Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:169/20.8BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:04/29/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IRS
MANIFESTAÇÃO DE FORTUNA
ACRESCIMO PATRIMONIAL
Sumário:I. A declaração de substituição foi apresentada 5 dias antes do presente recurso contencioso contra a decisão de fixação de rendimentos por métodos indirectos (cfr. pontos 20 e 45 do probatório), pelo que nunca poderia ter sido considerada, nem influenciar aquela decisão, não podendo os Recorrentes pretender sindicar a legalidade da decisão de fixação de rendimentos, resultante de métodos indirectos, com pressupostos de factos que não afectaram o apuramento da matéria colectável e o imposto liquidado, à data em que foram apurados.
II. Os Recorrentes limitam-se de uma forma genérica e conclusiva a indicar os meios probatórios, e a remeter para os documentos e para os depoimentos das testemunhas, sem identificar as concretas passagens dos depoimentos e sem relacionar os meios de prova, ou seja, sem motivar o recurso, de forma a determinar uma decisão dissemelhante da que foi proferida pelo tribunal a quo.
III. Nas manifestações de fortuna, cabe à Administração Tributária o ónus da prova de demonstrar, por um lado, que a declaração não espelha a verdadeira situação tributária do contribuinte, e, por outro lado, que não é possível aceder à verdade fiscal do contribuinte pelo método de avaliação directa, considerando-se cumprindo esse ónus probatório, nos casos referidos na alínea f), do n.º 1, do artigo 87.º da LGT com a mera demonstração da existência do facto que a lei qualifica como “manifestação de fortuna”.
IV. Cumprido o ónus probatório da Administração Tributária, por força do preceituado no n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT é sobre o sujeito passivo que recai o ónus de demonstrar a falta de aderência à realidade dos pressupostos de facto invocados como fundamento da fixação do rendimento tributável de que foi alvo, por aplicação da avaliação indirecta.
V. Nesta matéria, os Recorrentes não lograram demonstrar o nexo ou ligação entre a fonte do rendimento (não sujeito a tributação), qualificando e quantificando os rendimentos omitidos, no caso concreto, que os acréscimos patrimoniais e as despesas efectuadas foram realizados com recurso a rendimentos que não tinham que ser declarados ou do património próprio do Recorrente, como lhes competia.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. M... e M... vieram interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou improcedente o recurso contencioso da decisão de fixação do rendimento coletável de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), referente ao exercício de 2017, por métodos indiretos.

2. Os Recorrentes apresentaram as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«Ora, no entender dos Recorrentes, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito na douta sentença recorrida, uma vez que:

a) o Tribunal a quo não devia ter desconsiderado a declaração de substituição do ano de 2017 apresentada pelo Recorrente em 05/08/2020, com a opção de tributação em separado, para efeitos de exclusão da Recorrente mulher M... do procedimento de fixação da matéria coletável do ano de 2017, tendo em conta o seu estado civil de casada no regime de separação de bens;

b) ficou provado que os Recorrentes estão casados, desde o dia 23/10/2010, com convenção antenupcial no regime da separação de bens (Facto assente 5);

c) ficou comprovado que, face ao regime de bens do casamento do casal, não havia comunhão de contas bancárias dos Recorrentes;

d) ficou demonstrado que a Recorrente mulher sempre manteve a sua autonomia patrimonial e sempre se manteve alheia aos assuntos profissionais do seu marido, designadamente nas sociedades “B..., Lda.” e “C... – Restauração, Lda.”;

e) a declaração de IRS do ano de 2017, apresentada pelo contabilista dos Recorrentes, em 29/05/2018, com a opção de tributação em conjunto, foi apresentada por mero lapso;

f) ficou comprovado que, ao detetarem essa situação, os Recorrentes de imediato submeteram a competente declaração de substituição de IRS do ano de 2017, no dia 05/08/2020, em separado (Facto Assente 20);

g) se provou que essa declaração de substituição foi submetida tempestivamente, dentro do prazo de caducidade do IRS;

h) a declaração de substituição de IRS, com a opção de tributação em separado, constituía a verdadeira intenção e opção dos Recorrentes no ano de 2017;

i) os Recorrentes tinham o direito de optar pela tributação em separado dos seus rendimentos, naquele ano;

j) a opção de tributação do IRS em separado no ano de 2017, nada tem que ver com o procedimento de fixação da matéria coletável de IRS com recurso a métodos indiretos, dado que, desde o início, esse procedimento apenas incidiu sobre o Recorrente marido, como aliás o próprio Tribunal a quo reconhece e admite;

k) o Tribunal a quo errou ao não determinar a exclusão da Recorrente mulher deste procedimento de fixação da matéria coletável de IRS com recurso a métodos indiretos, referente ao ano de 2017, apenas porque a primeira declaração de rendimentos foi apresentada, por lapso, em conjunto, e não em separado, como viriam posteriormente a corrigir os Recorrentes, dentro do prazo de caducidade e antes da presente ação;

l) o Tribunal a quo errou ao não ter considerado justificados os montantes

registados contabilisticamente, a débito, na conta do sócio M..., referentes a pagamentos ao sócio, mencionados nos pontos 13) e 14) da matéria de facto dada como provada, como restituição de suprimentos realizados pelo Recorrente nas sociedades “B..., Lda.” e “C... – Restauração, Lda.”, ou como adiantamentos por conta de lucros, no valor de € € 260.880,63 e € 141.568,22, respetivamente;

m) os valores constantes da contabilidade das sociedades B..., Lda. e C..., Lda., como pagamentos ao sócio, jamais poderiam ter sido desconsiderados pelo douto Tribunal a quo;

n) através dos documentos n.ºs 16 e 17 da pi e dos depoimentos das testemunhas M..., contabilista certificada das duas empresas, e S..., diretor geral da B..., ficou comprovada a natureza e destino daquelas quantias;

o) a Administração Fiscal nunca colocou em causa a contabilidade ou escrita de ambas as empresas do ano 2017;

p) a Administração Fiscal nunca impugnou qualquer documento juntos aos autos e, em concreto, os documentos n.ºs 16 e 17 que evidenciam claramente os pagamentos realizados ao sócio;

q) a Administração Fiscal nunca sequer se dignou a inspecionar a escrita de ambas as empresas, com vista a confirmar os dados registados contabilisticamente e respetivos documentos de suporte, ao abrigo do princípio do inquisitório e da oficiosidade;

r) essas quantias deveriam ter sido consideradas justificadas, por se conhecer a origem e o destino das mesmas, seja como restituição de suprimentos feitos pelo sócio às duas sociedades ao longo dos anos, seja como adiantamentos por conta de lucros, ou a qualquer outro título, o que implicaria dar como provado o facto a) da matéria de facto dada como não provada;

s) a não se considerarem justificados esses pagamentos ao sócio como restituição de suprimentos, então, pelo menos, deveria o Tribunal a quo ter considerado justificadas essas quantias como adiantamentos por conta de lucros, nos termos do artigo 5.º n.º 2 alínea h) do CIRS, que, por sua vez, estavam sujeitas a retenção na fonte à taxa legal de 28%;

t) se demonstrou que, tanto assim foi que, entretanto, a Administração Fiscal viria a liquidar essas retenções na fonte em falta às sociedades B... Lda. e C... Lda.;

u) tendo a Administração Fiscal considerado e tributado essas quantias como adiantamentos por conta de lucros, mediante a liquidação das respectivas retenções na fonte, jamais poderia o Tribunal a quo ter desconsiderado tais quantias, sob pena de dupla tributação (na esfera do Recorrente e na esfera das sociedades);

v) o Tribunal a quo também errou ao ter desconsiderado as compras, despesas e encargos das sociedades “B..., Lda.” e “C... – Restauração, Lda.”, pagos através da conta pessoal do sócio, no valor de € 216.579,87 e € 212.228,57, respetivamente, para efeitos da determinação da matéria coletável por métodos indiretos (factos 16, 17 e 18 da matéria de facto dada como provada);

w) essas saídas (despesas), por nunca terem sido feitas em proveito pessoal ou em benefício do Recorrente, deveriam ter sido deduzidas às entradas verificadas na conta bancária do Recorrente e não podiam ter sido desconsideradas quer pela Administração Fiscal quer pelo Tribunal a quo na determinação da matéria tributável por métodos indiretos, sob pena de violação do disposto na alínea f) do n.º 1 do art. 87.º da LGT, conjugado com a alínea a) do n.º 5 do artigo 89.º-A da LGT;

x) o douto Tribunal a quo deveria ter considerado justificado o montante correspondente às saídas (despesas) da conta pessoal do sócio, feitas em nome e por conta das duas sociedades, no valor total de € 428.808,44 (€216.579,87 + € 212.228,57);

y) ficou demonstrado que o Tribunal a quo errou no seu julgamento, mediante uma apreciação e valoração inapropriada e incorrecta dos factos e do direito aqui aplicáveis, valoração essa que deveria ter conduzido a uma decisão diversa da encontrada.

Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso e com o douto suprimento de V. Exas., deverá a douta sentença recorrida ser revogada com todas as consequências legais, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!!!»

3. O recorrido devidamente notificado para o efeito, optou por não contra-alegar.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.

5. Com dispensa dos vistos, atento o carácter dos autos, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto e de direito.

Como questão prévia apreciar-se-á da admissibilidade legal da junção de documentos com as alegações de recurso.


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1. A 02 de outubro de 1990, foi levada a registo, pela Ap. 02, a constituição da sociedade “B..., Lda.”, tendo por objeto o “comércio e indústria hoteleira e similar, mediante a exploração de residencial, bar e restaurante, compra e venda de propriedades e revenda das adquiridas para este fim, indústria de construção civil, obras públicas, construção e exploração imobiliária”, a que corresponde o CAE principal 55112-R3 – cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial.

2. Da certidão permanente da “B..., Lda.” constava como sócio e gerente, desde a respetiva constituição, o ora Recorrente, M... – cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial.

3. Em 01 de agosto de 2003, foi levada a registo, pela Ap. 19, a constituição da sociedade “C... – Restauração, Lda.”, tendo por objeto a “exploração de restaurantes, bares, snack - bares, gelatarias e pizzarias, venda de comida confecionada, serviço de take - away e catering, organização de eventos”, a que corresponde o CAE principal 56102-R3 – cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial.

4. Da certidão permanente da “C... – Restauração, Lda.” constava como sócio e gerente, desde 16 de abril de 2007, o ora Recorrente, M... – cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial.

5. No dia 23 de outubro de 2010, os Recorrentes M... e M... casaram com convenção antenupcial, lavrada por auto na Conservatória do Registo Civil do Funchal, em 07 de setembro de 2010, tendo sido estipulado o regime da separação de bens

– cfr. assento de casamento n.º 623 do ano de 2010, junto como doc. n.º 10 da petição inicial.

6. No ano de 2017, a “B..., Lda.” teve um volume de negócios de € 234.416,68 – cfr. doc. n.º 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

7. Já a “C... – Restauração, Lda.” teve um volume de negócios naquele ano de 2017 de € 123.143,87 – cfr. doc. n.º 7 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

8. Em 2017, as sociedades “B..., Lda.” e “C... – Restauração, Lda.” enfrentavam processos executivos e penhoras – cfr. depoimentos das testemunhas M... e S....

9. De forma a evitar os constrangimentos advenientes dos processos executivos e penhoras referidos no ponto antecedente, o Recorrente optou por não depositar as receitas diárias de caixa das aduzidas sociedades nas respetivas contas bancárias – cfr. depoimentos das testemunhas M... e S....

10. Nesse ano de 2017, nas contas bancárias de ambas as sociedades apenas entravam os valores pagos pelos clientes em cartão – cfr. depoimentos das testemunhas M... e S....

11. Esses valores pagos em cartão eram posteriormente transferidos para a conta pessoal do Recorrente – cfr. depoimentos das testemunhas M... e S....

12. Atento o descrito nos pontos 9. a 11., deram entrada na conta C... n.º 03..., titulada pelo Recorrente, as receitas de caixa ou em cartão das sociedades “B..., Lda.” e “C... – Restauração, Lda.” constantes das folhas de caixa juntas com a petição inicial como documentos n.ºs 14 e 15 – cfr. docs. n.ºs 13, 14 e 15 juntos com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, conjugados com os depoimentos das testemunhas M... e S....

13. Em 2017, foram registados contabilisticamente, a débito, na conta do sócio (“2682291 - M...”) da “B..., Lda.” os seguintes montantes referentes a “pagamentos ao sócio”:

- Em janeiro de 2017, € 4.960,00, € 5690,00, € 3.168,56, € 257,30, € 543,41, €666,47, € 243,54 e € 896,80;

- Em fevereiro de 2017, € 4.750,00, € 50,00, € 5.081,30, € 152,65, € 400,00, € 2.070,60, € 1.423,10, € 671,50 e € 3.335,82;

- Em março de 2017, € 6.070,00, € 1.087,80, € 1.239,24, € 1.731,51 e € 5.761,16;

- Em abril de 2017, € 4.695,00, € 780,00, € 710,60, € 4.097,07, € 8.655,89 e € 2.291,95;

- Em maio de 2017, € 7.460,00, € 75,00, € 292,95, € 2.396,65, € 3.554,26, € 1.579,24, € 787,94, € 13.317,73, € 654,00, € 3.587,20 e € 5.827,43;

- Em junho de 2017, € 5.570,00, € 8.921,34, € 450,02, € 258,39, € 100,00, € 135,13, € 63,85, € 999,23, € 40,00 e € 1.223,99;

- Em julho de 2017, € 3.740,00, € 3.857,00, € 304,00, € 1.323,65, € 740,00, € 11.395,38, € 226,46, € 616,30, € 1.058,78, € 1.428,00, € 149,63, € 650,50, € 1.868,48 e € 222,44;

- Em agosto de 2017, € 13.200,00, € 657,81, € 1.502,20, € 1.155,69, € 223,49, € 2.029,93, € 556,13 e € 12.838,86;

- Em setembro de 2017, € 6.005,00, € 11.974,65 e € 876,86;

- Em outubro de 2017, € 4.740,00, € 245,10 e € 19.092,34;

- Em novembro de 2017, € 210,00, € 4.834,55, € 170,87, € 147,95, € 1.220,61, € 213,75, € 1.272,50, € 6.536,55, € 1.946,63 e € 284,55;

- Em dezembro de 2017, € 280,00, € 6.524,05, € 131,24, € 8.874,07 e € 114,05 – cfr. doc. n.º 16 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

14. Também no ano de 2017, foram registados contabilisticamente, a débito, na conta do sócio (“26822901 - M...”) da “C... – Restauração, Lda.” os seguintes montantes referentes a “pagamentos ao sócio”:

- Em janeiro de 2017, € 305,00, € 3.775,00, € 203,96 e € 7.500,00;

- Em fevereiro de 2017, € 265,00, € 3.435,00 e € 6.862,04;

- Em março de 2017, € 5.190,00 e € 6.578,23;

- Em abril de 2017, € 5.140,00 e € 8.163,47;

- Em maio de 2017, € 5.950,00 e € 7.299,95;

- Em junho de 2017, € 5.070,00 e € 6.188,78;

- Em julho de 2017, € 5.025,00, € 279,80 e € 8.888,63;

- Em agosto de 2017, € 3.280,00, € 9.762,43 e € 676,27;

- Em setembro de 2017, € 3.735,00, € 7.143,49, € 160,00 e € 445,00;

- Em outubro de 2017, € 4.900,00 e € 7.967,12;

- Em novembro de 2017, € 265,00, € 3.650,00 e € 5.739,80;

- Em dezembro de 2017, € 320,00, € 2.690,00 e € 4.714,29 – cfr. doc. n.º 17 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

15. Os montantes registados contabilisticamente, a débito, na conta do sócio mencionados nos pontos 13. e 14. que antecedem, deram entrada na conta C... n.º 03..., titulada pelo Recorrente – cfr. docs. n.ºs 4, 5 e 13 juntos com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

16. De 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2017, foram registados contabilisticamente, a crédito, na conta do sócio (“2682291 - M...”) da “B..., Lda.” montantes respeitantes a despesas correntes e com trabalhadores na quantia total de € 216.579,87 – cfr. doc. n.º 16 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

17. No mesmo período, 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2017, foram registados contabilisticamente, a crédito, na conta do sócio (“26822901 - M...”) da “C... – Restauração, Lda.” montantes respeitantes a despesas correntes e com trabalhadores na quantia total de € 212.228,57 – cfr. doc. n.º 17 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

18. O pagamento das compras, despesas e encargos das sociedades “B..., Lda.” e “C... – Restauração, Lda.” foi efetuado, em 2017, através da conta pessoal do Recorrente – cfr. docs. n.ºs 16 e 17 juntos com a petição inicial e extrato de conta constante de fls. 349 a 379 do Processo Administrativo (PA) junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, conjugados com os depoimentos das testemunhas M... e S....

19. Os Recorrentes procederam à entrega conjunta da declaração Modelo 3 do IRS com o n.º 2810-2017-…, referente ao exercício de 2017, a 29 de maio de 2018, na foi declarado um rendimento global de € 16.100,00, resultando um rendimento líquido (coletável) de € 7.892,00 – cfr. doc. n.º 1 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

20. Em 05 de agosto de 2020, foi entregue pelo Recorrente M... declaração de substituição Modelo 3 do IRS n.º 2810-2017- … para 2017, com opção de tributação em separado, que se encontra com o estado de “errada” – cfr. doc. n.º 11 junto com a petição inicial e doc. n.º 1 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

Mais se provou que:

21. Por “Comunicação de Transações Suspeitas”, datada de 25 de agosto de 2017, foi levado ao conhecimento do Departamento Central de Investigação e Ação Penal do Ministério Público (DCIAP) que a conta com o IBAN PT50003503... titulado pelo ora Recorrente, M..., “regista uma movimentação pouco coerente com o seu cariz particular, desconhecendo-se a razoabilidade económico-financeira subjacente à emissão e receção de transferências de e para as empresas onde este intervém; desconhecendo-se a origem dos depósitos em numerário efetuados que poderão estar relacionados com a atividade empresarial de M... constituindo, deste modo, eventual fraude fiscal” – cfr. fls. 04 a 44 do PA junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

22. A comunicação referida no ponto antecedente, deu origem ao Procedimento de Averiguação Preventiva n.º 4082/2017, no qual foi emitido, a 18 de janeiro de 2018, despacho de arquivamento onde se estabeleceu que “porque, ainda assim, as situações detetadas poderão indicar a ocultação de rendimentos tributáveis, com vista ao controlo fiscal dos visados e ao apuramento de suspeitas da prática de crime de natureza fiscal, extraia cópia do presente despacho e da participação inicial *…+ e remeta, por ofício confidencial, ao Sr. Diretor-Geral da AT” – cfr. fls. 45 do PA junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

23. Remetida cópia do Procedimento de Averiguação Preventiva n.º 4082/2017 à Direção de Serviços de Investigação da Fraude e Ações Especiais (DSIFAE) da Autoridade Tributária e Aduaneira, foi determinada, por despacho de 17 de setembro de 2019, “a remessa da comunicação do DCIAP/PGR à AT-RAM para apuramento da existência de eventuais ilícitos fiscais”, considerando-se “que a referida conta bancária titulada por M... pode estar a ser utilizada para passagem de valores provenientes da atividade comercial das sociedades com as quais está relacionado, não declarados à AT” – cfr. fls. 03 e 46 a 48 do PA junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

24. Através da entrada n.º 55, de 20 de setembro de 2019, foi recebida pela Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira (AT- RAM) cópia do Procedimento de Averiguação Preventiva n.º 4082/2017 – cfr. fls. 01 do PA junto aos autos.

25. No dia 24 de setembro de 2019, os Serviços de Inspeção Tributária da AT-RAM emitiram o despacho externo n.º DI201900102, com o código de atividade 2121210101, tendente à consulta, recolha e cruzamento de elementos referentes ao Recorrente M..., nos exercícios de 2017 e 2018 – cfr. fls. 55 do PA junto aos autos.

26. A 17 de outubro de 2019, foi expedido por carta registada (registo CTT RH 2871 7085 9 PT), no âmbito do despacho externo n.º DI201900102, ofício n.º 7.109, dirigido ao Recorrente M..., para o domicílio “E..., Edifício F..., 9000-100 Funchal”, no qual se consignou o seguinte:

“1 – Fica V. Exa. por este meio notificado, nos termos e para efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT), do projeto de decisão de aplicação de métodos indiretos para determinação do rendimento sujeito a IRS nos termos seguintes:

a) De acordo com o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT, há lugar a avaliação indireta da matéria coletável, quando o acréscimo de património ou despesa efetuada de valor superior a 100.000,00€, verificados simultaneamente com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.

b) No ano de 2017 foram efetuadas transferências e depósitos para uma das suas contas bancárias no montante global de 429.501,33€.

c) Os rendimentos inscritos na declaração de rendimentos daquele ano ascendem a 7.892,00€ (rendimento líquido).

d) Daqui se infere uma divergência não justificada entre o acréscimo de património e os rendimentos declarados no ano de 2017, no montante de € 421.609,33€.

e) Pelo que, se encontram reunidas as condições legais para, de acordo com a alínea a) do n.º 5 do artigo 89.º-A da LGT, se proceder à fixação do rendimento tributável no montante de € 421.609,33€, os quais, de acordo com a alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRS, serão considerados como rendimentos da categoria G.

[…]

3 – Caso V. Exa. pretenda pronunciar-se sobre o teor do projeto de decisão ora notificado, poderá fazê-lo por escrito, juntando os meios de prova a que se refere o número anterior, no prazo de 15 dias *…+” – cfr. fls. 57 a 59 do PA junto aos autos e doc. n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

27. No dia 04 de novembro de 2019, deu entrada nos serviços da AT-RAM petição para exercício do direito de audição prévia ao “projeto de decisão de aplicação de métodos indiretos para a determinação do rendimento sujeito a IRS do ano de 2017”, no âmbito do despacho externo n.º DI201900102, subscrita por C..., advogado – cfr. fls. 60 a 64 do PA junto aos autos e doc. n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

28. Com a petição referida no ponto antecedente foram arroladas como testemunhas “S...” e “L...”, juntos oito documentos e procuração forense – cfr. fls. 60 a 247 do PA junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

29. No dia 12 de novembro de 2019, foi expedido por carta registada com aviso de receção (registo CTT RD … 3 PT), no âmbito do despacho externo n.º DI201900102, ofício n.º 7.801, dirigido ao mandatário constituído pelo Recorrente em sede de audição prévia, para que no prazo de quinze dias fosse colocado à disposição à AT-RAM o “extrato bancário da conta pessoal ou outro documento equivalente, com identificação dos depósitos bancários discriminados por sociedade a que respeitam” – cfr. fls. 248 a 250 do PA junto aos autos.

30. O aviso de receção referente ao registo postal CTT RD … 3 PT foi assinado em 13 de novembro de 2019 – cfr. fls. 249 e 250 do PA junto aos autos.

31. Por requerimento com data de entrada em 26 de novembro de 2019, o Recorrente apresentou “o extrato bancário completo da conta pessoal do Requerente junto da C..., com a dentificação dos depósitos e transferências bancárias discriminadas por sociedade a que respeitam (BC – B..., Lda. e CC – C... – Restauração Lda.)” – cfr. fls. 251 a 326 do PA junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

32. Em 05 de fevereiro de 2020, a AT-RAM prestou informação n.º 1/20 SS, com o seguinte teor:

“I. INTRODUÇÃO

De acordo com a comunicação n.º 65202019C331903 de 2019-09-19 da DSIFAE, com entrada confidencial n.º 55 de 2019-09-20, e expediente anexo reunido pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal da Procuradoria-Geral da República, no âmbito do Procedimento de Averiguação Preventiva (PAP) n.º 4082/2017, o sujeito passivo M..., NIF 1..., apresenta divergências não justificadas entre o acréscimo de património e os rendimentos declarados, de montante superior a 100.000,00€.

[…]

II. PARECER

[…]

2) No ano de 2017 foram efetuadas transferências e depósitos para uma das suas contas bancárias no montante global de 940.186,09€,

3) No exercício do direito de audição prévia, o contribuinte justificou parte das transferências e depósitos como respeitantes à atividade empresarial das sociedades B... Lda (251.594,64€) e C... Lda (137.527,12€), venda de imóvel (235.000,00€) e transferência do cônjuge (1.050,00€), perfazendo um total de 625.171,76€. Ou seja, ficaram por justificar transferências e depósitos no valor de 315.014,33€.

4) Os rendimentos inscritos na declaração de rendimentos daquele ano ascendem a 7.892,00€ (rendimento líquido).

5) Daqui se infere uma divergência não justificada entre o acréscimo de património e os rendimentos declarados no ano de 2017, no montante de 307.122,33€.

6) A regularidade da ocorrência de créditos oriundos de transferências e depósitos bancários ao longo do ano de 2017 foi uma prática reiterada indicando que a conta bancária poderá apresentar entradas não justificadas em períodos posteriores.

[…]

8) Perante o exposto, e de forma a controlar-se os acréscimos de património não justificados nos termos das referidas disposições legais, consideram-se reunidos os pressupostos das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária (LGT) […] para que a Administração Fiscal possa aceder a informações e documentos bancários que permitam apurar a realidade tributária da situação em causa para os anos de 2017 e 2018.

III. CONCLUSÃO

Assim sendo, propõe-se que seja solicitada junto de Sua Exa. a Senhora Diretora Regional da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da RAM, a derrogação do dever de sigilo fiscal bancário ao abrigo das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária, para os anos de 2017 e 2018.

À consideração superior” – cfr. fls. 327 a 329 do PA junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

33. Sobre a informação referida no ponto antecedente recaiu despacho de concordância da Diretora Regional da AT-RAM, datado de 05 de fevereiro de 2020 – cfr. fls. 327 do PA junto aos autos.

34. No dia 10 de fevereiro de 2020, foi expedido por carta registada com aviso de receção (registo CTT RH … 4 PT), no âmbito do despacho externo n.º DI201900102, ofício n.º 1.185, dirigido ao mandatário constituído pelo Recorrente, tendente à notificação da decisão de autorização do “acesso às informações e documentos bancários *…+ com referência aos anos de 2017 e 2018” referida nos pontos 32. e 33. – cfr. fls. 336 a 338 do PA junto aos autos e doc. n.º 8 junto com a petição inicial.

35. O aviso de receção referente ao registo postal CTT RH … 4 PT foi assinado em 11 de fevereiro de 2020 – cfr. fls. 337 e 338 do PA junto aos autos.

36. Os Serviços de Inspeção Tributária da AT-RAM prestaram informação no âmbito do despacho externo n.º DI201900102, datada de 20 de março de 2020, na qual se concluiu que aquele despacho “deverá dar origem a Ordem de Serviço Interna, âmbito IRS e extensão aos anos de 2017 e 2018, de forma a promover- se a correspondente correção declarativa em sede de IRS”, “dada a divergência não justificada entre o acréscimo de património e os rendimentos declarados nos anos de 2017 e 2018, no montante de 305.322,33€ e de 231.307,00€, respetivamente” – cfr. fls. 49 a 54 do PA junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

37. Sobre a informação referida no ponto antecedente recaiu despacho de concordância do Diretor dos Serviços de Inspeção Tributária da AT-RAM, datado de 26 de março de 2020 – cfr. fls. 50 do PA junto aos autos.

38. A 26 de março de 2020, foi emitida a ordem de serviço interna n.º OI202000169, com o código de atividade 1112210228 (Controlo declarativo), para realização de ação de inspeção aos Recorrentes, M... e M..., de âmbito parcial (IRS), incidente sobre o exercício de 2017 – cfr. fls. 596 e 597 do PA junto aos autos.

39. Na sequência da ação de inspeção referida no ponto antecedente, a 02 de junho de 2020, foi emitido projeto de Relatório de Inspeção Tributária, no âmbito do qual se concluiu que “as correções efetuadas à matéria tributável de IRS no valor de € 305.322,33€, com imposto a pagar de € 183.193,40€, resultam do facto do sujeito passivo A, NIF 1..., evidenciar acréscimos de património enquadráveis no artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária (LGT)” – cfr. fls. 488 a 511 do PA junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

40. No dia 05 de junho de 2020, foi expedido por carta registada (registo CTT RH 5006 6878 2 PT), ofício n.º 3.443, dirigido ao mandatário constituído pelo Recorrente, tendente à notificação do projeto de correções do relatório de inspeção emitido no âmbito da ordem de serviço interna n.º OI202000169 para efeitos de exercício do direito de audição prévia – cfr. fls. 512 e 513 do PA junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

41. A 21 de julho de 2020, foi elaborado Relatório de Inspeção Tributária, relativo ao procedimento inspetivo efetuado a coberto da ordem de serviço interna n.º OI202000169, com o seguinte teor:

“[...]

I.4. DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA AÇÃO DE INSPEÇÃO

As correções efetuadas à matéria tributável de IRS no valor de € 305.322,33€, com imposto a pagar de € 183.193,40€, resultam do facto do sujeito passivo A, NIF 1..., evidenciar acréscimos de património enquadráveis no artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária (LGT).

De acordo com o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT, há lugar a avaliação indireta da matéria coletável quando houver acréscimos de património de valor superior a € 100.000,00, a par de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados. A tributação é feita à taxa especial de 60% nos termos do n.º 11 do artigo 72.º do Código do IRS, ou seja, 183.193,40 € (305.322,33€ x 60%).

[…]

IV. CAPÍTULO

MOTIVO E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS

No ano de 2017 os sujeitos passivos procederam à entrega da declaração modelo 3 de RS com um rendimento líquido de 7.892,00€, no entanto, através da investigação levada a cabo pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal da Procuradoria-Geral da República (PAP 4082/2017) verificou-se que no ano em causa (período entre 2017-02-01 e 2017-08-18) foram rececionadas transferências bancárias e depósitos em numerário numa das contas bancárias do sujeito passivo A, NIF 1..., que ascenderam a 429.501,33€.

De acordo com a alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da Lei Geral Tributária, há lugar a avaliação indireta da matéria coletável quando houver acréscimos de património, ou despesas efetuadas, incluindo liberalidades, de valor superior a 100.000,00€, verificados simultaneamente com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.

[…]

Daqui se infere uma divergência não justificada entre o acréscimo de património e os rendimentos declarados, no montante de 421.609,33€ (429.501,33€ - 7.892,00€), pelo que se encontram reunidas as condições legais para, de acordo com a alínea a) do n.º 5 do artigo 89.º-A LGT, se proceder à fixação do rendimento tributável no montante de 421.609,33€, os quais, de acordo com a alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS, serão considerados rendimentos da categoria G.

O contribuinte M... foi notificado por carta registada com aviso de receção, com saída n.º 7.109 de 2019-10-16, para exercer o direito de audição prévia, nos termos e para efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, do projeto de decisão de aplicação de métodos indiretos para a determinação do rendimento sujeito a IRS, dando-lhe ainda conhecimento que nos termos do n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT, poderia obstar ao procedimento de fixação do rendimento mediante a apresentação de documento comprovativo de que o acréscimo de património em causa foi obtido através de meios cuja fonte não estava obrigado a declarar para efeitos de IRS, designadamente, herança ou doação, utilização de capital próprio ou recurso ao crédito e, no caso da pretensão de pronunciar-se sobre o teor do projeto de decisão, o poderia fazer por escrito, juntando os meios de prova no prazo de 15 dias, contados continuamente após o 3.º dia útil posterior ao registo (2019-10-17), remetendo-os para esta AT-RAM.

O contribuinte exerceu o direito de audição prévia, com entrada n.º 13.459 de 2019-11-04, declarando que:

1. Alineou no ano de 2017 a fração autónoma B-1 do prédio «Edifício F...», freguesia de São Martinho, concelho do Funchal, pelo valor de 235.000,00€ (apresentou comprovativos de recebimento).

2. Por motivos de processos executivos e penhoras, as receitas diárias das sociedades de que é sócio-gerente «B...» e «C... Restauração Lda» foram depositadas na conta bancária pessoal. Os recebimentos em cartão efetuados para as contas bancárias das referidas sociedades, foram posteriormente transferidos para a conta bancária pessoal (apresentou cópia dos extratos bancários das referidas sociedades).

O contribuinte com o NIF 1... foi notificado novamente por carta registada com aviso de receção, na pessoa do mandatário Dr. C..., com saída n.º 7.801 de 2019-11-12, para no prazo de quinze dias a contar da data de assinatura do aviso de receção, colocar à disposição ou assegurar a sua apresentação, o extrato bancário da conta pessoal ou documento equivalente, com dentificação dos depósitos bancários por sociedades a que respeitam.

O mandatário remeteu os extratos bancários solicitados, com entrada n.º 14.717 de 2019-11-26, de onde se extraiu a seguinte informação:


«Imagem no original»


Das entradas bancárias constantes do quadro acima, o contribuinte não justificou a origem das últimas três rúbricas, perfazendo um total de 315.014,33€ em créditos não justificados (1.800,00€ + 311.735,00€ + 1.479,33€).

Daqui se infere uma divergência não justificada entre o acréscimo de património e os rendimentos declarados no ano de 2017, no montante de 307.122,33€.

De acordo com a alínea f) do artigo 87.º da Lei Geral Tributária, as divergências detetadas determinam a avaliação indireta, nos termos do n.º 5 do artigo 89.º- A do mesmo diploma legal, devendo o procedimento incluir a investigação das contas bancárias, de acordo com o n.º 11 do referido artigo 89.º-A. Neste sentido, e de forma a controlarem-se os acréscimos de património não justificados nos termos das referidas disposições legais, foi autorizada pela Senhora Diretora Regional da AT-RAM a derrogação do sigilo bancário ao sujeito passivo M..., NIF 10..., ao abrigo das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária para o ano de 2017.

Da investigação das contas bancárias ao ano 2017, verificaram-se as seguintes entradas bancárias não justificadas na sua conta da C... n.º 03..., totalizando o montante de 313.214,33€:

[…]

V. CAPÍTULO

CRITÉRIOS DE CÁLCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS

V.1. Proposta de fixação nos termos do n.º 5 do artigo 89.º-A da LGT

Face ao exposto no capítulo anterior e em conformidade com a alínea a) do n.º 5 do art. 89.º-A da LGT, considera-se rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria «G», a diferença entre o acréscimo de património e os rendimentos declarados pelos sujeitos passivos no mesmo período de tributação, conforme quadro seguinte:



[…]

V.2. Apuramento do imposto de tributação autónoma

Prevê o n.º 11 do artigo 72.º do Código do IRS que os acréscimos patrimoniais não justificados a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS, superiores a 100 000,00€, são tributados à taxa especial de 60%, ou seja, 183.193,40€ (305.322,33€ x 60%).

Em resultado das omissões de rendimentos praticadas na declaração modelo 3 de IRS, devidamente descritas no capítulo IV, apurou-se uma diferença no imposto de tributação autónoma no montante de 183.193,40€, conforme demonstração de liquidação que se segue:

[…]

IX. – CAPÍTULO

DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO

Os sujeitos passivos foram notificados por carta registada com saída n.º 3.443 de 2020-06-04, na pessoa do mandatário do contribuinte com o NIF 1..., para no prazo de 15 dias exercerem o seu direito de audição, o que não o fizeram” – cfr. fls. 562 a 586 do PA junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

42. Sobre o relatório de inspeção mencionado no ponto anterior recaiu despacho de concordância da Diretora Regional da AT-RAM, datado de 27 de julho de 2020 – cfr. fls. 564 do PA junto aos autos.

43. No dia 28 de julho de 2020, foi expedido por carta registada com aviso de receção (registo CTT RH…2 PT) ofício n.º 5.134, dirigido ao “Dr. C..., na qualidade de mandatário de M... e M...”, tendente à notificação das correções resultantes da análise interna efetuada a coberto da OI202000169 e da consequente fixação do rendimento coletável de IRS dos Recorrentes, por métodos indiretos, para o exercício de 2017, no valor de € 305.322,33 – cfr. fls. 592 a 594 do PA junto aos autos e doc. n.º 9 junto com a petição inicial.

44. O aviso de receção referente ao registo postal CTT RH … PT foi assinado em 29 de julho de 2020 – cfr. fls. 593 e 594 do PA junto aos autos.

45. Os Recorrentes apresentaram o presente recurso contencioso no dia 10 de agosto de 2020 – cfr. fls. 01 e ss. dos autos (suporte digital).


*

MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA


Com interesse para a decisão, considera-se não provado o seguinte facto:

a) Os montantes registados contabilisticamente, a débito, na conta do sócio mencionados nos pontos 13. e 14., foram restituídos por conta de suprimentos realizados pelo Recorrente às sociedades “B..., Lda.” e “C... – Restauração, Lda.”


*

FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO


A decisão da matéria de facto dada como provada efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e do processo administrativo junto aos mesmos - que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com a livre apreciação da prova -, tendo ainda sido valorados os depoimentos das testemunhas M... e S..., conforme o especificado nos vários pontos da factualidade dada como provada.

Ressalta-se que foi da conjugação da prova produzida que se afigurou possível estabelecer uma conexão entre as entradas em dinheiro na conta pessoal do Recorrente referidas no ponto 12. da matéria apurada e as causas justificantes desses fluxos financeiros. Explicitando, do confronto dos valores apostos nas folhas de caixa das sociedades “B..., Lda.” e “C... – Restauração, Lda.” (docs. n.ºs 14 e 15 juntos com a petição inicial) com as entradas constantes do extrato bancário da conta particular do Recorrente devidamente assinaladas por referência àquelas sociedades (doc. n.º 13 junto com a petição inicial), verifica-se uma coincidência de valores, o que gerou no Tribunal a convicção clara que aquelas entradas correspondem às receitas de caixa ou em cartão percecionadas pelas sociedades. Convicção que resultou consolidada com o depoimento das testemunhas M... e S... que lograram convencer o Tribunal da existência de um nexo de correspondência entre as referidas entradas na conta pessoal do Recorrente e as receitas de caixa/cartão das aduzidas sociedades, conforme se verá.

Do mesmo modo, foi possível estabelecer uma correspondência entre determinadas saídas da conta bancária do Recorrente (constantes do extrato de conta a fls. 349 a 379 do processo administrativo) e o pagamento das compras, despesas e encargos das sociedades “B..., Lda.” e “C... – Restauração, Lda.” (cujos valores se encontram discriminados a crédito nos extratos de conta juntos como docs. n.ºs 16 e 17 da petição inicial), para a qual se mostraram preponderantes os testemunhos de M... e S..., o que possibilitou a prova do facto 18.

Diga-se ainda, que, para a prova do facto 15., se afigurou decisivo o confronto das entradas provenientes da “B..., Lda.” e da “C... – Restauração, Lda.” documentadas do extrato da conta bancária do Recorrente (doc. n.º 13 junto com a petição inicial) com os extratos bancários daquelas sociedades (docs. n.ºs 4 e 5 juntos com a petição inicial), de onde se alcança uma correspondência de valores.

Para além da consolidação da convicção do Tribunal sobre os factos 12. e 18., os depoimentos das testemunhas M... e S... mostraram-se imprescindíveis para prova dos factos constantes dos pontos 8. a 11. do probatório, tendo os mesmos sido valorados nos seguintes termos:

M..., contabilista certificada, demonstrou ter conhecimento direto dos factos, porquanto ficou assente que presta serviços de contabilidade à “B..., Lda.” e à “C... – Restauração, Lda.”, desde, pelo menos, cinco anos, o que lhe permitiu encontrar-se inteirada do escopo social daquelas empresas, dos obstáculos que se lhes colocaram nos anos de 2017 e 2018 e das medidas adotadas para os ultrapassar. De igual modo, e tendo sido confrontada com diversos documentos de suporte contabilístico juntos aos autos, a testemunha revelou conhecer o tratamento concedido aos movimentos de entrada e saída da conta do sócio (o ora Recorrente).

A aludida testemunha prestou um depoimento que se mostrou isento, espontâneo e contextualizado que logrou convencer o Tribunal sobre a matéria de facto relatada, mais precisamente sobre os narrados aspetos inerentes à atividade das referidas sociedades e aos constrangimentos de ordem económico-financeira com que se depararam em 2017 e 2018, e dos mecanismos que foram adotados de forma a ultrapassá-los (a transferência dos ganhos de caixa e pagamentos em cartão para a conta pessoal do Recorrente), assim como ao modo de processamento dos pagamentos das despesas das empresas. Refira-se que os movimentos de entrada das receitas de caixa/cartão na conta pessoal do Recorrente mostram-se completamente consentâneos com os respetivos documentos de suporte, como já se deixou devida nota, permitindo este testemunho consolidar a convicção do Tribunal quanto à proveniência e destino daquelas verbas. Do depoimento desta testemunha foi, ainda, possível aferir que os documentos da contabilidade, designadamente os extratos de conta juntos como docs. n.ºs 16 e 17 da petição inicial, espelhavam os movimentos de entrada e saída na conta do Recorrente, existindo conciliação bancária destas transferências.

Destarte, o seu depoimento foi valorado positivamente para a fixação da matéria elencada nos pontos 8. a 11. dos factos provados, servindo, ainda, para consolidar a convicção do Tribunal sobre os factos 12. e 18.

Já a testemunha S..., evidenciou ter conhecimento direto dos factos em razão do exercício das suas funções. Efetivamente, resultou do seu testemunho que, para além de ser sobrinho dos Recorrentes, prestou, desde 2011, consultadoria às sociedades “B..., Lda.” e “C... – Restauração, Lda.” e, posteriormente, a partir de janeiro de 2014, passou a ser o diretor geral do hotel explorado pela “B..., Lda.”. Mais se retira do seu depoimento que os documentos de suporte à contabilidade daquelas sociedades passavam pelas suas mãos, tendo sido, inclusivamente, o responsável pela recolha de documentos subjacentes à organização da “defesa” no caso em escrutínio. As relatadas circunstâncias permitiram-lhe, assim, encontrar-se inteirado do escopo social prosseguido por aquelas empresas, das dificuldades com que se depararam e das medidas tomadas para as ultrapassar, bem como dos circunstancialismos inerentes ao tratamento dos respetivos documentos contabilísticos.

Apesar de ter empregue um discurso, por vezes, desordenado, e não descorando os laços familiares e profissionais que o unem aos Recorrentes, o seu depoimento logrou convencer o Tribunal sobre os relatados constrangimentos que as aludidas sociedades sofreram em 2017 e 2018 (e que culminaram na insolvência da “C... – Restauração, Lda.”) resultantes dos processos executivos e penhoras que enfrentavam e da estratégia tomada para “contornar” tais obstáculos, designadamente o depósito das entradas em caixa na conta particular do Recorrente e da transferência para a mesma dos valores pagos em cartão; bem como do modo como eram operados os pagamentos das despesas daquelas empresas. Tal persuasão deveu-se, sobremaneira, à coadunação da versão dos factos relatados aos documentos apresentados em sede de petição inicial (conforme “supra” referido), factualidade devidamente atestada pela testemunha M..., cujo depoimento mereceu a credibilidade do Tribunal.

O testemunho de S... foi, assim, valorado positivamente para a fixação da matéria elencada nos pontos 8. a 11. dos factos provados, servindo, ainda, para consolidar a convicção do Tribunal sobre os factos 12. e 18.

Por fim, no que se refere a A..., empregada de bar no estabelecimento de restauração explorado pela “B..., Lda.” (e que já tinha prestado trabalho no “G...”, explorado pela “C... – Restauração, Lda.”), resultou do respetivo depoimento que apenas tomou conhecimento de algumas dificuldades financeiras em 2020. No restante, bastou-se a caraterizar a atividade prosseguida por aquelas empresas e o intercâmbio de trabalhadores entre as mesmas, tendo sido perentória ao afirmar nunca ter assistido ao fecho de caixa ou a pagamentos a fornecedores, encontrando-se completamente alheada da movimentação/tratamento das receitas de caixa e do destino que tomavam.

Conclui-se, portanto, que a testemunha não revelou possuir um conhecimento direto dos factos pertinentes para a decisão da causa, não tendo resultado do seu depoimento qualquer materialidade merecedora de valoração.


*

Já no que respeita à factualidade dada como não provada, a convicção do Tribunal firmou-se na insuficiência de prova concludente sobre a mesma.

De facto, não obstante a prova do fluxo financeiro em causa - da entrada das quantias discriminadas nos pontos 13. e 14., provenientes das sociedades “B..., Lda.” e “C... – Restauração, Lda.”, na conta pessoal do Recorrente -, como se antevê no ponto 15., os Recorrentes não lograram demonstrar a efetividade da operação económica que alegadamente suporta aqueles movimentos - a restituição de suprimentos -, senão vejamos:

Em sede de tributação por acréscimo patrimonial não justificado, não se afigura suficiente ao cumprimento do ónus da prova que recai sobre o contribuinte (art. 89.º- A, n.º 3 da LGT) a indicação do fluxo financeiro, com a precisão da perceção do montante em causa por parte do sujeito passivo, quando a operação económica em que o mesmo alegadamente se suporta não assenta em elementos probatórios críveis, viáveis e sustentáveis, que permitam assegurar a existência de um nexo entre a prestação de suprimentos, a sua disponibilização às sociedades detidas pelo Recorrente e a respetiva restituição daqueles montantes ao sócio - neste sentido, vide acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27 de setembro de 2018, proc. n.º 1287/17.5BESNT, disponível em www.dgsi.pt, cuja doutrina se mostra transponível para o caso em presença.

Ora, tais elementos probatórios não foram carreados para os autos, bastando- se os Recorrentes a aduzir - conclusivamente - que aquelas verbas foram restituídas, mensalmente, por conta de suprimentos realizados ao longo dos anos à “B..., Lda.” e à “C... – Restauração, Lda.”, sem que se preocupassem em alegar e provar a efetividade desses contratos de suprimentos (quando foram realizados e quais os montantes disponibilizados às sociedades a esse título) e os termos em que a respetiva restituição foi processada (quais os valores primitivamente cedidos às sociedades que foram posteriormente devolvidos e as razões subjacentes a essa devolução), materialidade essencial para a demonstração “*de+ que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património”, como o impõe o n.º 3 do art. 89.º-A da LGT.

Cumpre ainda acrescentar que, neste particular, não foram valoradas as referências esparsas efetuadas pelas testemunhas M... e S... de que as verbas elencadas nos pontos 13. e 14. foram devolvidas ao sócio por conta de suprimentos, porquanto tais menções não passam de afirmações conclusivas (as testemunhas não se debruçaram sobre os contornos em que radicaram e foram prestados os alegados suprimentos e as razões motivadoras da respetiva restituição no exercício de 2017, bastando-se a dar por certo que as verbas correspondiam à restituição de suprimentos), e mostram-se desacompanhadas de quaisquer outros elementos de prova concludentes aptos a atestar que as quantias em causa correspondiam, efetivamente, à restituição de suprimentos anteriormente realizados pelo Recorrente marido às aduzidas sociedades.

Em suma, da prova produzida não ficou demonstrado que os montantes registados contabilisticamente, a débito, na conta do sócio mencionados nos pontos 13. e 14., foram restituídos por conta de suprimentos realizados pelo Recorrente às sociedades “B..., Lda.” e “C... – Restauração, Lda.”»


*

2. Questão prévia: Da junção de documentos com as alegações de recurso

Os Recorrentes juntaram com as alegações um documento (certidões de dívida emitidas em 03/11/2020), pelo que previamente à apreciação das questões suscitadas haverá que apreciar da possibilidade de junção de documentos com as alegações do recurso.

O recurso não é normalmente o meio próprio para juntar documentos aos autos, por a sede própria para a instrução da causa ser o tribunal de primeira instância, revestindo natureza excepcional a admissão de documentos nesta sede, uma vez que a reapreciação das decisões dever ser efectuada em função dos meios de prova constantes dos autos no momento da prolação das mesmas (artigo 627.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).

Efectivamente, o recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas e não sobre questões novas, salvaguardando-se sempre as questões de conhecimento oficioso.

Da interpretação conjugada do disposto nos artigos 640.º, n.º 1 e 662.º, n.º 1, ambos do CPC resulta que afasta, também, a possibilidade de o Tribunal de recurso com competência em matéria de facto efectuar um novo julgamento ao fazer recair sobre o recorrente o ónus de, primeiro, indicar os concretos pontos de facto que pretende ver modificados e, segundo, indicar os concretos meios probatórios constantes do processo, do registo ou da gravação que imponham decisão diversa sobre aqueles pontos de facto.

Vejamos agora o regime legal que se aplica à junção de documentos, em sede de recurso.

De acordo com o preceituado no artigo 651.º, n.º 1 do CPC as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

Nos termos do disposto no artigo 425.º do CPC depois de encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.

Em sede de recurso, é possível as partes juntarem documentos com as alegações, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, em virtude de ter ocorrido superveniência objectiva (documento formado depois de ter sido proferida a decisão) ou subjectiva (documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido) (vide, entre outros, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 191 e segs.).

No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1.ª Instância, o advérbio “apenas”, usado no artigo 651.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1.ª Instância, isto é, se a decisão da 1.ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis, manifestamente, cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão da 1.ª Instância ser proferida (cfr. Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534).

Sobre esta questão pronunciou-se este Tribunal Central Administrativo Sul, em acórdão de 08/05/2019, proferido no processo n.º 838/17.0BELRS, a cujo discurso fundamentador aderimos sem reserva, e do qual se transcreve a seguinte passagem:

«No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância (cfr.nº.4 supra), o advérbio “apenas”, usado no artº.693-B, do C. P. Civil (cfr.artº.651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis, manifestamente, cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão da 1ª. Instância ser proferida. Por outras palavras, a jurisprudência sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos visando a prova de factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a demonstração, mais não podendo servir de pretexto da junção a mera surpresa quanto ao resultado (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.6953/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/6/2016, proc.8610/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/07/2016, proc.9718/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/10/2018, proc.6584/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/02/2019, proc.118/18.3BELRS; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.230).» (vide ainda, a título de exemplo, no mesmo sentido Ac. do STJ, de 30/04/2019, processo n.º 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2, ambos disponíveis em www.dgsi.pt/).

Ora, lidas as alegações e conclusões de recurso, não se vislumbra qualquer justificação dos Recorrentes para a junção do documento nesta fase.

No caso dos autos, os Recorrentes procedem à junção do documento, constituído por cópias de certidões de dívidas emitidas em 03/11/2020 (doc. n.º 1 da alegação de recurso).

A decisão recorrida foi proferida em 31/01/2021, sendo que o documento junto com as alegações tem data anterior à da sentença.

Do confronto de datas resulta que os documentos, cuja junção se peticiona, foram produzidos em data anterior à decisão proferida nos presentes autos, não se verificando, por isso, a superveniência objectiva dos documentos.

Resta apreciar se se verifica a sua superveniência subjectiva, ou seja, se os documentos cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão ou, que se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido.

Lidas as alegações de recurso, também não se mostra necessária a junção de nenhum dos documentos em causa, nesta fase, pois a sua apresentação não se tornou justificada atenta a decisão recorrida.

Os Recorrentes não motivaram a junção do documento, por forma a que este tribunal pudesse sindicar a sua admissibilidade nesta fase.

Sempre se dirá, que da analise do documento cuja junção se pretende, não é possível retirar que a dívida exequenda respeita a retenções na fonte, por adiantamentos por conta de lucros, nem que estão relacionadas com a matéria dos presentes autos.

Por outro lado, não se vislumbra que prova se terá tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª Instância.

Nesta conformidade, entende-se não estar verificada a circunstância que a lei considera, a título excepcional, como justificativa da apresentação de documentos com as alegações de recurso, donde decorre que a junção do mesmo não será admitida, para conhecimento de eventual alteração à decisão da matéria de facto.

3. DO MÉRITO DO RECURSO

Está em causa a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou improcedente o recurso judicial interposto pelos ora Recorrentes da decisão da Directora Regional da AT-RAM de 27/07/2000 que, com recurso a métodos indirectos, fixou o rendimento colectável dos sujeitos passivos, em sede de IRS, do exercício de 2017, no valor de € 305.322,33, nos termos previstos nos artigos 87.º, n.º 1, alínea f) e 89.º-A, ambos da LGT, a enquadrar como rendimentos da categoria “G”, apurando-se, em consequência, um imposto a pagar no montante de € 183.193,40.

Os recorrentes não se conformam com esta decisão invocando erro de julgamento da matéria de facto, pretendo aditar à matéria de facto dada como provado o facto que foi dado como não provado, e por errada apreciação e valoração dos factos e, ainda, de direito.

3.1. DO ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO

Nas conclusões da alegação de recurso os Recorrentes questionam a decisão da matéria de facto, pretendo aditar aos factos provados o facto que foi dado como não provado e por errada apreciação e valoração dos factos, por

- ter desconsiderado a declaração de substituição do ano de 2017 apresentada pelo Recorrente em 05/08/2020, com opção de tributação em separado, para efeitos de exclusão da Recorrente mulher M..., com estado civil de casada no regime de separação de bens, e por a declaração de IRS, do ano de 2017, apresentada em 29/05/2018, com opção de tributação em conjunto, foi apresentada por mero lapso (conclusões a) a k) da alegação de recurso).

- não ter considerado justificados os montantes registados contabilisticamente, a débito, na conta do sócio M..., referentes a pagamentos ao sócio, mencionados nos pontos 13) e 14) da matéria de facto dada como provada, como restituição de suprimentos realizados pelo Recorrente nas sociedades “B..., Lda.” e “C... – Restauração, Lda.”, ou como adiantamentos por conta dos lucros, no valor de € 260.880, 63 e € 141.568,22, respectivamente, por através dos documentos n.ºs 16 e 17 da p.i. e dos depoimentos das testemunhas M... e S..., ter ficado comprovada a natureza e destino daquelas quantias, o que implicaria dar como provado o facto a) da matéria de facto dada como não provada (conclusões l) a u) da alegação de recurso).

- ter desconsiderado as compras, despesas e encargos das sociedades “B..., Lda.” e “C... – Restauração, Lda.”, pagos através da conta pessoal do sócio, no valor de € 216.579,87 e € 212.228,57, respectivamente, para efeitos da determinação da matéria colectável por métodos indirectos, indicando os pontos n.ºs 16, 17 e 18 da matéria de facto dada como provada (conclusão v) da alegação de recurso).

Vejamos, então, de acordo com a sistematização feita pelos Recorrentes nas suas conclusões da alegação de recurso.

O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Tal erro respeita a qualquer elemento ou característica da situação sub judice que não revista natureza jurídica.

A alteração pelo Tribunal Central Administrativo da decisão da matéria de facto fixada em primeira instância pressupõe, não só a indicação dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, como também, os concretos meios de prova constantes do processo e/ou da gravação dos depoimentos das testemunhas, que imponham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, nos termos dos artigos 640.º e 662.º do CPC, sob pena de rejeição nesta parte do recurso (vide neste sentido Acórdão do TCA Sul de 13/03/2012, processo n.º 05275/12, disponível em http://www.dgsi.pt).

Com efeito, os n.ºs 1 e 2 do artigo 640.º, dispõem o seguinte:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

Para legitimar o TCA a corrigir a matéria de facto dada como provada ou não provada na primeira instância por erro de apreciação das provas seria necessário que os meios de prova indicados determinassem decisão diversa da que foi proferida.

António Santos Abrantes Geraldes, sintetiza o sistema que agora vigora, que concretizou de forma mais efectiva a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto, alargando os poderes de cognição do tribunal de segunda instância, sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, da seguinte forma:

a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos e facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;

b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;

c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…)

e) O Recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interpretação de recursos de pendor genérico ou inconsequente; (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, pág.165 a 166).

Nos termos do n.º 5 do artigo 607.º do CPC, as provas estão submetidas à livre apreciação pelo tribunal recorrido, sendo que o princípio da livre apreciação da prova só cede perante situações de prova legal que fundamentalmente se verifica nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais (artigos 350.º, n.º 1, 358.º, 371.º e 376.º, todos do Código Civil).

A modificação da decisão da matéria de facto, sem embargo das modificações que podem ser oficiosamente introduzidas, está dependente da iniciativa da Recorrente e deve limitar-se aos pontos de facto especificamente indicados nas respectivas alegações, que circunscrevem o objecto do recurso.

Não basta, pois, à Recorrente invocar que a decisão sob recurso incorreu em erro de julgamento na valoração da prova e apresentar a sua própria convicção da prova produzida, sem a devida concretização.

Ora, analisada a decisão recorrida constatamos que o Tribunal a quo, sustentado no princípio da livre apreciação da prova produzida nos autos, fixou os factos que resultaram da prova documental existente no processo e na prova testemunhal produzida e que considerou necessários para a solução dada ao caso (artigo 607.º, n.º 5 do CPC).

Mas, debrucemo-nos com a devida atenção sobre cada uma das questões colocadas nas conclusões da alegação de recurso relativas ao erro de julgamento da matéria de facto.

A primeira questão a apreciar, tem a ver com a desconsideração da declaração de substituição apresentada pelo Recorrente em 05/08/2020.

Para o efeito, alegam que ficou provado que os Recorrentes estão casados, com convenção antenupcial no regime da separação de bens, que não havia comunhão de contas bancárias dos Recorrentes, que a mulher Recorrente sempre manteve a sua autonomia patrimonial e sempre se manteve alheia aos assuntos profissionais do seu marido (conclusões b) a d) da alegação de recurso).

Invocam ainda que a declaração de IRS do ano de 2017 apresentada em 29/05/2018, com opção de tributação em conjunto, foi apresentada por mero lapso, e que a declaração de substituição de IRS do ano de 2007, foi apresentada tempestivamente no prazo de caducidade, no dia 05/08/2020, sendo que esta, constitua a verdadeira intenção e opção dos Recorrentes no ano de 2017 (conclusões e) a i) da alegação de recurso).

Assim, defendem que o Tribunal a quo errou ao não determinar a exclusão da Recorrente mulher deste procedimento de fixação da matéria colectável de IRS com recurso a métodos indirectos, apenas porque a primeira declaração foi apresentada em conjunto (conclusão k) da alegação de recurso).

A decisão da matéria de facto, nos pontos 19 e 20 deu como provado, respectivamente, a apresentação em 29/05/2018 da declaração conjunta de rendimentos de IRS do ano de 2017 e em 05/08/2020 a apresentação pelo Recorrente da declaração de substituição, com base nos documentos n.º 1 junto com a oposição e n.º 11 da petição inicial. Também resultou provado que os Recorrente casaram em 23/10/2010, com convenção antenupcial, no regime de separação de bens (ponto 5 do probatório).

Porém, a alegação da conclusão e) de que a declaração apresentada em 29/05/2018, com opção em conjunto, foi apresentada por mero lapso, não resultou provada.

Lida a petição inicial atentamente também não se vislumbra qualquer alegação nesse sentido.

Assim, trata-se de uma questão nova, não contemplada na petição inicial e que, por isso, também não foi objecto de apreciação pelo tribunal de 1.ª instância, pelo que não pode ser conhecida nesta sede recursiva.

Constitui entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, exceto se forem do conhecimento oficioso do Tribunal.

De acordo com o preceituado no artigo 627.º, n.º 1, do CPC, os recursos jurisdicionais são um meio processual específico de impugnação de decisões judiciais e, como tal, o tribunal de recurso está impedido de apreciar questões novas, com excepção daquelas que sejam de conhecimento oficioso ou suscitadas pela própria decisão recorrida, sob pena de se produzirem decisões em primeiro grau de jurisdição sobre matérias não conhecidas pelas decisões recorridas (vide Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, áreas editora, 2007, Volume II, pág. 786).

Contudo, diga-se, que o alegado “lapso” de apresentação da primeira declaração não tem a relevância que parece ser dada pelos Recorrentes.

Na discussão fáctico-jurídica desta questão, o Mmo. Juiz a quo ponderou o seguinte:

(…) não releva a declaração de substituição apresentada em 05 de agosto de 2020, a qual não produziu efeitos, encontrando-se no estado de “errada” [cfr. ponto 20. do probatório] por, fazendo fé do alegado em sede de oposição, ter sido convolada em reclamação graciosa ainda pendente (como não poderia deixar de ser em face do disposto no art. 59.º, n.º 5 do CPPT).

Atento o descrito, os pressupostos para a avaliação indireta da matéria tributável ou, mais precisamente, os pressupostos de aplicação da norma contida na alínea f) do n.º 1 do art. 87.º da LGT, não careciam de ser determinados por referência individual a cada um dos sujeitos passivos que compunham o agregado familiar, devendo, antes, ser aferidos relativamente ao agregado familiar no seu conjunto, ou seja, sobre a unidade económica relativamente à qual se afere a tributação, razão pela qual a Recorrente mulher se apresenta como “parte legítima” na presente ação.

Ora, não se vislumbra qualquer erro de valoração da prova no discurso da primeira instância.

E, como muito bem refere no seu parecer, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, «(…) a competência para apreciação e validação ou não da declaração de IRS de 2017, com opção de tributação em separado é da exclusiva competência da AT, não podendo o Tribunal substituir-se à AT, apreciar e eventualmente validar tal declaração e muito menos em sede de recurso, quanto tal questão não foi discutida em 1.ª instância.

Por outras palavras, o que o recorrente pretende em sede recurso, é que o tribunal valide uma declaração de substituição de rendimentos em sede de IRS, em lugar de outra já apresentada e considerada aceite pela AT

É manifesto que a pretensão dos recorrentes viola frontalmente a competência da AT no tratamento e na aceitação das declarações de impostos, neste caso, do IRS».

Acresce salientar, que não só a declaração de substituição não foi validada pela AT (cfr. ponto 20 do probatório), como também, foi apresentada posteriormente à decisão de fixação do rendimento colectável de IRS, do ano de 2017, por métodos indirectos (cfr. ponto 42 do probatório).

Aliás, tal declaração de substituição foi apresentada 5 dias antes do presente recurso contencioso contra a decisão de fixação de rendimentos por métodos indirectos (cfr. pontos 20 e 45 do probatório), pelo que nunca poderia ter sido considerada, nem influenciar aquela decisão, não podendo os Recorrentes pretender sindicar a legalidade da decisão de fixação de rendimentos, resultante de métodos indirectos, com pressupostos de factos que não afectaram o apuramento da matéria colectável e o imposto liquidado, à data em que foram apurados.

Improcedem, pois, as alíneas a) a k) das conclusões da alegação de recurso.

A segunda questão suscitada pelos Recorrentes tem a ver com o alegado erro de julgamento por a sentença não ter considerado justificados os montantes registados contabilisticamente, a débito, na conta do sócio M..., referentes a pagamentos ao sócio, mencionados nos pontos 13) e 14) da matéria de facto dada como provada, como restituição de suprimentos realizados pelo Recorrente nas identificadas sociedades.

Alegam que através dos documentos n.ºs 16 e 17 da p.i. e dos depoimentos das testemunhas M... e S... ficou comprovada a natureza e destino daquelas quantias, pelo que devia ter sido dado como provado o facto da alínea a) da matéria de facto dada como não provada.

Vejamos.

Os pontos 13 e 14 da matéria de facto provada, com base nos aludidos docs. n.º 16 e 17, dão como provados, os registos contabilísticos, a débito, na conta do sócio, referentes a “pagamentos ao sócio”, respectivamente, nas sociedades “B..., Lda.” e “C... – Restauração, Lda.”

No ponto a) da matéria de facto não provada, foi decidido dar como não provado que os montantes registados contabilisticamente, a débito, na conta do sócio mencionados nos pontos 13. e 14., foram restituídos por conta de suprimentos realizados pelo Recorrente às sociedades “B..., Lda.” e “C... – Restauração, Lda.”

Para assim decidir o Mmo. Juiz a quo na motivação da decisão da matéria de facto, deixou expresso a analise seguinte:

Já no que respeita à factualidade dada como não provada, a convicção do Tribunal firmou-se na insuficiência de prova concludente sobre a mesma.

De facto, não obstante a prova do fluxo financeiro em causa - da entrada das quantias discriminadas nos pontos 13. e 14., provenientes das sociedades “B..., Lda.” e “C... – Restauração, Lda.”, na conta pessoal do Recorrente -, como se antevê no ponto 15., os Recorrentes não lograram demonstrar a efetividade da operação económica que alegadamente suporta aqueles movimentos - a restituição de suprimentos -, senão vejamos:

Em sede de tributação por acréscimo patrimonial não justificado, não se afigura suficiente ao cumprimento do ónus da prova que recai sobre o contribuinte (art. 89.º- A, n.º 3 da LGT) a indicação do fluxo financeiro, com a precisão da perceção do montante em causa por parte do sujeito passivo, quando a operação económica em que o mesmo alegadamente se suporta não assenta em elementos probatórios críveis, viáveis e sustentáveis, que permitam assegurar a existência de um nexo entre a prestação de suprimentos, a sua disponibilização às sociedades detidas pelo Recorrente e a respetiva restituição daqueles montantes ao sócio - neste sentido, vide acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27 de setembro de 2018, proc. n.º 1287/17.5BESNT, disponível em www.dgsi.pt, cuja doutrina se mostra transponível para o caso em presença.

Ora, tais elementos probatórios não foram carreados para os autos, bastando- se os Recorrentes a aduzir - conclusivamente - que aquelas verbas foram restituídas, mensalmente, por conta de suprimentos realizados ao longo dos anos à “B..., Lda.” e à “C... – Restauração, Lda.”, sem que se preocupassem em alegar e provar a efetividade desses contratos de suprimentos (quando foram realizados e quais os montantes disponibilizados às sociedades a esse título) e os termos em que a respetiva restituição foi processada (quais os valores primitivamente cedidos às sociedades que foram posteriormente devolvidos e as razões subjacentes a essa devolução), materialidade essencial para a demonstração “*de+ que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património”, como o impõe o n.º 3 do art. 89.º-A da LGT.

Cumpre ainda acrescentar que, neste particular, não foram valoradas as referências esparsas efetuadas pelas testemunhas M... e S... de que as verbas elencadas nos pontos 13. e 14. foram devolvidas ao sócio por conta de suprimentos, porquanto tais menções não passam de afirmações conclusivas (as testemunhas não se debruçaram sobre os contornos em que radicaram e foram prestados os alegados suprimentos e as razões motivadoras da respetiva restituição no exercício de 2017, bastando-se a dar por certo que as verbas correspondiam à restituição de suprimentos), e mostram-se desacompanhadas de quaisquer outros elementos de prova concludentes aptos a atestar que as quantias em causa correspondiam, efetivamente, à restituição de suprimentos anteriormente realizados pelo Recorrente marido às aduzidas sociedades.

Em suma, da prova produzida não ficou demonstrado que os montantes registados contabilisticamente, a débito, na conta do sócio mencionados nos pontos 13. e 14., foram restituídos por conta de suprimentos realizados pelo Recorrente às sociedades “B..., Lda.” e “C... – Restauração, Lda.”

Ora, relida a alegação de recurso e respectivas conclusões constata-se que os Recorrentes não preenchem o ónus de impugnação da matéria de facto, que sobre eles recaía, indicando com exactidão as passagens concretas da gravação dos depoimentos das testemunhas indicadas, que impunham uma decisão da matéria de facto diferente.

Na verdade, os Recorrentes limitam-se de uma forma genérica e conclusiva a indicar os meios probatórios, e a remeter para os documentos e para os depoimentos das testemunhas, sem identificar as concretas passagens dos depoimentos e sem relacionar os meios de prova, ou seja, sem motivar o recurso, de forma a determinar uma decisão dissemelhante da que foi proferida pelo tribunal a quo.

Com efeito, não atacam a motivação evidenciada na sentença, que contribuiu para a formação da convicção do julgador, quer em termos de prova documental, quer em termos de prova testemunhal.

A este propósito, aliás, assume fundamental importância a motivação da decisão da matéria de facto não provada, na qual é justamente evidenciado pelo julgador o iter que conduziu à formação da sua convicção, com fundamento na ausência de prova que a sustente, por ter considerado que a prova testemunhal arrolada apesar de confirmar a alegada versão dos factos, não foi convincente, pois, as referências a esta matéria foi esparsa e conclusiva.

De salientar, que ao contrário do alegado na conclusão t) e u) da alegação de recurso não resultou provado nos autos que a Administração Tributária liquidou retenções na fonte em falta às sociedades “B..., Lda.” e “C..., Lda.” relativamente aos acréscimos do património em questão, e que considerou e tributou essas quantias como adiantamentos por conta de lucros mediante a liquidação das respectivas retenções na fonte.

Assim, o juiz do tribunal a quo ponderou a factualidade apurada e dela retirou ilações segundo a convicção que firmou com base nos documentos e nos depoimentos recolhidos, não vislumbrando nós qualquer erro de julgamento da matéria de facto, pelo que se mantem, neste segmento, a matéria de facto tal como foi assente na sentença a quo.

Pelo contrário, não lograram os Recorrentes provar que a matéria de facto enferma do erro que lhe aponta, quer nos pressupostos em que se estribou quer, ainda, nas conclusões a que chegou, de forma a dar como provado o facto almejado (restituição por conta de suprimentos), no sentido da sua versão dos factos.

Improcedem, assim, as conclusões l) a r) das conclusões da alegação de recurso.

A terceira questão colocada é a de saber se o Tribunal a quo errou na valoração dos factos ínsitos nos pontos 16, 17 e 18 da matéria de facto dada como provada.

Alegam para o efeito que as quantias relativas a compras, despesas e encargos das sociedades em causa, pagas através da conta pessoal do sócio, no valor de € 216.579,87 e € 212.228,57 não deveriam ter sido desconsideradas, por nunca terem sido feitas em proveito pessoal ou em benefício do Recorrente.

O Tribunal a quo deu como provado os factos vertidos nos pontos 16, 17 e 18 relativos aos registos contabilísticos a crédito na conta do sócio, bem como o pagamento de despesas das sociedades em questão, com base nos documentos n.ºs 16 e 17 da p.i. e no depoimento das testemunhas ouvidas.

Porém, não obstante a consolidação da convicção do julgador sobre factos vertidos nos pontos 16, 17 e 18, e considerando ainda que o dinheiro teve como destino as sociedades, a sentença recorrida desconsiderou tais montantes, no sentido da tese defendida pelos Recorrentes, no entendimento que continuava sem estar justificada a sua origem.

Importava, pois, que fossem alegados e demonstrados factos concretos que permitissem ao tribunal formar a convicção sobre a origem dessas quantias em concreto e que não constituíam rendimentos dos Recorrentes.

Impunha-se que, mais do que os contornos relacionados com os constrangimentos dos processos executivos e penhoras e os registos a débito e a crédito, bem como os depósitos bancários, fosse alegada e demonstrada as entradas bancárias não reconhecidas, uma vez que a prova que se impunha era a da origem dos montantes e não o seu destino.

O que manifestamente não foi feito.

Pelo exposto, feita a reapreciação da prova produzida nos autos, entendemos que o tribunal recorrido decidiu acertadamente, pelo que nenhuma censura merece, não errando na valoração da prova produzida.

Improcede neste segmento o recurso.


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Estabilizada a matéria de facto avancemos para a apreciação das questões relativas ao erro de julgamento de direito.

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3.2. DO DIREITO

Está em causa a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou improcedente o recurso judicial interposto pelos ora Recorrentes e que manteve o despacho proferido pela Directora Regional da AT-RAM, de 27/07/2020, que, com recurso a métodos indirectos, fixou o rendimento tributável dos sujeitos passivos, para efeitos de IRS, para o ano de 2017, no valor de 305.322,33, em virtude de uma divergência não justificada das entradas bancárias e os rendimentos declarados nesse ano, cujo acréscimo patrimonial não justificado, por ser superior a € 100.000,00, foi considerado de acordo com a alínea d), do n.º 1, do artigo 9.º do CIRS, como rendimentos da categoria G, nos termos do artigo 89.º-A, n.º 5, alínea a) da Lei Geral Tributária (LGT).

Os recorrentes não se conformam com esta decisão, argumentando, além do supra referido erro de julgamento sobre a matéria de facto, que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito por violação do disposto na alínea f), do n.º 1, do artigo 87.º da LGT, conjugado com a alínea a), do n.º 5 do artigo 89.º-A da LGT, por essas quantias deverem ser consideradas justificadas como restituição de suprimentos feitos pelo sócio à duas sociedades ao longo dos anos e por não terem sido deduzidas à matéria colectável por métodos indirectos as saídas bancárias (despesas).

A questão que importa apreciar é então a de saber se, à luz da factualidade supra referida, a sentença recorrida incorreu no invocado erro de julgamento

Vejamos, então.

Nos termos do preceituado no n.º 1 do art. 81.º da LGT a matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei.

De acordo com o estabelecido na alínea f), do n.º 1 do artigo 87.º da LGT, com a epígrafe “Realização da avaliação indirecta”, a avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de: Acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.

Por sua vez, o artigo 89.º-A da LGT, sob a epígrafe “Manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados”, dispõe que:

«1 - Há lugar a avaliação indireta da matéria coletável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 ou quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 30%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela.

(…)

3 - Verificadas as situações previstas no n.º 1 deste artigo, bem como na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efetuada.

(…)

5 - Para efeitos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º:

a) Considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, a diferença entre o acréscimo de património ou a despesa efetuada, e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação;

(…)

11 - A avaliação indireta no caso da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias, podendo no seu decurso o contribuinte regularizar a situação tributária, identificando e justificando a natureza dos rendimentos omitidos e corrigindo as declarações dos respetivos períodos.»

É pressuposto para a realização da avaliação indirecta, além do valor superior a € 100.000,00 que não tenha sido entregue a declaração no período do imposto, ou, tendo sido entregue, esta não contenha rendimentos suficientes para justificar o acréscimo patrimonial.

Em suma, o recurso a este método de avaliação da matéria colectável constitui um dever da Administração Tributária, e não uma mera faculdade, assim se assegurando os fins de interesse público que lhe estão cometidos e que não haja fraude fiscal, perdendo o sujeito passivo, nestes casos, o benefício de presunção da veracidade de que gozam as suas declarações de rendimento.

Nas manifestações de fortuna, cabe à Administração Tributária o ónus da prova de demonstrar, por um lado, que a declaração não espelha a verdadeira situação tributária do contribuinte, e, por outro lado, que não é possível aceder à verdade fiscal do contribuinte pelo método de avaliação directa, considerando-se cumprindo esse ónus probatório, nos casos referidos na alínea f), do n.º 1, do artigo 87.º da LGT com a mera demonstração da existência do facto que a lei qualifica como “manifestação de fortuna”.

Isto é, qualquer diferença para menos entre os rendimentos declarados pelo contribuinte e o valor do acréscimo patrimonial ou despesa efectuada naquele período de imposto, desde que o acréscimo patrimonial ou esta despesa efectuada ultrapassem o valor de € 100.00,00.

Mostrado esse facto pela Administração Tributária há, em termos práticos, uma inversão do ónus da prova estabelecido no n.º 3, do artigo 74.º da LGT, imputando-se ao contribuinte a necessidade de provar a inexistência dos pressupostos de aplicação da avaliação indirecta.

Assim, cumprido o ónus probatório da Administração Tributária, por força do preceituado no n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT é sobre o sujeito passivo que recai o ónus de demonstrar a falta de aderência à realidade dos pressupostos de facto invocados como fundamento da fixação do rendimento tributável de que foi alvo, por aplicação da avaliação indirecta.

Os Recorrentes sustentam que as quantias a título de restituição de suprimentos deviam ter sido consideradas justificadas (conclusão r) da alegação de recurso).

Com o devido respeito, não têm razão.

Face ao que supra deixamos consignado a propósito do julgamento da decisão sobre a matéria de facto, os Recorrentes não lograram justificar que os montantes restituídos foram por conta de suprimentos às duas sociedades.

Efectivamente, ao contrário do sustentado pelos Recorrentes, a prova produzida e os elementos juntos aos autos não se mostram suficientemente aptos para demonstrar o nexo a relação causal de afectação de um determinado rendimento (não sujeito a tributação) a esta manifestação de fortuna, como lhes competia, nos termos prevista no artigo 89.º, n.º 3 da LGT.

A este propósito escreveu-se na sentença recorrida: Da prova produzida nos autos resultou que, de forma a evitar os constrangimentos advenientes dos processos executivos e penhoras que a “B..., Lda.” e a “C... – Restauração, Lda.” estavam a enfrentar em 2017, o Recorrente optou por depositar as receitas de caixa diárias das aduzidas sociedades na sua conta particular; sendo que nesse ano apenas entravam nas contas das sociedades os valores pagos pelos clientes em cartão, montantes esses que eram posteriormente transferidos para a conta pessoal do Recorrente - cfr. pontos 8. a 12. do probatório.

O mesmo é dizer que as quantias constantes das folhas de caixa juntas com a petição inicial como documentos n.ºs 14 e 15, que deram entrada na conta C... n.º 03..., titulada pelo Recorrente, correspondem às receitas de caixa e em cartão das referidas sociedades realizadas em 2017, encontrando-se, pois, justificados tais fluxos financeiros.

Foi isto mesmo que se concluiu em sede inspetiva, como se depreende do relatório final emitido no âmbito da ordem de serviço n.º OI202000169, onde se consideraram justificadas, além do mais, as quantias provenientes da “B..., Lda.” (€ 251.594,64) e da “C... – Restauração, Lda.” (€ 137.527,12), a título de receitas de caixa em 2017. Tal justificação teve por base probatória o extrato bancário da conta n.º 03... com indicação dos depósitos bancários por sociedade a que respeitam, apresentado pelo próprio Recorrente por requerimento com data de entrada em 26 de novembro de 2019 [cfr. ponto 31. da matéria apurada], de onde se alcança uma correspondência com os valores constantes das folhas de caixa daquelas sociedades no ano de 2017, juntas com a petição inicial como documentos n.ºs 14 e 15.

Como tal, a almejada justificação das entradas provenientes de receitas diárias de caixa das aludidas sociedades encontra-se já reconhecida em sede procedimental, o que significa que se impunha aos Recorrentes justificar as restantes entradas bancárias não reconhecidas, designadamente transferências no montante de € 1.800,00, depósitos no valor de € 311.735,00 e depósitos em moedas de € 1.479,33.

Para o efeito, sustentam os Recorrentes que, mensalmente, por conta dos suprimentos realizados pelo Recorrente às sociedades “B..., Lda.” e “C... – Restauração, Lda.” ao longo dos anos, foram-lhe restituídas as quantias referenciadas nos pontos 13. e 14. da matéria assente (registadas contabilisticamente, a débito, na conta do sócio).

Não restam dúvidas que tais quantias provêm das referidas sociedades e que deram entrada na conta C... n.º 03..., titulada pelo Recorrente [cfr. ponto 15. do probatório], encontrando-se, pois, evidenciado o respetivo fluxo financeiro.

Sucede, porém, que não resultou provado que esses montantes foram restituídos por conta de suprimentos realizados pelo Recorrente às sociedades “B..., Lda.” e “C... – Restauração, Lda.” - cfr. alínea a) dos factos não provados.

Ou seja, a operação económica que alegadamente suporta o fluxo financeiro em causa não se encontra demonstrada, por não ter assentado em elemento probatórios críveis, viáveis e sustentáveis, que permitissem assegurar um nexo entre a prestação dos suprimentos, o recebimento dos mesmos pelas sociedades em causa e a respetiva restituição ao sócio, conforme se adiantou em sede de motivação da matéria de facto (não provada).

Efetivamente, para prova da ilegitimidade do ato de avaliação indireta ou do erro da respetiva quantificação, não basta ao contribuinte demonstrar a existência de determinado fluxo financeiro, com a precisão da perceção do montante em causa, mas também demonstrar a efetividade da operação económica em que o mesmo alegadamente se suporta (v.g. a restituição de suprimentos), sob pena de não se poder ter como justificada a manifestação de fortuna evidenciada, por incumprido o ónus constante do n.º 3 do art. 89.º-A da LGT, como se verificou no caso dos autos.

Concluindo, os Recorrentes não demonstraram, através de prova positiva e concludente que lhes era exigível (artigos 74.º, n.º 3 e 89.º-A, n.º 3 da LGT), que o valor remanescente que possibilitou o acréscimo patrimonial evidenciado, ou seja, € 305.322,33 (€ 313.214,33 - € 7.892,00), teve origem em restituições de suprimentos, ficando desse modo a AT-RAM legitimada a fixar, de forma indireta, como rendimento tributável em sede de Categoria G do IRS, os apontados € 305.322,33.

Concluindo, diga-se que o assim decidido não nos merece qualquer censura, pelo que acompanhamos o discurso fundamentador da sentença recorrida, dispensando-nos de maior desenvolvimento, atenta a forma profícua e criteriosa da apreciação da questão em apreço pela 1.ª instância.

A última questão a apreciar é a do imputado erro de julgamento quanto à desconsideração dos montantes pagos a título de compras, despesas e encargos das sociedades “B..., Lda.” e “C... – Restauração, Lda.”, pagos através da conta pessoal do sócio, no valor, respectivamente, de € 216.579,87 e de € 212.228,57.

De referir em primeiro lugar que os Recorrentes se limitam a contrapor a sua versão dos factos, sem atacar concretamente os fundamentos de facto e de direito da sentença recorrida.

É certo que resultou provado que o Recorrente efectuou pagamentos, a partir da sua conta pessoal, de despesas e encargos das duas sociedades de que era sócio (ponto 19 do probatório).

Não obstante, ter resultado provado o destino desses pagamentos, os Recorrentes não lograram provar a origem das quantias que permitiram efectuar tais pagamentos, pelo que não se pode afirmar que tais montantes não constituem rendimentos dos Recorrentes, ou seja, não fizeram prova de que não existe ocultação ilegal de rendimentos, e, desta forma, fica legitimado o recurso ao método indirecto de avaliação do rendimento tributável pela administração tributária.

Nesta matéria, os Recorrentes não lograram demonstrar o nexo ou ligação entre a fonte do rendimento (não sujeito a tributação), qualificando e quantificando os rendimentos omitidos, no caso concreto, que os acréscimos patrimoniais e as despesas efectuadas foram realizados com recurso a rendimentos que não tinham que ser declarados ou do património próprio do Recorrente, como lhes competia.

A sentença recorrida quanto a esta questão ponderou o seguinte: Por fim, e relativamente às saídas (despesas) realizadas pelo Recorrente por conta das sociedades “B..., Lda.” e “C... – Restauração, Lda.” que, segundo vem alegado, “deveriam ter sido deduzidas às entradas verificadas na conta bancária do Recorrente e não poderiam ter sido ignoradas pela Administração Fiscal para efeitos de apuramento da matéria coletável, conforme se lhe impunha nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 89.º-A da LGT” (cfr. artigo 93.º da petição inicial), cumpre esclarecer que mesmo considerando que o dinheiro teve como destino as sociedades indicadas “[continuaria] sem estar justificada a sua origem, de forma a se poder afirmar que tais montantes não constituem rendimentos dos recorrentes sujeitos a tributação e a considerar como não provados os pressupostos para afastar a fixação da matéria colectável por avaliação indirecta, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT”, sendo que “[a] prova que se impunha no caso concreto, era a da origem e não do destino dado ao dinheiro relevado nas contas bancárias dos recorrentes” - cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 24 de janeiro de 2017, proc. n.º 02949/15.7BEPRT, disponível em www.dgsi.pt.

Concordamos inteiramente com o assim decidido.

O acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, citado na sentença recorrida, cujo discurso fundamentador sufragamos, pela sua pertinência transcrevemos ainda o seguinte excerto:

«No âmbito das manifestações de fortuna, o legislador confere à AT a faculdade de decidir directamente pela tributação por métodos indirectos, demonstrados que estejam os indícios que descredibilizem (no caso) a declaração apresentada pelo contribuinte. A AT não terá assim que demonstrar a falta de veracidade da declaração do contribuinte, bastando-lhe demonstrar o facto que o legislador considera constituir uma manifestação de fortuna ou o acréscimo de património relevante.

Ao invés, ao sujeito passivo é instituído um ónus bastante proeminente, pois tem de comprovar a realidade dos rendimentos declarados, demonstrar que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo do património ou da despesa efectuada.

Em face da distribuição do ónus da prova, competia, no presente caso, aos Recorrentes, o encargo de provar os factos pertinentes à procedência do seu pedido.
Como se apreciou na sentença recorrida…
os recorrentes confundem e misturam as situações de ausência de prova (com que estão onerados) com a eventual complexidade ou onerosidade da prova que, a existir, é apenas imputável à sua conduta.

Desde logo, a prova que se impunha no caso concreto, era a da origem e não do destino dado ao dinheiro relevado nas contas bancárias dos recorrentes. Pois, mesmo que se considerasse provado, (o que não aconteceu) que o dinheiro teve como destino as sociedades indicadas, continuaria sem estar justificada a sua origem, de forma a se poder afirmar que tais montantes não constituem rendimentos dos recorrentes sujeitos a tributação e a considerar como não provados os pressupostos para afastar a fixação da matéria colectável por avaliação indirecta, nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 87º da LGT.

Competia, por isso aos recorrentes e não à AT a prova da origem dos movimentos a crédito nas contas identificadas. E só se essa prova fosse efectuada é que poderia ter relevância a comprovação do destino dado a esse dinheiro (permitindo completar, como referido pelos recorrentes, o circuito financeiro do dinheiro).» (disponível em www.dgsi.pt/).

Assim, face a todo o exposto, na falta de justificação do acréscimo de património, improcedem na íntegra todas as conclusões da alegação de recurso, não incorrendo a sentença recorrida em erro de julgamento de direito.

Impõe-se, assim, negar provimento ao recurso jurisdicional, e confirmar a sentença recorrida.


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Conclusões/Sumário:

I. A declaração de substituição foi apresentada 5 dias antes do presente recurso contencioso contra a decisão de fixação de rendimentos por métodos indirectos (cfr. pontos 20 e 45 do probatório), pelo que nunca poderia ter sido considerada, nem influenciar aquela decisão, não podendo os Recorrentes pretender sindicar a legalidade da decisão de fixação de rendimentos, resultante de métodos indirectos, com pressupostos de factos que não afectaram o apuramento da matéria colectável e o imposto liquidado, à data em que foram apurados.

II. Os Recorrentes limitam-se de uma forma genérica e conclusiva a indicar os meios probatórios, e a remeter para os documentos e para os depoimentos das testemunhas, sem identificar as concretas passagens dos depoimentos e sem relacionar os meios de prova, ou seja, sem motivar o recurso, de forma a determinar uma decisão dissemelhante da que foi proferida pelo tribunal a quo.

III. Nas manifestações de fortuna, cabe à Administração Tributária o ónus da prova de demonstrar, por um lado, que a declaração não espelha a verdadeira situação tributária do contribuinte, e, por outro lado, que não é possível aceder à verdade fiscal do contribuinte pelo método de avaliação directa, considerando-se cumprindo esse ónus probatório, nos casos referidos na alínea f), do n.º 1, do artigo 87.º da LGT com a mera demonstração da existência do facto que a lei qualifica como “manifestação de fortuna”.

IV. Cumprido o ónus probatório da Administração Tributária, por força do preceituado no n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT é sobre o sujeito passivo que recai o ónus de demonstrar a falta de aderência à realidade dos pressupostos de facto invocados como fundamento da fixação do rendimento tributável de que foi alvo, por aplicação da avaliação indirecta.

V. Nesta matéria, os Recorrentes não lograram demonstrar o nexo ou ligação entre a fonte do rendimento (não sujeito a tributação), qualificando e quantificando os rendimentos omitidos, no caso concreto, que os acréscimos patrimoniais e as despesas efectuadas foram realizados com recurso a rendimentos que não tinham que ser declarados ou do património próprio do Recorrente, como lhes competia.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pelos Recorrentes

Notifique.

Lisboa, 29 de Abril de 2021.


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A Juíza Desembargadora,
Maria Cardoso
(assinatura digital)

(A Relatora consigna e atesta, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, o voto de conformidade com o presente Acórdão das restantes Juízas Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Juízas Desembargadoras Catarina Almeida e Sousa e Hélia Gameiro Silva).