Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:81/03.5BTSNT
Secção:CT
Data do Acordão:12/13/2019
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IRS;
OFERTAS;
IDENTIFICAÇÃO DOS DESTINATÁRIOS.
Sumário:Para que uma determinada despesa com a natureza de oferta seja dedutível nos termos do n.º 1 do art. 23.º do CIRC (na redacção vigente à época), não é necessário, em regra, que se encontrem perfeitamente identificados os destinatários concretos da mesma, é no contexto da fundamentação das correcções que essa identificação poderá casuisticamente se revelar necessária.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por M........., na qualidade de habilitada como herdeira da Impugnante A........., que havia sido habilitada como herdeira de M........., no âmbito da impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IRS relativas aos exercícios de 1997 e 1998.

A Recorrente FAZENDA PÚBLICA apresentou as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:
«A. Visa o presente recurso demonstrar à evidência o desacerto dos supra citados excertos da douta decisão, a qual deriva não só da incorreta perceção e valoração da factualidade, como também da errónea interpretação e violação do disposto no artigo 23° CIRC.

B. No caso das correções efetuadas, inconforma-se a Fazenda Pública com os segmentos da decisão e sua fundamentação, que estão na base decaimento parcial da Fazenda nos presentes autos impugnatórios.
C. Decidiu o douto tribunal a quo, na sentença ora recorrida, que a Impugnante suportou despesas com artigos para oferta a clientes, ainda que não identificados, e que as mesmas foram realizadas e são admissíveis tendo em vista a promoção da referida atividade e que tais encargos constituem custos para efeitos do disposto no artigo 23° do CIRC.

D. É com esta conclusão e com a fundamentação expressa na sentença, de que se recorre que a Fazenda Pública não pode deixar de dissentir.

E. Salvo o devido respeito, não foi produzida prova que, de forma minimamente concreta ou credível, permita estabelecer com fiabilidade que efetivamente as ofertas foram oferecidas a clientes e fornecedores, tendo em vista futuros negócios.

F. Refira-se, por importante se revelar que não basta invocar que, as ofertas são uma prática comum, é necessário explicitar quando, quantos ou a quem foram feitas, para desde logo a Autoridade Tributária se dar por convencida da indispensabilidade dos custos tidos e que concorrem para aumentar os custos fiscais da impugnante.

G. Ora, perante a carência absoluta da prova, não estava a douta sentença em condições de dar como provados que tais ofertas são indispensáveis, e que devem ser admitidos nos termos do artigo 23° do CIRC.

H. Com o devido respeito que é muito, andou mal a douta sentença ao atuar com alguma ligeireza na ponderação e apreciação desta questão da admissibilidade ou não dos encargos, nos termos do artigo 23° do CIRC.

I. Ora, tendo em conta a atividade da impugnante, torna-se difícil, senão impossível, perceber como é que este custo é indispensável à realização dos proveitos.

J. É que não basta o custo ser útil, tem que ser indispensável à realização dos proveitos sujeitos a imposto e/ou manutenção da fonte produtora, tendo a AT legitimidade para apreciar se determinada despesa deve ser considerada custo ou não, como foi o entendimento do Acórdão do STA de 20/01/1999 – Proc. 020854.

K. Tais despesas são, pois, aquisições estranhas à gestão normal da atividade, e não se inserem no seu objeto social.

L. Nestes termos e como foi referido na correção a que supra nos reportamos, reitera-se o facto dos encargos suportados pelo impugnante não estarem minimamente justificados, ou seja, não se apresentam com carácter indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora, não sendo possível estabelecer uma ligação ou conexão entre estes e a manutenção da fonte produtora ou a realização dos proveitos.

M. Pelo que, de acordo com o que prevê o nº 1 do artigo 23.° do CIRC, estava legalmente vedada a possibilidade da impugnante proceder à contabilização de tais encargos enquanto custo fiscalmente relevante.

Termos em que com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça!»

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A recorrida não apresentou contra-alegações.
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Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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A questão invocada pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento porquanto entende a Recorrente que não foi produzida prova concreta e credível que permita estabelecer com fiabilidade que as ofertas foram efectivamente “oferecidas” a clientes e fornecedores face à actividade da Impugnante, pelo que os custos em causa não são indispensáveis nos termos do art. 23.º do CIRC.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«A. O sujeito passivo M......... foi objecto de uma acção inspectiva de âmbito parcial, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, relativamente aos exercícios de 1996 e 1997, aberta com base na ordem de serviço n.º 348… de 15/12/1998 e promovida pelos serviços de inspecção da Administração Tributária (cfr. fls. 11 dos autos – processo físico);

B. No dia 06 de Agosto de 1999 foi elaborado o relatório da acção inspectiva mencionada no ponto supra, que consta de fls. 15 a fls. 24 do Processo Administrativo Tributário (PAT) e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, destacando-se os seguintes excertos:

“Texto Integral”
“Texto Integral”
(cfr. fls. 22 a 23 do PAT)

C. O teor do relatório de inspecção e as propostas de correcção à matéria colectável mereceram despacho de concordância datado de 13/09/1999 (cfr. fls. 15 do PAT);

D. O aqui Impugnante foi notificado das conclusões do relatório da acção inspectiva pelo ofício n.º 160… de 20/SET/1999 (cfr. fls. 14 do PAT);

E. No dia 24/05/2001 foi efectuada a liquidação de IRS n.º 5970079… relativa ao exercício de 1996, não tendo sido apurado imposto a pagar ou a receber (cfr. fls. 10 do autos – processo físico);

F. No dia 24/05/2001 foi efectuada a liquidação de IRS n.º 5320079… relativa ao exercício de 1997, tendo sido apurado um total de imposto a pagar no montante de €864,35 (cfr. fls. 5 do PAT);

G. No dia 24/05/2001 foi efectuada a liquidação de IRS n.º 5110079… relativa ao exercício de 1998, tendo sido apurado um total de imposto a pagar no montante de €6.810,81 (cfr. fls. 6 do PAT);

H. No dia 21/09/2001 o Impugnante deduziu impugnação contra a liquidação de IRS do ano de 1996, à qual foi atribuído o número …/2001 5ºJ 1ªS, com sentença de homologação de desistência transitada em julgado no dia 23/07/2005 (ver motivação infra)

I. O Impugnante viajava esporadicamente para resolver problemas relacionados com as importações de grandes clientes (prova testemunhal, conforme motivação infra);

J. O Impugnante fazia habitualmente ofertas a clientes e funcionários de artigos de boa qualidade, como bacalhau, charcutaria, peças de cristal, peças de prata, vinhos e queijos, que eram recolhidos dos estabelecimentos comerciais onde eram adquiridos pelo seu motorista e entregues por este directamente na casa dos seus destinatários (prova testemunhal, conforme motivação infra);

K. A oferta de bens era prática habitual entre os despachantes para captar e manter clientes (prova testemunhal, conforme motivação infra);

L. O Impugnante almoçava regularmente com os clientes mais importantes, convidando funcionários seus para estarem presentes e discutindo negócios durante esses almoços (prova testemunhal, conforme motivação infra);

M. As liquidações adicionais de IRS n.º 53200796... e n.º 82007716..., relativas aos exercícios de 1997 e 1998, respectivamente, foram pagas no dia 16/01/2003 (cfr. doc. a fls. 91 dos autos)

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A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou no teor dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, bem como na prova testemunhal produzida, conforme discriminado em cada uma das alíneas do probatório.
Foi ouvido o depoimento de M………, que foi funcionária do Impugnante entre 1969 e 2001, tendo por funções lidar com os pagamentos de clientes e à Alfândega.
Apesar dos constrangimentos de memória resultantes da passagem do tempo, a testemunha recordava-se que o impugnante tinha uma atenção especial com os seus clientes mais importantes, o que motivava deslocações esporádicas para resolver problemas relacionados com as importações desses clientes, tendo mencionado deslocações à Madeira, aos Açores e a Paris, apesar de não se recordar do concreto motivo dessas deslocações.
Mais declarou que era prática habitual do impugnante, bem como dos despachantes em geral, efectuar ofertas de bens de qualidade aos clientes, particularmente por altura do Natal, em que adquiria cestas de charcutaria, bacalhau, peças de cristal e de prata, queijos e vinhos que mandava entregar directamente na casa dos clientes, por intermédio do seu motorista, que também os recolhia nos estabelecimentos onde eram adquiridos. Ao longo do ano também fazia ofertas nos mesmos moldes.
Declarou ainda que o Impugnante era muito atencioso com os clientes mais especiais, com os quais almoçava regularmente, almoços esses para os quais a testemunha era frequentemente convidada e durante os quais se discutiam negócios.

De acordo com as declarações da testemunha, o mercado dos despachantes era muito competitivo quanto à manutenção e captação de clientes e o Impugnante tinha estas atenções com os seus clientes para os manter.
No que concerne ao facto H., relativo ao processo …/2001 5ºJ 1ªS, este resulta do conhecimento deste tribunal, constando nos elementos de consulta informáticos (SITAF) e arquivísticos.»

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Conforme resulta dos autos a sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial na parte referente às correcções em sede de IRS ao ano de 1997 respeitantes a viagens desconsideradas como custos (gastos) ao abrigo do art. 23.º do CIRC, despesas com a aquisição de duas jarras de prata, desconsideradas como custos ao abrigo do art. 23.º do CIRC, e finalmente, despesas com compras em charcutaria e restaurantes desconsideradas ao abrigo do art. 23.º do CIRC, preceitos legais aplicáveis aplicável ex vi do art. 31.º do CIRS.

A Recorrente assaca erro de julgamento à sentença recorrida porquanto, não foi produzida prova concreta e credível que permita estabelecer com fiabilidade que as ofertas foram efectivamente “oferecidas” a clientes e fornecedores face à actividade da Impugnante, pelo que os custos em causa não são indispensáveis nos termos do art. 23.º do CIRC.

Portanto, resulta quer das alegações de recurso, quer das conclusões que as sintetizam, que a Recorrente restringe o objecto do presente recurso à parte da decisão que apreciou as correcções referentes a ofertas.

Com efeito, ficam fora do âmbito do recurso a parte da sentença no que diz respeito às despesas com viagens uma vez que o tribunal considerou que tais despesas constituem deslocações do Impugnante no âmbito da sua actividade conforme fundamentação que aqui se transcreve em parte:“(…) A inspecção tributária desconsiderou como custo os montantes relativos a viagens do sujeito passivo, aqui Impugnante, para o Funchal, Paris e Munique, sob fundamento em que as mesmas não foram imprescindíveis para a realização dos proveitos, infringindo o art.º 23º do CIRC, por remissão do art.º 31º do CIRS.
Ora, o Impugnante exercia a actividade de despachante oficial, mediando importações e exportações de bens. Não será desrazoável, de acordo com as regras do senso comum, conceber a sua necessidade de se deslocar ao estrangeiro, com maior ou menor regularidade, no exercício da sua actividade, uma vez que esta se centrava em transacções comerciais internacionais.
Ainda assim, o Impugnante alegou que as viagens em causa se trataram de deslocações em serviço, motivadas pela necessidade de resolver problemas relacionados com os transitários envolvidos em diversas operações. Aliás, isso mesmo resulta da matéria de facto assente, tendo sido produzida prova testemunhal que permitiu estabelecer que o Impugnante efectuou essas deslocações no exercício da sua actividade comercial.
Nesta conformidade, o Impugnante logrou demonstrar a indispensabilidade destes valores para a realização dos proveitos, pelos que os mesmos devem, nos termos do art.º 23º do CIRC, ser considerados como custos, sendo de anular a correcção efectuada pelos serviços de inspecção tributária.”

Com efeito, quanto a esta parte da sentença o recurso não se insurge, não sendo imputados quaisquer erros de julgamento de facto ou de direito na parte em que se entendeu que as despesas com viagens foram efectuadas pelo Impugnante no âmbito do exercício da sua actividade, e portanto, consubstanciam custos dedutíveis ao abrigo do art. 23.º do CIRC.

Relativamente às demais despesas o tribunal a quo entendeu o seguinte:

“(…) No que concerne à desconsideração como custo dos valores relativos à aquisição de duas jarras de prata e a compras na C……., considerou a inspecção tributária que estes bens não constavam do inventário final de existências da empresa e não se relacionavam com a actividade do Impugnante, e ainda que havia sido infringido o art.º 23º do CIRC, por remissão do art.º 31º do CIRS.
A este respeito, invocou o Impugnante que os bens em causa se trataram de ofertas aos seus clientes. De acordo com o Impugnante, o mercado dos despachantes oficiais era um mercado muito concorrencial, no qual não era permitido fazer publicidade. As ofertas de produtos de qualidade aos clientes, particularmente na altura do Natal, era uma forma de cativar e fidelizar os clientes, e era prática corrente neste sector de actividade.
A testemunha inquirida confirmou isso mesmo, tendo declarado que o Impugnante era muito atencioso com os clientes, principalmente com os mais importantes, e que era hábito, principalmente na altura do Natal, efectuar ofertas de bacalhau, charcutaria, vinhos, queijos, peças de prata e cristal, que eram levadas directamente a casa dos clientes e de funcionários seus. De acordo com a testemunha, esta prática era usada como forma de captar e manter clientes e era comum aos demais despachantes oficiais.
Ora, um custo indispensável não tem de ser um custo que implique directamente a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que nem por isso deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do art.º 23, do CIRC (cfr. Ac. TCA Sul-2ª.Secção, 1/6/2011, proc.º 4589/11).
Neste contexto são de chamar à colação, por exemplo, os custos de publicidade, marketing, propaganda, uma vez que se tratam de custos relacionados com a publicitação da imagem de uma empresa, que se espera que, de forma mediata, contribuam para uma melhor imagem junto do público e, consequentemente, um aumento dos proveitos.
De acordo com a factualidade apurada nos autos, estamos perante um sector de actividade em que o contacto e a atenção pessoal é essencialmente a forma de captar e fidelizar clientes. Neste contexto, o recurso a ofertas de bens, ainda que não relacionados com a actividade do sujeito passivo, pode e deve ser considerada como uma forma de marketing com fins promocionais, e, nesse contexto, ser um custo relevante para efeitos fiscais nos termos do art.º 23º do CIRC, por remissão do art.º 31º do CIRS.
A mesma lógica se aplica à correcção relativa às despesas em restaurantes. QA este respeito, o único fundamento invocado pela inspecção tributária foi que as mesmas não foram imprescindíveis para a realização dos proveitos, infringindo o art.º 23º do CIRC, por remissão do art.º 31º do CIRS.
Ora, invocando o Impugnante que se tratavam de refeições pagas a clientes, nomeadamente em épocas festivas e ocasiões especiais, e resultando da prova produzida que efectivamente era comum o Impugnante almoçar com os seus clientes, fazendo-se acompanhar de funcionários seus e discutindo negócios durante a refeição, estamos perante despesas conexionadas com a sua actividade, em moldes semelhantes aos supra descritos quanto às ofertas, pelo que também estas despesas devem ser consideradas como custos fiscalmente relevantes nos termos do art.º 23º do CIRC, por remissão do art.º 31º do CIRS. Assim, procede o alegado pelo Impugnante quanto às correcções técnicas relativas às despesas com ofertas e com restaurantes.”

Portanto, em síntese, o tribunal considerou que estas despesas consubstanciavam custos (gastos) dedutíveis ao abrigo do art. 23.º do CIRC, designadamente, quanto às duas jarras de prata e a compras na C...... porque a qualidade de oferta a clientes resultou provado através da prova testemunhal produzida, conjugada com à actividade da Impugnante, e quanto às despesas com restaurante, consubstanciavam “em moldes semelhantes aos supra descritos quanto às ofertas” despesas conexionadas com a sua actividade , uma vez que se tratava de refeições pagas a clientes.

Face a esta fundamentação importa, então, aferir se conforme entende a Recorrente Fazenda Pública a sentença enferma de erro de julgamento de facto ao ter entendido que tais despesas são gastos dedutíveis ao abrigo do art. 23.º do CIRC, considerando a questão em concreto colocada no recurso saber se têm ou não de ser conhecidos os destinatários concretos destas despesas, ou seja, se a Impugnante deveria ou não ter efectuado prova de quais os clientes concretos destinatários destas despesas.

Vejamos.

Resulta da matéria de facto dada como provada nas alíneas J), K) e O) da matéria de facto (que não foram impugnadas nos termos do disposto no art. 640.º do CPC) que o “Impugnante fazia habitualmente ofertas a clientes e funcionários de artigos de boa qualidade, como bacalhau, charcutaria, peças de cristal, peças de prata, vinhos e queijos, que eram recolhidos dos estabelecimentos comerciais onde eram adquiridos pelo seu motorista e entregues por este directamente na casa dos seus destinatários”, que a “oferta de bens era prática habitual entre os despachantes para captar e manter clientese que o “Impugnante almoçava regularmente com os clientes mais importantes, convidando funcionários seus para estarem presentes e discutindo negócios durante esses almoços”. Tais factos encontram motivação suficientemente na sentença recorrida.

Ora, tal como invoca a Recorrente Fazenda Pública da matéria de facto não resulta evidenciado os destinatários daquelas despesas.

Não obstante, esta matéria de facto dada como provada, face à actividade da Impugnante, é suficiente para sustentar a conclusão da Meritíssima Juíza a quo de que tais despesas são dedutíveis nos termos do art. 23.º do CIRC.

Com efeito, no âmbito do conceito de indispensabilidade referido no n.º 1 do art. 23.º do CIRC, na redacção vigente à época, (anterior à de 2009), no entendimento da jurisprudência do STA «está completamente arredada a visão finalística, segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos», sendo que «um custo será aceite fiscalmente desde que, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios» (Cfr. Ac. do STA, de 15/11/2017, proc. n.º 0372/16, bem como Ac. do STA de 20/06/2018, de 0539/17).

Ao contrário do que parece entender a Recorrente Fazenda Pública, para que uma determinada despesa com a natureza de oferta seja dedutível, não é necessário, em regra, que se encontrem perfeitamente identificados os destinatários concretos da mesma, desde logo porque a lei não faz depender a dedutibilidade do gasto da existência dessa identificação concreta.

A necessidade de conhecimento do concreto destinatário da despesa poderia, eventualmente, se mostrar necessária face a indícios recolhidos pela AT num determinado caso concreto, mas não no caso dos autos, em que a fundamentação da correcção é, desde logo, e no mínimo, muitíssimo superficial e vaga, limitando-se a desconsiderar as despesas em causa com base no art. 23.º do CIRC.

No caso dos autos, a finalidade das despesas (destinada a clientes) e o seu carácter indispensável para efeitos do art. 23.º do CIRC resultaram não só do carácter normal da existência de despesas dessa natureza no âmbito da actividade empresarial em geral, como em concreto, resultam ainda evidenciados através da prova testemunhal produzida em tribunal, e encontram assento suficiente na matéria de facto dada como provada nas alíneas J), K) e O) da matéria de facto.

Com efeito, tais factos são suficientes para que se possa concluir que tais despesas são adequadas à estrutura produtiva da actividade em causa à obtenção de lucros, não resultando minimamente evidenciado que tais custos não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios.

Como a sentença refere com base na prova testemunhal produzida, as ofertas em causa prosseguiam o fim de fidelizar os clientes e era prática corrente neste sector de actividade, e “era hábito, principalmente na altura do Natal, efectuar ofertas de bacalhau, charcutaria, vinhos, queijos, peças de prata e cristal, que eram levadas directamente a casa dos clientes e de funcionários seus.”. Por outro lado, nenhum reparo há a fazer à sentença recorrida quando afirma que as “refeições pagas a clientes, nomeadamente em épocas festivas e ocasiões especiais, e resultando da prova produzida que efectivamente era comum o Impugnante almoçar com os seus clientes, fazendo-se acompanhar de funcionários seus e discutindo negócios durante a refeição”.

Portanto, as despesas em causa não têm de ter os destinatários concretamente identificados quando, como no caso dos autos, da fundamentação da correcção essa identificação não se torna necessária, e da prova testemunhal produzida em tribunal resulta provado que essas despesas revestem o carácter de indispensabilidade, para que estejamos perante custos dedutíveis ao abrigo do art. 23.º do CIRC, porque efectuadas com clientes da Impugnante, num contexto de adequação à estrutura produtiva da actividade em causa.

Pelo exposto, improcedem as conclusões de recurso, sendo de manter a sentença recorrida.

Nos termos do artigo 527.º do CPC aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte a que elas houver dado causa (n.º 1), entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for (n.º 2). Nos presentes autos é vencida a Recorrente Fazenda Pública, porém, esta se encontra isenta de custas, nos termos do art. 3.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, e art. 9.º, do DL n.º 29/98, de 11 de Fevereiro, que aprovou tal Regulamento, na medida em que a presente impugnação judicial foi proposta em data anterior à 01/01/2004.
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III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
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Sem custas.
D.n.
Lisboa, 13 de Dezembro de 2019.

Cristina Flora

Tânia Meireles da Cunha

Mário Rebelo