Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2054/09.5BELS
Secção:CT
Data do Acordão:12/15/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IVA
FATURAS FALSAS
IMPUGNAÇÃO DECISÃO MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I - A limitação estabelecida no n.º 3, do artigo 19.º do CIVA está em conformidade com o entendimento do TJUE, que reconheceu, em diversas decisões que, em determinadas circunstâncias, além das previstas nos n.º 6 e 7 do artigo 17.º da Sexta Diretiva, os Estados Membros podem estabelecer determinadas regras para o exercício do direito à dedução, designadamente condicionando-o à posse de uma fatura ou de um documento equivalente e ter-se verificado a exigibilidade do imposto, ou até recusar o direito à dedução do imposto quando se verifiquem situações fraudulentas ou abusivas.

II - Configura entendimento jurisprudencial reiterado e sólido, em situações como a dos autos, de não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte, que compete à administração tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais legitimadores da sua atuação, ou seja, assentando o juízo da administração tributária na consideração de que as operações e o valor a que se referem as faturas em causa não correspondem à realidade, pelo que terá de demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas faturas foram simuladas.

III - Cumprido este encargo pela Administração Tributária, passa a impender sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que tais faturas consubstanciam operações realmente efetuadas pela entidade emitente desses documentos e pelos valores constantes dos mesmos, comprovando o direito à dedução do IVA liquidado nas faturas, não lhe aproveitando a mera criação de dúvida, ainda que fundada.

IV - No âmbito dos negócios artificiosos ou fraudulentos, a operação económica real poderá não existir, apesar de realizar-se o fluxo financeiro e a situação inversa também pode ocorrer, ou seja, existir uma operação económica real, com ocultação na revelação formal contabilística, pelo que, em face de indícios recolhidos de faturação falsa, não é suficiente a comprovação da emissão da fatura e da saída dos fluxos financeiros para prova da existência das operações económicas.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

L………………………., [anteriormente denominada O................ C.........,S.A.] recorre da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação adicional de IVA e respetivos juros compensatórios referentes aos períodos de Agosto e Setembro de 2007, no valor global de €424.271,93.

A Recorrente apresentou a respetiva motivação do recurso que concluiu assim:

«A) Os seguintes factos devem ser considerados provados e aditados à matéria de facto assente:
i.) O início de actividade da Recorrente ao abrigo do artigo 30º, nº1 do CIVA, inseriu-se na sua estratégia comercial para facilitar o relacionamento com os clientes e fornecedores estabelecidos no mercado português, em particular porque os fornecedores locais preferiam vender a entidades registadas para efeitos de IVA em Portugal, evitando desse modo o custo financeiro inerente à necessidade de solicitar o reembolso do IVA suportado a montante;
ii.) A Recorrente procurou em mercados estrangeiros, entre os quais no mercado português obter matéria-prima a preços mais competitivos face aos praticados no mercado espanhol;
iii.) A Recorrente tomou precauções especiais na selecção dos seus fornecedores no mercado português, para evitar ver-se envolvida em circuitos de fraude fiscal em sede de IVA;
iv.) A Recorrente exigia como condição para a aquisição de sucata de cobre aos diversos fornecedores com que contactou em Portugal, que lhe fossem apresentadas cópias das Declarações Periódicas de IVA e respectivos comprovativos de entrega ao Estado do IVA liquidado pelos fornecedores relativamente aos períodos de tributação a que se reportam as facturas emitidas em função das vendas de cobre;
v.) Dos diversos potenciais fornecedores contactados pela Recorrente apenas a sociedade comercial de Direito portuguesa E............... aceitou disponibilizar os documentos comprovativos do seu cumprimento das respectivas obrigações tributárias em sede de IVA;
vi.) A E............... integrava o grupo empresarial espanhol "I…...", que era o maior fornecedor de sucata de cobre da Recorrente em Espanha;
vii.) A Recorrente é uma entidade independente do grupo empresarial espanhol "ITSA", não existindo relações especiais entre a Recorrente e qualquer uma das sociedades que integravam aquele grupo;
viii.) A Recorrente estabelecia um plano mensal de produção e em função das respectivas necessidades de matéria-prima estabelecia um piano mensal de compra de sucata de cobre, adquirindo a quantidade necessária em função das suas necessidades e da disponibilidade desta matéria-prima junto dos fornecedores;
ix.) A Recorrente encomendou sucata de cobre à E.......... entre Dezembro de 2005 e Outubro de 2006, em função das necessidades de matéria-prima ditadas pelos planos de produção mensais e disponibilidades de matéria-prima junto daquele fornecedor;
x.) A Recorrente adquiriu à E..............., entre Dezembro de 2005 e Outubro de 2006, 2.866.466 kg de retalho de cobre pelo valor global de EUR 18.552.852,79;
xi.) Os contactos entre a Recorrente e a E............... para acordar os termos e condições das aquisições de sucata de cobre e respectivos pagamentos eram feitos com trabalhadores do grupo "ITSA" em Espanha, que nessa qualidade agiam em representação das sociedades que integravam o grupo "ITSA", entre as quais a sociedade portuguesa do grupo, a "E...............";
xii.) A Recorrente condicionava o pagamento do preço acordado com a E............... para cada compra de sucata de cobre à apresentação dos comprovativos de entrega das Declarações Periódicas e do pagamento do respectivo IVA, para assegurar que a E............... cumpria efectivamente as suas obrigações tributárias em sede de IVA;
xiii.) Enquanto sujeito passivo de IVA, e relativamente às referidas transmissões de sucata de cobre, a E............... procedeu à liquidação de IVA no montante global de EUR 3.194.264,59 o qual foi efectivamente entregue ao Estado;
xiv.) As mercadorias adquiridas à E............... em Portugal pela Recorrente foram transportadas para as suas instalações industriais em Z…………, País Basco, Espanha, para proceder à respectiva fundição e transformação;
xv.) A E............... assumiu a obrigação de transportar, por si ou por terceiros, a mercadoria vendida à Recorrente e entregá-la nas instalações industriais desta, sitas em Espanha;
xvi.) O transporte da referida mercadoria para as instalações da Recorrente foi realizado pela transportadora portuguesa "Transportes do Neiva";
xvii.) Dos transportes de sucata de cobre de Portugal para as suas instalações industriais em Espanha, a Recorrente tem cópia de 112 declarações de expedição internacional CMR ("CMR") correspondentes a outros tantos serviços de transporte que documentam o transporte de uma quantidade de retalho de cobre não inferior a 2.747.199 kg, correspondente a cerca de 400,000 kg por mês e 16 camiões por mês entre Dezembro de 2005 e Outubro de 2006;
xviii.) A Recorrente não tem por procedimento manter arquivados os CMR's relativos ao transporte de mercadoria recebida, pelo que algumas das cópias de CMR's apresentadas correspondem às vias destinadas ao expedidor ou ao transportador, reunidas posteriormente;
xix.) A Recorrente tinha implementado um sistema interno de controlo das aquisições de matérias-primas, designadamente de sucata de cobre, que permitia aferir a origem de qualquer entrada de matérias-primas na fábrica de Zaratamo, País Basco, Espanha e que condicionava os pagamentos aos fornecedores à efectiva entrada das matérias-primas nas suas instalações;
xx.) Cada fornecimento de matérias-primas que chegava às instalações industriais da Recorrente em Z.........., País Basco, Espanha, correspondia necessariamente a um pedido concreto de fornecimento de matérias-primas a um determinado fornecedor;
xxi.) Entre Dezembro de 2005 e Outubro de 2006, a sucata de cobre adquirida pela Recorrente em Portugal à E............... foi sendo entregue nas instalações industriais da Recorrente em Espanha;
xxii.) A mercadoria transferida de Portugal para Espanha -2.871.586 kg de retalho de cobre - foi documentada internamente pela Recorrente em conformidade com os artigos 23°, n°1, alínea b), e 7°, n°2, do RITI;
xxiii.) A diferença de 5.120kg entre a quantidade de sucata de cobre facturado pela E.......... à Recorrente -2.866.466kg - e a quantidade de sucata de cobre facturado internamente pela Recorrente, em conformidade com o disposto no RITZ - 2.871.586kg - é manifestamente residual, correspondendo apenas 0,18% do total da mercadoria transaccionada;
xxiv.) A referida diferença resulta de discrepâncias na calibragem das balanças ou método de pesagem utilizados pelas diversas entidades que ocorrem neste tipo de actividades, dando-se no entanto, por correctas as pesagens efectuadas pela Recorrente;
xxv.) A Recorrente contratou igualmente durante o exercício de 2006 serviços de contabilidade à CONFZS, relativamente aos quais suportou IVA no montante global de EUR 1.029,26;
xxvi.) Durante os exercícios de 2005 e 2006 a Recorrente suportou IVA no montante global de EUR 3.195.293,81;
xxvii.) As aquisições de bens e serviços à E............... e à C……..e, bem assim, o IVA relativo às mesmas foram sendo declarados pela Recorrente nas respectivas declarações periódicas de IVA submetidas durante o exercício de 2006;
xxviii.) O IVA liquidado pela E............... à Recorrente relativamente às transmissões de retalho de cobre entre Dezembro de 2005 e Outubro de 2006 - no montante total de EUR 3.194.264,55 - foi declarado por aquela entidade em sede das respectivas declarações periódicas de IVA referentes ao quarto trimestre de 2005 e primeiro, segundo, terceiro e quarto trimestre de 2006, nas quais apurou um montante total de IVA a favor do Estado no valor de EUR 3.439.149,77;
xxix.) A Recorrente procedeu à autoliquidação e dedução do IVA em Espanha, nos termos dos artigos 28°-A, n°6, § 1, 28°-B, ponto A, n°1 e 28°-D, n°1, da Directiva n°77/388/CEE, do Conselho de 17 de Maio de 1977, relativa ao Sistema Comum do IVA ("Sexta Directiva") -actualmente correspondentes aos artigos 21,°, 40° e 68°, da Directiva 2006/11/CE, do Conselho de 28 de Novembro, tendo tais transmissões intra-comunitárias de bens sido incluídas nas declarações periódicas de IVA apresentadas pela Recorrente em Espanha;
xxx.) A Recorrente acumulou, durante o exercício de 2006, um crédito de IVA no montante global de EUR 3.195.293,81, tendo solicitado gradualmente o reembolso do mesmo em sede das declarações periódicas de IVA por si apresentadas entre Agosto de 2007 e Novembro de 2008 ("Directiva IVA"), para não ter de suportar garantias bancárias de valor incomportável;
xxxi.) Os pedidos de reembolso efectuados nas declarações referentes aos períodos de Agosto e Setembro de 2007, no montante de EUR 200.003,00 cada, foram ambos deferidos pela Administração Tributária, tendo sido consequentemente reembolsado à Recorrente IVA no montante de EUR 400.000,00;
xxxii.) A Recorrente acumulou um crédito de IVA no montante de EUR 2.795.293,81, o que lhe causou dificuldades de tesouraria que tiveram por consequência o fim da respectiva actividade em Portugal;

B) Devem ser eliminados da matéria de facto não provada a páginas 42 a 44 da Sentença recorrida os factos elencados pelo Tribunal a quo, os quais devem ser dados como provados e aditados à matéria de facto provada;

C) A Recorrente encontra-se na posse das facturas correspondentes às aquisições de sucata de cobre à E..............., entre Dezembro de 2005 e Outubro de 2006, a sucata de cobre foi efectivamente utilizada na respectiva actividade económica e não se encontra expressamente vedado o direito à dedução do IVA nessas operações;

D) A Recorrente pagou à E............... o montante de EUR 18.552.852,79 a título de preço pela aquisição de 2.866.466 kg de sucata de cobre, incluindo o respectivo IVA;

E) O pagamento só teve lugar após verificação de que a E............... havia declarado À Administração Tributária e entregue o IVA devido por referência ao respectivo período de tributação;

F) A sucata de cobre adquirida em Portugal à E............... pela Recorrente foi transportada para as instalações desta em Espanha;

G) As aquisições de sucata de cobre na origem dos presentes autos não configuram operações simuladas nos termos e para efeitos do artigo 19°, n°3, do CIVA;

H) A Recorrente tem direito ao reembolso do IVA suportado nas referidas operações no montante de EUR 3.195.253,81, ao abrigo do artigo 19°, nºs1 e 2, do CIVA;

I) A Administração Tributária não demonstrou que os alegados indícios de fraude em sede de IVA ao nível da E..............., seus fornecedores e respectivos fornecedores destes se estendiam às transacções de sucata de cobre com a Recorrente;

J) A Administração Tributária não carreou para o procedimento de inspecção tributária nem para os presentes autos todos os elementos probatórios que supostamente fundamentam as suas conclusões, obtidos em inspecções tributárias relativas a outros contribuintes, incumprindo o seu ónus probatório, nem assegurou o contraditório durante aquele procedimento tributário;

K) Não podem ser relvados os elementos alegadamente obtidos pela Administração Tributária em procedimentos de inspecção tributária relativamente a outros contribuintes que não foram carreados para a inspecção tributária a que foi sujeita a ora Recorrente e que antecedeu os presentes autos, sob pena de tal comportar uma interpretação das regras de repartição do ónus da prova e do princípio do contraditório, consagrados nos artigos 74,° da LGT e 45° do CPPT, desconforme aos princípios da tutela jurisdicional efectiva, da igualdade e da justiça, consagrados nos artigos 268°, n°3, e 266º, n°2, da Constituição da República Portuguesa;

L) A prova documental junta aos presentes autos consubstancia prova bastante dos pagamentos efectuados pela Recorrente à E..............., não podendo a Administração Tributária nem tão-pouco os órgãos do poder judiciai, em sede de controlo de mera legalidade dos actos tributários questionar a ocorrência dos mesmos per insuficiência probatória, sob pena de tal comportar uma interpretação das regras de repartição do ónus da prova e do princípio inquisitório, decorrentes dos artigos 74° e 58° da LGT, desconforme ao princípio da separação de poderes constitucionalmente garantido/ consagrado no artigo 2° da Constituição da República Portuguesa, o que se invoca para os devidos efeitos.

M) A Recorrente não tinha, nem tinha obrigação de ter, conhecimento do alegado circuito fraudulento em sede de IVA ao nível da E..............., seus fornecedores e respectivos fornecedores destes;

N) A Recorrente adoptou, relativamente à E..............., um procedimento cauteloso, solicitando a esta entidade a apresentação de certidões de inexistência de dívidas fiscais e cópia das declarações periódicas de IVA e dos comprovativos de entrega do IVA incidente sobre as operações em referência;

O) A E............... declarou e entregou o IVA liquidado nas operações realizadas com a Recorrente;

P) A fundamentação da improcedência dos presentes autos nos termos do artigo 19°, n°4, do CIVA reconduz-se à fundamentação a posteriori do acto tributário impugnado;

Q) A Recorrente desconhecia e não tinha obrigação de conhecer se a E............... tinha licença, instalações ou infra-estruturas adequadas para o exercício do comércio de sucata de cobre, sendo certo que aquela efectivamente vendeu sucata de cobre em Portugal à Recorrente entre Dezembro de 2005 e Outubro de 2006;

R) Face à Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, em particular constante do Acórdão Optigen, os artigos 167° e 168° da Directiva IVA, opõem-se a que o regime ínsito no artigo 19°, nºs 3 e 4, do CIVA, seja interpretado no sentido de permitir que seja negado o direito à dedução do IVA suportado por um sujeito passivo com fundamento em indícios de fraude nos casos em que o adquirente dos bens desconhecia, sem obrigação de conhecer, a alegada fraude em sede de IVA, bem como nos casos em que o IVA incidente sobre a operação em questão foi efectivamente entregue junto dos cofres do Estado e nos casos em que o sujeito passivo que pretende exercer o direito à dedução desconhece, sem obrigação de conhecer, que o transmitente dos bens não tinha as instalações e infra-estruturas adequadas à realização dessas operações;

S) Neste contexto, tendo em conta o primado do Direito da União Europeia plasmado no artigo 8°, n°4, da Constituição da República Portuguesa, deverá esse Douto Tribunal, em todo o caso, revogar a Sentença proferida pelo Tribunal a quo e, por via disso, anular os actos de indeferimento dos pedidos de reembolso de IVA em referência, ordenando o reembolso à Recorrente do referido IVA, no montante de EUR 2.194.924,41;

T) Caso, esse Douto Tribunal tenha dúvidas sobre a referida interpretação do regime ínsito no artigo 19°, nº3 e 4, do CIVA, face aos artigos 167° e 168° da Directiva IVA e à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, em particular constante do Acórdão Optigen, deverá obrigatoriamente suspender a presente instância e reenviar a questão para o Tribunal de Justiça da União Europeia, competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Direito da União Europeia, nos termos do artigo 267° § 3 do TFUE.

Nestes termos e nos demais de Direito que doutamente se suprirão, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que julgue totalmente procedente o presente recurso, revogando a sentença recorrida com fundamento em erro de julgamento, proferindo acórdão que determine a procedência da Impugnação Judicial e, consequentemente, a anulação dos actos tributários impugnados.

Na medida da procedência do pedido acima formulado requer-se ainda ao Douto Tribunal ad quem que condene a Administração Tributária no pagamento de custas de parte, nos termos do artigo 26° do Regulamento das Custas Processuais, tudo com as demais consequências legais.»

*
A Recorrida, notificada da admissão do recurso, optou por não contra-alegar.

*

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal Central emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

*

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*

II – Fundamentação

- De facto


Em 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

«1. A Impugnante é uma sociedade de direito espanhol, com sede em Espanha e sem qualquer estabelecimento estável em Portugal (facto admitido por acordo, cf. artigo 1.º da p.i. e artigo 7.º da informação para a qual remete a contestação).

2. Em 09.12.2005, a Impugnante apresentou uma declaração de início de actividade para efeitos de IVA junto da Administração Tributária portuguesa (facto admitido por acordo, cf. artigo 2.º da p.i. e artigo 7.º da informação para a qual remete a contestação).

3. Entre Dezembro de 2005 e Outubro de 2006, a E............... emitiu as seguintes facturas à Impugnante, atinentes à pretensa transmissão de “Retalho Cobre Novo”, aí mencionando o número de identificação fiscal português da Impugnante:

« Texto no original»

(cf. cópias das facturas juntas às anteditas fls. dos autos, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

4. Entre Dezembro de 2005 e Setembro de 2006, foram emitidas as seguintes declarações de expedição internacional CMR, referentes ao transporte de "retalho cobre novo", aí identificando a Impugnante, enquanto sujeito passivo de IVA em Portugal, ou a E..............., como expedidora dos bens, a Impugnante, no lugar das suas instalações em Espanha, como destinatária, a T………… - Sociedade ………….., Lda., como transportadora, e Rio ......., Portugal, como o lugar de origem dos bens, mais referindo, na sua generalidade, a menção "Ex- Works (por conta da E...............)":

« Texto no original»

(cf. cópias dos CMR juntas às anteditas fls. dos autos, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

5. Em Setembro de 2006, foram emitidas as seguintes declarações de expedição internacional CMR, referentes ao transporte de "placa cobre", aí identificando a Impugnante, enquanto sujeito passivo de IVA em Portugal, como expedidora dos bens, a Impugnante, no lugar das suas instalações em Espanha, como a sua destinatária, a sociedade C…………., Logística y Transportes, como transportadora, e Rio ......., Portugal, como o lugar de origem dos mesmos:

« Texto no original»
(cf. cópias dos CMR juntas às anteditas fls. dos autos, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

6. Entre Fevereiro de 2006 e Fevereiro de 2007, a Impugnante procedeu aos pagamentos que se detalham de seguida:

« Texto no original»


(cf. cópias de cada um dos documentos referidos, juntas às anteditas fls. dos autos, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

7. Entre Maio e Novembro de 2006, a Impugnante emitiu os seguintes "Pagares", aí identificando a E............... como respectiva destinatária dos mesmos e obrigando-se a pagar os valores aí descritos até à correspondente data de vencimento:

« Texto no original»


(cf. cópias dos "pagaré" juntas às anteditas fls. dos autos, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

8. Entre Março e Dezembro de 2006, a Impugnante emitiu, sob o seu número de identificação fiscal português, as seguintes facturas, identificando-se a si mesma como "cliente", com o seu número de identificação fiscal espanhol, respeitantes à suposta transferência de "Retalho Cobre Novo" para as suas instalações em Espanha:

« Texto no original»


(cf. cópias das facturas juntas a fls. 812, 814, 816 e 818 dos autos, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

9. A Impugnante reportou, nas declarações periódicas de IVA por si apresentadas em Portugal, com referência aos períodos compreendidos entre Janeiro e Dezembro de 2006, os seguintes valores:

Período
IVA liquidado (EUR)
IVA deduzido (EUR)
Transmissões intracomunitárias de bens (EUR)
2006/01
0,00
169.631,59
0,00
2006/02
0,00
119.353,06
0,00
2006/03
0,00
256.865,54
2.598.787.00
2000/04
0.00
360.654,31
0,00
2006/05
0,00
817.203,88
0,00
2006/06
0,00
669.469,75
7.515.103,00
2006/07
0,00
122.342.65
0,00
2006/08
0,00
62.735,37
0,00
2006/09
0,00
463.423,83
3.795.338,00
2006/10
0,00
29.691,00
0,00
2006/11
0,00
26,25
0,00
2000/12
0,00
123.208,57
1.660.959,00
Total: 0,00 EUR 3.194.605,80 EUR 15.570.187,00
(cf. cópias das declarações modelos B e C de IVA e respectivos anexos juntas entre fls. 820 e 859 dos autos, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

10. A Impugnante reportou, nas declarações periódicas de IVA por si apresentadas em Espanha, com referência aos períodos compreendidos entre Janeiro e Dezembro de 2006, os seguintes valores:
Período
Aquisições intracomunitárias de bens - base tributável (EUR)
Aquisições intracomunitárias de bens - IVA (EUR)
2006/01
499.626,41
79.940,23
2006/02
1.487.795,07
238.047,21
2006/03
1.378.034,58
220.485,53
2006/04
2.721.338,74
435.414,20
2006/05
3.608.248,80
577.319,81
2006/06
3.608.248,80
577.319,81
2006/07
582.459,06
93.193,45
2006/08
0,00
0,00
2006/09
2.352.352,02
376.376,32
2006/10
1.427.147,43
228.343,59
2006/11
572.635,66
91.621,71
2006/12
795.207,15
127.233,14
Total: 19.033.093,72 3.045.295,00

(cf. cópias das declarações mensais de IVA apresentadas pela Impugnante, em Espanha, juntas entre fls. 868 e 890 dos autos, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

11. Entre Agosto de 2007 e Outubro de 2008, a Impugnante peticionou mensalmente o reembolso de IVA no valor de EUR 200.000,00, pugnando ainda, em Novembro de 2008, pela restituição de imposto no valor de EUR 195.293,81, num valor total de EUR 3.195.293,81 (cf. cópia das correspondentes declarações periódicas e respectivas relações de fornecedores apresentadas nesses períodos, juntas entre fls. 892 e 954 dos autos, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

12. Os reembolsos de IVA solicitados nas declarações periódicas atinentes a Agosto e Setembro de 2008, no valor de EUR 200.000,00 cada um, foram deferidos pela Administração Tributária, a qual procedeu ao respectivo pagamento (cf. print do Portal das Finanças junto a fls. 956 dos autos, documento que se dá por integralmente reproduzido).

13. Em 30.10.2008, teve início uma acção inspectiva incidente sobre a Impugnante, com referência ao IVA dos anos 2005, 2006 e 2007, no resultado da qual são propugnadas correcções no valor de EUR 3.194.264,55, "em resultado de imposto indevidamente deduzido, nos termos do n°3 do art°19º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado", com base nas conclusões que se transcrevem de seguida:

"6. Conclusões

De acordo com os dados recolhidos ao longo da presente acção inspectiva, complementados com as informações obtidas junto de, outros sujeitos passivos, é possível esboçar o esquema documental que está na base de todo este processo (valores em Euros, referentes ao exercício de 2006).

«Texto no original»

6.1.- IVA indevidamente deduzido por assentar em facturas que não correspondem a reais transmissões de bens

Tendo em conta os factos descritos no ponto 5.2.2., verifica-se que o circuito documental, em que assenta o esquema atrás enunciado, não corresponde a um circuito real de transacções de sucata de cobre.

Com efeito, estamos per ante um evidente esquema defraude em cadeia em IVA (muito próxima da tipologia da fraude do tipo carrossel) com o claro intuito de lesar o Estado português, gerando artificiosamente um crédito de imposto, em sede de IVA, que se concretiza nos diversos pedidos de reembolso de IVA que a O……………… (PT) tem vindo, sucessivamente, a solicitar, em resultado de deduções de IVA efectuadas, através das facturas emitidas pelo seu único fornecedor E............... que, por sua vez, provêem, essencialmente, da empresa W……………., cujo IVA liquidado a montante pelos seus fornecedores (operadores fictícios) não foi entregue nos cofres do Estado.

Como é típico, num esquema defraude tipo carrossel, existem três tipos de intervenientes:

- o "M……………..", que corresponde a um sujeito passivo que não cumpre com as suas obrigações fiscais, não entregando as suas declarações de IVA, ou omitindo os valores de aquisições intracomunitários nas declarações de IVA que, eventualmente, entrega (por exemplo: "Y……………", "O………..", "R………." e "E……….");

- o "B…….", que se traduz num sujeito passivo com um comportamento fiscal, aparentemente, "normal", entregando as respectivas declarações periódicas de IVA, deduzindo o imposto suportado nos documentos de aquisição aos "missing traders" e liquidando IVA nos documentos de venda aos "brokers", o que resulta em pagamento de IVA ao Estado, mas cujo intuito é de dissimular o circuito fraudulento, mormente reúna a documentação de forma organizada (por exemplo: "Z…………" e "E..............."),

- o "Broker", que consiste no sujeito passivo que se encontra no fim da linha, gerando um crédito de imposto, que conduz ao pedido de reembolso de IVA, pois deduz IVA nas aquisições efectuadas ao "buffer", mas cujas vendas são isentas de imposto, pois tratam-se de transmissões intracomunitárias, revestindo sempre uma imagem, do ponto de vista formal, de pleno cumprimento fiscal, bem como, reunindo documentação com os requisitos legais e contabilísticos salvaguardados (no caso concreto, trata-se da O………….PT).

A estes três agentes tipificados, acrescem as "conduit companies" que consistem em sujeitos passivos domiciliados noutro Estado-Membro e que procedem a transmissões intracomunitárias aos "missing traders» nacionais e/ou aquisições intracomunitárias aos "brokers" nacionais.

Esquemas de fraude em IVA com esta tipologia, por vezes não têm qualquer circuito físico de bens, limitando-se a haver um circuito de documentos.

No entanto, os esquemas de fraude mais elaborados incorporam o transporte real de bens, com o intuito de dificultar o controlo inspectivo do circuito fraudulento de documentos, isto é, por outras palavras fazem "passear" a mercadoria com o intuito de reforçar a credibilidade do circuito documental envolvido.

Existem, todavia, casos, em que o circuito real da mercadoria envolve somente uma parte do circuito documental, na medida que são implantados, artificiosamente, no esquema, sujeitos passivos fictícios, com vista a ludibriar os reais agentes económicos envolvidos nos negócios em causa e que assim evitam que a tributação recaia sobre si.

Perante este interlocutório, importa sublinhar que dos elementos apurados pela Inspecção Tributária não se pode afirmar com inequívoca certeza que a O………….. não tenha recebido qualquer sucata de cobre nas suas instalações sitas em Z…………, Vizcaya, Bilhão, em Espanha.

Isto é, admite-se a possibilidade de existir, efectivamente, mercadoria (neste caso, sucata de cobre), que tenha entrado na fábrica para ser transformada e, posteriormente, o produto final (tubos de cobre) ser introduzido, deforma "normal", no mercado.

No entanto, outro aspecto que estamos absolutamente seguros é que a origem da sucata de cobre não é aquela que os documentos querem evidenciar, não tendo origem em Portugal, designadamente, nos operadores portugueses descritos no presente relatório.

A documentação recolhida ao longo deste processo sugere que a mercadoria provenha de Portugal, nomeadamente, dos aludidos "fornecedores" que se comprovaram serem operadores fictícios, pelo que, a existir mercadoria, a mesma provirá de Espanha.

Relembre-se a este propósito que a evolução legislativa que ocorreu, em sede de IVA, neste sector de actividade da sucata, em que, inicialmente, era considerada corno uma actividade comercial enquadrada no regime normal de IVA, caracterizando-se pela liquidação de IVA, efectuada pelo vendedor, e respectiva dedução de imposto pelo comprador.

Todavia o seu regime fiscal passou a ser excepcionado, através de legislação específica que, em resumo, se consubstanciou no mecanismo de autoliquidação de IVA a efectuar pelo comprador ("reverse charge"), o que permitiu reduzir (ou eliminar) as vantagens fiscais obtidas com esquemas fraudulentos geradores de deduções de IVA artificiosas, através da emissão de facturas, por parte de operadores fictícios, assentes em negócios simulados.

Com efeito, Espanha procedeu à alteração para este regime fiscal em 2004, através da Lei 62/2003, enquanto Portugal apenas adoptou este regime a partir de Outubro de 2006, através da Lei 33/2006. Durante este período, assistiu-se à deslocalização da fraude em IVA, neste sector, de Espanha para Portugal. É neste contexto que se insere o esquema descrito no início deste ponto 6, compreendendo-se, assim, o envolvimento de inúmeros cidadãos espanhóis na prossecução de actividades fraudulentas com a criação de operadores fictícios nacionais.

Deste modo, se as nossas conclusões fossem erradas, como seria explicada a seguinte questão:

"Se os hipotéticos fornecedores iniciais são sujeitos passivos nacionais que não têm estrutura para o exercício de qualquer actividade comercial, consentânea com os valores apresentados, ou que pura e simplesmente não existem, como é possível serem reais as compras que os seus "clientes" declaram?"

Vejam-se os casos da Y O……….., O…………. e R…………….. (vide ponto 5.2.2.2.), que foram, artificialmente, constituídos, através de "testas de ferro", como sujeitos passivos nacionais, por um cidadão espanhol de nome Raul, com o intuito de legitimar o direito à dedução de imposto na Z…………..

A Z……………, por sua vez, foi, igualmente, criada com a intervenção deste mesmo indivíduo, e cujo único sócio e gerente (R ……………) é administrador da empresa espanhola B …………….. Y METALES (NIF ………..), também ligada ao mesmo sector de actividade.

A Z................, por seu lado, apresentava aquisições intracomunitárias efectuadas ao sujeito passivo espanhol F............... DE LLEIDA (NIF ……………..), sem terem sido demonstrados quaisquer documentos de transporte, que atestem a veracidade das mesmas, apresentando, de seguida, vendas para a empresa W............ (com IVA incluído, legitimando o direito à dedução de imposto nesta última) e, em paralelo, indicando transmissões intracomunitárias fictícias para o sujeito passivo espanhol B…………(NIF ………….), que não se encontra válido para efeitos de VIES.

De acordo com informação fornecida pela Administração Fiscal Espanhola, a B…………..consiste numa sociedade com um perfil meramente instrumental, sem actividade conhecida e utilizada pelo seu principal "cliente", F............... DE LLEIDA, para simular compras em Portugal, estando domiciliado num centro de negócios em Barcelona e tendo como administrador o Sr. Raul ………… (NIF ………….), pessoa que controla diversas sociedades espanholas, pertencentes ao sector da sucata, e que, sublinhe-se, era o sócio da sociedade portuguesa R. ……………., fornecedora da TOP …………...

Nesta informação foi ainda indicado que sob a F............... DE LLEIDA recaem suspeitas da sua participação numa rede organizada de fraude em IVA, com indícios da existência de movimentos financeiros entre Espanha e Portugal e com regresso a Espanha, alimentando um possível "carrossel", com a finalidade de gerar artificialmente operações, conducentes a reembolsos do IVA suportado.

Aliás, recorde-se que a empresa Z................ foi criada para dar continuidade ao papel que a empresa TOP ……………. desempenhava neste esquema e que, fruto da abordagem da inspecção tributária, importava fazê-la "desaparecer.

A TOP L........... apresentava o mesmo modus operandi, só variando de protagonistas, as compras eram efectuadas no mercado nacional à empresa R. …………. (cujo responsável era o atrás referenciado Sr. Raul ………… e que consta como sendo, ou tendo sido, empregado da empresa F............... DE LLEIDA), que, por sua vez, adquiria as mercadorias ao fornecedor "nacional" J …………. (cujo responsável, o cidadão espanhol J …………….., é sócio e administrador de inúmeras sociedades espanholas e que é ou foi trabalhador da empresa B …………………… Y METALES) e aos fornecedores espanhóis F............... DE LLEIDA e C............. DE A............ (refira-se que a sócia minoritária da empresa C............. DE A............, D. Maria …………………. foi a única sócia-gerente da empresa portuguesa TOP L..........., no período compreendido entre 30/12/2004 e 10/11/2005).

Ainda a propósito da TOP L..........., sublinhando o envolvimento de inúmeros cidadãos espanhóis em todo este processo, refira-se que, em 2006, o cidadão espanhol Miguel ……………… (com NIF ………………..), administrador da F............... DE LLEIDA, foi representado fiscalmente em Portugal pela TOP L............

Chegando à W............, empresa que, efectivamente, tem estrutura para o exercício de uma actividade de recolha e reciclagem de sucata, pois foi confirmada a existência de instalações, equipamentos e pessoal; foi também constatada a utilização de inúmeras facturas "falsas", não só dos fornecedores TOP L........... e Z................, mas também de outros fornecedores, tais como, entre outros, a G............, F……………. ………………. e A …………………………… (vide pontos 5.2.2.3., 5.2.2.4. e 5.2.2.5.)

Aliás, o comportamento fraudulento dos responsáveis da W............ é sublinhado pela sistemática criação e fecho de diversas empresas, com o claro intuito de promover a fraude e evasão fiscal, como são os casos, entre outros, das empresas C…………. & IRMÃOS, C..........., X…………, M…………., T………....

À semelhança do atrás indicado relativamente à admissibilidade da existência de mercadoria na O................ em Espanha, também se admite a existência de (alguma) mercadoria na W............/CUNHA & IRMÃOS, todavia não é aquela que os documentos apontam quer ao nível de quantidade, quer ao nível da origem.

O elo que se segue na cadeia é a E..............., uma sociedade juridicamente portuguesa, mas sem qualquer estrutura empresarial em Portugal, detida unicamente por um cidadão espanhol (Eduardo …………….), que a par do Sr. Angel …………., gere em Espanha, não só a "pseudo" actividade da E..............., como também, de diversas empresas ligadas a este sector de actividade (refira-se a existência de um registo da E..............., como sujeito passivo espanhol, com o NIF ……………………).

Face às características da E............... e que foram plenamente desenvolvidas no ponto 5.3., é questionável se, à luz da alínea a) do nº1 do art°2° do CIVA, esta entidade é considerada como sujeito passivo ("São sujeitos passivos do imposto: a) As pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que do mesmo modo independente pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos da incidência real de IRS e de IRC.").

Assim, em resumo, a "actividade" da E............... desenvolvida em Portugal permitiria legitimar o direito à dedução de IVA, perante terceiros registados como sujeitos passivos portugueses.

Ora, deste modo, chega-se ao fim da cadeia, ao destinatário final das mercadorias: a sociedade espanhola O................ C……….………, Sociedade Anónima, Sociedade Unipersonal.

Todavia, ainda antes de chegar ao destinatário final, a O................ .resolveu registar-se como sujeito passivo português (O................ PT), criando, assim, as condições para gerar um crédito de imposto, conducente ao pedido de reembolso de IVA, "alimentado" pela dedução de imposto nas facturas de compra à E..............., conjugada com a isenção de IVA nas "vendas'' à O................ .., que, fiscalmente, são consideradas como transmissões intracomunitárias.

Por força do n°3 do artº19° do CIVA ("Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente"), não podem ser aceites as deduções de IVA efectuadas pela O................ PT, em resultado das facturas emitidas pela E..............., pois a origem da "alegada" mercadoria assenta em sucessivos documentos que, na sua génese, indiciam operações simuladas.

6.2. - Circuito deliberadamente criado para obter vantagens fiscais

Apesar das mais que óbvias e evidentes conclusões sobre a simulação de operações descritas no ponto anterior e que, por si só, impedem o direito de imposto e, por conseguinte, inviabilizam o direito ao(s) reembolso(s) solicitado(s) neste ponto, iremos considerar, por mera hipótese que a O................ não havia tido conhecimento da origem fraudulenta da mercadoria e que, até, estaria a agir de boa fé.

Muito bem. Sublinhe-se o título hipotético, se a O................ estivesse efectivamente a agir, de acordo com as normais regras de mercado e cumprindo com os preceitos legais e fiscais, importa reflectir sobre as seguintes questões:

1º) Sabendo que a mercadoria provinha de Rio ......., em Portugal (das instalações da W............), conforme atestavam os CMR's e documentos de transporte, qual a razão para a O................ não comprar a directamente à W............, tanto mais que isso, a priori, geraria para si um lucro maior, pois suprimiria o ganho gerado pelo intermediário (E...............)?

2°) Quer comprando a mercadoria à E..............., ou directamente à W............, qual a razão da O................ não ter utilizado o seu número de identificação fiscal de sujeito passivo espanhol, considerando uma aquisição intracomunitária em território espanhol e, por conseguinte, aplicando o mecanismo de reverse-charge?

Esta opção permitiria não ter qualquer encargo, pois a dedução de imposto corresponderia à liquidação do mesmo, ou seja, o efeito fiscal era nulo, não tendo a O................ que esperar pela Administração Fiscal Portuguesa para esta analisar o reembolso, tanto mais que, neste cenário a entidade que solicitaria o reembolso de IVA seria a E..............., ou, no caso de compra directa ao fornecedor originário, seria a W.............

3°) Qual o motivo que levou a O................ a registar-se como sujeito passivo português, conduzindo-se à demora de ter que esperar pelo tempo de análise ao reembolso por parte da Administração Fiscal Portuguesa?

« Texto no original»

Em certa medida, é apropria O................, através do seu responsável, Sr. A……………………, que confessa que a situação não corresponde a uma situação "normal" de mercado, pois:

"Em Portugal, a O................ C…………… não possui empregados, nem escritórios, nem armazém, nem qualquer instalação fixa, tendo-se limitado a registar-se, em Portugal, como sujeito passivo, não residente, meramente para efeitos de IVA, pois havia a pressão do fornecedor E............... para tal. Deste modo, a O................ aceitou em assumir o ónus financeiro, resultante do deferimento temporal que estaria subjacente a um eventual reembolso de IVA,...

A ideia inicial seria, à semelhança da compra ser intermediada pela O................ com o NIF português, que as vendas da O................, sujeito passivo espanhol, para clientes portugueses fossem, igualmente intermediadas pela O................, na qualidade de sujeito passivo português, tornando-se em posteriores vendas com liquidação de IVA em território português; todavia, os comerciais espanhóis não concordaram com esta última parte.

... o meu contacto com a E..............., se limitava a falar ao telemovel com o Sr. A…………….., que é o responsável financeiro da E............... e de um grupo de empresas espanholas com o nome de I…………., nas quais se inclui a empresa C…………….....

Neste grupo de empresas pontifica o Sr. Eduardo, bem como o seu colaborador comercial de nome Raul. Qualquer destes três indivíduos relacionados com a E............... já se deslocaram às instalações da O................, pelo que o seu contacto mantém-se presentemente activo,...

...após indicação do preço, variável consoante a cotação do cobre, é indicado ao respectivo fornecedor, de modo a este emitir a sua factura que no caso dos operadores espanhóis são rapidamente pagos em cerca de dois dias, mas que, no caso da E............... demorava cerca de um mês."

É a própria O................ que admite uma relação "especial" com a E..............., divergindo nos prazos normais de pagamentos aos seus fornecedores, bem como, apesar, de pertencer ao um grande grupo económico, a O................ cedeu "opressão da E..............." em registar-se como sujeito passivo português, para efeitos de IVA, de modo a reivindicar o reembolso de IVA, junto da Administração Fiscal Portuguesa.

Ora, se todos os aspectos desenvolvidos no ponto 6.1. foram bem elucidativos, quanto à simulação das diversas operações, registadas ao longo da cadeia pelos "sujeitos passivos" aí indicados, fica, aqui, demonstrada a conivência e o conluio existente entre a O................ e a E................

É do conhecimento do sujeito passivo sob análise:

• quem são os responsáveis e os interlocutores da E...............,

• que exercem actividade em Espanha e não em Portugal,

• que a E............... não possui qualquer estrutura em Portugal,

• que os pagamentos são efectuados para contas bancárias da E............... domiciliadas em Espanha,

pelo que é, por mais evidente que, mesmo que a O................ desconhecesse, a título hipotético, a génese fraudulenta do circuito, saberia, por decerto que a E............... não reúne a estrutura adequada para o exercício de uma actividade comercial como esta, que envolve um volume de negócios de cerca de € 15.000.000.

De igual modo, não colhe a afirmação do responsável pela O................ que desconhecia a origem da mercadoria, pois pelo menos da W............ era forçoso terem conhecimento, em resultado dos dados constantes nos CMR's e nos documentos de transporte.

Aliás, apresente caso encerra em si, um claro abuso de direito, previsto no art°334° do Código Civil, corroborado pela posição sustentada no Acórdão do TJCE, relativo aos processos €-255/02 e €-223/03, no qual no Ponto 2 do capítulo IV- Conclusão indica que:

"A Directiva 77/388 deve ser interpretada no sentido de que não confere a um sujeito passivo o direito à dedução ou ao reembolso do IVA a montante, de acordo com o princípio da interpretação do direito comunitário que proíbe o abuso das disposições de direito comunitário se se verificarem dois elementos objectivos, a ser apreciados pelos tribunais nacionais.

Primeiro, quando os objectivos e resultados prosseguidos pelas disposições jurídicas que dão formalmente origem ao direito ficassem frustrados se o direito reivindicado fosse efectivamente conferido. Segundo, quando o direito invocado resulte de actividades para as quais não existe outra justificação senão dar origem ao direito reinvidicado".

Pelo atrás exposto, verifica-se que, no caso em apreciação, estão reunidos os dois pressupostos elencados no Acórdão citado.

Em primeiro lugar, o direito ao reembolso de IVA, como consequência da dedução do respectivo imposto, seria "conferido", se as facturas, como corolário material e formal dos negócios jurídicos em causa, conferissem o direito à dedução de IVA; todavia, como as facturas analisadas respeitam a operações simuladas, não é conferido o direito à dedução do respectivo imposto, pelo que fica "frustrado" o objectivo pretendido do reembolso de IVA.

Em segundo lugar, é claro que o direito invocado pelo sujeito passivo ao reembolso de IVA resulta de um conjunto de operações simuladas, fruto de um esquema com sucessivas facturações, tendo em vista gerar um direito à dedução de imposto a montante, que passaria na cadeia, de elo em elo, conforme resultou do esquema apresentado no ponto 6, visando a invocação do reembolso em análise.

Em resumo e em concreto, caso não existissem quaisquer anomalias e o reembolso de IVA fosse legítimo e passível de deferimento (e recuperando as questões evocadas no início deste ponto), bastaria a W............ fazer uma transmissão intracomunitária, isenta de IVA à O................ ES; esta limitar-se-ia ao mecanismo de reverse-charge, pelo que o efeito do IVA era nulo para si, enquanto que a W............ solicitaria o reembolso do imposto a que teria alegadamente direito.

Mas, esta solução, lógica e mais próxima do circuito, alegadamente "real" dos bens, tinha um inconveniente: implicaria que a W............ fosse alvo de acção de inspecção tributária, no sentido da Administração Fiscal validar a legitimidade não só da isenção de IVA a jusante (a priori sem contestação), mas do direito à dedução de IVA a montante (aqui é que reside o problema!), o que evidenciaria todas as irregularidades que já foram descritas no ponto 5.2.2.

Todavia, havia uma outra alternativa, a E............... aparecia como intermediária, entre a W............ e a O................ ES, sendo ela que geraria o crédito de imposto e que solicitaria o respectivo reembolso.

Mas, também, esta hipótese podia não ser "segura", pois facilmente a Administração Fiscal, na análise ao pedido de reembolso de IVA, chegaria até à W............ e com todos os problemas já descritos, poderia vir a indeferir o reembolso.

Então, a solução encontrada foi registar a O................, como sujeito passivo português, ficcionando transmissões intracomunitárias para a O................ … (isentas de IVA). Deste modo, estaria a legitimar o crédito de imposto, baseado em aquisições no território nacional (com IVA a deduzir) efectuadas a um sujeito passivo português e que cumpria todas as suas obrigações fiscais, quer em IVA, quer em IRC, e que possuía em arquivo a documentação necessária para satisfazer eventuais pedidos de esclarecimentos da Administração Fiscal (facturas, CMR's, documentos de transporte, meios de pagamento).

Provavelmente, foi objecto de reflexão, se a E............... seria um mero intermediário (prestador de serviços), recebendo uma comissão, pois os bens sairiam da W............ para a O................ em Espanha; ou se conceberia a E..............., como uma empresa comercial, que comprasse os bens à W............, contratando a mesma transportadora usada por esta última, a T…………… (muito embora os contactos fossem sempre efectuados pelo Sr. J ………………. da W............), para os transportar para Espanha e, por fim, vendê-los (com uma margem de lucro) à O................PT, sem levantar suspeitas.

Todavia, no meio de todo o cuidado com a concepção deste esquema, existem inúmeras questões por responder:

1°) o Sr. Angel …………….a da O................ comprometeu-se a enviar por mail esclarecimentos adicionais, quanto à forma como eram realizadas as compras da sucata, e até apresente data não o fez.

2°) o Sr. Eduardo ………….. e/ou o Sr. Angel ………., não responderam até à presente data a diversas questões colocadas na notificação efectuada à E................

3°) o papel preponderante neste circuito do Sr. Raul ………………, com claros indícios de ser um dos principais "operacionais" envolvidos neste esquema.

4°) Pagamento das facturas n°27, 28, 29 e 31 emitidas pela E..............., efectuado por transferência bancária da O................ para a conta da C................ (vide ponto 5.3.2.4. e cfr. ANEXO 27).

5°) Questões documentais difíceis de justificar ou, diria mesmo, injustificáveis, como, por exemplo:

5.1.) Factura n°121 emitida Dela E...............

A cópia recolhida na E............... apresenta dados completamente diferentes (data de emissão, descrição e valor) dos constantes na cópia da mesma factura enviada pela O................ (cfr. ANEXO 29);

5.2.) Facturas n°., ….. e ……. emitidas pela E...............

As cópias recolhidas na E............... apresentam dados diferentes (no caso da primeira factura, quanto à quantidades, e no caso das duas últimas, quanto ao preço unitário) dos constantes nas cópias das mesmas facturas enviadas pela O................ (cfr. ANEXO 30);

5-3.) CMR's n°4359 e 4735

As cópias recolhidas na E............... (exemplar 1- Expedidor) apresentam um peso diferente do indicado nas cópias dos mesmos CMR's (exemplar 3 -Transportador) enviadas pela O................ (cfr. ANEXO 31);

5.4.) CMR's n°890 e 2442

O primeiro CMR (n°890) foi recolhido na E............... (exemplar 1 - Expedidor) e o segundo (n°2442) foi enviado pela O................ (exemplar 2 - Destinatário) respeitam, ambos, ao mesmo transporte efectuado no dia 21/01/2006, pela empresa T................, entre Rio ....... e O ………… ES, de 24.790 kg de "retalho cobre novo", pela viatura 47-66-XV, com o destinatário: O................ ES e o expedidor: O................ PT (no CMR n°890)/E............... (no CMR n°2442). Forçosamente, trata-se do mesmo transporte, pois é impossível que um veículo (saliente-se um pesado de mercadorias) percorresse o trajecto de Rio ....... (Portugal) – Z……….. / Vizcaya (Espanha) - Rio ....... (Portugal) – Z………./ Vizcaya (Espanha) num só dia (cfr. ANEXO 32);

5.5.) CMR's n°878 e 4952

O primeiro CMR (n°878) foi recolhido na E............... (exemplar 1 -Expedidor) e o segundo (n.° 4952) foi enviado pela O................ (exemplar 2 - Destinatário) respeitam, ambos, ao mesmo transporte efectuado no dia 21/01/2006, pela empresa T................ entre Rio ....... e O................ ES, de 26.060 kg de "retalho cobre novo", pela viatura ……………., com o destinatário: O................ ES e o expedidor: O................ PT (no CMR n°878) / E............... (no CMR n°4952). Trata-se do mesmo transporte, pois; à semelhança do descrito no ponto anterior, é impossível que um veículo percorra o trajecto de Rio ....... – Z………….. / Vizcaya -Rio ....... – Z……………. / Vizcaya num só dia (cfr. ANEXO 33);

5.6.) Factura da T................ com o n°2…………

Esta factura foi emitida simultaneamente para a E............... e para a R........................ T………………….(vide ponto 5.3.2.3.1.), o que constitui um facto sintomático, quanto a simulação do transporte da mercadoria em território português, masque somente ocorreu em território espanhol (cfr. ANEXO 24).

Com efeito, atentem-se aos seguintes factos:

1.°) Na exposição inicial enviada pelo contabilista Sr. Carlos ………….. foi indicado pelo Sr. Javier ………….. que, relativamente à "opção pela compra de cobre em Portugal e o seu posterior abandono", a "O………… comenzo a comprar chatarra en Portugal a princípios de 2006. En aquellas fechas O ………….. vendia aproximadamente unas200 toneladas de tubo en dicho mercado y ... Lamentablemente nuestras ventas en Portugal se fueron reduciendo hasta cosi desaparecer."

Todavia, conforme se pode constatar da analise às aquisições intracomunitárias à O................ declaradas pelos clientes portugueses, cujo total, no período compreendido entre 2.005, 2006 e 2007, foi de €13.641.587 (vide ponto 1 do capítulo III), verificou-se que em 2007 o valor das vendas da O................ para Portugal cifraram-se em € 3.525.378 (valor próximo do registado em 2005), conforme a seguir se discrimina por ano:

Ano
Valor
2005
€3.997.379
2006
€6.118.830
2007
€3.525.378
Total
€13.641.587
Assim, muito embora se reconheça uma quebra de negócio, o volume de negócio da O................ em Portugal, durante o exercício de 2007, ainda é significativo, pelo que não colhe a argumentação apresentada pelo responsável atrás indicado.

Relembre-se que os valores atrás indicados respeitam à O................, na qualidade de sujeito passivo espanhol (O................ ES), pois como sujeito passivo português (O................ PT), apenas constam as operações de compra à E............... e de venda à O................ ES.

Deste modo, fica reforça a tese de que a "actividade" da O................ PT se cingiu ao objectivo de obter o reembolso de IVA e que, após a entrada em vigor, em Outubro de2006, do novo mecanismo de reverse-charge do IVA no sector da sucata, foi abandonada a actividade da O …………………… PT em Portugal, muito embora, tenha subsistido actividade em 2007 na O................ ES.

2.°) Sobre a questão do regime do IVA na Sucata, nesta mesma exposição foi indicado que "Guando desaparecia el IVA a finales de 2006 el mercado português de chatarra se abrio a Ia exportación haciendo que los precios subieran". Paralelamente, foi afirmado no dia 30/10/2008 pelo Sr. Angel …………... que "A definição do preço do cobre é efectuada, de acordo com o estabelecido no LME - London Metal Exchange, que consiste no mercado de futuros, onde é fixado o preço do cobre".

Após consulta ao site do London Metal Exchange (www.lme.co.uk), verificámos que o preço do cobre ("copper") teve as seguintes flutuações:

(…)

Da análise à evolução da cotação do cobre, confirma-se que em 2006 se verificou um acréscimo ao seu valor, conforme foi afirmado pelo responsável da O................; todavia, posteriormente, registou-se uma forte quebra na respectiva cotação, verificando-se que o preço no fim de 2008 foi inferior ao registo no início de 2005 (vide último gráfico).

No entanto, ao contrário do alegado pelo referido responsável, a subida de preços não ficou a dever-se a questões internas no mercado português, em resultado da alteração do regime de IVA na sucata e da abertura à exportação; mas sim, a questões internacionais no mercado de cobre e, cujo peso da actividade do mercado português é ínfimo no contexto de definição da cotação, em termos internacionais.

3.°) Importa ainda analisar as declarações prestadas pelo Sr. Angel ………….., em que este afirma que "A ideia inicial seria, à semelhança da compra ser intermediada pela O................ com o NIF português, que as vendas da O................, sujeito passivo espanhol, para clientes portugueses fossem, igualmente, intermediadas pela O………….., na qualidade de sujeito passivo português, tornando-se em posteriores vendas com liquidação de IVA em território português; todavia, os comerciais espanhóis não concordaram com esta última parte".

Seria interessante perceber qual a razão alegada pelos "comerciais" espanhóis para se terem recusado a adoptar o mesmo procedimento das vendas da O................ ES para clientes portugueses poderem ser "intermediadas" pela O................ PT. Tanto mais, esta recusa não revela um comportamento coerente e uniforme no seio da O................, pois ao nível das "compras" foi adoptado a "intermediação " da O................ PT e nas vendas não.

4.°) Outro aspecto a salientar reside no facto da "O................ exigiu à E............... cópia das declarações periódicas de IVA, bem como cópia das certidões de inexistência de dívidas fiscais".

À excepção do Estado (por óbvias razões) ou de operações/contratos económicos de elevados montantes, quanto à demonstração de inexistência de dívidas fiscais, não é normal que o cliente exija do fornecedor fotocópia das D.P.'s de IVA (violando o sigilo fiscal que este tem direito), a não ser que tenha como objectivo, poder, mais tarde, querer demonstrar que não estaria envolvido em irregularidades fiscais com o fornecedor em causa.

Aliás, se as operações em análise fossem transparentes e cumprissem todas as normas fiscais e regras de mercado, a exigência de obter cópia das D.P.'s revelar-se-ia despiciendo.

Em resumo, do exposto ao longo do presente relatório, conclui-se que os sucessivos pedidos de reembolso de IVA solicitados são ilegítimos, como consequência de um esquema concebido de geração de dedução de IVA fraudulenta, em cadeia, envolvendo diversos operadores fictícios que liquidavam IVA nas facturas por si emitidas, mas cujo imposto não era entregue nos cofres do Estado.

Tendo presente o esquema indicado no ponto 6, verifica-se que todos os sujeitos passivos portugueses, com excepção da W............, não possuem qualquer estrutura para o exercício da actividade em que se registaram, não evidenciando quaisquer instalações físicas, quer comerciais/administrativas, quer logísticas/armazenamento; nem quaisquer veículos de transporte de mercadorias (nem subcontratação de transportadoras, excepto a T................); nem qualquer mão-de-obra contratada (funcionários/pessoal ou subcontratação de prestadores de serviços).

Todos estes sujeitos passivos portugueses traduzem-se em operadores fictícios, que não entregam o IVA gerado ao longo da cadeia e que culmina pedido de reembolso da O................ PT.

Para o efeito, existem operadores que, pura e simplesmente, não entregaram as respectivas declarações periódicas de IVA, ou que omitiram as operações geradoras de IVA Liquidado a entregar nos cofres do Estado, revestindo-se no papel de "Missing-Traders", residindo aqui a fonte do prejuízo para os cofres do Estado e que se dissemina, sucessivamente, à medida que se avança para o(s) seguinte(s) elo(s) na cadeia.

Por outro lado, existem outros operadores que apresentaram, de forma aparentemente "normal", as suas declarações periódicas de IVA, mas que ou entregavam importâncias diminutas de imposto, ou permaneciam em situação de crédito de imposto, em resultado das deduções de IVA geradas artificiosamente revestindo o papel de "Buffers" (Por exemplo: a E..............., a W............ e a Z................)

Refira-se que a W............, apesar de ser a única empresa portuguesa que apresenta estrutura consentânea para o exercício da actividade a que se propôs, as suas operações relacionadas com cobre traduzem-se em operações simuladas, conforme já foi plenamente demonstrado.

Por fim, saliente-se que os indícios da prática de fraude fiscal não se confinam aos operadores nacionais, verificando-se o envolvimento de inúmeros cidadãos espanhóis, bem como, de empresas espanholas, como por exemplo a F............... de Lleida, conforme informações prestadas pela Administração Fiscal Espanhola."

(cf. cópia do relatório de inspecção tributária junta entre fls. 1154 e 1223-v dos autos, documento que se dá por integralmente reproduzido).

14. Em 25.05.2009, foi proferido despacho pelo Director de Finanças de Lisboa, sancionando o despacho e os pareceres que o precedem, bem como o relatório de inspecção a que se aludiu no ponto anterior (cf. cópias dos despachos e pareceres juntas a fls. 1153-v dos autos, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

15. Em 16.06.2009, foram emitidas pela Administração Tributária as liquidações adicionais de IVA e correlativos juros compensatórios identificadas sob os n°s …………., ……………, ………… e ……….., com referência a Agosto e Setembro de 2007, nos valores de EUR 199.472,74, EUR 12.744,40, EUR 200.000,00 e EUR 12,054,79, respectivamente, endereçadas à Impugnante (cf. cópia das liquidações juntas entre fls. 1302 e 1308 dos autos, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

16. Em 09.09.2009, a Impugnante extraiu um documento do seu sistema informático, atinente à aquisição de "C …………….” à E..............., em 2006, do qual consta o total de 2.802.836 quilogramas, a título de "Cant. recibida", e 2.775.033 quilogramas, a título de "C. recepcionada" (cf. cópia do extracto junta entre fls. 1401 e 1411 dos autos, documento que se dá por integralmente reproduzido).

17. Em 27.10.2009, a Impugnante apresentou a juízo a petição inicial dos presentes autos de impugnação judicial (cf. carimbo aposto a fls. 2 dos autos, atestando a data da sua entrega).

18. À data dos factos, a Impugnante dedicava-se ao fabrico de tubos de cobre (cf. prova testemunhal).

19. Os contactos tendentes à encomenda do cobre supostamente transmitido pela E............... eram realizados na pessoa de Raul ……………, pessoa que falava espanhol e com número de telefone espanhol (cf. prova testemunhal).

20. O comercial referido no ponto anterior vendia cobre por conta da I………., da E............... e de outras duas empresas (cf. prova testemunhal).

21. Os contactos tendentes à realização dos pagamentos à E............... eram efectuados com o financeiro do Grupo ITSA (cf. prova testemunhal).».


« Não resultou provado que:

A. A Impugnante tenha procedido ao pagamento dos valores referidos no ponto 7. da matéria de facto assente supra, titulados por "pagaré".

B. A Impugnante tenha procedido ao pagamento dos seguintes valores:

« Texto no original»

C. A Impugnante tenha adquirido 2.866.466 quilogramas de sucata de cobre à E................»

Consignou-se ainda na sentença recorrida que:
«Conforme especificado nos vários pontos da matéria de facto provada, a decisão da matéria de facto efectuou-se com base no teor das alegações das partes e no exame dos documentos constantes dos autos.
No que respeita aos factos 18. a 20. firmados supra, os mesmos resultam do depoimento da testemunha Francisco ………………, colhido no processo de impugnação judicial que correu termos neste Tribunal Tributário de Lisboa sob o n°2423/09.0BELRS.
Tendo a testemunha exercido funções na Impugnante entre 2005 e 2012, sendo responsável pelas compras e fornecimentos da sociedade, logrou responder às questões formuladas de forma espontânea, credível e isenta, demonstrando possuir conhecimento directo dos factos provados.
Já no que tange ao facto 21. que acima se deu por assente, o mesmo decorre do depoimento da testemunha Angel …………………., que trabalhou na Impugnante entre 1988 e 2012, exercendo funções no departamento de contabilidade da empresa e encontrando-se, por isso, habilitado a responder com razão de ciência acerca do facto dado por provado.
Relativamente ao facto não provado A., o mesmo decorre da circunstância de dos autos apenas constar um conjunto de documentos denominados "pagaré" com vista a demonstrar o pagamento dos valores a que se alude no ponto 7. da matéria de facto provada, quando tais documentos não configuram, em rigor, um meio de pagamento, mas tão-somente uma declaração produzida pela Impugnante, endereçada à E..............., contendo uma manifestação de intenção de se proceder ao pagamento aí descrito em determinado dia.
Juntamente com estes "pagares" são, por vezes, apresentados documentos que se infere que pretendam reflectir uma qualquer operação bancária, mas sem que identifiquem, por qualquer forma, qual o respectivo autor ou, inclusive, a entidade que ordenou a realização de tal operação, não podendo os mesmos, como tal, ter por efeito demonstrar os pagamentos alegados pela Impugnante.
O que se acaba de expender é aplicável, mutatis mutandis, ao facto não provado B., na medida em que, relativamente aos pagamentos ai mencionados, dos autos apenas consta um conjunto de "extractos de cuenta" que se presumem que visem, de igual modo, representar um conjunto de operações bancárias sem que, todavia, mencionem, por qualquer forma, qual o seu autor ou o banco, a conta bancária ou o emitente e destinatário das operações bancárias aí supostamente consignadas.
Já os supostos pagamentos realizados em 10.10.2006, nos valores de EUR 174.133,99 e EUR 189.404,81, encontram-se tão-somente titulados por "pagares" - com as consequências a que já acima se fez alusão - e, ainda para mais, tais documentos não apresentam sequer o mesmo valor que o da suposta dívida que pretendem liquidar.
Finalmente, e no que tange ao facto não provado C., o mesmo resulta, prima facie, como facilmente se infere, de a maior parte dos pagamentos que configuram a contraprestação da suposta transmissão de sucata de cobre não ter resultado provada, nos termos acabados de expender.
A isto acresce a circunstância de os elementos constantes dos autos não permitirem concluir pela existência de uma transferência de sucata de cobre proveniente de território português, da E..............., para a esfera da Impugnante.
Desde logo, os meios de prova carreados aos autos encerram um conjunto de discrepâncias inultrapassáveis, como sejam as diferenças de peso de sucata de cobre que é facturada pela E............... ao registo de IVA português da Impugnante e por este registo à sua sede, em Espanha, e a que é facturada pelo registo e efectivamente recepcionada em território espanhol.
Se, quanto às diferenças registadas neste último âmbito, se tem a justificação que é avançada pela Impugnante como razoável, já não se compreendem os motivos para a existência de uma qualquer diferença de peso entre as facturas emitidas pela E............... e as facturas emitidas pelo registo de IVA português da Impugnante, sendo certo que a sucata de cobre facturada não é movida nem é objecto de qualquer manipulação ou transformação: tal como resulta dos factos 4. e 5. firmados supra, a sucata é supostamente remetida de Rio ....... (instalações do fornecedor da E..............., conforme decorre do ponto 13. da matéria de facto assente) directamente para as instalações da Impugnante, em Espanha.
Por outro lado, há que salientar que a maioria dos CMR apresentados pela Impugnante não se encontram carimbados por esta última e a esmagadora maioria dos documentos não contém sequer a data da sua recepção, tornando, deste modo, impossível ao Tribunal validar a data da suposta recepção das mercadorias em Espanha.
Ainda a respeito dos CMR, não pode este Tribunal deixar de estranhar o facto de uma sociedade da dimensão da Impugnante e com os mecanismos de controlo que supostamente deteria, ao nível da entrada e saída de mercadoria, tal como relatado pelas testemunhas Francisco …………….., José ……………. e Angel …………………., não ter um procedimento organizado de preenchimento e arquivamento de CMR atinentes a bens recebidos - ainda para mais quando os responsáveis da Impugnante se encontravam cientes da circunstância de o sector da sucata configurar consabida m ente um segmento propício a esquemas de ocultação de impostos, ao ponto de requerer cópia das declarações periódicas da E............... e de reter o pagamento do IVA até ao respectivo reporte nas declarações periódicas desta última.
Neste contexto, nota-se ainda que, de acordo com a prova testemunhal produzida, todos os contactos estabelecidos entre a Impugnante e a E............... eram realizados com pessoas que não apresentavam um qualquer vínculo evidente com esta última entidade: ao passo que o suposto comercial da E............... comercializaria também bens por conta de outras entidades, os contactos encetados com vista a realizar os supostos pagamentos eram tidos na pessoa do financeiro do Grupo I……….. (cf. factos 19., 20. e 21. firmados supra), deixando a descoberto a falta de estrutura da E............... em Portugal para a transmissão da sucata de cobre ora em crise e, consequentemente, infirmando a tese de que tais transmissões tiveram, efectivamente, lugar, nos termos em que as mesmas se encontram tituladas pelas facturas referidas no ponto 3. da matéria de facto assente.
Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir”.


*
- De direito


Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
Como se vê, nas conclusões A) – com os seus 32 pontos – e B), a Recorrente insurge-se contra o julgamento da matéria de facto, considerando que diversos factos devem passar a integrar o probatório, ao passo que devem ser eliminados os factos que, na sentença, integram a factualidade não provada.
Vejamos esta primeira questão que nos vem dirigida, importando esclarecer, desde já, que a análise que se segue irá acompanhar, a par e passo, aquela que foi realizada no acórdão de 27/10/21, proferido no processo n.º 1706/09.4BELRS, deste TCA, no qual a ora Relatora interveio como 1ª Adjunta.
Com efeito, em causa estão dois recursos interpostos pela mesma Recorrente, relativos ao mesmo imposto (IVA) e à mesma temática, divergindo apenas o período de tributação (aqui, agosto e setembro de 2007; naquele outro processo, outubro de 2007, fevereiro e julho de 2008). De salientar, ainda, que a análise do julgamento da matéria de facto requerida, praticamente igual em ambos os recursos, foi naquele processo reapreciada com referência à produção de prova testemunhal levada a efeito no processo nº 2423/09, prova essa que também foi, a pedido da impugnante, aproveitada para os presentes autos.
Com isto dito, avancemos com apelo ao já referido acórdão proferido no processo nº 1706/09, de 27/10/21.
Aí se escreveu, além do mais, o seguinte:
“(…)
2.1. Do erro de julgamento da matéria de facto
O n.º 1 do artigo 662. ° do Código de Processo Civil (CPC), determina que A Relação (leia-se TCA) deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por sua vez, o n.º 1 do artigo 640.º do mesmo diploma impõe que:
1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Precisa-se ainda que, quando os meios de probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, acresce aquele ónus do recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n.º 2, alínea a) do artigo 640.º).
Da conjunção dos artigos 662.º e 640.º do CPC resulta que o TCA deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indique os concretos meios probatórios, e quando estes tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, procedendo, se assim o entender, à transcrição de quaisquer excertos.
A imposição das especificações previstas no n.º 1, do artigo 640.º do CPC traduz, nomeadamente, a necessidade de o recorrente delimitar o âmbito do recurso indicando claramente qual o segmento da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento, bem como o ónus de fundamentar, em termos convincentes, as razões porque discorda do decidido, indicando os meios probatórios que implicam decisão diversa da tomada pelo tribunal.
Assim, a modificação da decisão da matéria de facto, sem embargo das modificações que podem ser oficiosamente introduzidas, está dependente da iniciativa da Recorrente e deve limitar-se aos pontos de facto especificamente indicados nas respectivas alegações, que circunscrevem o objecto do recurso.
Não basta, pois, à Recorrente invocar que a decisão sob recurso incorreu em erro de julgamento na valoração da prova e apresentar a sua própria convicção da prova produzida, sem a devida concretização.
Relembremos que já a reforma de 1995, através do Dec.-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, institui, como se anuncia no seu preâmbulo “um verdadeiro e efectivo segundo grau de jurisdição na matéria de facto” em processo civil, tendo o legislador deixado expresso na justificação preambular:
Facultar às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reação contra eventuais – e seguramente excepcionais – erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito (…) incidindo sobre os pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. Mais referiu que este especial ónus de alegação do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado.
Como escreveu Ana Luísa da Silva Geraldes «Não cumprem as exigências legais de especificação a mera indicação, sem mais, de um determinado meio de prova (salvo situações excepcionais em que o mesmo não deixe dúvidas quanto ao desacerto da decisão proferida pela 1ª instância), e também se revela insuficiente no que respeita à prova testemunhal, o extracto de uma simples declaração da testemunha, sem correspondência com o sentido global do depoimento produzido de tal modo que não permita consolidar uma determinada convicção acerca de matéria controvertida. Ao invés, tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), nos termos do art. 653º, nº 2, também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos. Como é sabido, a prova de um facto não resulta, regra geral, de um só depoimento ou parte dele, mas da conjugação de todos os meios de prova carreados para os autos. E ainda que não existam obstáculos formais a que um determinado facto seja julgado provado pelo Tribunal mediante o recurso a um único depoimento a que seja atribuída suficiente credibilidade, não deve perder-se de vista a falibilidade da prova testemunhal quotidianamente comprovada pela existência de depoimentos testemunhais imprecisos, contraditórios ou, mais grave ainda, afectados por perjúrio. Neste contexto, é facilmente compreensível que se reclame da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorrectamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências de apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado. Exige-se, pois, o confronto desses elementos com os restantes que serviram de suporte para a formulação da convicção do Tribunal (e que ficaram expressos na decisão), com recurso, se necessário, às restantes provas, v.g., documentais, relatórios periciais, etc., apontando as eventuais disparidades e contradições que infirmem a decisão impugnada.» (in IMPUGNAÇÃO e REAPECIAÇÃO da DECISÃO da MATÉRIA de FACTO – Trabalho publicado na Obra realizada em Homenagem ao professor Lebre de Freitas, vol I, págs. 589 segs.).
No mesmo sentido nota António Santos Abrantes Geraldes «As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.» (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2018, 5.ª Edição, nota 5 ao artigo 640.º, pág. 169).
Face à lei em vigor, sempre que o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto o «recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente;» (Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2018, 5.ª Edição, nota 3 ao artigo 640.º, pág. 166).
Nos termos do n.º 5 do artigo 607.º do CPC, as provas estão submetidas à livre apreciação pelo tribunal recorrido, sendo que o princípio da livre apreciação da prova só cede perante situações de prova legal que fundamentalmente se verifica nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais (artigos 350.º, n.º 1, 358.º, 371.º e 376.º, todos do Código Civil).
No caso que nos ocupa, a Recorrente não especificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, embora se entenda que se refere a factos não provados, uma vez que declarou (simplesmente) entender que deverão ser considerados provados e aditados à matéria de facto.
O Recorrente indicou no corpo da alegação de recurso, mas não relativamente a todos os factos almejados aditar, os concretos meios de prova - documentos e menção do tempo/passagem da gravação do depoimento das testemunhas, sem, contudo, os relacionar com os diversos pontos da matéria de facto impugnada e sem qualquer apreciação crítica dos meios de prova.
O nosso entendimento é no sentido de que basta as referências aos concretos meios de prova no corpo da alegação, não sendo essencial que integrem as conclusões”.
Lidos os factos que a Recorrente pretende aditar, constata-se que, quanto às alíneas xviii, xxiii, xxv e xxvi, ou não se indicam os meios probatórios constantes do processo ou que nele tenham sido registados ou não se transcrevem as partes relevantes dos depoimentos das testemunhas, nem se faz menção às passagens da gravação.
Como tal, retomando o acórdão que vimos citando, “quanto a eles a Recorrente não logra observar os ónus de impugnação especificada da matéria de facto (artigo 640.º do CPC), pelo que nesta parte rejeita-se a impugnação da matéria de facto”.
Continuando,
Face à maior tolerância de critérios professada pelos tribunais superiores, considera-se que a Recorrente cumpriu o ónus de impugnação a que estava obrigada pelo artigo 640º, nº 1 do CPC, no que se refere aos factos em que indicou os meios de prova, ou seja, i, ii, iii, iv, v, vi, vii, viii, ix, x, xi, xii, xiii, xiv, xv, xvi, xvii, xix, xx, xxi, xxii, xxiv, xxvii, xxviii, xxix, xxx, xxxi e xxxii, no entendimento que se trata de factos não considerados provados, que são indicados os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente e a decisão que, no seu entender, se impunha (ou seja, darem-se como demonstrados os factos não provados tal como enunciados).
“Porém, conclusão distinta é a de saber se, tendo-o feito, existe fundamento para a pretendida alteração dos factos provados, através do seu aditamento.
Prosseguindo na verificação do cumprimento do ónus de impugnação a cargo da Recorrente, e no que respeita ao juízo critico próprio, assentou o mesmo quase exclusivamente em declarações dos depoimentos das ditas testemunhas, e se bem interpretamos, segunda ela confirmativos do seu juízo de prova.
Ora, o Tribunal a quo ouviu integralmente os depoimentos das testemunhas, onde se encontram as passagens áudio selecionadas pela Recorrente, e fez dos mesmos uma outra valoração, ajuizando todo o seu conjunto face à demais prova produzida (documental) e às regras de experiência.
Assim, pretendendo a Recorrente sindicar este juízo, importaria que indicasse as razões pelas quais entende que àqueles depoimentos deveria ter sido dada outra relevância, o que não fez, concentrando o seu juízo crítico na reclamação da suficiência do afirmado pelas testemunhas, para que se desse por demonstrada a sua tese.
Porém, abdicando este TCAS de um maior rigor, entendemos estar em condições de poder proceder, nos limites autorizados pelo artigo 640.º do CPC, à reapreciação da matéria de facto pretendida pela Recorrente.

*
A Recorrente pretende que sejam dados como provados e aditados factos à matéria de facto dada como assente pela 1.ª instância, os pontos i, ii, iii, iv, v, vi, vii, viii, ix, x, xi, xii, xiii, xiv, xv, xvi, xvii, xix, xx, xxi, xxii, xxiv, xxvii, xxviii, xxix, xxx, xxxi e xxxii, por considerar que resultam dos depoimentos das testemunhas e documentos (juntos aos autos) que identifica.
A sentença recorrida deu como provados os factos vertidos nos pontos 1 a 21 e deu como não provado que a Impugnante tenha pago os valores referidos em 7 dos factos provados, ou pago os valores respeitantes aos documentos m.i em B) dos factos não provados e, bem assim, que tenha adquirido 2.866.466 kg de sucata de cobre à E................
O Mmo. Juiz a quo motivou a decisão da matéria de facto da seguinte forma:
«Conforme especificado nos vários pontos da matéria de facto provada, a decisão da matéria de facto efectuou-se com base no teor das alegações das partes e no exame dos documentos constantes dos autos.
No que respeita aos factos 18. a 20. firmados supra, os mesmos resultam do depoimento da testemunha Francisco …………………….., colhido no processo de impugnação judicial que correu termos neste Tribunal Tributário de Lisboa sob o n°2423/09.0BELRS.
Tendo a testemunha exercido funções na Impugnante entre 2005 e 2012, sendo responsável pelas compras e fornecimentos da sociedade, logrou responder às questões formuladas de forma espontânea, credível e isenta, demonstrando possuir conhecimento directo dos factos provados.
Já no que tange ao facto 21. que acima se deu por assente, o mesmo decorre do depoimento da testemunha Angel …………….., que trabalhou na Impugnante entre 1988 e 2012, exercendo funções no departamento de contabilidade da empresa e encontrando-se, por isso, habilitado a responder com razão de ciência acerca do facto dado por provado.
Relativamente ao facto não provado A., o mesmo decorre da circunstância de dos autos apenas constar um conjunto de documentos denominados "pagaré" com vista a demonstrar o pagamento dos valores a que se alude no ponto 7. da matéria de facto provada, quando tais documentos não configuram, em rigor, um meio de pagamento, mas tão-somente uma declaração produzida pela Impugnante, endereçada à E..............., contendo uma manifestação de intenção de se proceder ao pagamento aí descrito em determinado dia.
Juntamente com estes "pagares" são, por vezes, apresentados documentos que se infere que pretendam reflectir uma qualquer operação bancária, mas sem que identifiquem, por qualquer forma, qual o respectivo autor ou, inclusive, a entidade que ordenou a realização de tal operação, não podendo os mesmos, como tal, ter por efeito demonstrar os pagamentos alegados pela Impugnante.
O que se acaba de expender é aplicável, mutatis mutandis, ao facto não provado B., na medida em que, relativamente aos pagamentos ai mencionados, dos autos apenas consta um conjunto de "extractos de cuenta" que se presumem que visem, de igual modo, representar um conjunto de operações bancárias sem que, todavia, mencionem, por qualquer forma, qual o seu autor ou o banco, a conta bancária ou o emitente e destinatário das operações bancárias aí supostamente consignadas.
Já os supostos pagamentos realizados em 10.10.2006, nos valores de EUR 174.133,99 e EUR 189.404,81, encontram-se tão-somente titulados por "pagares" - com as consequências a que já acima se fez alusão - e, ainda para mais, tais documentos não apresentam sequer o mesmo valor que o da suposta dívida que pretendem liquidar.
Finalmente, e no que tange ao facto não provado C., o mesmo resulta, prima facie, como facilmente se infere, de a maior parte dos pagamentos que configuram a contraprestação da suposta transmissão de sucata de cobre não ter resultado provada, nos termos acabados de expender.
A isto acresce a circunstância de os elementos constantes dos autos não permitirem concluir pela existência de uma transferência de sucata de cobre proveniente de território português, da E..............., para a esfera da Impugnante.
Desde logo, os meios de prova carreados aos autos encerram um conjunto de discrepâncias inultrapassáveis, como sejam as diferenças de peso de sucata de cobre que é facturada pela E............... ao registo de IVA português da Impugnante e por este registo à sua sede, em Espanha, e a que é facturada pelo registo e efectivamente recepcionada em território espanhol.
Se, quanto às diferenças registadas neste último âmbito, se tem a justificação que é avançada pela Impugnante como razoável, já não se compreendem os motivos para a existência de uma qualquer diferença de peso entre as facturas emitidas pela E............... e as facturas emitidas pelo registo de IVA português da Impugnante, sendo certo que a sucata de cobre facturada não é movida nem é objecto de qualquer manipulação ou transformação: tal como resulta dos factos 4. e 5. firmados supra, a sucata é supostamente remetida de Rio ....... (instalações do fornecedor da E..............., conforme decorre do ponto 13. da matéria de facto assente) directamente para as instalações da Impugnante, em Espanha.
Por outro lado, há que salientar que a maioria dos CMR apresentados pela Impugnante não se encontram carimbados por esta última e a esmagadora maioria dos documentos não contém sequer a data da sua recepção, tornando, deste modo, impossível ao Tribunal validar a data da suposta recepção das mercadorias em Espanha.
Ainda a respeito dos CMR, não pode este Tribunal deixar de estranhar o facto de uma sociedade da dimensão da Impugnante e com os mecanismos de controlo que supostamente deteria, ao nível da entrada e saída de mercadoria, tal como relatado pelas testemunhas Francisco ………………….., José …………………. e Angel ……………………, não ter um procedimento organizado de preenchimento e arquivamento de CMR atinentes a bens recebidos - ainda para mais quando os responsáveis da Impugnante se encontravam cientes da circunstância de o sector da sucata configurar consabida m ente um segmento propício a esquemas de ocultação de impostos, ao ponto de requerer cópia das declarações periódicas da E............... e de reter o pagamento do IVA até ao respectivo reporte nas declarações periódicas desta última.
Neste contexto, nota-se ainda que, de acordo com a prova testemunhal produzida, todos os contactos estabelecidos entre a Impugnante e a E............... eram realizados com pessoas que não apresentavam um qualquer vínculo evidente com esta última entidade: ao passo que o suposto comercial da E............... comercializaria também bens por conta de outras entidades, os contactos encetados com vista a realizar os supostos pagamentos eram tidos na pessoa do financeiro do Grupo I…. (cf. factos 19., 20. e 21. firmados supra), deixando a descoberto a falta de estrutura da E............... em Portugal para a transmissão da sucata de cobre ora em crise e, consequentemente, infirmando a tese de que tais transmissões tiveram, efectivamente, lugar, nos termos em que as mesmas se encontram tituladas pelas facturas referidas no ponto 3. da matéria de facto assente.
Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir”.
Ora, como conta do acórdão que temos vindo a seguir, “Daqui resulta, desde já, que o Tribunal a quo ponderou toda a prova produzida sobre os factos em causa, incluindo àquela que a Recorrente elegeu para fundar o seu oposto juízo, privilegiando a prova documental recolhida pelos serviços de inspecção tributária e junta aos autos, e valorizando a prova testemunhal mais conforme com aquela e com as regras de experiência.
Procedemos à reapreciação da prova testemunhal produzida nos autos, através da audição do registo magnético dos depoimentos das testemunhas inquiridas, e da prova documental.
Vejamos, então, cada um dos factos pretendidos aditar à matéria de facto assente.
(…)
No que respeita aos pontos ii, iii e viii (aqui, i, ii e viii) também não foram alegados na petição inicial, sendo irrelevante a estratégia comercial da Recorrente, bem como a eventual preferência dos fornecedores locais (referidos em termos genéricos) por entidades registadas para efeitos de IVA em Portugal, uma vez que nos presentes autos apenas se debruça sobre os fornecimentos de matéria prima pela sociedade portuguesa “E...............”, com origem em Portugal.
Quanto aos pontos iv., v., vi e xii (aqui, iii, iv, v e xii), constituem os mesmos matéria não alegada na petição inicial. Porém, o Mmo. Juiz a quo não deixou de se pronunciar, evidenciando um certo paradoxo, face ao depoimento das testemunhas, atento a alegada falta de procedimento organizado de preenchimento e arquivamento de CMR atinente a bens recebidos e a exigência de cópias das declarações periódicas da E............... e retenção do IVA. Tal paradoxo é acentuado ainda pelo depoimento da testemunha José ………………….. quando de forma peremptória afirmou que tinham um procedimento exigente na pesagem dos camiões na entrada e saída, que incluía o arquivamento dos documentos CMR’s, ticket de pesagem e alvará de entrada (em clara contradição com o alegado no ponto 10 da p.i. parte final) e a verificação da qualidade, com registo informático. Porém, analisadas as cópias dos CMR’s juntas aos autos é possível ver que não se mostram assinadas, nem datadas no campo destinado à recepção da mercadoria, como bem é salientado pelo Mmo. Juiz a quo na motivação da decisão sobre a matéria de facto. Acresce referir a existência de CMR’s que indicam a proveniência e o destino da mercadoria em território espanhol, traduzindo uma operação localizada em Espanha e aí tributável em sede de IVA, mas facturada pela “E...............” à “O................”, pelo que a Recorrente não pode desconhecer esse facto por tal ser apreensível por mera análise de documentos (cfr. RIT)
Por outro lado, é de realçar que nenhuma das testemunhas teve contactos com a sociedade “E...............” na encomenda de sucata e no pagamento das facturas, por as encomendas e pagamentos serem efectuados pela “ITSA”.
Já quanto ao ponto vi) tem a Recorrente razão, já que da prova testemunhal, tal como indicada, resulta que o "Grupo I………" era integrado por diversas sociedades de sucata, uma das quais a sociedade "E...............".
Isso mesmo se aditará no final da apreciação do erro de julgamento de facto.
Quanto aos pontos ix. e x., correspondem ao facto constante ponto 3 da matéria de facto dada como assente, levado ao probatório com base no alegado na petição inicial e documentos ali identificados.
No que respeita ao ponto xi, trata-se de matéria que já resulta dos pontos 19 a 21 dos factos provados.
Quanto ao ponto xiii., já consta dos factos dados como provados, pontos 3, 6 e 13 do probatório.
No que respeita ao ponto xiv., retomamos o acórdão que vimos citando e a sua análise:
“A Recorrente alicerça-se, no que respeita a este facto, no depoimento da testemunha José …………………...
Esta testemunha, exercia as funções de director de fundição e de matérias primas, afirmou saber que a E............... era um dos fornecedores da Impugnante e que tinha como transportadora a sociedade “Transportes ………………”, e que esta transportadora trazia sucata de Portugal e da Galiza (Porrinho).
Mais afirmou que fazia a recepção da mercadoria e para o efeito contactava o fornecedor “E...............”, através de telefones de Madrid, fixos e móveis, identificando os seus contactos pelos nomes de Raul e ……………, ambos espanhóis, e que com a transportadora, falava com o Sr. …………. Mais disse que esta transportadora tinha sede em Viana do Castelo, e que conhecia muito bem os camionistas com quem falou durante anos.
E quando perguntada sobre qual a estrutura da “E...............”, disse desconhecer.
A testemunha Francisco …………………, responsável pela compra dos fornecimentos, afirmou igualmente desconhecer a estrutura da “E...............”.
Os depoimentos das referidas testemunhas revelam-se incongruentes, não sendo credível a afirmação de desconhecimento quanto à estrutura da “E...............”, bem como sobre a efectiva origem da sucata e local de carregamento da mercadoria, atenta o constante fornecimento (no período em causa) e a grande quantidade de cobre que as facturas evidenciam, o que determinava frequentes contactos com funcionários dessa empresa para agendamento da entrega das mercadorias, como foi referido pelas testemunhas.
As testemunhas nas respostas dadas refugiam-se em afirmações de que as encomendas eram feitas ao grupo “I…” e que os pagamentos também eram feitos pela I………(…). Porém, desconhecem o significado dessa sigla, bem como o nome das demais sociedades que dela faziam parte. Resulta, assim, quanto às questões dos autos que importava esclarecer, que tal matéria era tratada por outras pessoas, as quais, note-se, não foram arroladas como testemunhas.
A testemunha Francisco …………………… afirmou que estabelecia contactos com “I……”, com instalações em Madrid, para a encomenda de sucata. Referiu também que contactava os comerciais da “E...............”, também em Madrid, que identificou pelos nomes de Raul e Eduardo. E quanto à facturação disse que não era com ele e que não se recorda.
Ora, sendo a “E...............” um dos mais importantes fornecedores da Impugnante e atento as funções exercidas pelas testemunhas e os contactos estabelecidos e referidos, não é credível que as testemunhas não saibam nada sobre a estrutura da “E...............”, bem como desconheçam a origem da sucata em cada encomenda.
A testemunha José ………………. quando instada sobre a possibilidade da mercadoria facturada pela E............... não ter chegado à Fabrica, respondeu pensar não ser possível, referindo singelamente que se não tinha matéria prima não podia trabalhar. Em momento algum afirmou que a mercadoria tinha sido efectivamente comprada em Portugal, apenas confirmou que a E............... era um dos mais importantes fornecedores da Recorrente, e disse ainda que a transportadora “T................” transportava mercadoria de Portugal e da Galiza.
Assim, os depoimentos das testemunhas foram vagos e genéricos quanto à efectiva compra de mercadorias à “E...............” em Portugal, por desconhecem a proveniência da mercadoria que alegadamente chegava à fundição. Sendo de realçar que todos os contactos, quer para compra, quer para agendamento da entrega da mercadoria eram feitas com funcionários da I………. e comerciais da E…………., todos cidadãos espanhóis, que se encontravam a laborar em Espanha.
Mas mesmo admitindo que as testemunhas não têm uma razão de ciência segura, ampla e directa sobre factos essenciais à decisão do processo, por se tratarem de meros funcionários/executantes, sem qualquer intervenção na efectiva compra de mercadorias e respectivo pagamento, e não terem conhecimento directo sobre a gestão da Impugnante no que envolve a decisão relativa à escolha de fornecedores e compra de matérias primas, pois declararem desconher a forma como se processava a compra do cobre, não se pode afirmar o mesmo quanto aos gestores/administradores da Impugnante, a quem são cometidos poderes de gestão e/ou representação, decidindo a vida da sociedade.
De salientar que, a impugnante não ofereceu qualquer testemunha que pudesse esclarecer cabalmente com quem eram feitas as negociações e como estas se desenvolviam.
E quanto às testemunhas ouvidas, prestaram depoimentos que não têm a consistência probatória mínima exigível e não são, por isso, susceptíveis, só por si, para que se possam dar como provados, com um mínimo de certeza e de segurança, os factos referidos pela Recorrente, relativos à efectividade das operações dos autos, apesar de se poder admitir, com base em tais depoimentos, que tenham chegado mercadorias à fundição para a fabricação de tubos de cobre, mas já não dar como provado que tiveram origem em Portugal e com o circuito documental que quer fazer transparecer.
Não se suscitam dúvida sobre a emissão de facturação pela E……….., documentada nos autos, matéria que resultou provada. Porém, importava esclarecer a efectividade das operações e origem da sucata, atento todos os elementos de prova recolhidos pela Administração Tributária em sede de inspecção tributária, não sendo suficiente para a prova da sua origem em Portugal o facto da E............... tratar-se de uma sociedade portuguesa (a qual era detida por um sócio espanhol e gerida a partir de Madrid), e de utilizar uma transportadora portuguesa, a qual também assegurava transportes em Espanha.
De realçar, conforme consta do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), a existência de uma sociedade, com a mesma denominação da sociedade portuguesa - “E...............-Importação, Exportação de Metais -, sujeito passivo não-residente (residente em Portugal), com domicilio fiscal registado no País Basco (Espanha) e sem registo para efeitos de VIES. A Impugnante sobre eventuais relações com a sociedade registada em Espanha nada disse ou esclareceu.
Assim, tais depoimentos não são de molde a dar como provado que a sucata facturada pela E............... tenha origem em Portugal e que corresponda a operações reais, considerando que a E............... apenas tem um domicílio fiscal, não possuindo qualquer instalação, nem equipamento, nem funcionários para o exercício de uma actividade que envolve um volume de negócios que ascende a € 14.000.000,00.
Quanto ao ponto xv., não se vê qualquer relevância neste facto. Sendo de salientar o que foi dito supra a propósito dos pontos iv., v., vi. e xii., e que as encomendas, negociações e pagamentos eram efectuados pela I.........., sem qualquer participação das testemunhas.
Quanto ao ponto xvi., não se pode dar como provado nos termos pretendidos pela Recorrente, desde logo, porque o facto vertido no ponto xiv. não foi provado.
(…)
No que respeita ao ponto xvii., também não se pode dar como provado nos termos pretendidos pela Recorrente. As 112 declarações de expedição internacional CMR emitidas pela sociedade “T................” já se mostram vertidas no ponto 4 dos factos dados como provados. No que respeita às quantidades, constam das facturas que documentam, em média, o envio, a cada 3 dias, de cerca de 2,5 toneladas de cobre. E a testemunha José …………………….. afirmou não saber as quantidades exactas, acrescentado a estimativa de que seriam 400 toneladas por mês, considerando para o efeito que a E............... era o maior fornecedor.
Quanto aos pontos xix. e xx., os factos aí vertidos não se mostram alegados na p.i.. A testemunha José Maria Zardoia esclareceu, em termos genéricos, os procedimentos afectuados na encomenda e na recepção da mercadoria, cujas declarações se mostram desconformes com os documentos juntos aos autos e com a própria alegação da Impugnante na p.i.. Mas em causa nos autos não está a entrega de mercadoria na fábrica da Recorrente, mas antes, qual a que tem origem em Portugal e respeitante à facturação emitida pela E................ Assim, para além de não se ver qualquer relevância no aditamento de tal matéria, tal factualidade não pode ser aditada ao probatório nos termos pretendidos pela Recorrente.
No que respeita ao ponto xxi., a Recorrente não fez prova de que a mercadoria entregue nas suas instalações tinha origem em Portugal, nos termos supra referidos. Assim, não se pode deferir a pretensão da Recorrente.
(…)
No que respeita ao ponto xxv (aqui, xxii) pretendido aditar, a Recorrente indica como meio de prova dos documentos n.º 339 a 342, (…)
Analisados tais documentos constata-se tratarem-se de facturas internas emitidas pela Recorrente a si própria (sujeito passivo português e sujeito passivo espanhol), e, por isso, de documentos internos de entrega de bens para efeitos de facturação do IVA, sem nenhumas referências ao efectivo fornecedor e à origem da mercadoria. Sendo o facto relevante a mercadoria transferida de Portugal para Espanha através da “E...............”, a emissão de tais facturas internas nenhuma valia tem para o pretendido pela Recorrente, pelo que não vai deferida a pretensão da Recorrente”.
Quanto aos pontos xxvii, xxviii e xxix pretendidos aditar, já os mesmos encontram acolhimento na matéria de facto dada como provada, na parte em que aí se referem as declarações apresentadas.
Com base nos documentos 369 a 385, aditam-se, adiante, ao probatório os factos elencados sob os pontos xxx e xxxi, os quais não se mostram acolhidos no julgamento feito pelo TT.
“Por último quanto ao ponto xxxiv. (leia-se, aqui, xxxii) pretendido aditar, os factos aí vertidos não foram alegados na petição inicial e, por outro lado dos depoimentos das testemunhas não se retira afirmações que permitam levar ao probatório esses factos.
Dos documentos juntos aos autos resulta antes que a Recorrente na sequência dos pedidos de reembolso, que tinham obrigatoriamente que ser analisados pela Administração Tributária, foi alvo de uma inspecção tributária, na sequência da qual foram proferidos despachos de indeferimento parcial dos pedidos de reembolso, os quais foram impugnados nos presentes autos. Não sendo despiciendo lembrar que através da Lei n.º 33/2006, de 28 de Julho Portugal alterou o regime fiscal, que se consubstanciou no mecanismo de autoliquidação do IVA a efectuar pelo comprador (“reverse-charge”)”.
Quanto ao ponto vii pretendido aditar, o seu teor é claramente conclusivo (veja-se o conceito de relações especiais) e destituído de utilidade para análise que aqui nos ocupa.
Quanto aos pontos xxiv e xxxii, ouvidos os depoimentos indicados, conclui-se que os mesmos são manifestamente insuficientes e genéricos para concluir o que aqui se pretende, quanto ao acerto das pesagens feitas pela Recorrente e, bem assim, quanto às dificuldades de tesouraria e ao alcance das mesmas, no que toca ao fim da atividade da Recorrente em Portugal.
Em suma, feita a reapreciação da prova testemunhal produzida e da prova documental (prova livremente apreciada pelo Tribunal), só em parte daremos razão à Recorrente, aditando-se, conforme foi sendo assinalado, os seguintes factos:
22 – O Grupo I………. era integrado por diversas sociedades de sucata, uma das quais a sociedade "E..............." – cfr. depoimento de Javier ………….;
23 – A Recorrente acumulou, durante o exercício de 2006, um crédito de IVA no montante global de € 3.195.293,81, tendo solicitado gradualmente o reembolso do mesmo em sede das declarações periódicas de IVA por si apresentadas entre Agosto de 2007 e Novembro de 2008 - cfr. documentos nºs 369 a 384 com a p.i;
24- Os pedidos de reembolso efetuados nas declarações referentes aos períodos de Agosto e Setembro de 2007, no montante de EUR 200.003,00 cada, foram ambos deferidos pela Administração Tributária, tendo sido consequentemente reembolsado à Recorrente IVA no montante de € 400.000,00 – cfr. documento nº 385.
No mais, indefere-se a pretendida impugnação, devendo dizer-se que o teor da conclusão B) assume aqui importância residual, já que a mesma é o reverso da análise da impugnação dos factos provados. Não serão eliminados os factos não provados, na medida em que, contrariamente ao pretendido, não resultaram (os mesmos) provados.
Em suma, procede parcialmente o alegado erro de julgamento da matéria de facto.
*
Estabilizada a matéria de facto avancemos para a apreciação do erro de julgamento de direito.
*
Retomando o acórdão proferido no processo nº 1706/09, o qual é – repete-se – com as necessárias adaptações que o caso concreto reclama, aqui inteiramente aplicável, temos:
“2.2. Reenvio Prejudicial
Na conclusão P (aqui, T) das alegações do recurso, a Recorrente requereu, caso este Tribunal ad quem tenha dúvidas, que submeta ao Tribunal de Justiça da União Europeia a questão sobre a interpretação do regime ínsito no artigo 19.º, n.ºs 3 e 4 do CIVA, face aos artigos 167.º e 168.º da Directiva IVA e à jurisprudência do TJUE, em particular constante do Acórdão Optigen.
A Recorrente não formulou qualquer questão prejudicial e este Tribunal ad quem também não tem dúvidas sobre a interpretação do artigo 19.º, n.ºs 3 do CIVA (em que a AT fundamenta o indeferimento do pedido de reembolso), nem sobre a compatibilidade dessa norma com o direito e com os princípios comunitários.
Por outro lado, como vem sendo decidido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (cfr. acórdão de 19/3/2015, Processo C-672/13, § 29) não lhe cabe pronunciar-se, no quadro de um processo e nos termos do artigo 267.º do Tratado, sobre a compatibilidade das normas do direito interno com o direito da União nem interpretar as disposições legislativas nacionais à luz do direito da União.
Decorre ainda do citado acórdão e da demais jurisprudência ali citada, que a decisão judicial a proferir sobre o caso compete sempre ao tribunal nacional. A função do Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito do processo previsto naquele artigo 267.º não é a de auxiliar o tribunal nacional da decisão do caso, mas a de fornecer ao tribunal nacional elementos de interpretação de normas comunitárias e em face de questões concretas que sejam colocadas a respeito dessas normas comunitárias.
Termos em que indefere-se o requerido reenvio”.
*
Quanto ao erro de julgamento de direito por inaplicabilidade do artigo 19º, nºs 3 e 4 do CIVA:
O Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente a impugnação, por nenhuma ilegalidade se verificar quanto aos atos tributários de liquidação adicional de IVA (e correspondentes juros compensatórios), relativos aos períodos de agosto e setembro de 2007, no montante global de € 424.271,93, proferido na sequência de ação inspetiva à contabilidade da Recorrente, em que a Administração Tributária, com base no artigo 19º, nº 3 do CIVA, concluiu que a Recorrente (“Broker”) terá deduzido indevidamente IVA contido em faturas emitidas pela sociedade “E...............” (“Buffer”), por o circuito documental não corresponder a um circuito real de transações de sucata de cobre, cuja existência teve o clara intuito de lesar o Estado Português, situação a que o sujeito passivo não era alheio.
A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, sustentando o imputado erro de julgamento à sentença recorrida, no essencial, por a Recorrente se encontrar na posse das faturas correspondentes às aquisições de sucata de cobre à E..............., entre Dezembro de 2005 e Outubro de 2006, tendo pago o montante de € 18.552.852,79, sucata que foi transportada para as suas instalações em Espanha onde foi utilizada na respetiva atividade económica. Concluindo que as aquisições de sucata não configuram operações simuladas nos termos e para os efeitos do artigo 19º, nº 3 do CIVA, tendo direito ao reembolso de IVA suportado nas referidas operações no montante de € 3.195.293,81.
Mais alegou que a Administração Tributária não demonstrou os alegados indícios de fraude em sede de IVA ao nível da E..............., seus fornecedores e respetivos fornecedores destes, e que não tinha obrigação de ter conhecimento do alegado circuito fraudulento em sede de IVA ao nível da E..............., seus fornecedores e respetivos fornecedores destes.
A sentença recorrida para julgar a ação improcedente, discorre da seguinte forma:
“E, em face do teor do relatório de inspecção tributária a que se alude no facto 13. firmado supra, o qual consubstancia o discurso fundamentador no qual se estribam os actos tributários ora impugnados, a resposta a esta questão não pode deixar de ser positiva.
Assim, a Administração Tributária descreve, ao longo daquele extenso documento, de forma clara e compreensível, o circuito documental associado à sucata de cobre facturada pela E............... à Impugnante, daí sendo possível extrair que:
(i) As aquisições de mercadoria declaradas pela W............, S.A., são falsas, na medida em que os seus pretensos fornecedores exercem apenas uma aparente actividade, não dispondo de estruturas adequadas a fornecer a quantidade de cobre supostamente transaccionada (cf. página 67 do relatório de inspecção tributária);
(ii) Assim, os principais fornecedores de sucata de cobre da W............, S.A.– “Top L...........” e “Z................” – não têm qualquer estrutura empresarial apta a proceder à transmissão daqueles bens (cf. página 68 do relatório de inspecção tributária);
(iii) O circuito documental apresentado pela Administração Tributária configura uma sucessão de operações em cadeia em que a sucata de cobre seria remetida de Espanha directamente para as instalações da W............, S.A., sitas em Rio ......., e daí para as instalações da Impugnante, em Z…………., Espanha, sem sofrer qualquer transformação ou valorização (cf. página 71 do relatório de inspecção tributária);
(iv) A W............, S.A., é o maior fornecedor da E..............., correspondendo a 92,72% do total das suas aquisições declaradas para o triénio 2005 – 2007 (cf. página 78 do relatório de inspecção tributária);
(v) A E............... alegadamente terá adquirido um total de 3.120.176 quilogramas de mercadoria, no triénio 2005 – 2007 (cf. página 78 do relatório de inspecção tributária);
(vi) Toda a sucata facturada pela W............, S.A., à E............... tem como destino a Impugnante (cf. página 71 do relatório de inspecção tributária);
(vii) A E............... tem a sua sede no lugar onde a sociedade F……… (empresa de contabilidade) exerce a sua actividade, não dispondo de quaisquer instalações em Portugal nem, bem assim, de uma qualquer estrutura adequada à transmissão de cerca de 3.000 toneladas de sucata de cobre (cf. página 97 do relatório de inspecção tributária).
Os elementos que antecedem consubstanciam indícios bastantes, nos termos e para os efeitos do artigo 75.º da LGT, para afastar a presunção de veracidade e de boa- fé que conforma a escrita e contabilidade da Impugnante.
Com efeito, é inequívoco, em face da argumentação expendida pela Administração Tributária, em sede de relatório de inspecção, que a cadeia transaccional aí descrita se revela, no mínimo, invulgar – desde o facto de a maioria dos operadores referidos não ter qualquer estrutura que lhes permita o exercício de uma actividade como aquela que se encontra aqui em causa, à circunstância de o fluxo documental e de facturação deixar antever o transporte de mercadorias de Espanha para Portugal para serem desde logo reexpedidas para território espanhol, até à aparente irrelevância negocial da E..............., a qual se limitava a intermediar a suposta venda de sucata de cobre da W............, S.A., à Impugnante, sem acrescentar qualquer valor à cadeia.
De outra parte, há ainda que salientar as várias incongruências identificadas pela Administração Tributária ao nível do fluxo documental relevante, designadamente:
(i) Entre as facturas emitidas pelo registo de IVA português da Impugnante à sua sede, em Espanha, e os respectivos CMR, v.g., no que respeita às diferenças de peso registadas (cf. páginas 19 a 23 do relatório de inspecção tributária);
(ii) Na parte respeitante à validação dos pagamentos efectuados (cf. página 25 e 92 a 96 do relatório de inspecção);
(iii)No que concerne aos CMR emitidos com referência a determinadas viaturas da T................, aí se assinalando um conjunto de anomalias ao nível dos transportes documentados, parcialmente envolvendo os transportes de mercadorias de / para a Impugnante (cf. páginas 68 a 72 do relatório de inspecção);
(iv) A duplicação de CMR a que se alude entre as páginas 80 a 85 e 89 a 91 do relatório de inspecção tributária, com a existência aparente de mais que um CMR para justificar um único transporte.
Em face de tudo o que antecede, é inequívoco, para este Tribunal, que a Administração Tributária logrou recolher indícios capazes de afastar a presunção de boa-fé e de veracidade da escrita da Impugnante.
(…)
Em face de todo o exposto, entende este Tribunal que a Administração Tributária logrou recolher um conjunto de indícios fundados de que a escrita e contabilidade da Impugnante não reflecte, de forma rigorosa e fidedigna, as operações que esta efectivamente realizou – especificamente, no que tange à pretensa aquisição de sucata de cobre à E............... –, assim cessando, por conseguinte, a presunção de veracidade e boa-fé de que a mesma beneficiava, nos termos e para os efeitos do artigo 75º da LGT, passando, então, a recair sobre a Impugnante o ónus de demonstrar que tais operações tiveram efectivamente lugar.
E, quanto a este ponto, foi já assinalado que a Impugnante não logrou fazer tal prova, nestes autos. Assim:
(i)A Impugnante não conseguiu demonstrar inequivocamente o pagamento das facturas referidas no ponto 3. da matéria de facto assente.
De um total de EUR 18.552.852,79 que lhe foram facturados pela E..............., esta conseguiu tão-somente demonstrar o pagamento de EUR 3.522.946,74, atinentes aos pagamentos assinalados no facto 6. firmado supra em relação aos quais é possível identificar uma referência ao respectivo beneficiário E................
Nos demais pagamentos aí descritos, cujo destinatário se encontra “N/D”, no valor de EUR 2.818.893,03, os meios de prova apresentados não permitem identificar qual o beneficiário do respectivo pagamento – menção que, tal como sustenta o TCA Norte, no citado aresto de 07.07.2016, é essencial para comprovar a realização dos pagamentos efectuados.
Bem assim, não foi provado que que a Impugnante tenha procedido aos pagamentos que se identificam nos pontos A. e B. supra, pelos motivos aí expendidos, que nos escusaremos aqui de replicar.
(ii) Por seu turno, os elementos apresentados pela Impugnante também não permitem concluir inequivocamente pela “transferência onerosa [da E...............] de bens corpóreos [sucata de cobre] por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade”, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IVA.
Desde logo, os meios de prova carreados aos autos pela Impugnante deixam antever um conjunto de discrepâncias, como sejam as diferenças de peso de sucata de cobre que é facturada pela E............... ao registo de IVA português da Impugnante e por este registo à sua sede, em Espanha, e a que é facturada pelo registo e efectivamente recepcionada em território espanhol.
Como já se expendeu supra, não consegue este Tribunal compreender o motivo pelo qual se verificam diferenças de peso entre as facturas emitidas pela E............... e as facturas emitidas pelo registo de IVA português da Impugnante, quando entre a emissão de umas e outras não ocorre qualquer operação de transporte ou manuseamento da sucata de cobre, sendo a mesma supostamente remetida de Rio ....... (instalações do fornecedor da E...............) directamente para as instalações da Impugnante, em Z………….., Espanha.
Por outro lado, a circunstância de a maioria dos CMR não se encontrar carimbada ou conter sequer a data da recepção da mercadoria, aliada à estranheza que tal facto provoca, atendendo aos supostos mecanismos de controlo de entrada e saída de mercadorias que a Impugnante deteria, bem como à noção de que os responsáveis da sociedade teriam, quanto à propensão deste sector económico para a existência de esquemas de ocultação tributária no seu âmbito, leva a que este Tribunal tenha, inelutavelmente, de dar por não provada a efectiva realização das operações tituladas pelas facturas elencadas no ponto 3. da matéria de facto – conclusão que, de resto, resulta reforçada pela manifesta falta de estrutura adequada da E............... para a transmissão da sucata de cobre in casu, o que não é, em momento algum, colocado em crise pela Impugnante.
Em face de tudo o que se expendeu, entende este Tribunal que a Impugnante não logrou provar, como lhe incumbia, nos termos do n.º1 do artigo 74º da LGT, a realização das operações que, in casu, a Administração Tributária qualifica como simuladas, pelo que os actos de liquidação impugnados não padecem do vício de violação de lei que lhes é imputado pela Impugnante, consistente na pretensa violação do n.º3 do artigo 19º do Código do IVA, o que se julgará a final”.
Retomando o acórdão nº 1706/09, de 27/10/21, temos:
“(…)
O IVA assenta numa estrutura de entrega e respectiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.
Desta maneira, o IVA funciona pelo método indirecto subtractivo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respectivos inputs.
Determina o 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º, da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro): Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.
O direito à dedução é, assim, um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica que é a neutralidade. No entanto, o exercício desse direito obedece a requisitos objectivos e subjectivos.
O exercício do direito à dedução do imposto tem por requisitos objectivos o facto de o imposto suportado dever constar de factura passada na forma legal (35.º, n.º 5, do CIVA), de se tratar de IVA português, e não se tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º do CIVA, e como requisitos subjectivos exige-se que o sujeito passivo tenha direito à dedução do IVA, e que os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade em causa.
O Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado contém várias normas que excluem especialmente o direito à dedução, mas só nos interessa analisar aqui uma delas – o n.º 3 do seu artigo 19.º -, visto que foi com base nessa norma que a Administração Tributária indeferiu os pedidos de reembolso de IVA.
A limitação estabelecida no n.º 3, do artigo 19.º do CIVA está em conformidade com o entendimento do TJUE, que reconheceu, em diversas decisões que, em determinadas circunstâncias, além das previstas nos n.º 6 e 7 do artigo 17.º da Sexta Directiva, os Estados Membros podem estabelecer determinadas regras para o exercício do direito à dedução, designadamente condicionando-o à posse de uma factura ou de um documento equivalente e ter-se verificado a exigibilidade do imposto, ou até recusar o direito à dedução do imposto quando se verifiquem situações fraudulentas ou abusivas.
O artigo 19.º, n.º 3 do CIVA, na redacção à data dos factos, preceituava:
Não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que esteja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.
No entanto, o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado também não nos diz o que se deve entender por operação simulada para os efeitos desse Código, pelo que terá que ser interpretada com o sentido que o termo tem no direito civil (cfr. artigo 11.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária).
Ora a simulação é a divergência entre a vontade real e a vontade declarada dos sujeitos do negócio jurídico, por acordo entre o declarante e o declaratário e com o intuito de enganar terceiros (cfr. artigo 240.º do Código Civil).
Passemos a outra questão, que é a de saber se compete à administração tributária provar o acordo simulatório. É o problema da repartição do ónus probatório entre a administração tributária e o sujeito passivo na aferição da legalidade do exercício à dedução.
O artigo 74.º, n.º 1, da LGT dispõe sobre o ónus da prova e refere que:
1 – O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
Em conformidade, aliás, com o princípio consagrado no artigo 342.º do Código Civil (CC), que preceitua que aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
Tomando, por facilidade de exposição, como modelo o procedimento de liquidação da iniciativa da administração tributária, esta terá o ónus de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos-pressupostos da existência, qualificação e quantificação do facto tributário). E o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.
Porém, o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 05/07/05/2003, proferido no processo n.º 01026/02, seguindo o entendimento do acórdão do STA de 17/04/2002, proferido no processo n.º 026635, firmou jurisprudência no sentido de que recai sobre o contribuinte a prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado (disponíveis em www.dgsi.pt).
A razão de ser deste entendimento é a seguinte: ao contrário do que sucede em regra, em que a administração tributária afirma a ocorrência do facto de que deriva o direito à tributação, neste caso é o sujeito passivo que afirma o facto tributário de que deriva o direito à dedução e a administração tributária que põe em causa a sua ocorrência.
Contudo, esta regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a Administração Tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu. De acordo com o discurso fundamentar do citado arresto, depois da administração tributária ter emitido «um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei».
Importa ainda considerar que o artigo 75.º, n.º 1, da LGT, dispõe que presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei bem como os dados e apuramentos inscritos na contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
E quando alguém tem a seu favor uma presunção legal não tem que provar o facto a que ela conduz (cfr. artigo n.º 350.º, n.º 1, do CC).
Do que vimos dizendo resulta que quando o direito à dedução tenha por base declaração do sujeito passivo apresentada nos termos da lei, a administração tributária que pretenda infirmar a ocorrência do facto em que se suporta essa dedução invocando a simulação de sujeitos, não tem que demonstrar que o acordo simulatório existiu (o que na generalidade dos casos seria muito difícil demonstrar), mas tem que reunir indicadores objetivos de que tal acordo deveria ter existido (vide acórdãos do Pleno da secção do CT do STA de 16/11/2016, proc. n.º 0600/15 e de 19/10/2016, proc. n.º 511/15, disponíveis em www.dgsi.pt/).
Com efeito, configura entendimento jurisprudencial reiterado e sólido, em situações como a dos autos, de não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte, que compete à administração tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais legitimadores da sua atuação, ou seja, assentando o juízo da administração tributária na consideração de que as operações e o valor a que se referem as facturas em causa não correspondem à realidade, pelo que terá de demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simuladas.
Cumprido este encargo pela Administração Tributária, passa a impender sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que tais facturas consubstanciam operações realmente efectuadas pela entidade emitente desses documentos e pelos valores constantes dos mesmos, comprovando o direito à dedução do IVA liquidado nas facturas, não lhe aproveitando a mera criação de dúvida, ainda que fundada, uma vez que o artigo 100.º do CPPT não é aplicável neste caso, por in dubio contra Fisco apenas existe quando seja a Administração Tributária a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é à contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação dos factos tributários em que se funda a dedução do imposto (vide neste sentido acs. do TCA Sul de 22/01/2002, processo nº 5884/01, do STA de 27/10/2004, proc. n.º 810/04, do TCA Norte de 24/01/2008, proc. n.º 02887/04-Viseu, e acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 07/03/2003, proc. n.º 01026/02, de 16/11/2016, proc. n.º 0600/15 e de 27/02/2019, proc. n.º 01424/05, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
No caso dos autos, a administração tributária sustenta a existência de uma fraude (muito próxima da fraude tipo "carrossel”), em que a ora Recorrente funcionaria como “broker” e o seu fornecedor E............... como “buffer”.
De acordo com a jurisprudência do TJUE, não basta a existência objectiva da fraude nas operações para poder ser recusada a dedução do IVA pelo adquirente, sendo que o direito a dedução só pode ser recusado a um sujeito passivo se, à luz de elementos objectivos, se demonstrar que este sujeito passivo, ao qual foram fornecidos os bens ou prestados os serviços que estão na base do direito a dedução, sabia ou deveria saber que, ao adquirir estes bens ou estes serviços, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA cometida pelo fornecedor ou por outro operador a montante ou a jusante na cadeia destes fornecimentos ou destas prestações (vide, neste sentido, acórdãos Kittel (C-439/04), Recolta Recycling (C-440/04) e Mahagében e Dávid e acórdão relativo aos processos apensos Optigen Ltd, Fulcrum Electronics Ltd e Bond House (C- 354/03, C- 353/03 e C-484/03).
No acórdão do TJUE, de 22/10/2015, no Processo C-277/14, expendeu-se o seguinte: [a]s disposições da Sexta Diretiva devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que recusa a um sujeito passivo o direito de deduzir o IVA devido ou pago relativamente a bens que lhe foram entregues pelo facto de a fatura ter sido emitida por um operador que deve ser considerado, face aos critérios previstos nessa regulamentação, um operador inexistente e de ser impossível determinar a identidade do verdadeiro fornecedor dos bens, exceto se estiver provado, perante elementos objetivos, e sem serem exigidas ao sujeito passivo verificações que lhe não incumbem, que o sujeito passivo sabia ou tinha a obrigação de saber que a entrega estava envolvida numa fraude ao IVA (…).
Todavia, a jurisprudência do TJUE citada não é aplicável ao caso dos autos, uma vez que a AT reuniu, de forma fundamentada, indícios sérios de que as transacções tituladas pelas facturas em causa não tiveram efectividade, ou seja, que elas não correspondem a transacções reais, como melhor se verá infra.
Considerando o acima descrito, cumpre então averiguar se a Administração Tributária fez a prova, como lhe competia, da existência de indícios sérios e objetivos, suscetíveis de permitir a conclusão de que as facturas contabilizadas pela ora Recorrente não correspondem a reais operações para obstar à dedução do IVA inscrito nas facturas, e se ao fazê-lo a impugnante, ora Recorrente, por sua vez demonstrou que a AT laborou em erro.
Resulta da factualidade apurada que a Recorrente foi alvo de uma acção inspectiva, bem como o seu fornecedor E............... e fornecedores desta, bem como a transportadora envolvida, e que nessa sede, com base nos elementos recolhidos, das respostas dadas à AT e das fiscalizações cruzadas, os serviços de inspeção tributária concluíram, no essencial que:
(i) Tendo em conta o esquema indicado no ponto 6 do RIT, todos os sujeitos passivos portugueses, com excepção da W............, não possuem qualquer estrutura para o exercício da actividade em que se registaram, não evidenciando quaisquer instalações físicas, quer comerciais/administrativas, quer logísticas/armazenamento; nem quaisquer veículos de transporte de mercadorias (nem subcontratação de transportadoras, excepto a T................), nem qualquer mão-de-obra contratada (funcionários/pessoal ou subcontratação de prestadores de serviços) – cfr. pontos 5.1, 5.2. e 5.3 do RIT.
(ii) Todos os sujeitos passivos portugueses não entregam o IVA gerado ao longo da cadeia e que culmina no pedido de reembolso de O................ PT.
(iii) Existem operadores que não entregam as respectivas declarações periódicas de IVA, ou que omitiram as operações geradoras de IVA liquidado a entregar nos cofres do Estado, revestindo-se no papel de “Missing-Traders”, residindo aqui a fonte do prejuízo para os cofres do Estado e que se dissemina, sucessivamente, à medida que se avança para o(s) seguinte(s) elo(s) na cadeia.
(iv) Existem outros operadores que apresentaram, de forma aparentemente “normal”, as suas declarações periódicas de IVA, mas que ou entregavam importâncias diminutas de imposto, ou permaneciam em situação de crédito de imposto, em resultado das deduções de IVA geradas artificiosamente revestindo o papel de “Buffers” (por exemplo: a E..............., a W............ e a Z................).
(v) A W............, era a única empresa portuguesa que apresentava estrutura consentânea para o exercício da actividade a que se propôs, que tinha como fornecedores empresas que careciam de substancia económica (v.g. R. Ferrer, Top L..........., Z................, G............, Frederico …………………… e Augusto …………………….), assumindo um papel meramente instrumental, para possibilitar a liquidação de IVA aos clientes e exercer o direito à dedução do IVA, utilizavam fornecedores (alguns tinham como elo comum um espanhol – “Sr. Raul”), que nunca chegaram a exercer a actividade, ou não tinha estruturas empresarias para o efeito, ou não tiveram nos anos de 2005 e 2006 comércio de sucata, ou utilizavam viaturas, na generalidade dos documentos emitidos, que não tinham capacidade ou vocação para efectuar o transporte da sucata que deles constava, ou locais de carga da sucata que não possuíam capacidade ou condições para movimentar uma pequena parte das quantidade indicadas; nas aquisições nacionais, o transporte da sucata para a W............ era efectuada por camiões espanhóis, e utilizava fornecedores espanhóis cuja mercadoria se destinava a ser vendida à E............... e, por sua vez esta vendia à O................, neste caso, a ser real o circuito físico desta sucata, vinha de Espanha para o estaleiro da W............ e depois seria enviada para Espanha, sem sofrer transformação e valorização em território nacional;
(vi) Existência de envolvimento de inúmeros cidadãos espanhóis, bem como de empresas espanholas;
(vii) Não esclareceram a origem da sucata comercializada, independentemente da fase do circuito comercial em que estão colocados, afirmando que não sabem, nem é da sua conta, limitando-se, os intermediários, a emitir a documentação.
(viii) Da analise dos serviços de transporte efectuados pela T................ para Wormania e Ecoista encontraram diversas divergências, discriminadas por viatura, em que a mesma viatura fazia dois transportes no mesmo dia para Espanha e realizava transportes em dias seguidos ao longo do ano para Portugal e daqui para Espanha e daqui para Portugal; emissão de CMR’s duplicados, com a indicação da O..................... PT como expedidora e outro com a indicação da E............... como expedidora, datados do mesmo dia.
(ix) Os serviços de transporte de sucata em cobre entre Rio ....... (W............) e Vizcaya (O.....................) eram facturados à E..............., sendo o Sr. Raul …………. que em nome da E............... interagia com a T.................
(x) Os CMR’s não apresentam qualquer carimbo de recepção da mercadoria, nem data, nem assinatura.
(xi) A E............... é uma sociedade portuguesa, detida exclusivamente por um cidadão espanhol, Eduardo Fernandez Garcia, residente em Espanha, que tomava todas as decisões a partir de Espanha, não possui qualquer instalação, nem equipamento, nem qualquer funcionário, realizando apenas a “aparente” intermediação entre a empresa portuguesa W............ e a empresa espanhola O.................
(xii) Ao nível dos meios financeiros, a O................ efectuava os pagamentos à E............... em contas bancárias domiciliadas em Espanha, existindo dificuldade na validação dos pagamentos; destaca-se inúmeros movimentos financeiros entre as contas de Eduardo ………………….. e da C……………SL (da qual aquele é também sócio) e as contas da E..............., não existindo quaisquer operações comerciais entre a E............... e a C………….. que justifique tais movimentos.
(xiii) A O..................... ES registou-se como sujeito passivo português (O..................... PT), criando as condições para gerar um crédito de imposto, conducente ao pedido de reembolso de IVA, “alimentado” pela dedução de imposto nas facturas de compra da E..............., conjugada com a isenção IVA nas vendas à O..................... ES, que fiscalmente são consideradas como transmissões intracomunitárias.
(xiv) A O....................., através dos CMR’s podia obter a informação que a mercadoria provinha de Rio ......., em Portugal (instalações da W............); se as operações correspondessem a operações reais podia comprar directamente à W............, gerando para si um lucro maior, suprimindo o intermediário E...............; e ao não ter utilizado o seu número fiscal de sujeito passivo espanhol, as operações passavam a ser aquisições intracomunitárias em território espanhol, aplicando-se o mecanismo de “reverse-charge”, permitindo-lhe não ter qualquer encargo e de não ter que esperar pela Administração Tributária para analisar o pedido de reembolso, pois, neste cenário seria a E............... (ou a W............) a solicitar o reembolso de IVA.
(xv) Tendo em conta os factos descritos no ponto 5.2.2., concluiu-se que o circuito documental não corresponde a um circuito real de transacções de sucata de cobre, e admitindo-se a possibilidade de existir mercadoria que tenha entrado na fábrica para ser transportada, não tem origem em operadores portugueses.
A recolha, a consistência e a conjugação de todos os elementos descritos no relatório de inspecção tributária (ponto 15 do probatório) foram de molde a que a AT, e por sua vez o Tribunal a quo na sentença recorrida, considerassem que a contabilidade da Recorrente não era credível, abalando desta forma a presunção de veracidade das operações constantes na escrita da Recorrente, pois que criaram fundados indícios de que tais operações não reflectiam operações reais.
Na verdade, tais indícios apurados tanto na contabilidade da Recorrente, como nas informações cruzadas com outros contribuintes, como ainda em ações inspetivas dirigidas aos fornecedores em crise, segundo as regras da experiência comum, são seriamente indiciadores de que as operações tituladas pelas faturas em causa não ocorreram efetivamente.
Ao contrário do alegado pela Recorrente, a AT demonstrou no relatório inspetivo indícios de fraude em sede de IVA, como por nós devidamente realçado supra.
Assim, na parte relativa à factualidade apurada pela AT, temos de reconhecer aos relatórios inspetivos o valor probatório que o artigo 76.º da LGT lhes reconhece, sendo que, nesta parte, tais relatórios fazem fé em juízo.
Portanto, impunha-se que a impugnante, ora Recorrente, contrariasse o apurado pela AT em sede inspectiva. Dito por outras palavras, apesar de todos os indícios recolhidos pela AT, que eram reais as operações de vendas de sucata facturadas que incluíam o IVA corrigido.
Ora, tal prova não ocorreu, conforme resulta da matéria de facto apurada e da analise supra efectuada, para a qual remetemos por facilidade de exposição.
Pelo que fica dito, deve ter-se por não observado o ónus da prova da realidade subjacente às facturas que recaía sobre a Recorrente.
Na verdade, não basta alegar que a sucata foi efectivamente adquirida, necessário era que fosse apresentada prova sobre a veracidade das facturas, o que não foi feito, ficando por esclarecer a origem da sucata que a impugnante faz corresponder à facturação fictícia.
Invoca a Recorrente que se encontra na posse das facturas correspondentes às aquisições de sucata à E................
Contudo, tal não comprova que as operações económicas em causa nas facturas se tenham efectivamente realizado, uma vez que a par da aparente realidade formal existe uma outra de natureza substancial, respeitante às transacções que, no caso em apreço, no cotejo com os demais elementos de prova recolhidos (prova documental e testemunhal), que apontam no sentido do fornecedor da impugnante e dos fornecedores daqueles carecerem de estrutura empresarial para a realização de tais operações e, bem assim, do seu envolvimento em esquemas de facturação falsa.
Assim, a eventual comprovação da emissão e saída de fluxos financeiros também não é suficiente para comprovar a existência material da operação económica.
Com efeito, no âmbito dos negócios artificiosos ou fraudulentos, a operação económica real poderá não existir, apesar de realizar-se o fluxo financeiro e a situação inversa também pode ocorrer, ou seja, existir uma operação económica real, com ocultação na revelação formal contabilística, pelo que, em face de indícios recolhidos de facturação falsa, não é suficiente a comprovação da emissão da factura e da saída dos fluxos financeiros para prova da existência das operações económicas.
Alega a Recorrente que não tinha, nem tinha obrigação de ter conhecimento do alegado circuito fraudulento em sede de IVA ao nível da E..............., seus fornecedores e respectivos fornecedores destes (conclusão I) das alegações de recurso).
Nos casos como o dos autos, em que houve fraude e o utilizador das facturas afirma desconhecer, impunha-se-lhe, em primeiro lugar, demonstrar a efectividade das operações em concreto, por a AT ter recolhido indícios de que as transacções mencionadas nas facturas não correspondem à realidade, esclarecendo como é que as negociações se desenvolvem e com quem se desenvolveram, e, em segundo lugar, fazer então prova do desconhecimento sobre o circuito fraudulento.
Como se viu a Recorrente não logrou fazer prova da efectividade das operações, carecendo, por isso, de relevância a invocação do desconhecimento do circuito fraudulento.
Aliás, a Recorrente desenvolveu um esforço probatório nulo sobre o desconhecimento do circuito fraudulento, onde centra mais fortemente a sua alegação, uma vez que as testemunhas oferecidas nada sabiam sobre as negociações atinentes à compra da sucata e pagamento das facturas, sendo tais depoimentos evasivos, incongruentes e genéricos quanto a toda a matéria a que foram ouvidas.
Invoca ainda a Recorrente que adoptou um procedimento cauteloso relativamente à E..............., consubstanciado no pedido de apresentação de cópias das declarações periódicas de IVA e comprovativos de entrega do IVA.
Concordamos com o que se escreveu no RIT sobre esta questão, ao considerar tal procedimento estranho, a menos que a Recorrente quisesse obter algum elemento para posteriormente se defender quando fosse confrontada com o seu envolvimento no circuito fraudulento em IVA. Mas ainda assim, tais elementos nunca seriam suficientes para prova da materialidade das aquisições, e quanto ao IVA constante das facturas, não resultou provado que a sociedade E............... tenha efectuado o pagamento do IVA liquidado a favor do Estado. Na verdade, das declarações periódicas juntas aos autos, apenas as referentes aos documentos n.º 355 e 356 da p.i. apresentam imposto a entregar ao Estado, no valor respectivamente de € 19.571,46 e de € 37.737,41, pois, todas as outras apresentam crédito de imposto a recuperar.
Relembremos que, no caso presente, a AT não põe em causa que foram apresentadas as declarações periódicas de IVA, nem que foram emitidas as facturas, as quais se encontram na posse da Recorrente, mas que as operações tituladas por aquelas correspondam a operações realmente efectuadas, o que obsta à dedução do imposto pago a montante.
Alega a Recorrente jurisprudência do TJUE no sentido de que quando a operação foi efectivamente entregue ao adquirente, bem como nos casos em que o IVA incidente sobre a operação em questão foi entregue junto dos cofres do Estado, e nos casos em que o sujeito passivo desconhece, sem obrigação de conhecer, que o transmitente dos bens não tinha as instalações e infraestruturas adequadas à realização dessas operações.
Contudo, o acórdão Optigen, proc. C-354/03, do TJUE indicado pela Recorrente, como já expendemos supra, não tem aplicação ao caso em apreciação, visto que a AT reuniu indícios de que as operações em causa não foram realmente efectuadas, e os acórdãos do TJUE citados referem-se a situações em que as operações ocorreram realmente, mas na cadeia de entregas, na qual se insere essas operações, sem que o sujeito passivo saiba ou passa saber, uma ou outra operação, anterior ou posterior à realização por este último, estar viciada por fraude ao IVA.
Por último, alega a Recorrente que a eventual fundamentação da improcedência dos presentes autos nos termos do artigo 19.º, n.º 4 do CIVA reconduz-se à fundamentação a posteriori do acto tributário impugnado (conclusão L, aqui P) das alegações de recurso).
Com o devido respeito, não tem razão.
A AT não afastou o direito à dedução do IVA nos termos do n.º 4 do artigo 19.º do CIVA e a sentença recorrida limitou-se a apreciar as questões suscitadas pela Impugnante na sua petição inicial, em face da prova produzida, relativas à legalidade da decisão da Administração Tributária que indeferiu o pedido de reembolso do IVA apresentado pela Impugnante.
Em lado nenhum da sentença se faz referência ao n.º 4, do artigo 19.º do CIVA ou se procede a uma fundamentação a posteriori do acto impugnado. Aliás, como é consabido, ao Tribunal está vedado praticar actos administrativos ou substituir-se à AT na fundamentação de actos administrativos.
Concluindo, a AT logrou demonstrar que se verificavam os pressupostos fáctico-jurídicos fundamentadores da sua actuação e, por outra banda, a Recorrente não logrou demonstrar a tese que defende.
Deste modo, a sentença recorrida que assim entendeu não merece censura”.
Considerando ainda o teor das conclusões J) e K) do presente recurso, sem correspondência no acórdão que vimos transcrevendo, deve dizer-se que, também aqui, a razão da Recorrente falece em absoluto.
Numa atividade inspetiva como a presente, que visa obter a recolha de indícios da falsidade das faturas constantes da contabilidade, por às mesmas não estarem subjacentes as operações económicas nelas descritas, nada obsta, como é salientado no acórdão deste TCA Sul, de 07/06/18, tirado no proc.º 813/11.8 BELRA (09855/16) e do TCAN, de 28/02/2013, proferido no proc.º 00383/08.4BEBRG, que a AT lance mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das faturas não têm, necessariamente, que advir, em exclusivo, de elementos do próprio contribuinte fiscalizado, revelando-se até a fiscalização cruzada um procedimento crucial no combate à fraude e evasão fiscais.
Tanto basta para, com a fundamentação supra exposta, concluir pela improcedência das conclusões da alegação da recorrente, confirmando-se a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Por conseguinte, nega-se provimento ao presente recurso jurisdicional.
Nos termos do artigo 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
No caso, apesar a extensão da análise da prova e da relativa complexidade da questão de direito, a verdade é que a reapreciação das questões revelou-se facilitada, atenta a jurisprudência recente deste TCA a propósito de um processo da mesma Recorrente, em tudo idêntico.
Tal facilidade de análise, permite-nos que determinemos que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no artigo 6º, nº 7, do RCP.
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IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os € 275.000,00.

Informe o Inquérito 1017/10.2 IDLSB da prolação do presente acórdão.

Registe e notifique.

Lisboa, 15/12/21


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Isabel Fernandes)

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(Jorge Cortês)