Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1586/20.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/29/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:PENHOR,
GARANTIA IDÓNEA,
SUSPENSÃO DO PEF
Sumário:Não constitui garantia idónea para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal o penhor mercantil de estabelecimento comercial pertencente à uma sociedade quando esta não é proprietária do imobilizado que faz parte integrante desse estabelecimento comercial, uma vez que não tem o poder de disposição e alienação do mesmo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

O... - RESTAURAÇÃO, LDA veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a reclamação por si deduzida sobre o despacho proferido em 24/08/2020, pela Chefe da Divisão de Gestão da Dívida Executiva, da Direção de Finanças de Lisboa, através do qual foi indeferido o pedido de aceitação para prestação de garantia idónea, no âmbito do processo de execução fiscal n.° 3255202... e apenso, instaurados no Serviço de Finanças de Lisboa 10, pedindo a anulação do ato reclamado.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A) O presente recurso tem por objeto a Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 18 de janeiro de 2021, que decidiu julgar improcedente a reclamação apresentada, pela RECORRENTE, ao abrigo do disposto no artigo 276.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário («CPPT»), contra o despacho, de 21 de agosto de 2020, da Senhora CHEFE DE DIVISÃO DE GESTÃO DA DÍVIDA EXECUTIVA, que indeferiu o pedido de aceitação de garantia prestada, sob a forma de penhor sobre estabelecimento comercial, no âmbito do processo de execução fiscal n.° 3255202... e apenso, instaurado para cobrança coerciva de dívida de IRC dos exercícios de 2013 a 2015.
B) Na Sentença recorrida, o Tribunal a quo decidiu julgar a reclamação totalmente improcedente quanto ao pedido de anulação do despacho que indeferiu o pedido de aceitação da garantia apresentada, com as demais consequências legais.
C) Em suma, o Tribunal a quo concluiu que, uma vez que a sociedade K... - RESTAURAÇÃO, LDA. não é a proprietária dos bens do ativo fixo tangível que integram o estabelecimento, a mesma não tem capacidade para constituir penhor sobre o estabelecimento comercial.
D) Sucede que, a RECORRENTE entende que o Tribunal a quo errou sobre os pressupostos de facto e de direito da situação em análise dos presentes Autos.
E) O Tribunal a quo parece ter ignorado a caracterização da realidade jurídica que consubstancia o estabelecimento comercial, assim como, olvidou, igualmente, o método de avaliação do penhor de estabelecimento comercial previsto na lei tributária.
F) Acontece que, ao ter partido de um pressuposto jurídico errado, no que respeita à avaliação de estabelecimentos comerciais para efeitos de constituição de garantia, o Tribunal a quo acabou, igualmente, por ignorar determinadas circunstâncias de facto relacionadas com a K... – RESTAURAÇÃO, LDA e com o seu estabelecimento e que lhe teriam permitido concluir pela idoneidade da garantia oferecida para suspensão do processo de execução fiscal.
G) Ora, a RECORRENTE informou o Serviço de Finanças de Lisboa-10 que pretendia prestar garantia sob a forma de penhor sobre um estabelecimento comercial explorado pela sociedade K... - RESTAURAÇÃO, LDA.
H) O penhor mercantil sobre estabelecimento comercial constitui uma garantia suscetível de assegurar os créditos em sede de execução fiscal.
I) De resto, o penhor encontra-se inclusivamente previsto no artigo 199.°, n.° 2, do CPPT, enquanto garantia suscetível de ser considerada idónea.
J) No que respeita à qualificação do penhor, o artigo 666.°, n.° 1, do Código Civil, prevê que o penhor é uma das garantias especiais das obrigações, que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não suscetíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro.
K) Assim, constituindo o penhor mercantil uma garantia idónea para efeitos de suspensão da execução fiscal, não pode a Administração tributária recusá-la se a mesma se revelar apta a garantir, ainda que parcialmente, os créditos tributários.
L) Relativamente à noção jurídica do estabelecimento, há que ter em conta que o estabelecimento comercial consubstancia uma universalidade ou um complexo de bens e direitos, que o comerciante afeta à exploração da sua empresa, e que apresenta uma utilidade, uma funcionalidade e um valor próprios, distintos de cada um dos seus componentes e que o ordenamento jurídico trata de forma unitária.
M) Trata-se, assim, de uma coisa complexa, constituída por bens de diferente natureza (corpórea e incorpórea) e por direitos, funcionalmente organizada e orientada para a atividade comercial, destacando-se a constante mutação dos elementos compreendidos no estabelecimento (nomeadamente mercadorias e matérias-primas).
N) E o estabelecimento comercial é constituído, não só pelo imóvel no qual aquele funciona e pelos bens utilizados na prossecução da atividade, mas, também, pelo inventário ou stocks, pelos créditos, contratos em vigor, licenças, autorizações, alvarás, marcas, patentes, entre outros.
O) Neste contexto, a RECORRENTE ofereceu como garantia para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal acima identificado penhor mercantil sobre o estabelecimento comercial de restauração denominado «K...», sito na Rua do S..., na freguesia de Santo António, concelho de Lisboa e explorado pela sociedade K... - RESTAURAÇÃO, LDA..
P) Desta forma, o penhor constituído pela K... - RESTAURAÇÃO, LDA incidiu sobre o estabelecimento comercial e, em consequência, sobre a universalidade de bens e direitos que compõe esse estabelecimento.
Q) E essa titularidade do estabelecimento comercial não é afastada pelo facto de a K... - RESTAURAÇÃO, LDA ser arrendatária do imóvel onde funciona o restaurante e, bem assim, de ser cessionária da exploração de todos ou alguns dos equipamentos que são utilizados no restaurante.
R) Note-se que, no artigo 782.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e) do CPPT, onde se prevê a penhora do estabelecimento comercial, prevê-se expressamente que a penhora abrangerá, igualmente, o direito ao arrendamento.
S) De onde resulta que, para que a K... - RESTAURAÇÃO, LDA. possa onerar o seu estabelecimento comercial, ela não carece de ser proprietária do imóvel onde o mesmo funciona nem mesmo dos bens utilizados no restaurante, bastando, por outro lado, que aquela seja titular de um direito à disposição e fruição desse imóvel e/ou desses bens.
T) Por outro lado, o Tribunal a quo ignorou ainda que para se aferir da idoneidade de uma garantia, ela deve ser avaliada, pela Administração tributária, de acordo com os métodos previstos na lei.
U) Assim, no que respeita à avaliação da garantia, o artigo 199.°-A do CPPT refere que «Na avaliação da garantia, com exceção de garantia bancária, caução e seguro-caução, deve atender-se ao valor dos bens ou do património apurado nos termos dos artigos 13.° a 17.° do Código do Imposto do Selo».
V) E, de acordo com o artigo 16.° do Código do Imposto do Selo, o valor do estabelecimento será determinado através da aplicação de um fator entre 5 a 10 à média dos rendimentos tributáveis dos últimos três anos já apurados. Por seu turno, o fator aplicável é indexado ao coeficiente que seja aplicável ao prédio onde se situa o estabelecimento nos termos do artigo 42.° do Código do IMI.
W) De onde resulta que a lei prevê um critério objetivo de avaliação do estabelecimento comercial, que deverá ser utilizado pela Administração tributária na avaliação do penhor sobre estabelecimento comercial.
X) A RECORRENTE apresentou à Administração tributária o balanço e demonstração de resultados da sociedade K... - RESTAURAÇÃO,LDA., referente ao ano de 2019, para efeitos de avaliação do estabelecimento comercial, nos termos previstos na lei.
Y) Assim, o Tribunal a quo deveria ter analisado os elementos contabilísticos da sociedade K... - RESTAURAÇÃO,LDA., apresentadas pela RECORRENTE e, em consequência, deveria ter dado como provado que, da demonstração de resultados referente ao exercício de 2019, resulta um produto das vendas e prestações de serviços realizadas pelo estabelecimento de € 835.241,91, e, bem assim, um resultado líquido da sociedade (referente a esse estabelecimento) de € 49.008,79 (cf. DOC. 6 do requerimento de prestação de garantia).
Z) Por último, deveria ainda ter sido considerado que, atendendo ao coeficiente de localização do estabelecimento, deveria ter sido aplicado, para efeitos de avaliação da garantia, o coeficiente 10.
AA) E caso a Administração tributária tivesse analisado as contas da sociedade K... - Restauração, LDA., apresentadas pela RECORRENTE, teria chegado à conclusão de que o valor do estabelecimento comercial era suficiente para garantia o valor da dívida exequenda e acrescido.
BB) Pelo exposto, conclui-se que a decisão recorrida além de enfermar de erro sobre os pressupostos de direito, enferma também de erro sobre os pressupostos de facto, devendo a mesma ser revogada.
CC) Não tendo sido assim decidido, mal andou o Tribunal a quo, pelo que se impõe a revogação da sentença por violação do disposto nos artigos 199.° e 199.°-A do CPPT, no artigo 16.° do Código do Imposto do Selo e no artigo 42.° do Código do IMI.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS NÃO DEIXARÃO DE SUPRIR, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO, SENDO, CONSEQUENTEMENTE, ANULADA A DECISÃO DE INDEFERIMENTO DA GARANTIA PRESTADA, PELA RECORRENTE, PARA EFEITOS DE SUSPENSÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS »
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A recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

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O Magistrado do Ministério Público ofereceu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, aferindo-se se o penhor mercantil sobre estabelecimento comercial constitui garantia suscetível de assegurar os créditos em sede de execução fiscal.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:


«1) A Reclamante tem por objecto social o comércio alimentar e restauração, bem como a exploração de bares, com ou sem espaço reservado para dança.
2) Com data de 26/07/2019, Isabel Maria Nunes, na qualidade de primeira outorgante e senhoria e a sociedade "K... - RESTAURAÇÃO, LDa”, na qualidade de segunda outorgante e arrendatário, assinaram um documento, segundo o qual a primeira cedeu à segunda a utilização, para o ramo do comércio e pelo prazo de dez anos, da fracção autónoma designada pela letra "A”, correspondente à loja destinada a comércio, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua do S..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santo António sob o artigo 1... e descrito no registo predial sob o número 5..., da mesma freguesia, da qual a primeira é dona e legítima possuidora, mediante o pagamento de uma renda (contrato de arrendamento comercial de fls. 73 a 77 do SITAF).
3) Corre termos, no Serviço de Finanças de Lisboa 10, o processo de execução fiscal n.° 3255202... e apenso n.° 325520200..., instaurados em 03/03/2020 e 04/03/2020, respectivamente, contra a Reclamante, por dívidas de IRC dos anos de 2013, 2014 e 2015, no valor de 160.066,05€ (informações oficiais de fls. 102 a 108 do SITAF).
4) Por ofício datado de 15/03/2020, enviado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 10, foi dado conhecimento à Reclamante que contra ela corre o processo de execução fiscal referido no número anterior, com vista a cobrança de dívidas de IRC referentes aos anos de 2013 a 2015, no valor de 161.884,37 e acrescido, perfazendo o valor total de 163.117,21 €, para pagar ou apresentar oposição (citação de fls. 38 e -do SITAF).
5) Em 03/07/2020 a Reclamante enviou, para o Serviço de Finanças de Lisboa 10, por correio postal registado com a referência RH53…5PT, reclamação graciosa sobre as liquidações de IRC, juros compensatórios e demonstrações de acerto de contas referentes aos anos de 2013, 2014 e 2015 (registo postal, carta e reclamação graciosa de fls. 39 a 41 do SITAF).
6) Na mesma data, a Reclamante enviou, para o Serviço de Finanças de Lisboa 10, por correio postal registado com a referência RH535…0PT, um requerimento, através do qual pediu, além do mais, a suspensão do processo de execução fiscal referido em 3), solicitando, para o efeito, que lhe fosse disponibilizada a informação relativa ao montante da garantia a prestar, indicando pretender oferecer, como garantia, penhor mercantil sobre estabelecimento comercial (registo postal, carta, requerimento, respectivos documentos e comprovativo de entrega dos CTT de fls. 42 a 51 do SITAF).
7) No dia 06/07/2020 o Serviço de Finanças de Lisboa 10 enviou, à Reclamante, uma mensagem de correio electrónico, através da qual lhe comunicou, além do mais, que o valor da garantia para o processo de execução fiscal referido em 3) era no valor de 205.900,94€ (mensagem de correio electrónico de fls. 52, 82 e 83 do SITAF).
8) Em 20/07/2020 a Reclamante enviou, para o Serviço de Finanças de Lisboa 10, por correio postal registado com a referência RH544…5PT, um requerimento, através do qual pediu a aceitação, como garantia, para suspensão do processo de execução fiscal referido em 3), do penhor mercantil constituído sobre o estabelecimento comercial de restauração denominado "K...”, sito na Rua do S..., na freguesia de Santo António, concelho de Lisboa, o qual é explorado pela sociedade "K... - RESTAURAÇÃO, LDª”, com sede na Avenida F..., 1050-120 Lisboa, que por sua vez, é arrendatária do imóvel onde funciona o sobredito estabelecimento comercial de restaurante, concretamente da fracção autónoma designada pela letra "A”, correspondente à loja destinada a comércio, do prédio urbano sito na Rua do S..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santo António sob o artigo 5..., ao qual juntou minuta denominada por "constituição unilateral de penhor mercantil sobre estabelecimento comercial”, a comunicação referida em 4), os requerimentos referidos em 5) e 6), a mensagem de correio electrónica referida em 7), o documento referido em 2), a demonstração individual de resultados e balanço do ano de 2019 da sociedade "K... - RESTAURAÇÃO, LD.ª” e planta com o coeficiente de localização do estabelecimento comercial de restauração denominado "K...” (registo postal, carta, requerimento, respectivos documentos e comprovativo de entrega dos CTT de fls. 53 a 81 do SITAF).
9) Em 23/07/2020 O..., na qualidade de representante legal da sociedade "K... - RESTAURAÇÃO, LD.a”, subscreveu um documento, com termo reconhecimento com menções especiais presenciais de O... em representação da sociedade "K... - Restauração, Ld.a”, intitulado "Ato constitutivo de penhor mercantil”, a favor do Estado, na pessoa da AT - Autoridade Tributária e Aduaneira - Serviço de Finanças de Lisboa 10, destinando- se a garantir e suspender o processo de execução fiscal referido em 3) (cláusula C) do penhor mercantil de fls. 97 a 100 do SITAF).
10) Na cláusula B) do documento referido no número anterior, ficou estipulado o seguinte (penhor mercantil de fls. 97 a 100 do SITAF):
“Para garantia de pagamento da quantia exequenda, dos juros de mora e acrescidos que vierem a ser exigidos nos mesmos autos de execução fiscal, em caso de improcedência dos meios de defesa utilizados pela executada para contestar a legalidade dos atos subjacentes á referida divida, a sociedade representada pelo outorgante dá de penhor mercantil, a favor do Serviço de Finanças de Lisboa-10, o seu estabelecimento comercial, atualmente constituído pelo restaurante designado «K...», instalado no prédio, do qual é arrendatária, composto pela fração autónoma designada pela letra «A» correspondente à Loja, destinada a comércio, do prédio urbano sito na Rua do S..., da freguesia de Santo António, inscrito na matriz predial da referida freguesia sob o artigo 5....".
11) Na cláusula D) do documento referido em 9), ficou estipulado o seguinte (penhor mercantil de fls. 97 a 100 do SITAF):
“Com o presente penhor mercantil, a sociedade representada pelo outorgante garante o valor da quantia exequenda e, bem assim, dos juros de mora e acrescidos que vierem a ser exigidos nos mesmos autos de execução fiscal, até ao montante global de € 205.900,94 (duzentos e cinco mil, novecentos euros e noventa e quatro cêntimos).".
12) Na cláusula E) do documento referido em 9, foi estipulado o seguinte (penhor mercantil de fls. 97 a 100 do SITAF):
“O presente penhor é irrevogável e é constituído até ao trânsito em julgado definitivo dos processos de contencioso apresentados ou a apresentar ou doutros que deles resultem e depende de comunicação expressa da entidade credora.".
13) Na cláusula F) do documento referido em 9), foi estipulado o seguinte (penhor mercantil de fls. 106 a 109 do SITAF):
“A sociedade representada pelo outorgante demonstrando interesse legítimo, e mediante prévia autorização da credora, através do órgão da execução fiscal, poderá proceder à substituição do presente penhor por outro de igual valor e características ou, então, por outro tipo de garantia real ou ainda por garantia bancária, que assegure a dívida exequenda e acrescida nos mesmos termos do presente penhor.".
14) No dia 27/07/2020 Reclamante enviou, para o Serviço de Finanças de Lisboa 10, por correio postal registado com a referência RH54…PT, um requerimento, através do qual pediu a aceitação de constituição de garantia, sob a forma de penhor mercantil de estabelecimento comercial, ordenando-se a suspensão do processo de execução fiscal referido em 3), ao qual juntou a mensagem de correio electrónica referida em 7), apólice de seguro n.° ME…1, multirriscos negócios, da F... - Companhia de Seguros, SA, em que figura como tomador a sociedade "K... - Restauração, Lda”, o documento referido de 9) a 13) e do qual consta, designadamente, o seguinte (registo postal, carta, requerimento, respectivos documentos, comprovativo dos CTT de entrega de objecto e envelope de fls. 86 a 101 e 109 a 123 do SITAF):
“(...) A requerente informa, ainda, que, embora não seja proprietária do imobilizado que integra o estabelecimento comercial, ainda assim, é titular de um seguro multirriscos destinado a cobrir eventuais riscos de roubo, incêndio, tempestades, inundações, atos de vandalismo, entre outros riscos relacionados com o estabelecimento comercial dado em garantia, o qual se encontra registado junto da F... - Companhia de Seguros, SA, sob a apólice n.° ME 6…1 (...).”.
15) Em 24/08/2020 foi elaborada informação n.° 525/2020, da qual consta, designadamente, o seguinte (informação de fls. 32 a 35 e 125 a 128 do SITAF):
“(...)
E) Da análise
(...)
De acordo com o acto constitutivo de penhor, a sociedade K... - Restauração Limitada, representada pelo seu outorgante, O..., NIF 2…, dá de penhor mercantil, a favor do Serviço de Finanças de Lisboa 10, o seu estabelecimento comercial, actualmente constituído pelo restaurante designado “K...”, instalado no prédio, do qual é arrendatária, composto pela fracção autónoma designada pela letra "A", correspondente à loja, destinada a comércio, do prédio urbano sito na Rua do S..., da freguesia de Santo António, inscrito na matriz predial da referida freguesia sob o artigo 5....
É mencionado, também, no acto constitutivo de penhor que o dito penhor sobre estabelecimento comercial destina-se à suspensão do processo de execução fiscal n.° 3255202... e apenso em virtude da pendência de reclamação graciosa contra os actos de liquidação de IVA subjacentes ao presente processo de execução fiscal, mantendo-se até à decisão do pleito.
Cumpre, desde já, aludir que a referência supra efectuada a “(...) actos de liquidação de IVA (...)” consideramos tratar-se de um lapso de escrita dado estarem, no caso concreto, em causa as liquidações de IRC dos exercício de 2013 a 2015.
Pode, ainda, ler-se no mesmo documento que “com o presente penhor mercantil, a sociedade representada pelo outorgante garante o valor da quantia exequenda e, bem assim, dos juros de mora e acrescidos que vierem a ser exigidos nos mesmos autos de execução fiscal, até ao montante global de €205.900,94..."
Consideremos, ainda, conforme descrito na factualidade, a informação prestada pela requerente quanto a não ser proprietária do imobilizado que integra o estabelecimento comercial e ao facto de ter um seguro multirriscos para os bens que integram o ativo imobilizado (seguro endereçado à empresa K... Restauração - Limitada conforme se infere do DOC 2 anexo ao requerimento ora em crise).
Assim continuemos,
Ora, o estabelecimento comercial integra vários elementos, designadamente, ativos fixos tangíveis, inventários, propriedades de investimento, ativos intangíveis, instrumentos financeiros, devidamente organizado para a prática do comércio, constituindo uma universalidade jurídica.
Deste modo, o estabelecimento comercial, como um bem mercantil, engloba o complexo de bens e de direitos que o comerciante afeta à exploração da sua empresa, que tem uma utilidade, uma funcionalidade e um valor próprios, distintos de cada um dos seus componentes e que o direito trata unitariamente.
Enquanto universalidade, o estabelecimento comercial não pode ser decomposto ou dividido, nos seus elementos componentes, mas pode existir desde que haja um núcleo essencial organizativo apto a gerar lucros.
Em consonância, pelo facto da sociedade K... - Restauração Limitada não ser proprietária do imobilizado que integra o estabelecimento comercial oferecido nos autos e consequentemente não ter o poder de disposição e de alienação dos mesmos verifica- se, desde logo, a sua ilegitimidade para oferecer tais bens enquanto parte integrante do estabelecimento comercial oferecido em garantia. Assim, será também de referenciar que devido à falta de poderes de disposição sobre o ativo imobilizado e a sua consequente inalienabilidade, ativo este que faria parte integrante do conceito estabelecimento comercial, pode considerar-se, por tal facto, atento que enquanto universalidade, o estabelecimento comercial não pode ser decomposto ou dividido, nos seus elementos componentes, mas pode existir desde que haja um núcleo essencial organizativo apto a gerar lucros, não se encontram reunidos os requisitos legais para a referida realidade ser considerada como estabelecimento comercial. Deste modo, não podendo esse bem ser executado em caso de incumprimento, afigura-se-nos, assim não ser apto a garantir a execução fiscal.
Por tudo o acima exposto parece-nos não ser de aceitar tal garantia, dispensando-se, consequentemente, a avaliação do estabelecimento comercial oferecido em garantia nos termos do artigo 199.°-A do CPPT e artigos 13.° a 17.° do Código do Imposto do Selo, e a aferição da respetiva suficiência para efeitos de garantia.
Todavia, cumpre, ainda, frisar, atento a que a sociedade executada veio oferecer, através de requerimento apresentado no Serviço de Finanças de Lisboa 10, para a execução fiscal 32550…, outro acto constitutivo de penhor sobre o mesmo estabelecimento comercial - da sociedade K... - Restauração Ld.a, NIF 5… -, que tal, devido à própria natureza do penhor, não é legalmente admissível.
Também se aponta da documentação carreada ao requerimento para a aceitação de garantia - penhor sobre estabelecimento comercial - verificar-se no acto constitutivo de penhor que O..., NIF 2…, outorga na qualidade de representante legal da sociedade K... - Restauração, Ld.a, NIF 5…, no entanto, no documento de reconhecimento de assinatura consta O... em representação de K…, Ld.a.
F) Conclusão
Nos termos do supra exposto, propõe-se que seja proferida decisão e posterior remessa ao Serviço de Finanças de Lisboa 10, para notificação da executada, na pessoa das suas mandatárias, do indeferimento do pedido de aceitação de garantia - penhor do estabelecimento comercial - no processo executivo em crise, por falta de legitimidade para oferecer os bens que integram o activo imobilizado pertencente ao estabelecimento comercial e em virtude de, sem tal ativo imobilizado, não se encontrarem reunidos os requisitos legais para a referida realidade ser considerada como estabelecimento comercial.
(…)’’.
16) Por despacho de 24/08/2020, foi dada concordância ao teor da informação referida no número anterior e indeferido o pedido de aceitação de garantia formulado pela Reclamante, por não se mostrarem preenchidos os respectivos requisitos legais (despacho de fls. 36 e 129 do SITAF).
17) Por ofício n.° 396, de 26/08/2020, enviado às mandatárias constituídas pela Reclamante, por correio postal registado com a referência RH487…PT, em 01/09/2020, cujo aviso de recepção foi assinado em 02/09/2020, foi-lhes dado conhecimento do despacho referido no número anterior (ofício, envelope, registo postal e aviso de recepção de fls. 31, 37, 130 e 131 do SITAF).
18) A presente reclamação foi enviada para o Serviço de Finanças Lisboa 10, no dia 14/09/2020, por mensagem de correio electrónico (mensagem de correio electrónico de fls. 3 do SITAF).

Nenhum outro facto foi considerado provado ou não provado com interesse para a presente decisão.
A convicção do Tribunal fundou-se nos elementos documentais existentes no processo, tal como indicados à frente de cada facto provado que, não tendo sido postos em causa, foram considerados credíveis.
Em relação ao facto provado 1), a convicção do Tribunal baseou-se na posição de acordo resultante dos articulados apresentados pelas partes.»

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Conforme resulta dos autos, com base na matéria de facto supra a Meritíssima Juíza do TT Lisboa que julgou improcedente a reclamação.

A recorrente não se conforma com o decidido invocando erro de julgamento de facto e de direito, na medida em que, ao contrário da sentença recorrida, entende a Recorrente que o penhor mercantil sobre estabelecimento comercial constitui garantia suscetível de assegurar os créditos em sede de execução fiscal, e nessa medida, o ato reclamado deveria ter sido anulado.

Efetivamente, o órgão de execução fiscal indeferiu o pedido de prestação de garantia apresentado pela Recorrente para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal, com o fundamento de que o penhor mercantil de estabelecimento comercial pertencente à sociedade “K…” não é admissível porque essa sociedade não é proprietária do imobilizado que faz parte integrante do estabelecimento comercial, não tendo o poder de disposição e alienação do mesmo.



A sentença recorrida, na parte com relevância para a decisão do recurso entendeu que só pode dar um bem em penhor quem dele possa dispor, e deste modo, entendeu que não podendoa sociedade "K...” Restauração Lda”, na qualidade de arrendatária do imóvel onde funciona o restaurante dado em penhor, dispor dos equipamentos nele existentes, podendo apenas utilizá-los ou explorá-los para o fim a que se destinam, o exercício da actividade de restauração, também não podia constituir uma garantia real especial, como é o penhor, que os incluísse, sob pena de incorrer na transmissão de bens alheios.
Pois se é certo que um estabelecimento comercial pode ser objecto de um penhor, no seu conjunto, como unidade económica ou universalidade jurídica, também é sabido que nada impede, em princípio, que tal garantia se constitua isoladamente, sobre alguns dos bens ou direitos que o integram.
Porém, nem todos os elementos componentes do estabelecimento comercial podem ser autonomizados e, assim, separados para o efeito de sobre eles ser constituído uma garantia real como o penhor.
Tais bens correspondem àqueles que constituem o seu núcleo essencial ou condição sine qua non do seu funcionamento normal, o que apenas pode ser analisado caso a caso, no âmago da própria actividade desenvolvida em cada estabelecimento comercial.
Caracterizando os equipamentos ou o seu activo imobilizado o núcleo essencial do estabelecimento comercial de restaurante, porque sem eles não pode aquela actividade ser prosseguida e gerar lucro, não podem os mesmos ser autonomizados do estabelecimento comercial em que se inserem, sob pena de nele não poder ser prosseguida a actividade de restauração.
Donde se conclui que não podia a sociedade "K... - Restauração Lda”, dar de penhor o referido estabelecimento comercial de restaurante em bloco.
Motivo pelo qual andou bem a administração tributária ao indeferir, com este fundamento, a prestação de garantia consubstanciada na constituição de penhor mercantil sobre o estabelecimento comercial incidente sobre o restaurante "K...”, ficando assim prejudicada a análise do segundo aspecto acima enunciado, de admissibilidade legal de constituição de um penhor sobre o mesmo estabelecimento comercial para garantia e suspensão de mais do que um processo de execução fiscal, porquanto independentemente da solução a dar, sempre a prestação da referida garantia teria de ser indeferida por a sociedade terceira não poder dar os equipamentos existentes no estabelecimento comercial oferecido em penhor mercantil em bloco, por deles não poder dispor.”

Sobre questão em tudo idêntica à dos autos, em que litigam as mesmas partes dos presentes autos, já se pronunciou muito recentemente o acórdão do TCAS de 15/04/2021, proc. n.º 1554/20.0BELRS, que aqui subscrevemos e aplicamos ao caso dos autos, na parte com relevo para o presente recurso:

“Quanto ao penhor mercantil sobre estabelecimento comercial reitera que o mesmo constitui uma garantia suscetível de assegurar os créditos em execução fiscal (A a L).

E que o penhor mercantil do estabelecimento comercial oferecido incidiu sobre a universalidade dos bens e direitos que compõem esse estabelecimento, incluindo o direito ao arrendamento onde funciona o restaurante (Conclusões M a DD).

Avancemos para apreciação desta questão.

Para que o penhor seja considerado mercantil é necessário que a dívida que se caucionou proceda de acto comercial (cfr. art. 397º do Código Comercial), natureza que nos autos se não discute e por isso seguimos adiante.

O que está em causa é saber se a prestação de garantia constituída pelo penhor de um estabelecimento comercial desprovido de qualquer ativo imobilizado (ativo fixo) tem aptidão para constituir a garantia a que aludem os artigos 52º da LGT e 169º e 199º/1 CPPT.

O penhor (art. 666º do Código Civil) é uma garantia real das obrigações que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito com preferência sobre os demais credores que não sejam titulares de direitos mais fortes, podendo o credor pignoratício proceder à venda judicial do objecto de penhor para realização do seu crédito.

O penhor de estabelecimento comercial tem sido admitido pacificamente como garantia. No entanto esta afirmação precisa de ser esclarecida quanto ao âmbito do que se entende ser um estabelecimento comercial, cujo sentido não é único nem rigoroso, apontando-se-lhe antes diversos significados.

Um, identificado com o sentido mais amplo, referido na lei nos artigos 1109º e 1112º/1-a) do Código Civil. Outro, correspondente ao local onde se exerce a atividade comercial e outro ainda, tomado no sentido específico de acervo de coisas corpóreas móveis e imóveis que o comerciante afeta ao exercício da sua atividade, referido no art. 425º do Código Comercial.

Na medida em que o ordenamento jurídico acolhe o estabelecimento comercial como uma realidade unitária, para além da multiplicidade dos elementos de facto e de direito que o componham (1), é o último sentido que importa ajuizar.

Com efeito, constituindo o estabelecimento uma unidade económica em que o valor do conjunto supera o valor das partes, ele corresponde também a uma unidade jurídica, unitariamente objeto de direitos, podendo ser reivindicada a sua propriedade, ou a sua posse, sem necessidade de reagir face a cada um dos singulares elementos que o compõem.

Poder-se-á, então, definir o estabelecimento comercial como «um conjunto de elementos reunido e organizado pelo empresário para através dele exercer a sua actividade comercial, de produção ou circulação de bens ou prestação de serviços» (2)

Sendo um bem complexo, uma universalidade, ele é composto por diversos elementos, os quais não são comuns a todos os estabelecimentos, antes variando consoante a atividade desenvolvida.

Alguns elementos que frequentemente compõem o complexo que é o estabelecimento correspondem as coisas corpóreas, inter alia, imóveis, maquinaria, matérias primas e mercadorias, coisas incorpóreas, como sinais distintivos do comércio e protecção de inovações, outros tipos de bens que não se possam considerar coisas, por exemplo, as prestações de trabalho e de serviços, o saber-fazer e relações com clientes e fornecedores.

Perante toda a incerteza que rodeia a figura do estabelecimento comercial, a jurisprudência tem entendido que não basta uma universalidade, qualquer que ela seja, sem referência aos elementos integrantes dessa universalidade.

Na verdade, o estabelecimento não está nas próprias coisas, mas sim na organização delas para os fins da produção.

Há ainda autores que consideram como elementos do estabelecimento comercial o aviamento e a clientela, matéria que para o caso não releva.

Para sabermos se estamos ou não perante um estabelecimento comercial como unidade jurídica sujeito de direitos e obrigações, há que indagar se o seu núcleo essencial está presente de modo a podermos caraterizá-lo como uma unidade jurídica.

E chegamos à segunda questão. Como poderemos determinar se num determinado património estão presentes os elementos necessários para que se respeite esse “núcleo essencial”?

Desde logo, não parece possível enumerar em abstrato os elementos nucleares do estabelecimento enquanto objeto negociável porque cada estabelecimento, em cada atividade, tem o seu próprio núcleo essencial com aptidão para exprimir a organização no seu conjunto.

Por exemplo, não é suficiente para caraterizar um estabelecimento comercial a firma, uma marca, ou a pessoa do titular, ainda que por si sejam capazes de atrair a clientela (3).

Seguindo a doutrina do ac. do STJ n.º Ac. do STJ 06B336 de 06-04-2006 (4), o estabelecimento comercial “...constitui, segundo doutrina tradicional, uma universalidade de direito ( universitas iuris ), um complexo ou unidade económica que integra vários elementos, corpóreos e incorpóreos - bens móveis e imóveis, direito ao arrendamento ou à utilização do espaço, direito de uso do nome do estabelecimento, marcas, patentes de invenção, etc.- organizados para a produção, e uma vez que, como se diz no art 202º, nº1º, C.Civ., "pode ser objecto de relações jurídicas", deve, na realidade, ser entendido como uma coisa.

Enquanto universalidade, o estabelecimento comercial não pode ser decomposto, atomizado, nos seus elementos componentes, mas pode existir desde que haja um núcleo essencial organizativo apto a gerar lucros (VI).

É pressuposto da existência de trespasse a existência de um estabelecimento comercial ou industrial, ou seja, de uma empresa, isto é, de uma estrutura, de um complexo organizado de meios ou factores com um mínimo de autonomia funcional e financeira tal que lhe permita assegurar um processo produtivo (concebida a produção em sentido amplo, de modo a abranger a produção, não só de bens ou de serviços, mas de qualquer valor acrescentado em termos de circuito económico) e emergir no mercado enquanto organização técnica e económica autónoma (VII).

Ora, entendendo-se o estabelecimento comercial como um núcleo essencial organizativo apto a gerar lucros, resulta claro que o estabelecimento comercial restaurante tem de dispor de um conjunto de equipamento que lhe permita exercer a atividade e gerar lucros.

Assim sendo, uma vez que o bem oferecido não dispõe de qualquer ativo fixo, não está em condições de exercer atividade e gerar lucros.

E por assim ser, também não pode ser penhorado nem vendido como estabelecimento comercial porque lhe falta o tal núcleo essencial que faz dele um estabelecimento comercial apto a exercer atividade e gerar lucros como restaurante.

Não se discute que nas condições em que desenvolve a sua atividade pode gerar lucros com equipamento que não lhe pertence mas que explora, ou usa, como cessionária da exploração de todos ou alguns dos equipamentos que são utilizados no restaurante, como diz a própria Recorrente.

Todavia, este ativo fixo não pode ser oferecido em penhor pela sociedade garante uma vez que não se integra na sua esfera patrimonial.

Não podendo deles dispor, a sociedade terá de “separar” o “estabelecimento” autonomizando os elementos que não lhe pertencem, mas que, precisamente, permitiriam o exercício da atividade e geração de lucros.

Dito de outra maneira, sem o ativo fixo necessário para o exercício da atividade, a sociedade não oferece em penhor um estabelecimento comercial de restaurante.

Parece-nos, por isso, acertada a reflexão da MMª juiz "a quo" quando salienta que nem todos os elementos componentes do estabelecimento podem ser autonomizados e, assim, separados para o efeito de sobre eles ser constituído uma garantia real como o penhor.

Tais bens correspondem àqueles que constituem o seu núcleo essencial ou condição sine qua non do seu funcionamento normal, o que apenas pode ser analisado caso a caso, no âmago da própria actividde desenvolvida em cada estabelecimento comercial.

Caracterizando os equipamentos ou o seu activo imobilizado o núcleo essencial do estabelecimento comercial de restaurante, porque sem eles não pode aquela actividade ser prosseguida e gerar lucro, não podem os mesmos ser autonomizados do estabelecimento comercial em que se inserem, sob pena de nele não poder ser prosseguida a actividade de restauração”.

Não podendo servir de garantia para suspensão da execução fiscal, a AT também se desonera da sua avaliação, que seria, neste caso, um acto manifestamente inútil.

(…)”

Aplicando aquela fundamentação aos autos, importa concluir que bem andou a Meritíssima Juíza do TT de Lisboa ao entender que para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal, o penhor mercantil de estabelecimento comercial pertencente à uma sociedade quando esta não é proprietária do imobilizado que faz parte integrante desse estabelecimento comercial, não constitui garantia idónea, uma vez que aquela não tem o poder de disposição e alienação do estabelecimento, e nessa medida, o ato reclamado não enferma da ilegalidade que lhe foi imputada. Improcedem, portanto, as conclusões A) a S) das alegações de recurso.

Entendendo-se que a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento ao ter confirmado o ato reclamado que entendeu indeferir o pedido de prestação de garantia, por a sociedade “K…” não ser proprietária do imobilizado que faz parte integrante do estabelecimento comercial, não tendo o poder de disposição e alienação do mesmo, então, ao contrário que vem alegado nas conclusões T) a CC) das conclusões de recurso, o órgão de execução fiscal não tinha de ter avaliado o estabelecimento comercial “de acordo com os métodos previstos na lei”, pois tal avaliação ficou prejudicada com o entendimento que subjaz ao indeferimento de prestação de garantia. Assim sendo, o órgão de execução fiscal não tinha de analisar as contas da sociedade “K…”.

De igual modo, ao contrário do que entende a Recorrente, o tribunal a quo não tinha de “ter analisado os elementos contabilísticos da sociedade “K…” e dar como provado o facto enunciado na alínea Y) das conclusões de recurso, porque como já referimos, entendeu-se, tal como no ato reclamado, que o estabelecimento comercial não poderia ter sido aceite como garantia pelo motivo supra enunciado, que afasta a necessidade de avaliação do estabelecimento comercial pelo órgão de execução fiscal, o que tanto basta para que a sentença recorrida não tenha fazer qualquer análise documental relacionada com tal avaliação.

Pelo exposto, improcedem in totum os fundamentos do recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a Recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

Não constitui garantia idónea para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal o penhor mercantil de estabelecimento comercial pertencente à uma sociedade quando esta não é proprietária do imobilizado que faz parte integrante desse estabelecimento comercial, uma vez que não tem o poder de disposição e alienação do mesmo.

II. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.


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Custas pela Recorrente.

D.n.

Lisboa, 29 de abril de 2021.


A Juíza Desembargadora Relatora

Cristina Flora

A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy



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(1) Seguindo de perto Miguel Pupo Correia in Direito Comercial, Ediforum, 2011, 56 e segs.
(2) Assim, Hugo de Sousa Oliveira in
https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/22984/1/Hugo%20de%20Sousa%20Oliveira.pdf, pp. 10.
(3) Hugo de Sousa Oliveira, op. cit. pp. 15.
(4) Relator: OLIVEIRA BARROS.