Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:16/22.6 BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/10/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
IMPUGNAÇÃO
PRAZO PARA PROLAÇÃO DA DECISÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CONTRADIÇÃO DOS FUNDAMENTOS
PRONÚNCIA INDEVIDA
Sumário:I - Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, alíneas a) a d), do RJAT correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C. P. Civil.
II - Compreende-se no vício de pronúncia indevida, as situações em que o Tribunal Arbitral alegadamente profere decisão fora do prazo fixado na lei (art.º 21 do RJAT), bem como as situações em que alegadamente decide segundo a equidade, isto é, com base num critério de justiça sem referência a qualquer norma pré-estabelecida do ordenamento positivo.
III - Ainda que a interpretação normativa feita se afaste dos critérios fixados no art.º 9.º do C.C. e 11.º da LGT, ou recorra à aplicação analógica, tal não se reconduz a um julgamento com recurso à equidade
IV - A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia só acontece quando o acórdão deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

S… – SOCIEDADE DE I…, SGPS, S.A., vem, ao abrigo do disposto no artigo 27.º e 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT), aprovado pelo D.L. n.º10/2011, de 20 de Janeiro, impugnar a decisão arbitral proferida no processo n.º489/2020–T, pelo Tribunal Arbitral Colectivo constituído junto do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante CAAD).

A Impugnante termina as alegações da impugnação formulando as seguintes e doutas Conclusões:
«
A. A presente Impugnação de Decisão Arbitral tem por objeto a decisão proferida pelo Coletivo Arbitral no Processo n.º 489/2020-T e como fundamento os vícios de (i) omissão de pronúncia; (ii) excesso de pronúncia e (iii) contradição de fundamentos.

B. Como questão prévia ao conhecimento destes vícios requer-se a este Venerando Tribunal que conheça da violação do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, por ter sido ultrapassado o prazo máximo de 1 ano para a prolação da decisão.

C. Por referência aos vícios previamente invocados:

Omissão de pronúncia:

D. Não foram fixados os factos alegados em 23.º; 27.º; 28.º; 38.º; 41.º; 65.º; 67.º; 68.º e 71.º do PPA:

E. Esses factos eram relevantes para (i) a prova de falta de fundamentação dos atos em crise; (ii) a prova de que a liquidação em crise estava caducada; (iii) a prova de que os resultados de 3 empresas do grupo foram corrigidos sem que as mesmas terem sido inspecionadas ou sem se conhecer da sua inspeção.

F. Esses factos não foram considerados prejudicados no seu conhecimento, tendo relevância para o conhecimento da verdade material e nunca foram conhecidos pela maioria do coletivo arbitral.

G. Pelo que, se requer a Declaração de Nulidade da Decisão Arbitral aqui Impugnada com fundamento no não conhecimento de factos alegados, que compõem o vício de omissão de pronúncia.

Contradição de Fundamentos:

H. Na página 53 da Decisão Arbitral impugnada a maioria do Coletivo Arbitral afirma que o ato de liquidação se encontra plenamente fundamentado pelo Relatório de Inspeção e, ao mesmo tempo, que apenas através da Certidão de fundamentação é que se percebem os lapsos dos atos em crise e a reação pelos meios contenciosos próprios.

I. Deverá a decisão do Tribunal Arbitral Coletivo ser Declarada Nula por este Venerando Tribunal, por evidente oposição dos fundamentos com a decisão.

Excesso de Pronúncia

J. A maioria do Coletivo Arbitral, para produzir a Decisão Arbitral aqui impugnada, criou, sem base em qualquer regime legal em vigor ou correta interpretação de direito ou regras de integração de lacunas, um novo regime de dedução de benefícios, baseado no regime dos prejuízos fiscais, indo para além do sistema positivo e criando (in)justiça do caso concreto.

K. Essa atuação da maioria do Coletivo Arbitral consubstancia a utilização da figura da equidade em arbitragem tributária, recurso esse que se encontra vedado aos árbitros do CAAD, devendo a Decisão Arbitral ser cominada com nulidade.

L. Considerando a nulidade dos elementos aqui alegados, deverão também ser alterados em conformidade os capítulos da Decisão Arbitral que dependem das conclusões anteriormente fixadas, como os capítulos referentes aos juros.

NESTES TERMOS E DEMAIS DE DIREITO, REQUER-SE QUE, PELOS FUNDAMENTOS SUPRA IDENTIFICADOS, SEJA DECLARADA A NULIDADE DA DECISÃO ARBITRAL AQUI IMPUGNADA, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
SENDO O VALOR DA AÇÃO SUPERIOR A € 275.000,00, REQUER-SE QUE, VERIFICANDO-SE OS PRESSUPOSTOS, SEJA A IMPUGNANTE DISPENSADA DO PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA REMANESCENTE, AO ABRIGO DO DISPOSTO NO N.º 7 DO ARTIGO 6.º DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS.».


A impugnada AT apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«
A. A Impugnante deduziu a presente impugnação, ao abrigo do disposto nos artigos 27º e 28.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), com vista declaração de nulidade da decisão de mérito proferida no processo nº 489/2020-T que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD).

B. A decisão arbitral tem como objeto liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) n.º 20198010003816 e respetivos juros compensatórios, do período de tributação de 2015, emitida na sequência das conclusões alcançadas no procedimento externo credenciado pela Ordem de Serviço nº OI201800208, da Unidade dos Grandes Contribuintes, no âmbito da qual foram efetuadas correções técnicas à Declaração Periódica de Rendimentos de IRC do Grupo S…, o qual se encontra abrangido pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS).

C. A Impugnante não logra demonstrar, nas alegações que para o efeito produziu, de que forma é que a douta decisão arbitral padece dos vícios de cariz processual que lhe são imputados, a saber, o vício de contradição entre os fundamentos e a decisão, o vício de omissão de pronúncia e o vício excesso de pronúncia.

D. Invoca a Impugnante, como Questão Prévia, que o Tribunal arbitral excedeu o prazo máximo de um ano para a prolação e notificação da decisão arbitral, estabelecido no artigo 21.°, n.°s 1 e 2, do RJAT, vindo requerer «que a Decisão Arbitral aqui Impugnada seja declarada nula e, tal como sustentado no aresto deste Tribunal Central acima citado, que se reiniciam os prazos para Impugnante apresentar novo Pedido de Constituição e Pronúncia Arbitral».

E. Conforme resulta da tramitação do processo constante da plataforma do CAAD, o Tribunal Arbitral veio a ser constituído em 17-12-2020;

F. O Tributal Arbitral veio determinar a prorrogação do prazo para a emissão da decisão arbitral, em 3 momentos distintos:
 No dia 11-06-2021, por um período de 2 meses, tendo em conta os períodos de férias judiciais e a situação pandémica, invocando o Tribunal a quo a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro;
 No dia 25-10-2021, por um período de 2 meses, com os mesmos fundamentos;
 No dia 27-12-2021, por um período de 2 meses, «tendo em conta a complexidade das questões jurídicas suscitadas e as dificuldades de consenso».

G. A Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que produziu efeitos desde 22 de Janeiro de 2021, consagrou o novo regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, tendo aditado o artigo 6º-B à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, cujos n.ºs 1 dispunha o seguinte:

H. Nestes termos, o prazo máximo de 12 meses para prolação da decisão arbitral esteve suspenso durante o período de 22-01-2021 a 05-04-2021, num total de 74 dias

I. Logo, o Tribunal a quo não tinha que proferir a decisão arbitral até ao dia 17-12-2021, pois há que acrescer a essa data os 74 dias de suspensão, por aplicação do regime das férias judiciais, tal como determinou o legislador na legislação COVID.

J. Como efeito, dos dois regimes de suspensão de prazos processuais não resulta qualquer diferença relativamente à entidade que pratica os atos, mormente não exprimiu o legislador a intenção de incluir apenas os atos praticados pelas partes e de excluir os atos praticados pelo tribunal.

K. Pelo que, carece em absoluto de fundamento legal o entendimento da Impugnante no sentido de que «os prazos de decisão no CAAD não foram suspensos com os diplomas da ‘legislação Covid’, uma vez que só os prazos que comportavam caducidade (ou seja, prazos ligados a direitos) foram suspensos».

L. Neste mesmo sentido veja-se o artigo da autoria do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa «Complemento das notas sobre as implicações na arbitragem tributária do regime processual transitório e excecional previsto na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março», consultável em Caad.webex.com/caad/j.php?MTID=mb3b67ff527d9e0da4e1333492a2c90d1.

M. No que respeita ao vício de omissão de pronúncia, refere a Impugnante nas conclusões das alegações de Impugnação que delimitam o seu objeto: «D. Não foram fixados os factos alegados em 23.º; 27.º; 28.º; 38.º; 41.º; 65.º; 67.º; 68.ºe 71.º do PPA: E. Esses factos eram relevantes para (i) a prova de falta de fundamentação dos atos em crise; (ii) a prova de que a liquidação em crise estava caducada; (iii) a prova de que os resultados de 3 empresas do grupo foram corrigidos sem que as mesmas terem sido inspecionadas ou sem se conhecer da sua inspeção. F. Esses factos não foram considerados prejudicados no seu conhecimento, tendo relevância para o conhecimento da verdade material e nunca foram conhecidos pela maioria do coletivo arbitral. G. Pelo que, se requer a Declaração de Nulidade da Decisão Arbitral aqui Impugnada com fundamento no não conhecimento de factos alegados, que compõem o vício de omissão de pronúncia.».

N. Ora, a questão que a Impugnante submeteu à apreciação do Tribunal Arbitral (cfr. página 8 das alegações) prende-se com o «por um lado, despesas elegíveis do SIFIDE em períodos intercalares (i.e., menores do que 12 meses) e, por outro, a possibilidade de dedução dos créditos fiscais (decorrente de benefícios) registados em sociedades que pertenciam a um grupo sujeito ao RETGS que, entretanto, entraram no perímetro de novo grupo».

O. E essa questão foi devidamente formulada e apreciada pelo Tribunal Arbitral, o qual fundamentou cabalmente, de facto e de direito, a sua decisão de considerar improcedente o vício de falta de fundamentação, bem como de considerar parcialmente procedente o pedido quanto à correção respeitante à dedução do SIFIDE.

P. Respondendo o Tribunal a todas as questões que foi submetidas à sua apreciação pela Requerente arbitral, como resulta da extensa e fundamentação do acórdão impugnado que nos abstemos de transcrever.

Q. Designadamente respondeu o Tribunal Arbitral à questão da constitucionalidade, nos seguintes termos:
«Mais se conclui que a interpretação da AT cuja justeza se reconhece não ofende o princípio constitucional da legalidade fiscal, da proibição do excesso, na vertente da proporcionalidade e da proteção da confiança, como alega a Requerente, resultando precisamente da aplicação do disposto na lei (o citado artigo 90.º, n.º 2, alínea c) do Código do IRC). Não se vê como a interpretação da AT crie uma regra equiparável a uma norma de incidência, a sua posição resulta – pelo contrário – da previsão normativa. Os benefícios fiscais constituem, como vimos, uma realidade dotada de uma dogmática própria, sujeita ao princípio da reserva de lei formal e ao princípio da legalidade fiscal – artigo 103.º, n.º 2 da CRP.
(…)
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, nos termos do disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, nomeadamente quanto à alegada ofensa aos princípios constitucionais da proibição do excesso, na vertente da proporcionalidade, da proteção da confiança, do direito à propriedade e da liberdade de iniciativa e organização empresarial.».


R. Sendo que, à luz da jurisprudência dos Tribunais superiores, designadamente da que resulta dos acórdãos acima transcritos, não estava o Tribunal Arbitral vinculado à apreciação de todos argumentos (e não questões, como pretende fazer crer a Impugnante), invocados pela Requerente arbitral no seu pedido de pronúncia arbitral.

S. Ora, do teor das alegações da presente impugnação, extrai-se a conclusão de que a Impugnante pretende, no fundo, uma apreciação do mérito da decisão arbitral, como resulta claríssimo da conclusão de que «Não foram fixados os factos alegados em 23.º; 27.º; 28.º; 38.º; 41.º; 65.º; 67.º; 68.ºe 71.º do PPA».

T. Não obstante, a reapreciação de um alegado erro de julgamento não foi consagrada pelo legislador para a jurisdição arbitral, na qual impera a regra geral da irrecorribilidade da decisão proferida pelos tribunais arbitrais.

U. Quanto ao vício de Excesso de Pronúncia, consta das conclusões das alegações:
«J. A maioria do Coletivo Arbitral, para produzir a Decisão Arbitral aqui impugnada, criou, sem base em qualquer regime legal em vigor ou correta interpretação de direito ou regras de integração de lacunas, um novo regime de dedução de benefícios, baseado no regime dos prejuízos fiscais, indo para além do sistema positivo e criando (in)justiça do caso concreto.
K. Essa atuação da maioria do Coletivo Arbitral consubstancia a utilização da figura da equidade em arbitragem tributária, recurso esse que se encontra vedado aos árbitros do CAAD, devendo a Decisão Arbitral ser cominada com nulidade.».

V. Ora, tal argumentação não tem qualquer sustentação na corretíssima fundamentação de direito aduzida pelo Tribunal Arbitral, constando do acórdão arbitral a apreciação das questões controvertidas à luz do regime legal aplicável, mormente do disposto no artigo 38.º do CFI, bem como nos artigos 69.º, 70.º, 71.º e 90.º, n.º 2, alínea c) do Código do IRC.

W. Não se vislumbra, pois, de onde retira a Impugnante a conclusão de que o Tribunal a quo julgou por recurso à equidade.

X. O que a Impugnante contesta, sustentando que a decisão arbitral não tem «por base direito positivo, direito escrito, ou direito existente», é unicamente o facto de o Tribunal arbitral ter invocado, em abono da sua interpretação do regime legal ao qual subsumiu a factualidade em causa na jurisprudência vertida numa decisão arbitral com a qual a Impugnante não concorda.

Y. Contudo, tal circunstância está muito longe de configurar o alegado excesso de pronuncia, como resulta, entre outros, do acórdão desse douto TCA, prolatado no processo n.º 21/17.4BCLSB, em 25-06-2019.

Z. Defende, ainda, a Impugnante que o douto acórdão impugnado incorre «Contradição de Fundamentos», porquanto na «página 53 da Decisão Arbitral impugnada a maioria do Coletivo Arbitral afirma que o ato de liquidação se encontra plenamente fundamentado pelo Relatório de Inspeção e, ao mesmo tempo, que apenas através da Certidão de fundamentação é que se percebem os lapsos dos atos em crise e a reação pelos meios contenciosos próprios.».

AA. Ora, tal como já referimos em sede de Resposta, o entendimento da Requerente arbitral, ora Impugnante, quanto à alegada falta de fundamentação incorre em erro, não logrando distinguir duas realidades que em nada se confundem, a saber, os conceitos, totalmente distintos, de notificação da liquidação e de fundamentação dos atos tributários.

BB. E é esse erro que volta a inquinar o seu entendimento sobre o alegado vício de contradição, pois continua a Impugnante a esquecer-se que a fundamentação do ato de liquidação está expressamente vertida nos relatórios da inspeção tributária e nos seus anexos, sendo que a certidão emitida ao abrigo do artigo 37.º do CPPT esclarece sobre o ato que lhe foi notificado.

CC. Não ocorrendo, pois, contradição alguma que permita sustentar a nulidade da decisão arbitral.

DD. O vício apontado de oposição entre os fundamentos e a decisão ocorre, nas palavras utilizadas no douto Acórdão do TCAS, proferido no processo n.º 05946/12, em 05-03-2015 «quando os fundamentos invocados na decisão conduzam, num processo lógico, a solução oposta àquela que foi adoptada, e não quando a sentença interpreta os factos, documentos e normas em sentido diverso do propugnado pelo recorrente», o que não se verifica na decisão impugnada.

EE. Questão diferente das várias nulidades invocadas, das quais, por tudo o exposto, não padece a decisão impugnada, é a discordância que a Impugnante manifesta relativamente à decisão de improcedência dos vícios imputados à liquidação, mas as decisões arbitrais apenas admitem recurso quanto à apreciação do mérito da pretensão deduzida, isto é, quanto ao seu conteúdo decisório, para o Supremo Tribunal Administrativo e para o Tribunal Constitucional, com os fundamentos expressamente previstos no artigo 25.º do RJAT.

FF. Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reação da decisão arbitral para o Tribunal Central Administrativo consistem na impugnação de tal decisão, nos termos do artigo 27.º do RJAT, com os fundamentos previstos no artigo 28.º, n.º 1, do RJAT, os quais se reportam a situações formais, de competência ou procedimentais, que como plenamente demostrado, não se verificam na decisão em apreciação.
GG. Sendo que, o artigo 27.º do RJAT não permite a declaração de nulidade da decisão arbitral, mas apenas a sua anulação.

HH. Face ao exposto, deve ser julgada improcedente a presente impugnação por não se verificarem os pressupostos legais contidos no artigo 28.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT para a anulação da decisão arbitral.

Termos em que, e nos doutamente supridos, deverá ser negado provimento à impugnação, por manifestamente infundada, e em consequência manter-se a decisão arbitral sindicada, com o que V. Exas. farão a costumada Justiça!».

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal foi notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), tendo aposto o seu visto.

Colhidos os vistos dos Senhores Juízes-Desembargadores Adjuntos, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

De facto

Remete-se para a matéria factual vertida na decisão arbitral impugnada – art.º 663/6 do CPC ex vi do 29.º, alínea e) do RJAT.

De direito

Como se deixou consignado no acórdão da SCT deste TCAS proferido em 18/04/2018, no proc.º121/17.0BCLSB,

«O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT).

Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.

No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.

Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.

Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.

Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos [uniformização de jurisprudência], isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A.

Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in) constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos [uniformização de jurisprudência].

Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr. artºs.27 e 28, do RJAT).
Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23.º, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6, nº.2, al. b), do RJAT.

Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:
1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
2-Oposição dos fundamentos com a decisão;
3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.

Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C. P. Civil.

E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.)» (fim de cit.).

Como também tem sido entendimento deste Tribunal, a decisão arbitral poderá ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na pronúncia indevida. E no conceito de “pronúncia indevida”, para além do excesso de pronúncia, incluem-se as situações em que o tribunal arbitral funcionou de modo irregular ou em que excedeu a sua competência – vd., entre outros, o Acórdão deste TCA Sul, de 06/09/2016, tirado no proc.º09156/15.

Feitos os considerandos julgados pertinentes, passemos ao caso em apreciação.

Vem suscitada como questão prévia a preclusão do prazo de prolação da decisão arbitral fixado no art.º 21.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

Dispõe aquele preceito:
«Artigo 21.º
Prazo

1 – A decisão arbitral deve ser emitida e notificada às partes no prazo de seis meses a contar da data do início do processo arbitral.
2 – O tribunal arbitral pode determinar a prorrogação do prazo referido no número anterior por sucessivos períodos de dois meses, com o limite de seis meses, comunicando às partes essa prorrogação e os motivos que a fundamentam.».

Antes de mais, dá-se por assente, na esteira do decidido no ac. deste TCAS de 12/16/2015, tirado no proc.º 08513/15, que a questão da preclusão do prazo legal para prolação da decisão arbitral reconduz-se a vício de pronúncia indevida, sendo, nessa medida, cognoscível em sede impugnatória.

Já a eventual irregularidade decorrente da omissão/ preterição de actos processuais que devam ser praticados, nomeadamente, de prorrogação do prazo legalmente fixado para prolação da decisão arbitral, não se compreende no conceito de pronúncia indevida, não podendo, por conseguinte, dela conhecer-se em sede impugnatória.

Nesta linha de entendimento, documentam os autos, sendo certo que que as partes não dissentem quanto ao momento em que os actos foram praticados, mas apenas nas consequências jurídicas a extrair dessa mesma factualidade, o seguinte:
i) 17/12/2020 – Constituição do Tribunal Arbitral;
ii) 11/06/2021 – Prorrogação do prazo de decisão por 2 meses (fls.2575 do PA);
iii) 25/10/2021 - Prorrogação do prazo de decisão por 2 meses (fls.2580 do PA);
iv) 27/12/2021 - Prorrogação do prazo de decisão por 2 meses (fls.2585 do PA);
v) 06/01/2022 – Decisão Arbitral (fls.2591 do PA);
vi) 07/01/2022 – Notificação da decisão arbitral (fls.2678 do PA).

Pretende a sociedade impugnante que o prazo legal de decisão terminou nunca depois de 17/12/2021, i.e., decorrido um ano sobre a constituição do Tribunal Arbitral, pelo que a decisão arbitral é extemporânea, o que acarreta a sua nulidade, que deverá ser declarada.

Todavia, e salvo o devido respeito, não é rigorosamente assim. E pelas razões que a impugnada avança.

Na verdade, de acordo com o n.º 1 do art.º 6.º-B aditado pela Lei n.º4-B/2021, de 1 de Fevereiro, à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, «São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes».

As decisões/ acórdãos arbitrais são actos processuais praticados por magistrados (árbitros) –art.º 152.º do CPC.

No período de suspensão os prazos em curso não correm.

Tendo o regime de suspensão dos prazos processuais adoptado no âmbito da pandemia COVID 19 cessado em 05/04/2021, dia anterior ao de entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril (vd. seu art.º 7.º), tal significa que entre 22/01/2021 e 05/04/2021 os prazos de prolação da decisão arbitral estiveram suspensos, i.e., não correram.

Pelo que, ao prazo legal de um ano, fixado no art.º 21.º do RJAT para prolação da decisão arbitral (que compreende o prazo inicial de 6 meses e a possibilidade de prorrogações até ao limite de 6 meses), haverá que somar o tempo de suspensão de 74 dias, o que evidencia que a decisão arbitral, notificada às partes em 07/01/2022, foi prolatada dentro do prazo legal, improcedendo a questão prévia suscitada.

Prosseguindo na apreciação dos demais vícios invocados, alega a impugnante que matéria factual alegada no Pedido de Pronúncia Arbitral e, a seu ver, relevante para a decisão, não foi fixada no probatório, o que inquina a decisão arbitral de nulidade por omissão de pronúncia.

Como é unânime na jurisprudência dos Tribunais Superiores, a nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos artigos 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. E a expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.

Ora, a impugnante não alega, e menos demonstra, que o conteúdo da decisão arbitral impugnada não responda a questões concretas controversas colocadas no Pedido de Pronúncia Arbitral.

Se o Tribunal Arbitral entendeu (bem ou mal, não o podemos sindicar) que determinada matéria factual alegada no PPA não se mostra pertinente para a discussão e decisão das questões sobre que lhe cabe emitir pronúncia, tal poderá constituir erro de julgamento, mas não integra vício de omissão de pronúncia susceptível de inquinar a decisão de nulidade.

Improcede este fundamento da impugnação.

A alegada contradição entre fundamentos não constitui vício que inquine a decisão de nulidade, podendo constituir eventual erro de julgamento, não sindicável em sede impugnatória.

O que constitui nulidade subsumível no art.º 28.º, n.º1 alínea b) do RJAT, é a contradição entre os fundamentos e a decisão.

Em linha com o ali preceituado, dispõe o artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC que a sentença (in casu Acórdão) é nula quando «Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».

O vício a que se reporta o apontado segmento normativo implica, por um lado, que haja uma contradição lógica no Aresto, o que significa, para a sua ocorrência, que a fundamentação siga um determinado caminho e a decisão opte por uma conclusão completamente diversa, dito de outro modo, manifesta-se quando os fundamentos invocados pelo julgador deveriam ter conduzido logicamente a um resultado decisor oposto àquele que foi alcançado, ou seja, quando se detecta um vício lógico de raciocínio que deveria ter levado a produzir uma decisão diversa daquela para a qual o raciocínio conduziu efectivamente o seu autor.

Afirmar a decisão arbitral, por um lado, que o acto de liquidação sob escrutínio se encontra plenamente fundamentado pelo Relatório de Inspecção Tributária e, simultaneamente, que apenas através da certidão da fundamentação é que se percebem os lapsos dos actos em crise e a reacção pelos meios contenciosos próprios não integra o vício de que aqui tratamos, subsumindo-se antes e, eventualmente, a um típico erro de julgamento (“error in judicando”) sobre os requisitos de fundamentação dos actos.

Este fundamento da impugnação também improcede.

Por último, pretende a impugnante que ocorre na decisão arbitral vício de pronúncia indevida, na medida em que decidiu com recurso à equidade, o que lhe está proibido.

E, de facto, assim é. Dispõe o n.º 2 do art.º 2.º do RJAT que «Os tribunais arbitrais decidem de acordo com o direito constituído, sendo vedado o recurso à equidade».

O Código Civil português, na sua redacção actual, não define propriamente a equidade, mas refere-a a propósito de variadas matérias (vd. artigos 4.º, 72/2, 283/1…).

Um juízo de equidade será aquele “que o julgador formula para resolver o litígio de acordo com um critério de justiça, sem recorrer a uma norma pré-estabelecida. Julgar segundo a equidade significa, pois, dar a um conflito a solução que se entende ser a mais justa, atendendo apenas às características da situação e sem recurso à norma jurídica eventualmente aplicável” – Ana Prata, “Dicionário Jurídico”, Volume I, 5.ª Edição, Coimbra: Almedina, 2008, p. 600.

Ora, será que no caso em apreço o julgador se subtraiu na decisão a critérios de carácter normativo fixados na lei, para decidir segundo a equidade, isto é, apelando para um critério de justiça sem referenciação a qualquer norma pré-estabelecida?

A resposta é negativa, adiantamos já.

Com efeito, na apreciação do tema da dedução dos benefícios fiscais anteriores ao alargamento do perímetro de consolidação do Grupo S… a que vem reportado o vício, a decisão arbitral começa por referir que “entende a Requerida que, relativamente a essas sociedades [que ingressaram no Grupo S…] a dedução dos benefícios teria por limite o montante que cada sociedade individualmente poderia deduzir se tributada autonomamente, ou seja, balizada pela colecta apurada na declaração individual (em circunstâncias idênticas ás que se verificariam não fazendo parte do Grupo fiscal)”.
(…)
“A Requerente não se conforma com tal posição, considerando que a restrição preconizada pela AT não tem suporte legal no artigo 90.º, n.º 2 alínea c) do código do IRC, ao contrário do que se verifica com os prejuízos fiscais previstos no artigo 71.ºdo mesmo diploma. Inexistindo paralelismo entre a dedução de benefícios fiscais na área do investimento e a dedução de prejuízos fiscais não se compreenderia a aplicação d mesmo critério, nem se pode concluir pela existência de uma lacuna de regulação que devesse ser colmatada”.

“A questão decidenda não é pacifica, tendo as duas posições em confronto suscitado entendimentos divergentes na jurisprudência arbitral. Com efeito, a decisão no processo n.º 648/2015-T, de 15 de Julho de 2016, acolhe a posição da Requerida…enquanto no processo n.º 482/2019, com decisão datada de 26 de março de 2020, se adotam os fundamentos invocados pela Requerente”.
“Adere-se ao primeiro aresto (…), por concordância com os seus fundamentos, que na parte relevante se transcrevem:
(…)”

“Importa ainda dilucidar, no quadro do RETGS, se pode ser admitida, de iure, o alargamento da dedução à colecta do Grupo por benefícios fiscais cujo direito foi adquirido por empresas concretas e em momento anterior à integração no perímetro fiscal.

Vejamos, novamente, a fundamentação da decisão arbitral n.º648/2015-T, de 15 de junho de 2016, no segmento respeitante às RETGS e à obrigação de determinação do imposto individualmente devido, a que este Tribunal Arbitral adere:
(…)”

“Entende o Tribunal Arbitral revertendo a aludida fundamentação para o caso concreto, que o legislador não pretendeu que as empresas que passem a integrar um Grupo societário vejam, por esse simples facto, ampliado o seu direito à utilização de benefícios fiscais próprios, consolidados e quantificados na sua esfera jurídica antes da integração e em beneficio das restantes empresas do Grupo que não adoptaram o comportamento gizado pelo legislador na norma que prevê o beneficio fiscal e que, se assim não fosse, majorar-se-ia uma despesa fiscal sem qualquer contrapartida relevante de interesse público que legitime o afastamento da tributação-regra.

À face do supra exposto improcede o pedido da Requerente no tocante ao erro de direito que suscita relativamente à correcção (realizada pela Requerida) ao consumo de benefícios fiscais em 2015-I originados na esfera individual das sociedade antes de passarem a integrar o perímetro do Grupo S…, por violação do disposto no artigo 90.º, n.º 2 alínea c) do Código do IRC, pelo que a consequente liquidação de IRC mantém-se, neste segmento, intata.

Mais se conclui que a interpretação da AT cuja justeza se reconhece não ofende o princípio constitucional da legalidade fiscal, da proibição do excesso na vertente da proporcionalidade e da protecção da confiança, como alega a Requerente, resultando precisamente da aplicação do disposto na lei (o citado artigo 90.º, n.º 2 alínea c) do Código do IRC). Não se vê como a interpretação da AT crie uma regra equiparável a uma norma de incidência, a sua posição resulta – pelo contrário – da previsão normativa. Os benefícios fiscais constituem, como vimos, uma realidade dotada de uma dogmática própria, sujeita ao princípio da reserva de lei formal e ao princípio da legalidade – artigo 103.º n.º 2 da CRP.

Para além do mais, a mera integração de sociedades em Grupo não reforça, ope legis, o interesse público gizado na norma que consagra o incentivo fiscal.

De referir, por fim, que, ao contrário do defendido pela Requerente, é inaplicável a força de caso julgado em relação à invocada decisão proferida no processo arbitral n.º 482/2019-T, por falta de preenchimento do requisito da tripla identidade prevista no artigo 581.º do Código de Processo Civil, que, em qualquer caso, não seria extensível aos fundamentos da decisão”.

Como ressalta do extractado, o Tribunal Arbitral não julgou segundo a equidade, mas assente na interpretação normativa que, bem ou mal, fez do preceituado no artigo 90.º, n.º2 alínea c) do CIRC.

Salienta-se que uma leitura das normas tributárias ao arrepio dos critérios interpretativos fixados no art.º 9.º do Cód. Civil e, em especial, no art.º 11.º da Lei Geral Tributária ou com recurso à aplicação analógica, não redunda num julgamento com recurso à equidade, proibido expressamente por lei, antes se reconduzindo a um erro de julgamento de direito.

Por outro lado, se o Tribunal Arbitral aderiu aos fundamentos jurídicos de uma precedente decisão arbitral em detrimento de outra decisão arbitral de sentido oposto (e, porventura, mais favorável aos interesses da impugnante), isso está no âmbito dos seus poderes de cognição, como decorre do art.º 5.º, n.º 3 do CPC, segundo o qual, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.

No fundo, tudo quanto conseguimos percepcionar é o inconformismo da Impugnante com a decisão arbitral proferida, que pretenderia – apelando sem sucesso no processo arbitral para a força do caso julgado – seguisse a linha decisória da precedente decisão arbitral nº 482/2019-T, ao invés da que foi acolhida.

Este fundamento da impugnação também não logra procedência.

Face ao exposto, improcedem in totum os vícios assacados à decisão arbitral impugnada.
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Quanto ao pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no artigo 6°, n.º 7 do RCP, nesta instância.

O valor atribuído ao processo é de 8.246.898,00 Euros.

Dispõe o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais que «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.».

Trata-se, portanto, de uma dispensa excepcional que, à semelhança do que ocorre com o agravamento previsto no nº 7 do art. 7º do mesmo Regulamento, depende de concreta e casuística avaliação pelo juiz e deve ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de aí ser omitida, mediante requerimento de reforma da decisão — cf., neste sentido, o acórdão do Pleno da Secção do CT do STA, de 15/10/2014, tirado no proc. nº 01435/12.

Ora, constata-se que, no caso, as questões decididas, não sendo simples nem já tratadas na jurisprudência, não se revestiram, porém, de especial complexidade e, por outro lado, a sua apreciação reclamou uma tramitação processual simples, potenciada pela adequada conduta processual das partes.

Assim, considerando a concreta e casuística avaliação, assente nos supra apontados pressupostos que, no caso, se têm por verificados, a que acrescem ainda razões constitucionais de justiça e proporcionalidade, entende-se estar justificada a dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida nesta impugnação, conforme o pedido formulado pela Impugnante ao abrigo do disposto no nº 7 do artigo 6º do citado Regulamento, (que aproveita a ambas as partes), ao que se provirá na parte dispositiva do acórdão.

3 - DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em:
i) Julgar improcedente a presente Impugnação da decisão arbitral;
ii) Dispensar as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Condena-se a Impugnante em custas.

Lisboa, 10 de Novembro de 2022


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Vital Lopes



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Luísa Soares



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Tânia Meireles da Cunha