Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:340/11.9BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/26/2022
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA.
Sumário:Não enferma de erro nos pressupostos de facto o acto que indefere o pedido de dispensa de garantia quando o mesmo se baseia em elementos que documentam a existência de bens penhoráveis na esfera do contribuinte e que tornam patente uma actuação de dissipação do património.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão
I- Relatório
A…………………apresentou reclamação, ao abrigo do preceituado nos artigos 276.º e ss. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contra o despacho do Diretor Adjunto da Direção de Finanças de S...................., datado de 01.03.2021, o qual indeferiu o pedido de suspensão e isenção de prestação de garantia formulado no âmbito do processo de execução fiscal n.ºs …………….. e apensos, que contra si foram instaurados pelo Serviço de Finanças de O......, com vista à cobrança coerciva de dívidas proveniente de liquidação de IVA, dos exercícios de 2018 e 2019 e dívida de IRS do ano de 2018. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por sentença proferida a fls. 213 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), datada de 24 de Setembro de 2021, julgou improcedente a presente reclamação, mantendo na ordem jurídica o acto reclamado. Inconformado com a decisão, o Reclamante recorreu para este Tribunal Central Administrativo Sul, encerrando as suas alegações de fls. 256 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), com o seguinte quadro conclusivo:
«45. Iniciou o Tribunal a quo a formulação de considerações pertinentes para a decisão do caso concreto, nomeadamente, a alusão aos requisitos do n.º4 do artigo 52.º da LGT.
46. Quanto a tais requisitos e sendo os mesmos alternativos enquanto possível fundamento para a concessão da isenção de garantia, invocou o então reclamante a sua discórdia quanto ao sentido decisório propugnado pela AT, uma vez que aludiu à falta de meios económicos e inexistência de bens penhoráveis como previsto na segunda parte da norma aqui alvo de tratamento.
47. A afirmação de que o reclamante ora recorrente é titular de um ativo corrente onde se incluem os inventários no montante de 608 247,09 €, carece de veracidade.
48. Tal afirmação carece no presente e em absoluto de sustentação, por assim não ser, na verdade pela própria natureza dos bens indicados considerando que os mesmos foram transmitidos, como adiante se demonstrará, não figurando actualmente em qualquer inventário.
49. A informação levada aos autos, quanto ao valor dos inventários, reportada ao exercício de 2019 não apresenta aderência com a realidade.
50. Para além de não estarem tais dados actualizados de acordo com a realidade presente, essa mesma realidade é do conhecimento da A.T. que deliberadamente omitiu factos com relevância quanto à situação patrimonial actual do ora recorrente, tendo já sido abordada.
51. Para além deste facto há que observar que se por um lado há um dever de fundamentação do pedido, concretamente observando os requisitos do artigo 52.º, n.º4 LGT, por outro, compete à AT a demonstração da existência de fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a actuação dolosa do reclamante ora recorrente.
52. No caso em apreço crê-se que a A.T. não fundamentou de forma necessária e suficiente, a existência de património uma vez que se reportam os dados levados aos autos, ao ano de 2019.
53. Igualmente não fundamentou a existência de indícios de conduta dolosa justificativa da insuficiência patrimonial, de modo a que, o ónus da prova sobre esta matéria se tenha transferido para o reclamante.
54. Verificado que o fundamento da A.T. para o indeferimento da isenção de garantia peticionada, é única e exclusivamente a “alegada” existência de património, sustentado no facto do inventário de 2019 evidenciar o valor de 608 247,09 €, não se confirmando esse fundamento, não deverá singrar a posição assumida pela A.T. que acaba a ser corroborada pela sentença recorrida.
55. Notem Senhores Desembargadores que a A.T. acaba a decidir, “conforme se propõe” (despacho de indeferimento), em vista do volume de facturação do ora reclamante nos exercícios de 2018, 2019 e 2020, tal como o valor dos inventários nos exercícios de 2018 e 2019, o que faz sem critério adequado.
56. O reclamante ora recorrente já havia salientado que para vender é preciso comprar, sendo certo ainda assim, que o lucro tributável não é decididamente, a diferença entre o preço de custo da mercadoria e o preço de alienação dessa mesma mercadoria, situação corroborada pela sentença recorrida.
57. Explanou-se que perante uma actividade associada à importação de veículos usados, há toda uma gama de custos inerentes, nomeadamente os custos ligados á legalização dos veículos importados também reflectidos na contabilidade.
58. Sendo que emerge a divida executiva das correcções levadas a cabo no último procedimento inspectivo de que o reclamante foi alvo, correcções que como dito, nada têm que ver com omissões contabilísticas, mas apenas com a interpretação feita pelos serviços quanto à liquidação de IVA no que concerne a tributação de bens em segunda mão.
59. Á A.T. impunha-se que evidenciasse o lucro tributável declarado e não o volume de faturação, desconsiderando em absoluto o custo da mercadoria vendida e bem assim todos os custos inerentes à atividade, designadamente de legalização dos veículos adquiridos no estado de usados e outros, totalmente documentados contabilisticamente.
60. Pelo que não pode deixar de ser entendido que a A.T não logrou preencher o seu ónus antes de o inverter em prejuízo do contribuinte, reiteramos, porque os dados que apresenta são do ano de 2019.
61. Donde, a possibilidade de constituir o ora recorrente penhor mercantil sobre bens que constituíam os inventários de 2019, com vista a prestar garantia nos autos de execução, necessariamente que se impunha um maior dever de fundamentação, pois para além dos custos de mercadoria comprada e outros tendentes à venda do bem legalizado e inerentes ao próprio exercício de actividade, que deliberadamente foram omitidos, outras operações ocorreram entretanto até 2021, do conhecimento da AT, que definitivamente têm influência directa no valor indicado do inventário de 2019 e que nenhuma menção faz a AT seja na informação seja em sede de despacho decisório, fazendo crer ao Tribunal coisa diferente da realidade.
62. De novo reitera o ora recorrente, o fundamento que a A.T utiliza para indeferir o pedido de isenção de garantia está indelevelmente ligado a um ónus que é seu e que não cumpriu, na medida em que as suas afirmações de existências patrimoniais não dispensariam uma fundamentação sustentada e hábil a demonstrar que as razões alegadas pelo reclamante na sua iniciativa não tinham razão de ser.
63. A A.T. não o fez e crê-se que tal se impunha de idêntico modo que ao reclamante se impõe uma fundamentação de facto e de direito a acompanhar o seu pedido.
64. Quando se diz a sentença recorrida que a A.T. logrou demonstrar a existência de bens, diremos que não basta afirmar um facto para que este seja necessariamente verdadeiro, e o que a A.T. se limita a fazer é uma indicação errada e desactualizada, não se podendo salvo melhor opinião, dar como demonstrado algo que efectivamente não está, nem pode, na medida em que reportado a 2019.
65. Tal representaria assim se crê uma subversão da legalidade, pois se em discussão, a quem incumbirá a prova de determinados factos, diremos que a inversão não deverá operar por via de uma mera alegação equivocada, e que os serviços têm a obrigação de conhecer como equivocada.
66. Pois se indagado o sistema informático da autoridade tributária será claro que o motivo apresentado para o indeferimento da isenção de garantia peticionada não tem sustentação em face das informações que aí surgem patentes, pois as existências patrimoniais referidas pela A.T., não são um facto contemporâneo, não se podendo afinal falar de existências, como se provará.
67. Não é assim verdade que a A.T. tenha apurado a existência de bens susceptíveis de serem dados em garantia, pois esses mesmos que cita no seu despacho de indeferimento, não são atribuíveis ao aqui recorrente.
68. Razões pelas quais não se concorda com a decisão recorrida, que acaba a dar como certa a “prova” levada aos autos pela AT, que dá como automaticamente verificado o valor dos inventários do ano de 2019 apenas porque constam na base de dados da AT, necessariamente reportada a essa data e não outra, apenas porque o ora recorrente alegou a incorreção de tais valores, mas não explicitou.
69. A AT sabe, porque já o referiu no oficio n.º 1639 da Direção de Finanças de S...................., endereçado ao ora recorrente, que transmitiu este o seu inventário à sociedade …………………., Unipessoal através da factura FR ……….. datada de 16 de Setembro de 2020.
70. A ausência dessa informação deliberada no intuito de influenciar o Tribunal, como de resto fica demonstrado que conseguiu, pois fornece o valor do inventário do ano de 2019, mas não indica que no final de 2020 não existe porque foi transmitido a sociedade com o mesmo ramo de atividade, inquina o ato decisório que acaba a concluir pela improcedência da presente reclamação.
Termos em que se requer a V. Ex.ª vista a motivação aduzida e demonstrada que fica a omissão deliberada de informação pela AT ao Tribunal, seja o presente recurso e alegações aceite por estar em tempo, concedendo a douta decisão do tribunal ad quem provimento ao recurso por provado determinando a revogação da sentença recorrida substituindo-a por outra que determine estarem preenchidos os requisitos para a almejada isenção de prestação de garantia peticionada pelo recorrente.».
X
A Fazenda Pública não contra-alegou.
X
O Digno Magistrado do M.P. regularmente notificado emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
X
Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, cumpre apreciar e decidir.
X
II- Fundamentação
1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
«1. Em 22 de outubro de 2020 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º …………… em nome de A …………………., ora Reclamante, para cobrança coerciva das seguintes dívidas exequendas:
“(…)
    Imposto
    Período Tributário
    Montante
IRS e juros de mora
    2018
    8.179,68€
IVA e juros de mora
    2018/01T a 2018/03T
    4.639,15€
Juros de mora de IVA
    2018/01T a 2018/03T
    399,60€
IVA e juros de mora
    2018/04T a 2018/06T
    36.740,49€
Juros compensatórios e juros de mora de IVA
    2018/04T a 2018/06T
    2.790,26€
IVA
    2018/07T a 2018/09T
    69.959,55€
Juros compensatórios e juros de mora de IVA
    2018/07T a 2018/09T
    4.615,41€
IVA
    2018/10T a 2018/12T
    59.937,46€
Juros compensatórios e juros de mora de IVA
    2018/10T a 2018/12T
    3.349,92€
IVA
    2019/01T a 2019/03T
    23.428,22€
IVA com juros de mora e juros compensatórios
    2019/01T a 2019/03T
    1.080,90€
IVA com juros de mora
    2019/04T a 2019/06T
    36.444,81€
Juros de mora e juros compensatórios de IVA
    2019/04T a 2019/06T
    1.310,01€
IVA
    2019/07T a 2019/09T
    63.224,97€
Juros de mora e juros compensatórios de IVA
    2019/07T a 2019/09T
    1.607,47€
IVA
    2019/10T a 2019/12T
    73.025,45€
IVA
    2019/10T a 2019/12T
    1.120,39€

- cfr. certidões de dívida, a fls. não numeradas do processo de execução fiscal integrado nos autos.
2. Em 25 de outubro de 2020 foi emitida no âmbito do processo de execução fiscal identificados no ponto anterior, a citação pessoal do Reclamante, para cobrança coerciva de uma dívida de IVA do período tributário de 2018 a 2020, cuja quantia exequenda ascende ao montante de 383.673,96€, acrescida de juros de mora no montante de 100,61€, e de IRS do ano de 2018, cuja quantia exequenda ascende ao montante de 8.179,68€, acrescida de juros de mora no montante de 8,58€, no montante total de 393.396,63€, cujo valor para efeitos de garantia (válido por 30 dias) ascende ao montante de 496.714,20€ - cfr. citação, a fls. não numeradas do processo de execução fiscal integrado nos autos.
3. A citação aludida no ponto anterior foi entregue na caixa postal eletrónica da Reclamante em 26 de outubro de 2020 – cfr. detalhe de documento, a fls. não numeradas do processo de execução fiscal integrado nos autos.
4. Em 26 de novembro de 2020 o Reclamante dirigiu ao Chefe do Serviço de Finanças de O......, um requerimento, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, com o seguinte pedido “(…) vista a situação financeira frágil do executado, que o necessariamente o impede de recorrer à banca no sentido de obter garantia bancária, para mais visto o valor da garantia a prestar, decida favoravelmente pela pretensão do executado, isentando-o da prestação de garantia no processo executivo supra identificado e respetivos apensos, até que transite em julgado a decisão que vier a ser proferida sobre a petição de reclamação graciosa, a apresentar, cujo prazo para o efeito ainda decorre, uma vez ficar demonstrado que não dispõe de bens móveis ou imóveis suscetíveis de serem penhorados e vendidos ou meios económicos, determinando assim a suspensão da tramitação da presente execução e respectivos apensos” cfr. requerimento e talão de aceitação, a fls. não numeradas do processo de execução fiscal integrado nos autos.
5. Em 01 de março de 2021 foi elaborada informação pela Direção de Finanças de S.................... com o assunto “PEF ………………… e Aps – Dispensa de garantia”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e se extrai o seguinte: // “(…)
4.º
O requerimento agora apresentado, embora não esteja instruído com a prova documental necessária para a apreciação da sua pretensão, essa prova já tinha sido anexa quando da 1.ª petição, nomeadamente a certidão predial do imóvel de que é proprietário.
5.º
Pelo que, procedeu-se à analise da mencionada certidão constatando-se o seguinte:
- O imóvel artigo urbano …………. sito em F………….., está registado como habitação no 1.º andar e comércio no r/c com o VPT de €67.870.00 e €61.050,00 respetivamente.
Este tem uma hipoteca voluntária a favor da CCAM do …………. e T………….. CRL no valor de €208.600.00, em 14-08-2018.
- O prédio rústico, artigo …………, sito em F…a tem um VPT de €49.99, que por aplicação da portaria 1337/2003 de 5/12, o VPT será de €67.34.
6.º
Continuando a analise, verifica-se que o executado iniciou atividades com os seguintes CAE´s: CAE Principal – 47790 COM. RET. ARTIGOS SEGUNDA MÃO, ESTAB. ESPEQ – 2015-11-03
CAE Secundário – 045110 COMÉRCIO DE VEÍCULOS AUTOMÓVEIS LIGEIROS – 2015-11-03
CAE Secundário – 045190 COMÉRCIO DE OUTROS VEÍCULOS AUTOMÓVEIS – 2019-01-04

Ficou enquadrado no regime trimestral para efeitos de IVA, com contabilidade organizada e informatizada por opção, utilizando o Regime da margem de IVA – Valor Tributável, pelo que,

Consultou-se a facturação emitida em 2018, apurando-se o valor global de €1.041.292,82 e, a faturação emitida em 2019, o valor global de €1.105.180,79 e, a facturação de 2020, no valor de €1.018.713,68.
9.º
Na sequência foi examinada a IES de 2018, e verificou-se que, o requerente em questão, apresenta um inventário no valor de €390.120,00, bem como a IES de 2019, com um inventário no valor de €608.247,09, que pode ser oferecido para garantia.
10º
Concluindo-se, pois, no caso em concreto, que ficou por demonstrar, quer a insuficiência de bens, quer o eventual prejuízo irreparável ou a situação financeira frágil.
11º
É ao requerente que cabe essa efectiva demonstração. Na realidade e uma vez que estamos perante factos constitutivos de um direito que se pretende reconhecido, o ónus da prova dos pressupostos para a isenção da prestação de garantia compete ao requerente, conforme o disposto no nº 1 do artigo 74º da LGT e nº 3 do 170º do CPPT.
12º
Antes, porém, oferecer garantia, sobre a forma de penhor mercantil do que no ponto 9º foi mencionado, no valor necessários, ficando assim os processos suspensos até que haja decisão sobre o contencioso administrativo.
VI – PARECER
Assim, tendo em conta a salvaguarda do interesse público da cobrança dos créditos tributários, estamos perante duas situações distintas, a saber:
1. Será de indeferir o pedido de isenção de garantia com os fundamentos apresentados na petição, por ter ficado por demonstrar quer a insuficiência de bens, quer o eventual prejuízo irreparável;
2. Por outro lado, considerando o valor necessário para efeitos de garantia, deve vir oferecer para garantia, dentro dos bens de inventário constantes da IES de 2019, sobre a forma de penhor mercantil, no valor necessário;
Concluindo-se, pois, que não tendo sido demonstrado o prejuízo irreparável e/ou a insuficiência de bens, propõe-se o indeferimento do pedido de isenção de garantia.
No entanto, deve ainda o requerente, quando for notificado da presente informação, ser especificamente alertado que, apesar deste indeferimento, pode, se assim o entender, ver a dívida suspensa, oferecendo garantia idónea, como ficou demonstrado.” –cfr. informação, não numeradas do processo de execução fiscal integrado nos autos.
6. Na mesma data foi proferido pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de S.................... despacho concordante com a proposta de informação aludida no ponto que antecede – cfr. informação, a fls. não numeradas do processo de execução fiscal integrado nos autos.
7. No ano de 2018 o Reclamante efetuou vendas e prestação de serviços no montante de 958.739,06€, teve custos com a mercadorias vendidas no montante de 726.571,570€, efetuou compras no montante de 967.758,57€, é titular de inventário/ativos biológicos finais no montante de 390.120,00€, e teve um resultado líquido do período no montante de 17.534,17€ - cfr. IES, a fls. não numeradas do processo de execução fiscal integrado nos autos.
8. Nos anos de 2018 e de 2019 o Reclamante obteve um lucro tributável, em sede de IRS, respetivamente, nos montantes de 39.335,53€ e de 9.033,85€ - cfr. declaração de Mod. 3 de IRS (oficiosa), e declaração de Mod. 3 de IRS a fls. não numeradas dos autos.
9. No ano de 2019 o Reclamante efetuou vendas e prestação de serviços no montante de 1.029.455,09€, teve custos com a mercadorias vendidas no montante de 728.892,02€, efetuou compras no montante de 947.019,11€, é titular de inventário/ativos biológicos finais no montante de 648.247,09€, e teve um resultado líquido do período no montante de 9.033,85€ - cfr. IES, a fls. não numeradas do processo de execução fiscal integrado nos autos.»
X
Factos não provados// 1. Que o Reclamante no ano de 2020 tenha obtido um volume de negócios/faturação no montante de 1.018.713,68€.
X
Motivação da matéria de facto. // A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes do processo de execução fiscal incorporado nos autos (em suporte de papel), conforme é especificado nos vários pontos do probatório supra. // A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto não provada constante do ponto 1), resulta do facto de nos autos não existir qualquer prova documental quanto à mesma.»
X
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
10. Em 01.03.2021, o Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de S.................... elaborou informação seguinte: «(…) Em tudo quanto vem informado, verifica-se que a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido não se encontra demonstrada, atendendo a que o executado possui bens e/ou rendimentos que podem constituir garantia idónea e suficiente neste processo, permitindo assegurar ao Estado a efectiva cobrança da dívida em caso de incumprimento por parte do devedor, senão vejamos: // Imóveis // - Artigo urbano n.º …………… da freguesia de F…………, concelho de O......, com o VPT de €128.920,00, sobre o qual se encontra registada uma hipoteca voluntária a favor da CCAM do Ribatejo Norte e Tramagal CRL no valor de €208.600,00, não sendo suscetível de servir de garantia // - Artigo rústico n.º 25.708 da freguesia de F………, concelho de O......, com o VPT de € 49,88, desconhecendo-se a existência de quaisquer ónus; // Faturação (dados extraídos da aplicação e-fatura) // 2018 - € 1.042.975,75; // 2019 - € 1.104.213,42; // 2020 - € 1.023.096,68; // Da consulta da declaração de informação contabilística (IES), entregue voluntariamente, pelo requerente, constam os seguintes elementos: // 2018 // Ativo fixo tangível - 1.600,00 // Inventários - 390.120,00 € // // 2019 // Ativo fixo tangível - 39.860,54 € // Inventários - 608.247,09 € // (…)».
11. Por meio do ofício n.º 1639, de 23.07.2021, a Direcção de Finanças de S...................., comunicou ao recorrente o seguinte (doc. junto com Req. 03.02.2022):
«Texto no original»
12. Na declaração de IRS do recorrente de 2020, consta o seguinte: prejuízos fiscais: €16.960,93; vendas: €1.270.140,66; prestações de serviços e outros rendimentos: €34.681,94; total: €1.304.822,60.
13. Em 17.09.2020, foi constituída a sociedade “M…………………..– Unipessoal, Lda.”, cujo objecto reside na compra, venda, importação e exportação de veículos automóveis – certidão da CRP.
14. Na data da constituição da sociedade, o recorrente era o detentor da quota única da sociedade, no valor de €5.000,00 – certidão da CRP.
15. A forma de obrigar era através da assinatura de um gerente – certidão da CRP.
16. Foi designada gerente C………………………- certidão da CRP.
17. Em 22.10.2020, o recorrente vendeu a sua quota na sociedade a C ………………………. e assumiu a gerência da mesma - certidão da CRP.
18. Em 31.12.2021, o recorrente cessou as suas actividades em nome próprio – acordo.
19. Os inventários referidos no ofício n.º 1639, de 23.07.2021 foram transferidos pelo recorrente para a sociedade “M………………….– Unipessoal, Lda.” – acordo.
20. Em 31.12.2020, o recorrente dispunha de capital próprio e activo em seu nome de €129.460,60 e resultado líquido do período (negativo) - €16.960,93– IES não validada pelas Finanças.
X
Face aos elementos coligidos nos autos, impõe-se, em coerência, a eliminação do facto dado como não provado.
X
2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios em que terá incorrido a sentença recorrida:
i) Erro de julgamento quanto à determinação da matéria de facto, porquanto a consideração do valor de inventários, em 2019, de €648.247,09, com base na IES não corresponde à realidade [conclusões 45) a 50)].
ii) Erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto, dado que o recorrente não dispõe de meios económicos para fazer face à dívida exequenda, pelo que o acto questionado enferma de erro nos pressupostos de facto [conclusões 55) a 70)].
2.2.2. A sentença julgou improcedente a presente reclamação, com base, em síntese, na fundamentação seguinte:
«(…) no caso dos autos, não obstante no ano de 2019 o Reclamante ter efetuado vendas e serviços prestados no montante de 1.029.455,09€, ter custos declarados por mercadorias vendidas e das matérias consumidas/custos dos ativos biológicos vendidos e consumidos no montante de 728.892,02€, o resultado líquido de exercício apenas ascendeu ao montante de 9.033,85€, sendo inferior ao do ano de 2018, no montante de 17.534,17€. (…) // Da análise do balanço de 2019 e anos seguintes resulta que o Reclamante é titular de ativos fixos tangíveis que ascendem ao montante de 39.860,54€, não possui ativos fixos tangíveis e não dispõe de propriedades de investimento, mas é titular de um ativo corrente onde se incluem os inventários no montante de 608.247,09€».
2.2.3. No que respeita ao fundamento do recurso referido em i), o recorrente invoca erro de julgamento na determinação da matéria de facto.
Compulsados os elementos coligidos no probatório cotejados com as alegações de recurso, cumpre referir que não assiste razão ao recorrente, quando invoca erro na determinação da matéria de facto, no que respeita ao valor dos inventários para 2019, dado que a mesma se mostra corroborada pelos elementos invocados em cada uma das alíneas do probatório. Por outras palavras, o recorrente não logra pôr em causa o valor probatório das informações empresariais simplificadas que ele próprio entregou à AT.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.
2.2.4. No que respeita ao fundamento do recurso referido em ii), o recorrente invoca o erro nos pressupostos de facto em que terá incorrido o despacho impugnado e a necessidade do seu acolhimento, como base para o juízo de procedência da presente reclamação.
Nos termos do artigo 52.º/4, da LGT (Garantia da cobrança da prestação tributária), «[a] administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado» (1).
Constitui orientação firme a seguinte: «Na decisão do pedido de dispensa da prestação da garantia a que alude o artigo 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária, o órgão decisor deve atender a factos jurídicos supervenientes que relevem para o apuramento da situação económica do requerente» (2).
No caso em exame, do probatório resultam os elementos seguintes:
i) Em 26/10/2020, o recorrente foi citado na execução, com vista à cobrança coerciva de dívidas de IVA de 2018 e 2019 e IRS de 2018, no montante global de €393.396,63 (n.os 2 e 3).
ii) Em 26/11/2020, o recorrente solicitou junto do Chefe do Serviço de Finanças de O...... a dispensa de prestação de garantia (n.º 4).
iii) Por meio de despacho de 01.03.2021, exarado com base na informação dos serviços, da mesma data (n.º 5), o Director de Finanças Ajunto da Direcção de Finanças de S.................... proferiu despacho de indeferimento do pedido (n.º 6).
iv) No ano de 2019, o Reclamante efetuou vendas e prestação de serviços no montante de 1.029.455,09€, teve custos com as mercadorias vendidas no montante de 728.892,02€, efetuou compras no montante de 947.019,11€, é titular de inventário/ativos biológicos finais no montante de 648.247,09€, e teve um resultado líquido do período no montante de 9.033,85€ (n.º 9).
v) Na declaração de IRS do recorrente de 2020, consta o seguinte: prejuízos fiscais: €16.960,93; vendas: €1.270.140,66; prestações de serviços e outros rendimentos: €34.681,94; total: €1.304.822,60 (n.º 12).
vi) Os inventários referidos no ofício n.º 1639, de 23.07.2021 foram transferidos pelo recorrente para a sociedade “M…………………– Unipessoal, Lda.”, no ano de 2020 (n.os 11 e 19).
vii) O recorrente está ligado à sociedade “M………………..– Unipessoal, Lda.”, primeiro como sócio único da mesma e depois como gerente único da mesma, no ano de 2020 (n.os 13 e 17).
Perante o quadro fáctico referido suscita-se a questão de saber se, na data da dedução do pedido de dispensa de prestação de garantia (26/11/2020) ou na data da prática do acto (01.03.2021), o recorrente dispunha (ou não) de meios económicos suficientes para fazer face à dívida exequenda. A resposta negativa determinaria, nos termos do artigo 50.º/4, da LGT, o deferimento da isenção pretendida. Sucede, porém, que essa não é a realidade que resulta dos autos. Seja no seu património, enquanto titular do estabelecimento comercial em causa (comércio de veículos automóveis), seja na titularidade da sociedade que, entretanto, constituiu (“M……………..– Unipessoal, Lda.”), o certo é que o recorrente dispunha, à data da prática do acto em crise, de bens, direitos, valores que lhe permitiam fazer face à dívida exequenda (n.os 9, 11, 12 e 19), seja por si, directamente, seja através da sociedade que constituiu. Em 2019, existe registo de €648.247,09 e em 2020, o recorrente assume activos de €129.460,60, para além de ter ocorrido a transferência de inventários por si detidos para a sociedade “M……………….– Unipessoal, Lda.”. A invocação da cessão do estabelecimento comercial para a sociedade referida, entidade distinta do sócio único que a constituiu e depois vendeu à gerente da mesma, não logra olvidar o encabeçamento na esfera jurídica patrimonial do recorrente dos bens com base nos quais está em condições de assumir o pagamento das dívidas em causa, seja de forma directa, seja de forma mediata, enquanto titular de participação social na sociedade detentora dos activos em apreço. A disponibilidade de tais activos sempre foi do recorrente (€648.247,09).
Ou seja, o recorrente não logrou demonstrar a inexistência de bens penhoráveis que comprovem a sua situação de insuficiência patrimonial, ónus que sobre si recai. Para além de que resulta dos autos a conduta censurável do recorrente que consistiu na alienação à sociedade de que faz parte, como sócio e gerente, dos activos por si detidos, enquanto comerciante individual, o que comprova a existência de uma actuação intencional de dissipação do património, que integrava o estabelecimento comercial, cuja actividade está na base da dívida exequenda (IVA e IRS de 2018 e 2019). Tal depõe no sentido da inexistência de erro nos pressupostos de facto do acto impugnado de recusa da dispensa de prestação de garantia. Este, através das informações de suporte que constam do probatório (3), tornou patentes as razões que determinaram a decisão de indeferimento em causa.
Em face do exposto, sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julga improcedentes as presentes conclusões de recurso.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente (sem prejuízo do apoio judiciário, na medida e nos termos em que venha a ser comprovado).
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta – Hélia Gameiro Silva)

(2.ª Adjunta – Ana Cristina Carvalho)


(1) Redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro.
(2) Acórdão do STA, de 26.05.2021, P. 0295/20.3BESNT.
(3) N.os 5 e 10.