Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3384/23.9BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/31/2024
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:AUDIÇÃO PRÉVIA
NULIDADE
EXTINÇÃO DO PROCESSO CAUTELAR
Sumário:I - A apreciação do preenchimento das condições de procedência das medidas cautelares requeridas depende de não se verificar causa de extinção dos processos cautelares, designadamente a que se mostra prevista no artigo 123.º, n.º 1, alínea a) do CPTA;
II - Por regra, o vício de preterição da audiência prévia determina a (mera) anulabilidade do ato, todavia, nos casos de procedimentos com cariz disciplinar/sancionatório ou quando associado à realização de outro direito fundamental, em termos que o seu incumprimento contenda com o conteúdo essencial daquele, a sua violação será apta a determinar a nulidade do ato [artigo 161.º, n.º 2, alínea d) do CPA];
III - A obrigação de entrega da carteira profissional prevista no artigo 17.º, n.º 3 do Regime de Organização e Funcionamento da CCPJ e da Acreditação Profissional dos Jornalistas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 70/2008, de 15 de abril, não reveste natureza sancionatória, designadamente de caráter disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social;
IV - Não alegando a Requerente, de forma consubstanciada e concretizada, que o exercício do direito de audiência prévia, prévio à imposição do dever de entrega do título profissional, se mostrava essencial à realização da liberdade de exercício da profissão, em termos que, por representar uma restrição arbitrária ou aniquilação daquele, a sua violação ofende o núcleo essencial do direito fundamental, não se mostra consubstanciada a nulidade ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do CPTA;
V - Provando-se que a Requerente em todos os procedimentos iniciados perante a Requerida sempre indicou o seu endereço eletrónico e o utilizou como forma de comunicação com esta, aplica-se a presunção de consentimento para a notificação por correio eletrónico nos termos conjugados dos artigos 112.º, n.º 1, alínea c), n.º 2 alínea b) e 63.º, n.º 2 do CPA;
VI - Dado que todos os vícios invocados são determinantes da mera anulabilidade, não tendo a Requerente feito uso, no prazo de 3 meses consagrado no artigo 58.º, n.º 1 alínea b) do CPTA, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adoção da providência cautelar de suspensão de eficácia se destinava, verifica-se a causa de extinção do processo cautelar nos termos do artigo 123.º, n.º 1 alínea a) do CPTA.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

M........ (doravante Requerente, Recorrida ou A.) instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ação cautelar contra a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (doravante Entidade Requerida, Requerida, Recorrente ou CCPJ), peticionando a suspensão da eficácia da decisão da Entidade Requerida, de 23.09.2023, através da qual foi determinada a entrega da carteira profissional de jornalista, com o n.º ........0, de que a Requerente é titular.

Em 5.2.2024 a Entidade Requerida apresentou requerimento solicitando a extinção do processo cautelar, nos termos do art.º 123.º do CPTA, sustentando não ter a Requerente instaurado a ação principal no prazo de que dispunha para o efeito.

Em 20.4.2024 o Tribunal a quo proferiu despacho nos seguintes termos: “A decisão sobre a verificação da previsão normativa do artigo 123.º, n.º 1, alínea a), do CPTA, depende da qualificação dos vícios, que a requerente imputa ao ato suspendendo, como geradores de nulidade ou de anulabilidade, pelo que dela será conhecida na sentença. Notifiquem-se as partes”.

Por sentença proferida em 14 de maio de 2024, o referido Tribunal julgou procedente o presente processo cautelar, suspendendo a eficácia da decisão da Entidade Requerida de 23.9.2023, através da qual foi determinada a entrega da carteira profissional de jornalista, com o n.º ........0, de que a Requerente é titular.

Inconformada, a CCPJ interpôs recurso jurisdicional dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, concluindo nos seguintes termos:

“A - Vem o presente recurso interposto da douta sentença que decretou a impugnação do ato administrativo que determinou a suspensão do direito ao título profissional da Apelada.
B - Em suma, entendeu o Tribunal a quo que se encontram preenchidos os requisitos da tutela cautelar: fumus boni júris, ou a probabilidade séria da existência do direito, periculum in mora, ou o fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de efeitos de difícil reparação para os direitos cuja proteção se requer e, por fim, não ser o prejuízo resultante da providência superior ao dano que com ela se pretende evitar.
C - Entendemos que andou mal o douto Tribunal a quo, conforme demonstraremos.
D - No que respeita ao periculum in mora entendemos que não ficou provado que a manutenção da validade do ato administrativo, ou seja, a manutenção da validade jurídica da decisão que determinou a obrigatoriedade de entrega da carteira profissional de jornalista, consubstancie uma situação lesiva dos direitos da Apelada, designadamente do seu direito ao trabalho na medida em que a titularidade de carteira profissional de jornalista não é determinante para o exercício das funções concretamente desempenhadas pelas Apelada no jornal "E.........".
E - Assim, e para contextualização da questão da situação laboral da Apelada, cumpre esclarecer os seguintes fatos, nenhum deles alvo de contestação:
- A 01 de outubro de 2020, contrato de trabalho com a sociedade S........., Lda., para exercer funções inerentes à categoria profissional de jornalista;
- Contrato esse alvo de aditamento a 01 de outubro de 2022 e válido até à presente data;
- A Apelada é titular de Carteira Profissional de Jornalista desde fevereiro de 2023.
- Antes de lhe ser atribuída a Carteira Profissional de Jornalista era a Apelada detentora de Título Provisório de Estagiário, o qual foi atribuído a na sequência do pedido por si apresentado a 15 de Dezembro de 2021 e deferido a 04 de janeiro de 2022.
F - Assim, resulta dos factos provados que a Apelada exerce funções inerentes à Categoria Profissional de Jornalista, em regime de exclusividade, por força do contrato de trabalho celebrado com a sociedade S........., Lda., desde 1 de outubro de 2020.
G - Sendo que, nessa data, a Apelada não era titular de qualquer acreditação que lhe permitisse exercer uma atividade de natureza jornalística, o que apenas veio a suceder a 4 de janeiro de 2022.
H - E exerceu tais funções, sempre, no jornal "O L.........", facto alegado pela aqui Apelante em sede de decisão administrativa e bem assim em sede de oposição e não contestado pela aqui Apelada.
I - Resulta assim que a Apelada trabalha para o jornal "O L........." desde 1 de outubro de 2020, elaborando e publicando artigos, o que sempre fez mesmo não sendo titular de qualquer acreditação profissional para o efeito, na medida em que só em 04 de janeiro de 2022 foi a Apelada acreditada com Cartão de Identificação de Estagiário (por, supostamente, estar ao serviço do jornal "E.........").
J - Assim, fosse a titularidade de Carteira Profissional de Jornalista essencial para o desempenho das funções da Apelada junto do L........., então nunca esta se poderia ter mantido ao serviço daquela publicação durante os 15 meses em que se manteve sem a devida acreditação.
K - Pelo que sempre poderia a Apelada continuar a executar as funções que sempre desempenhou, na medida em, claramente, a não titularidade de Carteira Profissional de Jornalista não limita tal exercício.
L - Razão pela qual entende a Apelante que o requisito do periculum in mora não se encontra preenchido no caso em análise.
M - No que respeita à ponderação dos danos decorrentes do decretamento da providência vs os danos decorrentes da sua recusa, entendeu o douto Tribunal a quo que "a verificação da existência de um ato que impossibilite o exercício pleno de determinada profissão é fundamento suficiente para concluir pela existência de prejuízos graves ou de difícil reparação decorrentes da não suspensão do ato administrativo que determinou a entrega da Carteira Profissional.", conclusão essa alicerçada em dois Acórdãos, um do Supremo Tribunal Administrativo e outro do Tribunal Central Administrativo.
N - Não podemos, contudo, concordar com o entendimento na medida em que a análise de eventuais danos sempre tem que ser realizada com recurso ao caso concreto, não se podendo concluir, genericamente, pela existência de prejuízos graves decorrentes de toda e qualquer decisão que limite o exercício de uma profissão.
O - Vejamos. Se um individuo for titular de Cédula Profissional emitida pela Ordem dos Médicos, sem que tenha exercido qualquer ato médico após a conclusão do estágio, e ao fim de 15 anos for determinada a entrega da cédula profissional, existe algum dano concreto? Parece-nos que não.
P - Numa vertente oposta mas igualmente flagrante, se a Apelada sempre exerceu funções no jornal "O L.........", se sempre elaborou e publicou artigos naquele órgão, mesmo durante os mais de 13 meses em que não estava habilitada para exercer o jornalismo, a determinação para entrega da Carteira Profissional de Jornalista causar-lhe-á danos? Parece-nos, uma vez mais, que não.
Q - Acresce que esta limitação ao exercício da profissão sempre se justifica por força da necessidade de salvaguarda dos interesses públicos em causa.
R - A regulamentação da profissão de jornalista existe por força do impacto da mesma na sociedade civil, bem como por força dos direitos conferidos ao titular de carteira profissional de jornalista, como seja o direito de acesso às fontes de informação ou a garantia de sigilo profissional, entre muitos outros, direitos esses que não estão na disposição de qualquer pessoa.
S - Acresce que, para o leitor da notícia, o jornalista é aquele que exerce "funções de pesquisa, recolha, seleção e tratamento de factos", porque confia que o que o jornalista faz é apresentar-lhe factos objetivos, permitindo depois ao cidadão formular a sua opinião com base nos factos que lhe foram transmitidos de forma isenta, daí que o Estatuto do Jornalista proíba o exercício de jornalismo em publicações de natureza predominantemente promocional, pois nessas publicações o leitor irá depositar a sua confiança num artigo que está redigido de forma a formar a sua convicção sobre determinado tema sem que o cidadão se aperceba desse facto (no caso os artigos da publicação "O L........." procuram enaltecer a marca Sporting).
T - E essa confiança tem que ser protegida, pois a informação é uma pedra basilar da democracia.
U - Entendeu ainda o Tribunal a quo que não é possível, a título cautelar, concluir pela verificação da exceção da intempestividade da apresentação da petição inicial, por entender que estava a aqui Apelante obrigada a dar cumprimento ao direito de audição prévia da aqui Apelada.
V - Antes de mais entendemos que ainda que tivesse ocorrido a violação do direito de audição prévia da Apelada, o que apenas concebemos por cautela de patrocínio, tal violação nunca conduziria à nulidade do ato, mas apenas à sua anulabilidade.
W - Veja-se a nossa Jurisprudência na matéria:
i) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido a 30 de janeiro de 2014 no âmbito do processo 7094/13:
"3. A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui forma do procedimento tributário suscetível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr. art. ° 135, do C.P. Administrativo)."
ii) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido a 24 de setembro de 2008, no âmbito do processo 0489/08:
"V - Neste caso, é manifesto que não se está perante uma situação de absoluta impossibilidade de a decisão do procedimento de liquidação ser influenciada peia audição da impugnante, peio que o direito de audição desta se impunha.
VI-A omissão de tal audiência conduz à anulação do acto a que se reporta."
iii) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 21 de janeiro de 2021:
"i) Em regra, os vícios dos actos administrativos implicam a sua mera anulabilidade, só ocorrendo nulidade quando falte qualquer elemento essencial do acto, quando a lei expressamente o determine, ou quando se verifiquem as circunstâncias referidas nas diversas alíneas don.°2 do artigo 161. ° do CPA, designadamente quando ocorra ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamentai.
ii) O vício de fata de fundamentação não é susceptível de inquinar o acto impugnado de nulidade por fata de um elemento essencial, nos termos do disposto no artigo 161. °, n. ° 2, aiínea g), do CPA.
iii) Nos termos do disposto no artigo 58. °, n. ° 2, a. b) do CPTA, é de três meses o prazo para impugnação do acto administrativo impugnado."
iiii) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 21 de maio de 2021:
I) - Obsta à impugnação do acto anulável a sua posterior aceitação.
II) -A fata de fundamentação não poderá afectar de nulidade o acto impugnado se não se identifica ofensa do conteúdo essencialde um direito fundamental."
X - Sendo a nossa jurisprudência maioritária no sentido de aplicar à violação do direito de audição prévia o desvalor da anulabilidade.
Y - O que se justifica porquanto a nulidade é o mais gravoso dos desvalores jurídicos e, portanto, aquele que atribui maiores garantias de defesa ao visado, desde logo no que respeito ao prazo da sua arguição, pois estando em causa um ato nulo esse desvalor pode ser invocado a todo o tempo.
Z - Por ser um desvalor com consequências tão nefastas para a ordem jurídica (pois não permite a sua sedimentação) a lei tipifica as situações que conduzem à nulidade do ato, aplicando-se a todas as outras, por exclusão de partes, o desvalor da anulabilidade, o que faz no artigo 161° do CPA.
AA - A Apelante, ao levar a cabo a notificação da Apelada para entrega da sua Carteira Profissional de Jornalista agiu ao abrigo da lei, cumprindo os requisitos previstos no artigo 17° do Regime de Organização e Funcionamento da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e da Acreditação Profissional de Jornalista, o qual não prevê que seja realizada qualquer notificação do visado previamente à tomada de decisão.
AB - A norma em causa consubstancia uma norma de carácter especial face ao Código de Procedimento Administrativo (adiante CPA), pelo que, não obstante a previsão geral do artigo 121° do CPA, a norma especial prevista no artigo 17° não prevê a obrigatoriedade de audição prévia do destinatário da decisão e prevalece sobre a norma geral.
AC - Acresce que a decisão da Entidade Administrativa não foi, para a Apelada, uma novidade na medida que, aquando da submissão do pedido de atribuição de Cartão de Identificação de Colaborador por se encontrar ao serviço do jornal "O L........." a Apelada viu esse pedido negado, a 05 de maio de 2020, precisamente por ser entendimento da CCPJ que o jornal "O L........." se tratava de um órgão predominantemente promocional.
AD - Não se tratou, por isso, de uma decisão surpresa que é precisamente o que se pretende também evitar com a determinação do direito de audição prévia, pois a Apelada era já plenamente conhecedora deste entendimento,
AE - Acresce que a verdade é que, quisesse a Apelada intervir no âmbito do procedimento administrativo sempre o poderia ter feito, primeiro porque, defendendo a Apelada que está em causa um direito inviolável, uma vez notificada para proceder à entrega da Carteira Profissional de Jornalista poderia ter remetido comunicação à Apelante exercendo o direito de audição prévia, ainda que tal menção não constasse do ato decisório, e depois porque foi a própria Apelante que, no despacho que remeteu à Apelada fez constar que "pelo que, se solicita a M........ que apresente, junto da CCPJ, um esclarecimento/justificação para o sucedido, caso contrário este organismo independente de direito público, independentemente de outros procedimentos, terá de cumprir o seu dever legal de comunicar o facto ao Ministério Público".
AF - Não obstante não estar obrigada a fazê-lo na medida em que o artigo 17° do ROFCCPJ não o prevê, foi efetivamente dada à Apelada a possibilidade de se pronunciar sobre os factos a esta imputados, pois, ainda que tal alegação se insira no âmbito das declarações de estágios prestadas pela Apelada, sempre poderia esta ter respondido à solicitação da Apelante, prestando os esclarecimentos que entendesse relevantes além dos solicitados, o que não fez.
AG - Não ocorreu assim, qualquer violação do direito de audição prévia.
AH - Mas, ainda que tivesse ocorrido a violação do direito de audição das Apelada, o que não se concede, tal violação conduziria apenas à anulabilidade do ato, dispondo por isso a destinatária do mesmo de três meses para apresentar a competente ação administrativa em juízo, o que a Apelada não fez, na medida em que a ação administrativa de impugnação do ato administrativo entrou em juízo apenas em 05 de março de 2023, ou seja, decorridos mais de 5 meses após a notificação do ato administrativo em discussão.
AI - O douto Tribunal a quo concluiu no sentido de que "a manutenção da carteira profissional de jornalista, por parte da Requerente, durante a pendência do processo principal não a exime de ter de cumprir o Estatuto do Jornalista, nomeadamente a sujeição a todos os deveres previstos no artigo 14° desse estatuto e às incompatibilidades previstas no artigo 3°.", contudo a verdade é que a Apelante tem vindo a violar reiteradamente, desde outubro de 2020, as normas que regulamentam a profissão que se propõe a exercer, pelo que a lesão dos interesses públicos decorrente do comportamento da Apelada não podem deixar de preocupar aquela que é a entidade administrativa com poderes para atuar na matéria.
AJ - Se numa primeira fase se apresentou, legitimamente, a requerer a atribuição de cartão de colaborador, a partir do momento em que viu negada essa pretensão por força da natureza predominantemente promocional da publicação "O L.........", os enganos têm sido uma constante.
AK - Seja porque, após ver negado o seu pedido de atribuição de Cartão de Colaborador por força da natureza predominantemente promocional do órgão para o qual se apresentava a trabalhar, se ter mantido ao serviço do jornal "O L.........",
AL - Ou porque, após a supra mencionada recusa se apresentou a solicitar a atribuição de Cartão de Identificação de Estagiária alegando para o efeito que iria prestar o Estágio no jornal "E........." sob a orientação do jornalista M..., estágio esse com duração de 12 meses, quando, na verdade, permaneceu ao serviço da publicação "O L.........".
AM - Ou ainda porque apresentou como concluído um estágio que, objetivamente, não o poderá estar na medida em que o orientador de estágio da Apelada saiu do jornal no qual aquela se encontrava, alegadamente, a trabalha, a meio do período de 12 meses de duração mínima obrigatória do estagio, ficando por isso a Apelada, em boa verdade, desde essa data, sem orientador de estágio.
AN - Não tendo, contudo, cumprindo com a sua obrigação legal de transmitir tal informação à Apelante.
AO - Sendo por isso notório o desrespeito que a Apelada demonstra pelas regras que vinculam o exercício da profissão de jornalista, razão pela qual conclui a Apelante que o seu comportamento se manterá igual enquanto permanecer titular de Cédula Profissional de Jornalista, violando sistematicamente as normas a que está vinculada.
AP - Por todo o exposto entende a Apelante que andou mal o douto Tribunal a quo ao decretar a requerida providência cautelar de impugnação do ato administrativo.
Nestes termos e nos demais de direito, e sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências Venerandos Juízes Desembargadores, deverá o presente recurso ser considerado procedente, lavrando-se Acórdão que substitua a sentença recorrida e mantenha a validade da decisão da autoridade administrativa, ordenando-se, em consequência, a entrega da cédula profissional da apelada.”

A Recorrida, notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.

O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. Delimitação do objeto do recurso

Considerando as conclusões do recurso, cumpre a este Tribunal apreciar se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito.

III. Fundamentação de facto

III.1. Na decisão recorrida foi julgada indiciariamente provada a seguinte factualidade:

1) A sociedade comercial S........., Lda., com o número único de matrícula e de pessoa coletiva …….61, é proprietária da publicação periódica L........., que se encontra inscrita junto da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, com o n.º de registo .........89, desde 10.12.2019 [cf. documento emitido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, junto como documento n.º 9 do requerimento cautelar, a fls. 339-345 do SITAF].
2) Consta o seguinte do estatuto editorial da publicação periódica L.........:
“O L......... é um jornal de Sportinguistas, feito por Sportinguistas e para Sportinguistas.
É um jornal online que se rege, em primeiro e único lugar, pela independência e pela liberdade.
O L......... trabalha sob critérios de rigor editorial e de acordo com a verdade dos factos, sendo independente face a qualquer ideologia, religião, poder político ou poder económico.
No L......... somos exigentes, fazemos jornalismo sobre o universo verde-e-branco, recusando toda e qualquer espécie de sensacionalismo ou intromissão na vida privada.
Apostaremos numa informação diversificada, abrangendo as várias áreas de atividade do Sporting Clube de Portugal, a que corresponde o interesse dos Sportinguistas. Apresentaremos essa informação em variados formatos, sejam eles escritos ou audiovisuais.
O L......... é responsável apenas perante os seus leitores.
O L......... quer garantir uma opinião pública bem informada e interveniente.
O L......... dirige-se a todo o público Sportinguista, independentemente da sua condição social, do seu credo ou da sua profissão.
O L......... assume os princípios do Estado de Direito e da Carta Universal dos Direitos Humanos, pelos quais norteia toda a sua atividade. Democracia, liberdade e pluralismo são três alicerces essenciais deste jornal.
O L......... respeita o código deontológico e a ética profissional dos jornalistas, assim como a boa fé dos leitores, tal e qual como consagra a letra do Artigo 17.º da Lei de Imprensa portuguesa.” [cf. estatuto editorial, junto como documento n.º 2 do requerimento cautelar, a fls. 62-62 do SITAF].
3) No dia 01.10.2020 a sociedade comercial S........., Lda., na qualidade de primeira outorgante, e a Requerente, na qualidade de segunda outorgante, assinaram um documento intitulado “Contrato de trabalho a termo certo a tempo parcial”, do qual consta, designadamente, o seguinte:

“[…]
PRIMEIRA
(Categoria)
1º- O Segundo Outorgante é admitido ao serviço da Primeira Outorgante, para, sob a autoridade e direcção desta, exercer funções inerentes à categoria profissional de Jornalista, em regime de exclusividade, não podendo exercer qualquer actividade em concorrência com a Primeira Outorgante.
2º- As funções a desempenhar pelo Segundo Outorgante consubstanciam-se nas seguintes: redação de conteúdos necessários para a divulgação no site da empresa, em formato digital.
3º- Incluem-se no objecto do presente contrato todas as tarefas correlativas às acima mencionadas, bem como eventuais substituições por razões de urgência ou transitórias que a Primeira Outorgante confie no Segundo Outorgante no uso do seu poder de direcção, desde que por sua natureza não sejam incompatíveis com aquelas para que foi contratado.
[…]” [cf. documento a fls. 339-345 do SITAF].
4) No dia 01.10.2022 a sociedade comercial S........., Lda., na qualidade de primeira outorgante, e a Requerente, na qualidade de segunda outorgante, assinaram um documento intitulado “Aditamento ao contrato”, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“[…]
Considerando que:
1. As Partes celebraram um contrato a termo certo no regime de part-time (CONTRATO) pelo período de 12 (doze) meses, com início a 01/10/2020, renovado automaticamente e cuja vigência se mantém;
2. As Partes celebraram um Aditamento a 01/10/2021 alterando o período de trabalho para 40h semanais (full-time) e cuja vigência se mantém;
3. As Partes celebraram uma Adenda (ADENDA) ao Contrato alterando o regime de prestação de trabalho e cuja vigência se mantém;
4. As partes pretendem manter a sua relação laboral mantendo tudo o acordado no CONTRATO, no ADITAMENTO e na ADENDA alterando a modalidade daquele para sem termo e o valor da retribuição base;
É livremente e de boa-fé aceite o Aditamento ao Contrato de Trabalho a Termo Certo, que se regerá pelo estipulado nas Cláusulas seguintes:
PRIMEIRA
(Conversão)
O referido Contrato converte-se em contrato sem termo na data de 01/10/2022. […]” [cf. documento a fls. 339-345 do SITAF].
5) A Requerente é destacada pela S........., Lda. para cobrir jogos de futebol nos estádios ou jogos de outras modalidades desportivas nos pavilhões [cf. fundamentação infra].
6) A carteira profissional de jornalista é necessária para a Requerente ter acesso antecipado aos onzes de cada equipa, participar na conferência de imprensa, aceder à zona mista e para garantir a acreditação para entrada nos recintos desportivos. [cf. fundamentação infra].
7) A Requerente é titular da Carteira Profissional de Jornalista n.º ........0, emitida pela Entidade Requerida em fevereiro de 2023 [cf. fls. 30 do processo administrativo junto aos autos].
8) No dia 25.09.2023 foi enviada uma mensagem de correio eletrónico, da Entidade Requerida para a Requerente, que recebeu, com a epígrafe “CCPJ – decisão do Secretariado da CCPJ”, da qual constava um anexo intitulado “Decisão Secretariado CCPJ – M.........pdf” [cf. fls. 41 do processo administrativo junto aos autos; a receção da mensagem não é controvertida, pela que, nesta parte, se considera o facto provado por acordo].
9) O documento em anexo à mensagem referida no ponto anterior tinha por assunto “Notificação para entrega da Carteira Profissional de Jornalista n.º ........0 por ocorrência superveniente de incompatibilidade” e da mesma constava, designadamente, o seguinte:
“[…]
Decisão
Neste sentido, por decisão unanime do Secretariado da CCPJ, M........ deverá entregar neste organismo independente de direito público a Carteira Profissional de Jornalista n.º ........0 de que é indevidamente titular por ocorrência superveniente de incompatibilidade, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do ROFCCPJ, no prazo de 10 dias.
[…]” [cf. fls. 42-65 do processo administrativo junto aos autos, que se dão por integralmente reproduzidas].
10) A Entidade Requerida não comunicou à Requerente, em momento prévio à tomada de decisão referida no ponto anterior, o projeto de decisão [admitido por acordo].
11) Em 05/03/2024 a Requerente remeteu a este tribunal a petição inicial do processo principal [cf. informação constantes do SITAF – processo n.º 1707/24.2BELSB].”

III.2. Mais se consignou na sentença recorrida quanto à motivação da matéria de facto:

“A convicção do tribunal quanto à prova dos factos descritos em 5) e 6) sustentou-se no depoimento de J......... – proprietário da sociedade para a qual a Requerente trabalha, que revelou possuir, por esse motivo, conhecimento direito das tarefas levadas a cabo pela Requerente – e no depoimento de D.........., colega de trabalho da Requerente, o qual revelou possuir, por esse motivo, conhecimento direto das tarefas que a Requerente executa.

Ambos os depoimentos foram coincidentes, foram prestados de forma clara e espontânea, motivos pelos quais o tribunal os considera credíveis.”

III.3. A respeito dos factos julgados indiciariamente não provados nada se consignou na sentença recorrida.

III.4. Constatando-se a insuficiência do probatório para, face à causa de pedir alegada pela Recorrente, se conhecer do objeto do recurso, nos termos do n.º 1 do art.º 662 do CPC ex vi art. 140.º, n.º 3 do CPTA, procede-se ao aditamento da seguinte factualidade:


12) Em 5.3.2024 a A. instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ação administrativa contra a R., Comissão da Carteira Profissional do Jornalista, peticionando,
“i) Seja declarada nula a decisão proferida pela Entidade Demandada, de determinação da suspensão do direito ao título profissional de jornalista e consequente obrigatoriedade de entrega da Carteira Profissional de Jornalista da Autora;
Subsidiariamente,
ii) Seja declarada a ilegalidade, nos termos do n.º 2 do artigo 73.º do CPTA, do artigo 17º do ROFCCPJ, com efeitos circunscritos ao caso concreto, determinando a respetiva desaplicação ao presente caso;”
- fls. 1 e ss. do processo n.º 1707/24.2BELSB, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
13) Em 27.1.2020 a Requerente apresentou, junto da Entidade Requerida, requerimento para obtenção de cartão de colaborador na qual indicou, além do mais, o endereço de email m..........@icloud.com. – fls. 1 do p.a.;
14) Em 24.1.2020 a Requerente, através do endereço de correio eletrónico m...@L..........pt, remeteu email à Requerida solicitando emissão de cartão de identificação de colaborador. – fls. 9 do p.a.
15) Em 15.12.2021 a Requerente apresentou, junto da Entidade Requerida, requerimento para obtenção de Titulo Provisório de Estagiário na qual indicou, além do mais, o endereço de email m..........@icloud.com. – fls. 22 do p.a.;
16) Em 10.2.2022 a Requerente, através do endereço de correio eletrónico m..........@icloud.com, enviando dados bancários. – fls. 27 do p.a.;
15) Em 25.1.2023 a Requerente apresentou, junto da Entidade Requerida, requerimento para obtenção de Carteira Profissional de Jornalista na qual indicou, além do mais, o endereço de email m..........@icloud.com. – fls. 36 do p.a.;
16) A mensagem de correio eletrónico referida em 8) foi remetida para o endereço eletrónico m..........@icloud.com. – fls. 41 do p.a.

IV. Fundamentação de direito

1. Do erro de julgamento


Vem imputado à sentença o erro de julgamento no que respeita à conclusão pela verificação dos pressupostos, de preenchimento cumulativo, de adoção de medida cautelar a que se reportam os n.ºs 1 e 2 do art.º 120.º do CPTA e que correspondem (i) à verificação de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora), (ii) à probabilidade de que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (fumus boni iuris) e (iii) caso se verifiquem estes dois requisitos, o tribunal terá ainda de proceder ao juízo relativo à ponderação dos interesses públicos e privados em presença, que poderá determinar a recusa da providência quando, num juízo de proporcionalidade, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.
Importa, em primeiro lugar, dar conta que, não obstante a questão da intempestividade da ação principal ter sido suscitada pela Entidade Requerida, em requerimento de 5.2.2024, para o efeito de solicitar a extinção do processo cautelar ao abrigo do art.º 123.º, n.º 1 al. a) do CPTA, ela foi apreciada pelo Tribunal a quo em sede de apreciação do preenchimento do fumus boni iuris.
É certo que ao deferimento da pretensão impugnatória a que se refere o ponto a) do pedido formulado no processo principal, que respeita ao ato cuja suspensão de eficácia vem requerida nestes autos, obstará a procedência de exceção dilatória (insuprível) que determine a absolvição da Recorrente/Requerida da instância, como é o caso da intempestividade nos termos do art.º 89.º, n.º 4 al. k) do CPTA, razão pela qual a sua verificação determina a falta de preenchimento do requisito da aparência do bom direito.
Todavia, a apreciação do preenchimento das condições de procedência das medidas cautelares requeridas depende de não se verificar causa de extinção dos processos cautelares, designadamente a que se mostra prevista no art.º 123.º, n.º 1 al. a) do CPTA onde se dispõe que,
“1 - Os processos cautelares extinguem-se e, quando decretadas, as providências cautelares caducam:
a) Se o requerente não fizer uso, no respetivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adoção de providência cautelar se destinou;”.
Donde, por se reconduzir a uma questão de qualificação jurídica nos termos do artigo 5.º, n.º 3 do CPC, apreciar-se-á, em primeiro lugar, o erro de julgamento quanto à questão da tempestividade da instauração da ação principal por a sua verificação, impondo a extinção do processo cautelar, obviar, nos termos já referidos, à apreciação do erro de julgamento quanto à ausência de preenchimento dos pressupostos de adoção da tutela cautelar.
Refira-se que no âmbito do requerimento inicial a Requerente sustentava a procedência da ação principal alegando, em suma, que a decisão pela qual lhe foi determinada a entrega a carteira profissional de jornalista é nula ou anulável porquanto,
· Foi tomada sem que lhe tenha sido, previamente, concedido o direito a exercer o contraditório, o que consubstancia a violação do seu direito de audiência prévia e defesa, nos termos dos arts. 32.º, n.º 10 e 269.º, n.º 3 da CRP, 121.º CPA;
· Não tendo dado consentimento prévio para a notificação por comunicação eletrónica nos termos da al. b) do n.º 2 do artigo 112.º do CPA, o ato é ineficaz;
· Padece de erro nos pressupostos dado que: não exerce uma atividade incompatível com a profissão de jornalista, pois o L......... não é um órgão direcionado para a promoção da marca Sporting mas sim um jornal independente que tem um estatuto editorial próprio visando noticiar um universo de factos relativos ao Sporting, embora não apresente notícias exclusivamente sobre esse clube, fazendo-o em termos imparciais, não sendo financiado pelo Clube e com acreditação perante a ERC; a Autora desenvolve a função de jornalista e não prossegue qualquer tipo de objetivo de promoção de uma marca, limitando-se nos artigos mencionados a reportar factos, não sendo tendenciosa na análise dos mesmos; não prestou falsas declarações no contexto do seu estágio;
· Padece de falta de fundamentação pois não evidencia que os conteúdos da publicação O L......... sejam conteúdos alegadamente promocionais e predominantes em relação aos conteúdos jornalísticos;
· Viola o princípio da igualdade porquanto os jornalistas que exercem funções, quer no Benfica TV, quer no Sporting TV, designadamente o Sr. S.........., não foram notificados para entrega da carteira profissional, não obstante o conteúdo das suas publicações ser de origem tendenciosa.
Embora em sede de apreciação do fumus boni iuris, considerou-se na decisão recorrida que não se afigura evidente a intempestividade da ação principal porquanto, dado que a exigência de carteira profissional de jornalista constitui uma limitação – ainda que constitucionalmente admitida – ao direito de escolher livremente a profissão, consagrado no artigo 47.º, n.º 1, da CRP, a sua retirada, em termos que o destinatário entende desconformes à lei, bule diretamente com o conteúdo essencial do direito previsto no artigo 47.º, n.º 1, da CRP, especialmente quando tal retirada consubstancia uma violação do disposto no artigo 267.º, n.º 5, da CRP.
No âmbito deste recurso a Recorrente insurge-se contra este entendimento sustentando, em suma, que ainda que tivesse ocorrido a violação do direito de audição prévia, tal violação nunca conduziria à nulidade do ato, mas apenas à sua anulabilidade.
Dispõe-se no art. 58.º do CPTA que,
“1 - Salvo disposição legal em contrário, a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo e a de atos anuláveis tem lugar no prazo de:
a) Um ano, se promovida pelo Ministério Público;
b) Três meses, nos restantes casos.
2 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 59.º, os prazos estabelecidos no número anterior contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil, transferindo-se o seu termo, quando os prazos terminarem em férias judiciais ou em dia em que os tribunais estiverem encerrados, para o 1.º dia útil seguinte.”
A contagem do prazo nos termos do n.º 2 supra enunciado obedece ao regime previsto no artigo 279.º do Código Civil, ou seja, os prazos são contínuos e não se suspendem em período de férias judiciais.
Importa, antes de mais, dar nota que é pela análise dos fundamentos da ação que se afere se o ato em causa padece de nulidade ou anulabilidade. Impondo-se considerar que, sendo o regime regra o da anulabilidade (art.º 163.º do CPA), serão nulos “os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade” (art.º 161.º, n.º 1), designadamente aqueles que, nos termos do n.º 2 do art.º 161.º do CPA, se prevê que são nulos, concretamente,
“a) Os atos viciados de usurpação de poder;
b) Os atos estranhos às atribuições dos ministérios, ou das pessoas coletivas referidas no artigo 2.º, em que o seu autor se integre;
c) Os atos cujo objeto ou conteúdo seja impossível, ininteligível ou constitua ou seja determinado pela prática de um crime;
d) Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;
e) Os atos praticados com desvio de poder para fins de interesse privado;
f) Os atos praticados sob coação física ou sob coação moral;
g) Os atos que careçam em absoluto de forma legal;
h) As deliberações de órgãos colegiais tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quorum ou da maioria legalmente exigidos;
i) Os atos que ofendam os casos julgados;
j) Os atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes;
k) Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei;
l) Os atos praticados, salvo em estado de necessidade, com preterição total do procedimento legalmente exigido.”
Na ação principal, instaurada em 5.3.2024, a Requerente/Recorrida imputa ao ato o erro nos pressupostos de facto, a falta de fundamentação, a violação do princípio da igualdade, a ineficácia do ato por falta de consentimento para a comunicação por via eletrónica e a violação do direito de audiência prévia e defesa, neste último caso sustentando que tal determina a nulidade do ato por estarmos perante a aplicação de uma medida sancionatória e porque o ato, impedindo-a de exercer a profissão de jornalista, viola o conteúdo essencial do seu direito fundamental ao trabalho.
Refira-se que, no que respeita à invocação da irregularidade da notificação, não sendo a notificação um pressuposto de validade dos atos administrativos, antes se configurando como mero requisito de eficácia, a (eventual) verificação de tal irregularidade não conduz à remoção da ordem jurídica do ato impugnado, porque não determinante da sua anulação ou declaração de nulidade, relevando apenas para o efeito de aferir em que momento se iniciou o prazo de impugnação. É que, como se escreveu no Ac. do TCA Norte de 7.5.2021, proferido no processo 00121/19.6BEBR, “[a] notificação dos atos administrativos desempenha uma função garantística ou processual de superior relevância, de tal forma que o ato só pode ser oponível e iniciar-se o decurso do prazo de impugnação após aquela, assim se impedindo que sejam desencadeados efeitos jurídicos ablativos enquanto o ato administrativo não tiver sido notificado àqueles que por ele são atingidos na sua esfera jurídica”.
Isto posto, no que respeita ao erro nos pressupostos de facto estamos perante vício que apenas importa a anulabilidade do ato. O mesmo sucedendo quanto à violação do princípio da igualdade pois a alegação fática que lhe subjaz, isto é, os termos em que a Recorrida consubstancia o vício – limitando-se a alegar que outros jornalistas que exercem funções em órgãos de comunicação social semelhantes ao L......... não terão sido alvo da mesma medida de entrega da carteira profissional -, não é suscetível de ser subsumível a uma eventual violação do “conteúdo essencial” de um direito fundamental, que conduzisse a atribuir-lhe o desvalor da nulidade previsto no artigo 161.º, n.º 2, alínea d) do CPA.
De igual modo, o vício de forma por falta de fundamentação, em geral determina apenas a anulabilidade do ato, não sendo gerador de nulidade, entendendo-se que “somente poderá em casos excecionais e quando associado à realização de outros direitos fundamentais, ser gerador de nulidade” (Ac. deste TCA Sul de 17.6.2021, proferido no processo 735/20.1BESNT).
Isto é, como se sumariou no Ac. do STA de 22.11.2011, proferido no processo n.º 1011/10,
I – A falta de fundamentação em regra não é geradora de nulidade, pois não configura a lesão do conteúdo essencial de um direito fundamental. Apenas em casos especiais em que a fundamentação do acto seja condição indispensável da realização de direitos fundamentais pode a sua falta pôr em risco um direito fundamental.
II –“Tal acontecerá (como se diz no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 594/08) sempre que, para além da imposição genérica da fundamentação, a lei prescrever, em casos determinados, uma declaração dos fundamentos da decisão em termos tais que se possa concluir que ela representa a garantia única ou essencial da salvaguarda de um valor fundamental da juricidade, ou então da realização do interesse público específico servido pelo acto fundamentando ou quando se trate de actos administrativos que toquem o núcleo da esfera normativa protegida [pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais] e apenas quando a fundamentação possa ser considerada um meio insubstituível para assegurar uma protecção efectiva do direito liberdade e garantia.”
Sucede que, quer nestes autos cautelares, quer no âmbito do processo principal, os termos em que a Requerente alega a falta de fundamentação, surgindo, ademais, numa miscigenação com o erro nos pressupostos de facto, que revela confusão entre a falta de fundamentação formal e a falta de fundamentação substantiva (erro nos pressupostos de facto), não resulta associada ao comprometimento, em termos que comportem a afetação do seu conteúdo essencial, de um direito fundamental, apta a poder sustentar-se que tal vício importasse a nulidade do ato. E, por isso, a sua (eventual) verificação redunda apenas na anulabilidade do ato.
No que respeita à violação do direito de audição prévia e defesa, adianta-se que, opostamente ao que emerge da posição da Recorrida no âmbito dos autos principais não estamos perante causa de nulidade nos termos da al. l) do n.º 2 do artigo 161.º do CPTA, porquanto o que está em causa neste normativo é a (total) omissão de determinado procedimento de formação e de manifestação da vontade jurídico-pública e não a preterição de uma formalidade integrante desse procedimento.
No âmbito da petição inicial apresentada nos autos principais de que este processo cautelar é apenso e que correm termos sob o número 1707/24.2BELSB e, bem assim, do requerimento apresentado nestes autos em 22.1. 2024 (fls. 370 em sede de pronúncia ao pedido de extinção do processo cautelar deduzido pela Recorrente, a Recorrida alega (ainda) que a violação do direito de audição prévia e defesa - determina d nulidade do ato por estarmos perante um ato sancionatório e este colocar em causa o conteúdo essencial do seu direito fundamental ao trabalho, já que a impede de exercer a sua atividade profissional (pontos 93 a 145).
Refira-se que, de acordo com o disposto no artigo 161.º, n.º 2, alínea d) do CPA, apenas são considerados nulos os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, não gerando a nulidade qualquer violação de um direito fundamental.
No que respeita ao que constitui a ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental, entendido este como o núcleo duro de um direito, liberdade e garantia ou análogo que constitui “um limite absoluto correspondente à finalidade ou ao valor que justifica o direito” (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 3ª ed., 2000, pág. 34), considera-se que “só uma desconformidade flagrante - ultrapassando a sua indeterminabilidade constitucional e a inerente liberdade político-legislativa do legislador ordinário na conformação da sua regulamentação - concederá ver ofensa de conteúdo essencial”, ou seja, deveremos estar perante uma “ofensa chocante e grave de um princípio estruturante do Estado de Direito ou de outro direito fundamental suficientemente densificado na lei ordinária.” (Ac. do TCA Norte de 23.06.2017, proferido no processo n.º 00284/14.7BEBRG).
Também no Ac. do TCA Norte de 8.1.2016 proferido no processo 01665/10.0BEBRG-A, se clarificou que «a violação do conteúdo essencial (núcleo essencial) de um Direito Fundamental pressupõe que o direito em causa seja “aniquilado” ou, por outras palavras, perca o seu sentido útil, a sua finalidade – assim, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1997, anotação do artigo 18.º n.º 3 – só se podendo “afirmar a nulidade de um acto porque o mesmo viola o conteúdo essencial de um direito dessa natureza, quando o mesmo atinja o valor fundamental que justificou a criação do mesmo ou, dito de outro modo, quando a prática do acto tiver por consequência desprover decisivamente o cidadão da protecção que esse direito lhe dá” – cfr. entre muitos outros, os Acórdãos do STA de 14/02/2001, P. 41984, de 10/03/2010, P. 046262 e de 06/05/2010, P. 06108/10.».
Por outro lado, no que respeita ao objeto da previsão de nulidade, isto é, ao direito fundamental, a previsão de nulidade “é extensível, em especial, à violação de direitos, liberdades e garantias do Título II da Parte I da CRP, bem como aos direitos de carácter análogo insertos no próprio texto constitucional, ou em norma de direito internacional ou comunitário ou ainda em lei ordinária – cfr. Vieira de Andrade in Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 87 e ss., Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco Amorim in Código do Procedimento Administrativo, 2.ª edição actualizada, revista e aumentada, p. 646. Ou seja, a direitos em que o conteúdo essencial é determinado ou determinável a nível constitucional, sem necessidade de intervenção do legislador ordinário, sendo assim directamente aplicáveis – artigo 18.º da CRP.
O que não sucede com os direitos económicos, sociais e culturais, sobretudo, com os direitos a prestações materiais cujo conteúdo não é determinado ao nível das opções constitucionais, mas por via das opções do legislador ordinário, pelo que a respectiva violação constitui, em regra, violação de lei, geradora de mera anulabilidade.
Tais direitos para serem abrangidos pelo regime da nulidade em questão hão-de ter sido objecto de concretização legislativa que tenha densificado a essência ou núcleo do seu conteúdo. Só assim se poderá aferir da afectação, por acto administrativo, do seu conteúdo essencial, tarefa na qual o julgador se deve mostrar particularmente exigente.
Também no que respeita aos princípios fundamentais, àqueles que merecem um tratamento de verdadeiros direitos fundamentais – v.g. princípios da igualdade, universalidade, etc. – a violação do conteúdo essencial ocorrerá apenas nos casos de ofensas graves e chocantes dos valores essenciais que os mesmos encerram” (Ac. do TCA Norte de 8.1.2016 proferido no processo n.º 01665/10.0BEBRG-A).
A respeito da audiência prévia consignou-se no Ac. do STA, de 11.10.2017, proferido no processo n.º 01029/15, que
«A preterição da audiência prévia prevista nos artigos 100.º e seguintes do CPA traduz-se num vício de forma que determina a anulabilidade do acto em causa nos termos do artigo 135.º do CPA.
A jurisprudência, em geral, inclina-se para não considerar a audiência prévia como um direito fundamental, excepto nos casos de procedimentos com cariz disciplinar/ sancionatório.». Tanto que, fora do que é excepção [“Só em casos excepcionais os vícios de (…) violação do dever de audiência prévia poderão ter como consequência a nulidade do acto” – Ac. do STA, de 06-04-2016, proc. nº 07/16], “a sua omissão só implica a nulidade do acto final nos casos em que a violação do direito de participação assume uma dimensão qualificada, configurando-se como uma garantia fundamental, como sucede quando o acto final consubstancia a aplicação de sanções em procedimento disciplinar ou de contra-ordenação, sendo que fora destas situações qualificadas, a preterição da audição prévia, quando exigível, torna os actos meramente anuláveis por vício de forma” – Ac. do STA, de 17-02-2012, proc. nº 0187/12], se afirma que «é uniforme o entendimento de que a violação do direito de audiência previsto no art. 100º do CPA não é gerador de nulidade» (Ac. do STA, de 20-11-2014, proc. nº 01166/14).
«Com certeza que existe uma discussão sobre o assunto, que pode ver-se exemplificada no Ac. TC 594/2008, DR II, 26.1.2009, ele mesmo considerando «que o sancionamento da falta do direito de audição, a que se refere o art.º 100.º do Código de Procedimento Administrativo, com a anulabilidade, nos termos do art.º 135.º, do mesmo código, não viola o disposto no art.º 267.º, n.º 5, da Constituição, nem qualquer outra norma ou princípio constitucional» (Ac. do STA, de 27-11-2013, proc. nº 01515/13).»
E no Ac. do TCA Norte de 19.3.2009, proferido no processo n.º 00643/05.6BECBR, deu-se conta que,
“Efectivamente, em certos casos, reconhece-se que o direito de participação, sob a forma de direito de audição, se apresenta com uma natureza especial, que demanda que o seu incumprimento deva ser sancionado com o estigma da nulidade própria da violação do núcleo essencial dos direitos fundamentais [artigo 133º nº2 alínea d) CPA]. É o caso, cremos, do direito de audiência e de defesa em procedimentos contra-ordenacionais e quaisquer processos sancionatórios [ver artigo 32º nº10 da CRP] e nos processos disciplinares [ver artigo 269.º n.º 3 da CRP]. Em tais casos, o direito de participação não deriva apenas do artigo 267.º n.º 5 da CRP, mas surge como postulado da própria dignidade da pessoa humana, ou seja, como direito fundamental instrumental, tido como indispensável a uma realização concretizadora do direito fundamental material ou substantivo [ver, a propósito, Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, 1991, páginas 197 e seguintes]. Fora destes casos de dita densificação material concretizadora, e daqueles em que a falta de audiência prévia está expressamente sancionada na lei ordinária com a nulidade, deverá, em princípio, corresponder-lhe a sanção da mera anulabilidade [artigo 135º do CPA]. É esta, no fundo, a orientação doutrinária que tem vingado no âmbito da nossa mais alta jurisprudência [ver, entre outros, AC STA de 15.02.94, Rº34824; AC STA de 09.03.95, Rº35846; AC STA de 18.06.96, Rº39316; AC STA de 25.09.97, Rº40609; AC STA de 13.11.97, Rº31956; AC STA de 14.04.99, Rº44078; AC STA de 11.12.2007, Rº0497/07; AC STA de 19.09.08, Rº 065/08; AC STA de 25.02.2009, Rº0843/08].”
Ora, o ato suspendendo não corresponde, opostamente ao alegado pela Requerente, a um que respeite ao exercício do poder disciplinar, contraordenacional ou sancionatório, relativamente ao qual fossem convocáveis, respetivamente, o art.º 269.º, n.º 3 e 32.º, n.º 10 da CRP.
Com efeito, o que está em causa no art.º 17.º, n.º 3 do ROFCCPJAPJ (Regime de Organização e Funcionamento da CCPJ e da Acreditação Profissional dos Jornalistas, aprovado pelo DL n.º 70/2008 de 15 de abril) é a verificação de um impedimento ou incompatibilidade com o exercício da profissão de jornalista, nos termos do art.º 3.º do Estatuto do Jornalista (doravante EJ, aprovado pela Lei n.º 1/99, de 1 de janeiro). Ou seja, por se entender que o exercício simultâneo de várias funções comporta conflitos de interesses, visando a garantia e salvaguarda da autonomia e imparcialidade da profissão, por força de uma determinação legal existe uma impossibilidade de conciliação do exercício de uma função com o exercício de outras funções (incompatibilidade), que impõe ao jornalista a entrega do seu título profissional e possibilita que a associação profissional solicite essa entrega.
Não representa, pois, a aplicação de uma sanção disciplinar em razão da prática pelo jornalista de infração profissional, nomeadamente nos termos do art.º 21.º do EJ, nem tão pouco uma sanção pela prática de um ilícito de mera ordenação social como os tipificados no artigo 20.º do EJ, não revestindo a natureza de sanção, no sentido de emergente de um poder punitivo.
Na realidade, estamos, apenas, perante o exercício pela CCPJ das suas atribuições de regulação do exercício da profissão em matéria deontológica nos termos do art.º 5.º, n.º 1 al. c) da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro. Tal significa, portanto, que, não correspondendo a um ato sancionatório, não se pode aceitar que a preterição do direito de audiência prévia comporte, por essa razão, a nulidade do ato.
Sem prejuízo, admitindo-se que a entrega do título profissional, que nos termos do art.º 4.º do EJ, representa condição do exercício da profissão de jornalista, possa contender, não com o direito ao trabalho (art.º 58.º da CRP) - entendido como direito positivo dos cidadãos perante o Estado e, portanto, um direito fundamental, na categoria de direito económico, social e cultural, “sem exequibilidade directa, que, por isto, não pode ser aqui exercitado contra o Estado” (Ac. do TCA Sul de 23.2.2012, processo n.º 06621/00) -, mas sim com a liberdade de exercício de profissão (art.º 47.º da CRP), enquanto “direito de não ser privado, senão nos casos e nos termos da lei e com todas as garantias, do exercício da profissão” (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 476), a violação do conteúdo essencial da liberdade de profissão, compreendida esta como um direito fundamental na categoria de direitos, liberdades e garantias, ocorrerá perante a imposição de impedimentos arbitrários ao exercício da mesma.
O que sucede é que não se mostra consubstanciada e concretizada a preterição do direito de audiência prévia em termos que sejam aptos a consubstanciar a violação do conteúdo essencial da liberdade de exercício da profissão, de que emergisse a nulidade nos termos da al. d) do n.º 2 do artigo 161.º do CPTA. Com efeito, a Requerente/Recorrida não concretiza que o exercício do direito de pronúncia, prévio à imposição do dever de entrega do título profissional se mostrava essencial à realização da liberdade de exercício da profissão (artigo 47.º da CRP), em termos que, por consubstanciar uma restrição arbitrária ou aniquilação daquele, a sua violação ofende o núcleo essencial do direito fundamental.
Na realidade, limita-se a sustentar que o facto de o ato ter como efeito impor-lhe a entrega do título profissional, sem o qual não pode exercer a atividade de jornalista, daí resulta que a preterição do direito de audiência prévia comportasse a violação do conteúdo essencial do direito ao trabalho. Mas esta alegação – ainda que viesse a ser demonstrada - é insuficiente para daí se poder aceitar, ainda que perfunctoriamente, estarmos perante aquelas situações em que o direito de participação assume uma dimensão qualificada, em termos tais que a sua preterição impõe que o ato seja sancionado com a nulidade e não com a mera anulabilidade.
Assim sendo, opostamente ao que se concluiu na sentença recorrida, estamos (apenas) perante vícios determinantes de mera anulabilidade, pelo que, nos termos conjugados dos artigos 58.º, n.º 1 al. b), 59.º, n.º 2 e 123.º, n.º 1 al. a) do CPTA, sob pena de extinção do processo cautelar, cabia à Requerente fazer uso do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adoção de providência cautelar se destinou no prazo de 3 meses a contar “da data da notificação ao interessado ou ao seu mandatário, quando este tenha sido como tal constituído no procedimento”.
A Recorrida alegou a inoponibilidade do ato porquanto, tendo sido a notificação realizada por correio eletrónico, nos termos do art.º 112.º, n.º 1 al. c) do CPA, por esta não fora prestado consentimento prévio para a notificação ser realizada nos termos daquela alínea c) do n.º 1 do artigo 112.º, conforme exigido pela al. b) do n.º 2 desse mesmo dispositivo.
O artigo 112.º, n.º 1, alínea c) do CPA estabelece que as notificações podem ser efetuadas por correio eletrónico, mas, fora das situações previstas na al. a) do n.º 2 desse mesmo dispositivo, as notificações previstas naquela alínea c) podem ter lugar “mediante o consentimento prévio do notificando, prestado no decurso do procedimento”.
Refira-se, todavia, que no artigo 63.º do CPA, epigrafado “Comunicações por telefax, telefone ou meios eletrónicos”, prevê-se que
“1 - Salvo disposição legal em contrário, as comunicações da Administração com os interessados ao longo do procedimento só podem processar-se através de telefax, telefone ou correio eletrónico mediante seu prévio consentimento, prestado por escrito, devendo o interessado, na sua primeira intervenção no procedimento ou posteriormente, indicar, para o efeito, o seu número de telefax, telefone ou a identificação da caixa postal eletrónica de que é titular, nos termos previstos no serviço público de caixa postal eletrónica.
2 - Presume-se que o interessado consentiu na utilização de telefax, de telefone ou de meios eletrónicos de comunicação quando, apesar de não ter procedido à indicação constante do número anterior, tenha estabelecido contacto regular através daqueles meios.”
Como decorre do probatório [factos 13) a 16)], no âmbito dos procedimentos a que a Requerente/Recorrida deu início junto da Entidade Requerida/Recorrente, incluindo para obtenção do título profissional cuja entrega aqui lhe é requerida sempre indicou o seu endereço eletrónico (m..........@icloud.com), utilizando o correio eletrónico como forma de comunicação com a Recorrente, incluindo através do referido endereço eletrónico [facto 16)].
Estes elementos são suficientes para aplicação da presunção de consentimento para notificação por correio eletrónico nos termos do art.º 63.º, n.º 2 do CPA, presunção essa que a Recorrida não ilidiu, daí resultando que a notificação do ato suspendendo poderia ser realizada por correio eletrónico.
No art.º 113.º, n.º 5 do CPTA dispõe-se que “[a] notificação por meios eletrónicos considera-se efetuada, no caso de correio eletrónico, no momento em que o destinatário aceda ao específico correio enviado para a sua caixa postal eletrónica, e, no caso de outras notificações por via de transmissão eletrónica de dados, no momento em que o destinatário aceda ao específico correio enviado para a sua conta eletrónica aberta junto da plataforma informática disponibilizada pelo sítio eletrónico institucional do órgão competente”.
Emergindo do probatório [facto 9)] que “no dia 25.09.2023 foi enviada uma mensagem de correio eletrónico, da Entidade Requerida para a Requerente, que recebeu”, prova-se que a notificação foi efetuada.
Nesse sentido, dado que todos os vícios invocados são determinantes da mera anulabilidade, deveria a ação principal de impugnação da decisão do Secretariado da CCPJ que determinou à Requerente/Recorrida a entrega do título profissional ser instaurada no prazo de 3 meses (artigo 58.º, n.º 1 al. b) do CPTA), contado a partir da sua notificação em 25.9.2023 e nos termos do n.º 2 do artigo 58.º do CPTA, ou seja, porque terminando em período de férias judiciais (26.12.2023) se transfere o seu termo, até 4.1.2024.
Donde, porque a ação principal apenas foi instaurada em 5.3.2024, ocorria, nos termos do artigo 123.º, n.º 1 al. a) do CPTA, a causa de extinção do processo cautelar, a significar que a sentença recorrida padece, efetivamente, do erro de julgamento de julgamento que lhe é imputado. Devendo, pois, em substituição, julgar-se extinto o processo cautelar.
Em face do exposto, porque a extinção do processo cautelar obsta à apreciação dos pressupostos de adoção da medida cautelar, mostra-se desnecessário apreciar o erro de julgamento no que respeita à decisão do tribunal a quo a respeito do seu preenchimento (artigo 608.º, n.º 2 do CPC).

2. Da condenação em custas


Sendo imputável à Requerente/Recorrida a extinção do processo cautelar, é esta condenada nas custas em 1.ª Instância (cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º do CPTA, artigo 7.º, n.º 4 e tabela II-A do RCP).
Sem custas no recurso, dado que a Recorrida não contra-alegou e a Recorrente obtém vencimento e delas se mostra isenta (artigo 27.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 70/2008, de 15 de abril).

V. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida;
b. Em substituição, julgar extinto o processo cautelar;
c. Condenar a Requerente/Recorrida nas custas em 1.ª Instância;
d. Sem custas em sede de recurso.

Mara de Magalhães Silveira
Marta Cação Rodrigues Cavaleira
Luís Ricardo Novais Machado Ferreira Leite