,116.185,116.333
116.431,116.436,114.513,116.827
679715-07-20106.778,80P....., Lda.T 1785,1814,
682730-07-20105.717,04P....., Lda.T 1983,2026
683030-06-20102031,49P....., SA121.326
685315-07-20101.258,88P....., Lda.T2137
685415-07-20103.980,82P....., SA122.213,123.512
687031-07-20102.155,60P....., SA126.268
688015-08-20106.331,53P....., SA127.283,128.596,128.849
689731-08-20102.104,09P....., SA131.270
690215-09-201015.505,46P....., SA132.629,133.168,133.169,133.184,133.349
133.357,133.358
691630-09-201015.821,80P....., SA134.197,134.198,134.199,134.373,134.374,
134.430,134.431
    TOTAL
262.829,01
cf. fls. 30 e 30v. do PRG.

9. No ano de 2014, a Direção de Finanças de Leiria levou a cabo, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI201…, uma ação inspetiva ao sujeito passivo F....., NIF 161…., com domicílio fiscal na Rua Cambo-Ies-Bains, n.º…... - Cidade Nova 2…-3… Caldas da Rainha – cf. fls. 21 a 38 do processo administrativo (PA).

10. Tendo sido ouvido no âmbito do referido procedimento inspetivo, o sujeito passivo F..... referiu que: “- As transações comerciais foram efetivamente realizadas tendo por base as guias de entrega de madeira nas celuloses;
- A razão pela qual aparece como beneficiário dos cheques emitidos em nome da D....., prende-se com o facto de ela ter apenas conta na Ca…. e ter vários problemas a nível bancário, não podendo, por isso, depositar os referidos cheques;
- Não exerceu nenhuma atividade nos exercícios de 2010 e 2011, dedicando-se apenas à realização de algumas tarefas ocasionais;
- A D..... era uma pessoa viciada em estupefacientes e que actualmente desconhecia o seu paradeiro;
- no âmbito da actividade da D....., realizava tarefas diversas, tais como, requisitar facturas e guias de remessa nas tipografias, contactava fornecedores e clientes, recebia cheques e outros valores dos clientes, efectuava os levantamentos dos cheques recebidos junto das instituições bancárias, para além de outras tarefas, como ser motorista da Diana que segundo alegou teria a carta de condução apreendida, sublinhando que os trabalhos que desenvolvia eram a título de amizade pessoal com a D....., não recebendo por isso qualquer vencimento;
- os muitos anos que tem de ligação à actividade lhe facultaram conhecimentos e proporcionaram amizades que, numa base de confiança, permitiam que as empresas de celulose clientes da D....., lhe efectuassem as entregas dos cheques referentes aos pagamentos pelos fornecimentos de madeira realizados.” – cf. fls. 25 e 26 do PA.

11. No âmbito do procedimento inspetivo identificado em 9., concluíram os serviços inspetivos que o sujeito passivo F..... exerce efetivamente a atividade de compra e venda de madeiras recorrendo a pessoas, sempre do sexo feminino, com pouca idade, sem qualquer experiência e ou conhecimento da atividade de exploração florestal e normalmente ligadas ao submundo da noite e atividades ilícitas, desprovidas de qualquer património e socialmente descredibilizadas – cf. fls. 26 do PA.

12. O sujeito passivo F....., face aos problemas que tem com o sistema bancário, movimenta todos os valores em numerário uma vez que os cheques que lhe foram endossados pela D..... foram todos levantados ao balcão das instituições bancárias – cf. fls. 26 do PA.

13. Os serviços inspetivos no procedimento inspetivo identificado em 5, concluíram que as faturas emitidas em nome de D..... referem-se à atividade económica e a transações efetivas do sujeito passivo F..... – cf. fls. 27 do PA.
*
Factos não provados
Para além dos supra elencados, não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
*
Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada resultou da posição assumida pelas partes (factos não controvertidos) e da análise crítica dos documentos e informações juntos aos autos e constantes do processo administrativo, não impugnados, bem como na prova testemunhal produzida, tudo tal como indicado acima por referência a cada concreto ponto da matéria de facto.
Foi ponderado o depoimento da testemunha V....., Técnico Oficial de Contas responsável pela realização da contabilidade da impugnante à data dos factos, que prestou um depoimento claro e isento de contradições, revelou ter conhecimento da realidade das operações questionadas nos autos, tendo explicado o procedimento de aquisição e fornecimento da madeira por parte da impugnante às fábricas da P..... e da P......
Foi ponderado e valorado o depoimento de M..... da C....., empregada de escritório da impugnante, que revelou conhecimento direto dos factos sobre os quais incidiu, convencendo o tribunal da sua veracidade. Disse conhecer D..... porque os pagamentos pelo fornecimento da madeira eram efetuados diretamente a esta através de cheques, os quais na maior parte foram preenchidos por si.
O depoimento das testemunhas foi relevante para demonstrar a forma como era efetuado o fornecimento da madeira nas fábricas da P..... e da P..... pelos fornecedores da impugnante, e neste caso pela D....., tendo as mesmas esclarecido que era a própria D..... que entregava a madeira nas referidas fábricas, em nome da impugnante, no âmbito de contratos de fornecimento celebrados entre a impugnante A..... e as referidas fábricas.”.

* *
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Vem a AT- Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar recurso jurisdicional contra a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a impugnação judicial referente a liquidação de IVA e juros compensatórios dos períodos de 2010/01 a 2010/09T no montante total de € 52.320,02.

A Recorrente vem imputar à sentença erro de julgamento de facto e de direito defendendo que os indícios recolhidos e vertidos no relatório de inspecção são fundados, objectivos e credíveis de que as facturas emitidas por D..... não titulam operações reais, não sendo dedutível o IVA delas constante nos termos do art. 19º, nº 3 do CIVA.

Ao invés a Recorrida vem defender o julgado invocando para o efeito e em síntese que a administração tributária não reuniu indícios fortes ou fundados para concluir pela falsidade das facturas, reiterando que se tratou de transacções reais e verdadeiras.

O Tribunal a quo julgou procedente a impugnação judicial deduzida com referência às liquidações de IVA dos períodos de 2010/01 a 2010/09T louvando-se na fundamentação que de seguida se transcreve:
sendo o IVA um imposto de matriz comunitária, impõe-se tecer algumas considerações prévias relativamente à natureza e amplitude do direito à dedução, considerando nesta análise as regras que regem este imposto de acordo com o Direito da União Europeia, com a respetiva transposição a nível interno e com a interpretação administrativa e judicial que sobre as mesmas tem vindo a ser levada a cabo, especialmente pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). A este respeito importará analisar a questão da dedutibilidade do IVA, tendo em conta a interpretação do disposto nos artigos 168.º da Diretiva IVA (DIVA) e o artigo 19.º do Código do IVA.
O direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do A e não pode, em princípio, ser limitado, exercendo-se imediatamente em relação à totalidade do IVA que incidiu sobre as operações a montante.
Nesta aceção do princípio da neutralidade, o regime instituído pela DIVA permite aos sujeitos passivos deduzir o IVA que tenha onerado as aquisições de bens e serviços destinados à atividade tributada. Note-se, que o TJUE se refere ao princípio da neutralidade do IVA ainda numa outra aceção, de acordo com a qual o sistema do IVA não deve interferir com as decisões económicas nem com a formação dos preços ao longo do circuito económico.
Por conseguinte, o mecanismo do direito à dedução permite ao sujeito passivo expurgar do seu encargo o IVA suportado a montante retirando o efeito cumulativo e a tributação em cascata que caracterizavam sistemas anteriores de tributação do consumo. Assim, o direito à dedução assenta no designado método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtrativo indireto ou ainda método das faturas.
De acordo com este método, e em conformidade com o disposto no artigo 19.º do Código do IVA, através de uma operação aritmética de subtração, ao imposto apurado nas vendas e prestações de serviços (outputs) e identificável nas respetivas faturas, deduz-se o imposto suportado nas compras e outros gastos (inputs). Como determina o 2.º parágrafo, do n.º 2 do artigo 1.º da DIVA “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço”.
Tal como previsto na DIVA, o Código do IVA determina, como regra geral, a dedutibilidade do imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos passivos.
As situações expressas de exclusão do direito à dedução são excecionais e reportam-se a casos específicos enunciados pelo legislador nacional em termos taxativos, de acordo com o estatuído na DIVA, em função do tipo de despesas em causa.
As regras do exercício do direito à dedução do imposto contemplam requisitos objetivos, mais ligados ao tipo de despesas, subjetivos, relativos ao sujeito passivo, e temporais, atinentes ao período em que é possível exercer o direito à dedução do IVA, os quais se devem verificar em simultâneo para se exercer o direito à dedução.
Como requisitos objetivos do exercício do direito à dedução do IVA temos, nomeadamente, o facto de o imposto suportado dever constar de fatura passada na forma legal (ou seja, deverá obedecer, nos seus requisitos, aos termos gerais previstos no atual artigo 36.º, n.º 5, e artigo 40.º do Código do IVA), de se tratar de IVA português, e de a despesa, por si, conferir o direito à dedução do imposto (isto é, não se deve tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º do Código do IVA).
Como requisitos subjetivos do exercício do direito à dedução do imposto determina-se, nomeadamente, que os bens e serviços deverão estar diretamente relacionados com o desenvolvimento de uma atividade económica.
Com efeito, de acordo com a DIVA, no artigo 168.º (transposto, em parte, pelo artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA), o sujeito passivo pode deduzir o IVA suportado no Estado membro em que se encontra estabelecido, nas transmissões de bens e prestações de serviços, assim como operações assimiladas nas aquisições intracomunitárias de bens e nas importações ali localizadas, desde que “os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas (…)”.
Note-se que o TJUE admite a possibilidade de dedução do IVA mesmo que não se assista à efetiva realização de operações tributáveis, no caso dessas operações, por factos que ultrapassem a vontade da entidade, não se venham efetivamente a concretizar, ocorrendo a liquidação da sociedade. Acresce que este normativo, em conformidade com as regras do Direito da União Europeia, vem exigir que exista um nexo de causalidade entre o bem ou serviço adquirido (input) e o output tributado, para que o IVA seja suscetível de ser dedutível. Isto é, o IVA suportado a montante numa determinada operação só é dedutível na medida em que possa estar relacionada a jusante com uma operação efetivamente tributada, devendo a relação ser aferida em função do reporte e inclusão do custo suportado, no preço da operação tributada.
No que diz respeito aos regimes de dedução de IVA, o TJUE tem vindo a considerar que o direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do próprio imposto, que não pode em princípio ser limitado, e que se exerce em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante, sublinhando ainda que toda e qualquer limitação do direito à dedução tem incidência ao nível da carga fiscal e deve aplicar-se de modo semelhante em todos os Estados-Membros. Em consequência, só são permitidas derrogações nos casos expressamente previstos pela Diretiva.
Acresce referir que qualquer limitação do direito à dedução deve observar os princípios da proporcionalidade e da igualdade o que pressupõe uma ponderação equilibrada dos benefícios derivados da medida e do sacrifício que esta implica.
Por outro lado, o STA, no Acórdão proferido no processo n.º 01455/12, de 07.10.2015, disponível em www.dgsi.pt, veio considerar que o princípio da dedução do IVA, enquanto meio de concretizar a neutralidade do imposto, impõe que todas as restrições ao direito de dedução sejam interpretadas de forma restritiva e reduzidas ao mínimo.
Com efeito, refere aquele aresto: “Ora, da aplicação conjugada de todas as normas invocadas, resulta demonstrado que o direito à dedução do IVA incorrido não está dependente de tal imposto ter sido devidamente liquidado pelo sujeito passivo, contrariamente ao que refere a Requerida.
Vem sendo jurisprudência unânime dos tribunais superiores que o IVA indevidamente liquidado em factura ou documento equivalente é, não obstante, devido ao Estado, competindo à entidade emitente do documento em causa a sua entrega ao Estado. Só desta forma é que se pode assegurar o princípio da neutralidade do imposto, quer para os intervenientes, quer para o próprio Estado. A título de exemplo, veja-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 04-06-2015, proferido no proc. n.o 07111/13 (disponível em www. dgsi.pt) em que se conclui que “(...) cada factura com menção de imposto, constitui um verdadeiro "cheque sobre o tesouro", pois atribui ao destinatário que seja sujeito passivo o direito de deduzir o I.V.A. nela contido. Por isso, a simples menção do I.V.A. em factura (mesmo que porventura descabida, por não haver lugar a imposto naquele caso, por qualquer razão) origine sempre a obrigação de pagar, independentemente da qualidade do emissor, isto é, seja ele ou não um sujeito passivo. Tornar-se-á, pelo simples facto da menção, um "devedor de imposto". Só assim se consegue que ao direito à dedução, que a factura atribui ao destinatário sujeito passivo, corresponda sempre uma obrigação de pagar e se assegure o funcionamento regular do sistema de pagamentos fraccionados em sede de I.V.A. (cfr.ac.S.T.A.-2a.Secção, 24/4/2002, rec.26636; ac.S.T.A.-2a.Secção, 26/9/2012, rec. 555/12; ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 17/1/2012, proc.4711/11; José Guilherme Xavier de Basto, A tributação do consumo e a sua coordenação internacional, Lições sobre harmonização fiscal na Comunidade Económica Europeia, C.T.F. 362, Abr./Jun. 1991, pág.42 e seg.; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4a. edição, Janeiro de 1997, pág.51; Clotilde Celorico Palma e Outros, Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Almedina, 2014, pág.47).
(...) A razão de ser desta obrigação decorre do facto dessas mesmas facturas conterem I.V.A. dedutível por parte da entidade a favor da qual foram emitidas e, nessa medida, ser necessário assegurar que o imposto delas constante tenha dado entrada nos cofres do Estado.” (sublinhado nosso).
Este entendimento do Tribunal Central Administrativo Sul vem sustentado no aí mencionado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26-09-2012, proc. n.o 555/12 (também disponível em www.dgsi.p), em que se concluiu que “(...) a simples menção do IVA em tais documentos, mesmo que porventura descabida, por não haver lugar ao mesmo, origina obrigação de imposto. Como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 24/4/2002, proc no 26636, este resultado deriva tanto do carácter rígido e formalista do IVA como do facto de o sujeito passivo destinatário da factura ter o direito de dedução respectivo. Nas palavras de XAVIER DE BASTO ( Cfr. “A harmonização Fiscal na CEE”, Ciência e Técnica Fiscal, no 362, p. 44. ), cada factura com menção de imposto, constitui “um cheque sobre o tesouro, pois atribui ao destinatário que seja sujeito passivo o direito de deduzir o IVA nela contido. Por isso, (...) a simples menção do IVA em factura (mesmo que porventura descabida, por não haver lugar a imposto naquele caso, por qualquer razão) origine obrigação de pagar, independentemente da qualidade do emissor, isto é, seja ele ou não um sujeito passivo. Tornar-se-á, pelo simples facto da menção, um “devedor de imposto”. Só assim se consegue que ao direito à dedução, que a factura atribui ao destinatário sujeito passivo, corresponda sempre uma obrigação de pagar. Assim se assegura o funcionamento regular do sistema de pagamentos fraccionados”. Aplicando o exposto ao caso em apreço, verifica-se que o recorrente não era sujeito passivo de IVA e não estava obrigado a passar a factura, cuja cópia consta do ponto c) do probatório. No entanto, ao fazê-lo, a menção na mesma do imposto atribuiu ao destinatário (no caso dos autos, à B..., SA.), o direito de deduzir com base nela o IVA. Daí que o legislador comine que a simples menção do IVA no documento em causa origine obrigação de pagar, independentemente da qualidade do emissor, que se torna “devedor do imposto”, pois só assim se consegue, como refere XAVIER DE BASTO, “que ao direito à dedução, que a factura atribui ao destinatário sujeito passivo, corresponda uma obrigação de pagar”, com vista a assegurar “o funcionamento regular do sistema de pagamentos fraccionados”
Decorre do supra exposto que o direito à dedução do IVA é essencial ao funcionamento do mecanismo deste imposto só podendo ser limitado em situações excecionais.
Resulta, ainda, da jurisprudência do TJUE não ser compatível com o regime do direito à dedução a recusa desse direito a um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, estava viciada por fraude ao IVA [cf., entre outros, acórdãos de 12 de janeiro de 2006, Optigen C-354/03, C-355/03 e C-484/03, n.ºs 52 e 55 e Kittel e Recolta Recycling, n.ºs 45, 46 e 60, Mahagében e David, n.º 47, e Bonik , n.º 41.] .
As disposições previstas no artigo 19.º n.ºs 3 e 4, do Código do IVA visam precisamente consagrar o impedimento do direito à dedução que resulte de operações fraudulentas. Desde logo, tendo presente que se confere direito à dedução o IVA que tenha onerado aquisições de bens e serviços destinados ao exercício da atividade tributada realizada pelo sujeito passivo, pelo que o n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA explicita que “não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente”. Este preceito legal, em face da sua formulação aplica-se quer em situações de simulação absoluta, de que constituem paradigma no âmbito do IVA as designadas “faturas falsas”, quer em situações de simulação relativa, de que uma das variantes poderá constituir a simulação do valor da operação.
No caso dos autos está-se perante uma situação em que a Autoridade Tributária qualifica de faturas falsas e negócio simulado, recorrendo ao mecanismo previsto no n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA, pelo que é nesse plano e dessa perspetiva que as correções em causa nos autos se devem analisar.
No que se refere aos negócios simulados, a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores tem vindo já a debruçar-se sobre os mesmos e a sua relação com a dedutibilidade do IVA.
A título de exemplo, veja-se o aresto proferido no processo n.º 00030/05.6BEPNF, da 2.ª Secção do Contencioso Tributário, pelo TCA Norte, datado de 14.07.2014, disponível em www.dgsi.pt, onde se lê: “Neste particular, é sabido que, como tem sido jurisprudência uniforme deste Tribunal Central Administrativo Norte, quando a administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.
Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção - cfr. entre outros, Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.
De notar que a administração tributária não precisa de demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75.º da Lei Geral Tributária.
Neste domínio, em princípio, se os indícios denunciam que com forte probabilidade os emitentes das facturas não tinham capacidade empresarial para vender a mercadoria mencionada nas facturas, tanto bastaria para se criar um juízo sério de que aquelas transacções não existiram, ou seja, que aqueles emitentes não venderam à recorrente aqueles materiais, logo, a recorrente não os comprou, traduzindo assim a factura uma simulação de transacção entre o emitente e o utilizador da factura.
E assim dir-se-ia que bastaria à administração tributária, para cumprir o seu ónus, carrear factos relativos aos emitentes das facturas indiciadores da sua incapacidade para transaccionarem as mercadorias. E ficaria desonerada de averiguar qualquer facto na esfera do utilizador das facturas indiciador da sua participação ou conhecimento ou dever de conhecer da falsificação. Poderia limitar-se, como aconteceu no caso dos autos, a constatar na contabilidade do sujeito passivo a existência de facturas daqueles emitentes para, sem mais, considerar indevidamente deduzido o IVA, passando a competir ao sujeito passivo o ónus de demonstrar a veracidade das transacções.
Em suma, a ser assim entendido, a administração tributária, conhecedora que determinado sujeito passivo se dedicava à emissão de facturas falsas, poderia sem mais, desconsiderar os custos de qualquer outro sujeito passivo inspeccionado que tivesse contabilizado facturas daquele emitente.
Assim sendo, os indicadores de facto de que o emitente da fatura não tem capacidade para prestar o serviço não bastam, por si só, para obstar à dedutibilidade do imposto mencionado nessa fatura, se não houver razões para pôr em causa a realização desse serviço por terceiro.
Pode, à partida, parecer estranho que o legislador se tenha abstraído da relação subjacente titulada na fatura que, para ser subjetivamente verdadeira, teria que existir entre aqueles dois sujeitos (o emitente da fatura e o utilizador da fatura). Mas há uma razão para tal: é que o legislador também abstrai da relação subjacente para exigir o imposto do emitente.
Com efeito, e nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do mesmo código, o imposto também pode ser exigido ao emitente da fatura que ali o mencione indevidamente. Cada fatura onde seja mencionando imposto constitui um «cheque sobre o Tesouro» (cit. José Guilherme Xavier de Basto, in «A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional», Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 164, Centro de Estudos Fiscais 1991, pág. 140). E isto acontece precisamente porque o destinatário da fatura também não deixa, por esse facto, de ter o direito a utilizá-la, no exercício do seu direito à dedução.
Assim, não sendo a existência da relação subjacente entre aqueles dois sujeitos um requisito de dedutibilidade do imposto, esta só pode ser afastada por uma norma de exclusão.
O Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado contém várias normas que excluem especialmente o direito à dedução, mas só nos interessa analisar aqui uma delas: o n.º 3 do seu artigo 19.º. Porque foi com base nessa norma que a administração tributária procedeu às correções impugnadas.
E segundo esta norma, não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente.
No entanto, o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado também não nos diz o que se deve entender por operação simulada para os efeitos desse Código, pelo que terá que ser interpretada com o sentido que o termo tem no direito civil - artigo 11.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária.
Ora a simulação é a divergência entre a vontade real e a vontade declarada dos sujeitos do negócio jurídico, por acordo entre o declarante e o declaratário e com o intuito de enganar terceiros – artigo 240.º do Código Civil. Pode ser absoluta (quando não existe vontade de realizar negócio nenhum) ou relativa (quando existe a vontade de dissimular um outro negócio). E, neste último caso, pode ser subjetiva (quando o negócio dissimulado é realizado com outro sujeito) ou objetiva (quando o negócio dissimulado tem natureza ou conteúdo diverso, como sucede com a simulação de valor).
Analisemos mais detalhadamente a simulação subjetiva (que é a que para o caso releva). Para que haja simulação é necessário que exista um acordo entre os sujeitos os sujeitos reais da operação e o interposto (interposição fictícia). Se o acordo existe apenas entre o interposto e um dos sujeitos reais da operação, atuando aquele em nome próprio, mas no interesse e por conta desse sujeito (interposição real), não se nos apresenta uma simulação, mas antes um mandato sem representação (cfr. artigos 1180.º e seguintes do Código Civil – neste sentido, Carlos Alberto da Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição atualizada, pág. 476).
A comissão mercantil, regulada nos artigos 266.º e seguintes do Código Comercial, é uma modalidade de mandato sem representação, com a particularidade de ter por objeto, não a prática de atos jurídicos, mas a prática de atos do comércio. Também neste caso existe uma interposição real e lícita de sujeitos (e que se contrapõe, por isso, a interposição fictícia ou simulada - Pires de Lima e Antunes Varela, in «Código Civil Anotado», volume II, pág. 747). Ou seja, o negócio é realmente celebrado entre o mandatário ou comissário e o destinatário dos serviços. Mas aquele fica com a obrigação de transferir para o mandante a titularidade dos direitos que tenha adquirido em execução do mandato.
Assinale-se que o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado acolheu expressamente a figura jurídica da comissão mercantil, como decorre dos seus artigos 3.º, n.º 3, alínea c) (no caso de interposição na transferência de bens) e 4.º, n.º 4 (no caso da prestação de serviços). O que significa que, também para os efeitos deste imposto, a prestação de serviços por conta de outrem não é uma interposição fictícia ou simulada.
Assim sendo, a interposição de um sujeito entre o emitente da fatura e o seu utilizador só será uma operação simulada para efeitos do disposto no artigo 19.º, n.º 3, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e, por conseguinte, só excluirá o direito à dedução se existir acordo entre eles com o intuito de enganar terceiros, nomeadamente o fisco.
Pelo que a existência de acordo entre o verdadeiro prestador do serviço e o seu utilizador, no sentido de simular a celebração do negócio entre um deles apenas e terceiro com o intuito de enganar terceiros (e o fisco em particular) é elemento essencial da simulação subjetiva.
Passemos a outra questão, que é a de saber se compete à administração tributária provar o acordo simulatório. É o problema da repartição do ónus probatório entre a administração tributária e o sujeito passivo na aferição da legalidade do exercício à dedução.
Sobre esta matéria, dispõe com interesse o artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária que o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Assim, e tomando como modelo o procedimento de liquidação da iniciativa da administração tributária, esta terá o ónus de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos-pressupostos da existência, qualificação e quantificação do facto tributário). E o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.
Todavia, o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2003-05-07 (Processo n.º 01026/02, disponível a redação integral in www.dgsi.pt, seguindo o entendimento do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2002-04-17, processo n.º 026635, também ali disponível), firmou jurisprudência no sentido de que recai sobre o contribuinte a prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado.
A razão de ser deste entendimento é a seguinte: ao contrário do que sucede em regra, em que a administração tributária afirma a ocorrência do facto de que deriva o direito à tributação, neste caso é o sujeito passivo que afirma o facto tributário de que deriva o direito à dedução e a administração tributária que põe em causa a sua ocorrência.
Deve salientar-se, porém, que esta regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a administração tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu (no caso, que não ocorreu entre os sujeitos mencionados na fatura. Ou seja (para utilizar as palavras do mesmo aresto), depois da administração tributária ter emitido «um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei».
O que, de resto, resultava já do artigo 82.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (na redação então em vigor) segundo o qual a ratificação das declarações do sujeito passivo ocorreria quando a administração tributária fundadamente considerasse que nelas figurara um imposto superior ou uma dedução superior aos devidos.
E que nem poderia ser de outra forma, porque o exercício do direito à dedução tem por base a declaração a que então aludia o artigo 28.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código. Declaração essa que, nos termos do artigo 75.º da Lei Geral Tributária, se presume verdadeira quando seja apresentada nos termos previstos na lei e os dados dela constantes se encontram inscritos na sua contabilidade ou escrita, por sua vez organizadas de acordo com a legislação comercial ou fiscal. E quando alguém tem a seu favor uma presunção legal não tem que provar o facto a que ela conduz – artigo n.º 350.º, n.º 1, do Código Civil.
Pelo que, quando o direito à dedução tenha por base declaração do sujeito passivo apresentada nos termos da lei, a administração tributária que pretenda infirmar a ocorrência do facto em que se suporta essa dedução invocando a simulação de sujeitos, não tem que demonstrar que o acordo simulatório existiu (o que seria muito difícil demonstrar, na generalidade dos casos), mas tem que reunir indicadores objetivos de que tal acordo deveria ter existido. …”.
A partir daqui, e considerando a situação particular em apreciação nos autos, tem de entender-se que para haver simulação seria necessário que a administração fiscal tivesse reunido elementos que relacionassem a utilizadora das facturas com o esquema de fraude, ou seja, que tivesse reunido indícios de que a utilizadora das facturas participou ou que sabia ou devia saber que a emitente das facturas não era o verdadeiro fornecedor da mercadoria em apreço, na medida em que pode acontecer que a utilizadora de facturas falsas não saiba nem tenha possibilidades de saber da falsidade.
Com efeito, basta que um operador, obtendo as necessárias quantidades de mercadorias, munindo-se de um livro de facturas e abrindo uma conta bancária em nome do titular da factura, se desloque às instalações de um outro revendedor, ofereça as mercadorias, acorde um preço e desconte o cheque usado como meio de pagamento.
A aceitar-se que o ónus da Fazenda Pública se basta com a recolha de indícios de falsidade relativamente aos emitentes das facturas levaria a que os utilizadores das facturas falsas, que não sabem que são falsas, não pudessem deduzir custos que efectivamente suportaram, sem que tivessem participado em qualquer esquema fraudulento.
Dir-se-á que, sempre tais utilizadores inocentes poderiam fazer prova da veracidade das transacções - na aplicação do quadro probatório acima fixado: à administração tributária cabe o ónus de demonstrar indícios da falsidade; cumprido tal ónus passa a caber ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das transacções.
Mas facilmente se percebe que tal prova, nestas circunstâncias, de fraude a montante, que desconhece, será impossível para o utilizador das facturas provar o que quer que seja para além do que resulta da sua contabilidade, e que, não se deve esquecer, goza de presunção de veracidade. Se houve fraude e o utilizador das facturas desconhece não pode provar que as mercadorias foram adquiridos aos emitentes das facturas, porque não foram; nem pode provar que os adquiriu a outrem, porque para este utilizador de facturas a mercadoria foi comprada ao emitente, desconhecendo o real vendedor.
O que pode fazer o utilizador das facturas nestas circunstâncias é tão-só esclarecer como é que as negociações se desenvolveram e com quem se desenvolveram.
(…)
Deste modo, havendo indícios de que a emitente das facturas não forneceu a mercadoria mencionada nas facturas, impunha-se que a administração fiscal indagasse da participação da ora Recorrida no esquema simulatório.
Ora, a administração tributária não diz que a recorrente sabia ou devia saber que estava a comprar a pessoa diferente da que figura na factura e o utilizador da factura não está obrigado a saber a situação empresarial ou fiscal do emitente da factura que lhe entrega a mercadoria.
Aceitar-se que um utilizador de facturas veja os custos desconsiderados sem que de alguma forma a administração tributária o ligue ao esquema fraudulento, seria violador do princípio da justiça. E poria em causa a confiança nas relações comerciais.
Este entendimento vai de encontro ao do Tribunal de Justiça que no Acórdão de 31 de Janeiro de 2013, processo C-642/11 - que tratava de uma questão de dedutibilidade de IVA, reportando-se aos casos em que as irregularidades se verificam na esfera dos emitentes, pronunciou-se assim:
«47 Assim, cabe às autoridades e aos tribunais nacionais recusar o direito a dedução, se se demonstrar, face a elementos objectivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente (v., neste sentido, acórdão de 6 de Julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C-439/04 e C-440/04, Colet., p.I-6161; e acórdãos, já referidos, Mahagében e David, n.º 42, e Bonik, n.º 37).
48 Contudo, também segundo jurisprudência bem assente, não é compatível com o regime do direito a dedução prevista pela Diretiva 2006/112 sancionar, com a recusa desse direito, um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, estava viciada por fraude ao IVA (v., especialmente, acórdão de 12 de Janeiro de 2006, Optigen e o., C-354/03, C-355/03 e C-484/03, Colet., p. I-483, n.ºs 52 e 55; e acórdãos, já referidos, Kittel e Recolta Recycling, n.ºs 45, 46, e 60, Mahagében e Dávid, n.º 47, e Bonik, n.º 41).
49 Além disso, o Tribunal de Justiça declarou, nos n.ºs 61 a 65 do acórdão Mahagében e David, já referido, que a Administração Fiscal não pode exigir de maneira geral que o sujeito passivo que pretenda exercer o direito a dedução do IVA, por um lado, verifique que o emitente da fatura referente aos bens e aos serviços em função dos quais o exercício deste direito é pedido dispõe da qualidade de sujeito passivo, possui os bens em causa e está em condições de os entregar e cumpre as suas obrigações de declaração e de pagamento do IVA, a fim de se certificar de que não há irregularidades ou fraude ao nível dos operadores a montante, ou, por outro, possua documentos a este respeito.
50 Daqui decorre que o tribunal nacional que deva decidir se, num determinado caso, existe operação tributável, tendo a Administração Fiscal alegado no processo que a existência de irregularidades cometidas pelo emitente da fatura ou por um dos seus fornecedores, como omissões contabilísticas, deve zelar por a apreciação da prova não conduza a esvaziar de sentido a jurisprudência recordada no n.º 48 do presente acórdão, obrigando de forma indireta o destinatário da fatura a proceder a verificações junto do seu contratante que, em principio, não lhe incumbem.»
E a final declarou:
«(…)
2- Os princípios da neutralidade fiscal, da proporcionalidade e da confiança legítima devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que seja o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante seja recusado ao destinatário de uma factura, por inexistência de uma operação tributável efectiva, quando, no aviso retificativo de tributação enviado ao emitente da fatura, o imposto sobre o valor acrescentado declarado pelo emitente não tiver sido corrigido. Contudo, se, por causa de fraudes ou irregularidades cometidas pelo emitente ou a montante da operação invocada como base do direito a dedução, se considerar que essa operação não foi efectivamente realizada, deve provar-se, perante elementos objectivos e sem exigir ao destinatário da fatura verificações que lhe não incumbem, que o mesmo destinatário sabia ou tinha obrigação de saber que a operação estava implicada numa fraude ao imposto sobre o valor acrescentado, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.».
(…)
No caso, repete-se, estando demonstrado que a ora Recorrida adquiriu a mercadoria em causa, teria a administração tributária que recolher indícios bastantes de que a recorrida sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender não era a pessoa que figurava nas facturas.
E não tendo tal acontecido, concluímos que a administração tributária não recolheu indícios que legitimam a sua actuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas facturas em causa nos autos, ou seja, não cumpriu com o ónus que sobre si impendia no sentido de fundamentar as liquidações impugnadas, as quais estão, assim, feridas de ilegalidade, impondo-se assim acompanhar a decisão recorrida quando determinou a anulação das liquidações impugnadas.”.

No caso em apreço o tribunal a quo concluiu que os indícios recolhidos pelos serviços de inspecção eram insuficientes para imputar um juízo de falsidade às facturas emitidas à impugnante, decisão contra a qual a Recorrente se insurge.

Atento o enquadramento jurídico vertido na sentença recorrida e acima transcrito, com o qual concordamos na íntegra, importa então decidir se efectivamente a administração tributária, como defende a Recorrente, recolheu indícios fundados, objectivos e credíveis para desconsiderar o direito à dedução do IVA nas facturas emitidas por “D.....” em nome da Recorrida por configurarem operações simuladas.

Recorde-se que o IVA assenta num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, pelo que a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema, consagrando-se os mecanismos do direito à dedução nos artigos 19º a 26º do CIVA, e salienta-se ainda que o contribuinte goza da presunção de verdade da sua declaração, nos termos previstos no artigo 75.º, n.º 1 da LGT, competindo à AT o ónus da prova dos pressupostos legais da sua actuação, in casu a demonstração de que os indícios por si recolhidos no decurso da acção de inspecção são sérios e suficientes para concluir pela inexistência ou simulação de uma relação económica que suporte as facturas em apreço. Contudo, não é exigível que a AT efectue uma prova directa da simulação, pelo que cumprindo aquele ónus probatório e ilidindo, desse modo, a presunção de veracidade da declaração do sujeito passivo consagrada no referido artigo 74.º, n.º 1 da LGT, passa então a competir ao sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da operação que subjaz à factura, contrariando os indícios recolhidos pela administração tributária.

No relatório de inspecção encontram-se enunciados os factos que segundo a AT indiciam a falsidade das facturas (cfr. ponto 2 do probatório) e que de seguida se elencam:
- Do cruzamento dos anexos O e P da Declaração Anual da Recorrida, constatou-se que a Recorrida declarou no Anexo P - Fornecedores da Declaração Anual de 2010, aquisições a D..... no montante de €253.802,00;
- Que a referida fornecedora é não declarante em sede de IRC e IVA, sem bens sujeitos a registo (imóveis e viaturas) não constando, nos cruzamentos dos Anexos O e P da Declaração Anual, a existência de sujeitos passivos a declarar ter-lhe efetuado vendas, nem rendimentos sujeitos a IRS no ano de 2010 pagos por este sujeito passivo e que nos dados da segurança social esta entidade não tem dados enquanto entidade empregadora, no ano de 2010 e seguintes.
- A Direção de Finanças de Setúbal apurou que D..... não havia sido a beneficiária das transacções com a Recorrida mas sim F......

Mais foi mencionado no relatório de inspecção que a contabilidade de Recorrida permitiu apurar que o valor total das facturas emitidas por D..... ascendeu a €253.802,79, com IVA incluído, tendo sido identificadas as faturas em causa, guias de remessa, entidade bancária/n.º cheque e as entidades receptoras dos bens.

Segundo os serviços de inspecção as faturas emitidas em nome de “D.....” simulam vendas de madeira de pinho e eucalipto a “A.....”, não tendo sido questionado que a Recorrida tenha adquirido a madeira, sendo que foi confirmado que a madeira a que as facturas reportam deu entrada nas instalações da P..... SA e na P....., Lda, clientes da Recorrida e foi integralmente faturada a estes dois clientes. Mais apuraram aqueles serviços que as facturas emitidas pela Recorrida a estas entidades estão registadas na contabilidade na conta “71.2.1.1.3 - vendas à taxa normal” com correspondência nas “Guias de Entrada de Madeiras”, da P....., e “Talões de Pesagem”, da P...... E que as “guias de entrada de madeiras” da P..... e os “talões de pesagem” da P....., contêm a identificação do tipo de madeira, dos pesos brutos e líquidos, a identificação da viatura que as transportou e a data de entrada, o que tornou possível estabelecer a correspondência entre as guias e talões emitidos por estas entidades e as guias de remessa de “D.....”, existindo conformidade entre elas. No entanto, nenhuma das viaturas identificadas naquelas guias e talões pertence a “D.....”.

Foi ainda referido que “o sócio de “A.....”, referiu, quando questionado durante o procedimento de inspecção, que era com “Florindo” que se relacionava nos negócios, que não conhecia a “D.....”, e que apenas o via aparecer com uma senhora, mas que nem sabia quem era. Quanto aos cheques serem emitidos em nome de “D.....”, a justificação era a de que “F…” se dizia colaborador de “D.....”. Como a madeira era colocada nas fábricas estava tudo certo. O conhecimento e os negócios com “F.....” eram anteriores a 2010, mas, neste ano, este alegou ser colaborador de “D.....” e por isso as faturas eram emitidas por esta.”.

Ora foi com base nos factos acima descritos que a AT desconsiderou o direito à dedução do IVA relativo às facturas emitidas por D..... dado que as mesmas não titulavam operações reais mas sim operações simuladas.

Mais resultou provado em sede de impugnação judicial, que a madeira adquirida pela impugnante a D..... foi entregue directamente nas instalações dos clientes da impugnante tendo o transporte sido efectuado por conta daquela. E que a impugnante efectuou o pagamento do fornecimento da madeira através de cheque.

Ora se atentarmos aos referidos indícios recolhidos pela AT temos de concluir que a decisão recorrida interpretou de forma correcta a realidade fáctica em discussão e realizou a adequada transposição para o regime jurídico aplicável, ao ter decidido que os aludidos indícios não são de molde a justificar a desconsideração do fornecimento da madeira constante das facturas emitidas por D......

Senão vejamos.

Ressalta-se desde já que os apontados indícios não se referem directamente à Recorrida mas prendem-se com factos a montante da Recorrida, fragilizando a factualidade apurada. Na verdade verifica-se a falta de elementos relacionados com a própria Recorrida que permitam descredibilizar a sua contabilidade.

Dos indícios acima mencionados verifica-se que os mesmos resultam de elementos obtidos no âmbito de acção inspectiva à fornecedora da Recorrida e, totalmente, relacionados com irregularidades e incumprimentos declarativos na sua esfera e circuito comercial.

No entanto importa destacar que é possível concluir-se pela existência de operações simuladas e de facturação falsa através do recurso ao cruzamento de informações decorrentes e resultantes de outras acções inspectivas, mas o que se afirma é que, fundar a falta de materialização das aquisições constantes nas facturas com base em indícios apenas, e só, resultantes de condutas externas e alheias à Recorrida não é suficiente e razoável para fundamentar a facturação falsa.

No relatório de inspecção não consta nenhum facto objectivo de que possa ser extraída a conclusão de que as declarações da Recorrida não devam ter-se como verdadeiras, não podendo afirmar-se a existência de indícios razoáveis pela circunstância da fornecedora constante da factura não ter sido quem efectivamente forneceu a madeira à Recorrida porquanto tais indícios estão, mais uma vez, inteiramente relacionados com obrigações constantes na esfera da fornecedora quando, de resto, não foi colocada em causa o fornecimento por parte da Recorrida da madeira aos seus clientes e que efectivamente a receberam.

Acrescenta-se ainda que dos elementos constantes dos autos se retira, inequivocamente, que a contabilidade da Recorrida se encontra organizada, que esta forneceu todos os elementos contabilísticos disponíveis, tendo inclusive autorizado o acesso a informação bancária (como consta da apreciação do direito de audição prévia no relatório de inspecção), tendo assim permitido concluir que a madeira constante das facturas em causa deu efectivamente entrada nas instalações dos seus clientes, e que foi efectuado o pagamento através de cheque à fornecedora D....., tendo-se verificado a inteira correspondência entre a madeira constante das facturas reputadas de falsas e o fornecimento efectuado pela Recorrida aos seus clientes, como aliás os serviços de inspecção tributária mencionaram expressamente ao referirem que “Não se coloca em causa que o sujeito passivo “A.....” tenha adquirido a madeira tanto mais que se confirmou que a madeira “facturada” por “D.....” deu entrada nas instalações da P..... S.A., e na P....., Lda., clientes da “A.....” e foi integralmente faturada a estes dois clientes. As faturas emitidas a estas entidades estão registadas na contabilidade na conta “71.2.1.1.3 – vendas à taxa normal” e correspondem às “Guias de entrada de madeiras” da P....., e “talões de pesagem” da P.....”.

Em suma, não há no relatório de inspecção nenhum facto objectivo relativamente à Recorrida para se possa concluir que as suas declarações não devam ter-se como verdadeiras, baseando-se a existência de facturação falsa apenas relativamente àquela fornecedora, às suas omissões declarativas bem como à alegada falta de estrutura empresarial, e que os fornecimentos de madeira não seriam na realidade efectuados por si mas sim por F...... Em síntese, o relatório de inspecção assenta quase integralmente na actividade ou no modo como a actividade comercial era desenvolvida pela emitente da factura.

Salienta-se ainda que do relatório decorre que a recorrida teve uma atitude colaborante, tendo apresentado os documentos contabilísticos de suporte àquelas operações económicas disponibilizando ainda o acesso a informação bancária visando a demonstração da realidade subjacente às mesmas.

Conclui-se, portanto, que a realidade fáctica apresentada pela AT não é susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, logo os indícios recolhidos pela AT não permitem suportar, objetivamente e à luz das regras da experiência comum, a conclusão a que chegou e que determinou as correções referentes ao IVA.

Repete-se, estando demonstrado que a ora Recorrida adquiriu a mercadoria em causa, teria a administração tributária que recolher indícios bastantes de que a recorrida sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender não era a pessoa que figurava nas facturas.

E não tendo tal acontecido, concluímos que a administração tributária não recolheu indícios que legitimam a sua actuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas facturas em causa nos autos, ou seja, não cumpriu com o ónus que sobre si impendia no sentido de fundamentar as liquidações impugnadas, as quais estão, assim, feridas de ilegalidade, impondo-se assim acompanhar a decisão recorrida quando determinou a anulação das liquidações impugnadas.

Face ao exposto nega-se provimento ao presente recurso e confirma-se a sentença recorrida que anulou a liquidação de IVA e juros compensatórios dos períodos de 2010/01 a 2010/09.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente em ambas as instâncias.
Lisboa, 26 de Maio de 2022
Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto