Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:15/15.4BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/17/2022
Relator:LINA COSTA
Descritores:INUTILIDADE/IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE
ILEGITIMIDADE PROCESSUAL E SUBSTANTIVA
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
VALORES MOBILIÁRIOS
OPA
ACÇÕES REMANESCENTES
ALIENAÇÃO POTESTATIVA
ACÇÃO POPULAR
Sumário:I. É causa da extinção a ocorrência de facto na pendência da instância que implique a não subsistência da pretensão do autor, por referência ao sujeito (ex.: por morte ou extinção), ao objecto (ex.: deixou de existir a causa de pedir e/ou o pedido) ou porque foi, entretanto, satisfeita extrajudicialmente, retirando àquele interesse em agir, com o sentido de que deixou de ter necessidade de tutela judicial ou de prosseguir com aquele concreto processo/acção;
II. A perda de qualidade da sociedade aberta da sociedade a que respeitam as acções de que os AA. são titulares, ao abrigo do disposto nos artigos 27º a 29º do CMV, na redacção dada pela Lei nº 35/2018, de 20 de Julho, não implica a inutilidade superveniente da lide, por uma eventual decisão de procedência do pedido de condenação da CMVM a reconhecer o seu direito à alienação potestativa, permitir que possam instaurar acções referentes a juros e de responsabilidade civil;
III. Uma coisa é legitimidade processual, pressuposto relativo às partes, à relação de interesse destas com o objecto da acção, à posição que assumem perante a pretensão deduzida nos autos e que, caso não se verifique, obsta ao prosseguimento do processo, conduzindo à absolvição da instância;
IV. Outra, é a legitimidade substancial ou substantiva que, verificada aquela [a processual], se prende com o mérito do pedido, com a efectividade da relação material controvertida, com a concreta pretensão deduzida e a causa de pedir que a fundamenta, com o direito que o autor pretende fazer valer, sendo, por isso, requisito da procedência ou, caso não se verifique, de absolvição, do pedido;
V. Observados os ónus previstos no nº 1 do artigo 640º do CPC, deve proceder a impugnação da decisão da matéria de facto por se afigurar relevante a nova redacção do facto provado U) proposta para a instauração de futura acção relativa a juros;
VI. Os titulares de acções remanescentes de uma sociedade sujeita a uma OPA geral tendente ao domínio total dos direitos de votos correspondentes ao respectivo capital social e aos abrangidos pela oferta, adquiridas após o apuramento e divulgação dos resultados desta, não têm direito à alienação potestativa, ao abrigo do artigo 196º do CVM;
VII. Em consequência, não são titulares dos invocados direitos e interesses individuais homogéneos, nos termos do disposto no artigo 31º do CVM, que lhes permita instaurar a presente acção como popular, regulada na Lei nº 83/95, de 31 de Agosto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

J..., H... e R..., autores nos autos de acção administrativa, popular, instaurada contra a Comissão de Mercados de Valores Mobiliários [CMVM] e a F... – Companhia de Seguros, S.A., na qualidade de contra-interessada, inconformados vieram interpor recurso jurisdicional do saneador-sentença, de 26.11.2017, do Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) de Lisboa que decidiu absolver a entidade demandada e a contra-interessada da instância com fundamento na procedência da excepção dilatória de ilegitimidade activa dos autores.

Os AA. interpuseram recurso de revista “per saltum” para o STA que não foi admitindo como tal pelo juiz a quo, mas como recurso para o TCAS.

Do correspondente despacho foi deduzida reclamação para o Presidente do STA que viria a ser indeferida, baixando os autos ao TAC de Lisboa.

Em requerimento apresentado em 4.4.2019 a Recorrida CMVM requereu a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

Remetidos os autos a este Tribunal, nas alegações de recurso os Recorrentes formularam as conclusões que seguidamente se reproduzem:

«A) Incorrectamente o Tribunal “a quo”, invocou a Excepção Dilatória de Ilegitimidade, para absolver as Rés da Instância, quando é certo que definitivo e essencial para a decisão tomada, foi o conhecimento do mérito da causa, à luz da interpretação do mecanismo da alienação potestativa ao abrigo do artigo 196º do CVM.
B) Tal resulta, aliás, patente, quando o Meritíssimo Juiz, ao decidir o incidente da má-fé, coloca em evidência que, no caso dos Autos é uma divergência quanto à interpretação do artigo 196º do CVM, entre os Autores ora Apelantes e a Entidade Demandada e a Contrainteressada, o que está em causa.
C) Esse é efectivamente o ponto fulcral e decisivo da questão, sendo certo que demonstrado esse direito em sede de Recurso, reconhecida aos Autores a sua qualidade de detentores de acções remanescentes da E..., e o direito dos mesmos a requerer a alienação potestativa, mais não restará que esses Apelantes, sejam considerados, como são, parte legítima e com fundamento para enquadrar a presente Acção no regime de Acção Popular do artigo 31º do CVM.
D) Quando à questão da legitimidade, é sabido que a mesma não é uma qualidade pessoal das partes (como a capacidade), mas uma certa posição delas, em face da relação material litigada.
E) É o poder de dispor do processo, de o conduzir ou gestionar, no papel de parte.
F) Para se apurar da legitimidade, o Tribunal não tem que indagar se as partes são ou não os sujeitos de uma relação jurídica existente, podendo considerar-se corrente dominante na doutrina e na jurisprudência aquela que defende que a legitimidade tem se ser apreciada e determinada pela utilidade ou prejuízo que da procedência ou improcedência da Acção possa advir para as partes, face aos termos que o Autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o Autor (ver Miguel Teixeira de Sousa, em A Legitimidade Singular em Processo Declarativo, Boletim 292, pág. 53).
G) Se perante determinada relação jurídica controvertida, o Autor tiver interesse directo em demandar o Réu e interesse directo em contradizer, ambos são partes legítimas. (Sublinhado nosso)
H) No presente caso, sendo os Autores, ora Apelantes, os inequívocos titulares de acções remanescentes da E..., demonstrado que está essa titularidade face aos documentos juntos aos Autos, e pretendendo que lhes seja reconhecido o direito de alienação potestativa das mesmas, os mesmos têm interesse directo em demandar.
I) Tanto basta, para considerar, que os mesmos são partes legítimas.
J) Mostrada que está a legitimidade processual dos Autores, os mesmos têm igualmente legitimidade para a presente Acção.
K) Sendo o direito destes como a CMVM e a F... defendem até à exaustão, simétrico e proporcional ao da contrainteressada, caso esta tivesse optado pela aquisição potestativa das acções remanescentes dos Autores, ora Apelantes, ao abrigo do artigo 194º do CVM, estas seriam abrangidas por esse direito.
L) Sob pena de se colocar em causa a tese do Direito proporcional e simétrico que as próprias Apeladas invocam, tal direito nunca poderá ser negado aos Apelantes.
M) Trata-se de uma questão determinante que até hoje os Tribunais recorridos escamotearam e que, humildemente, se pede a este Tribunal que aborde e considere em particular, com especial relevância.
N) As Apeladas têm pleno e total conhecimento em toda a Europa que, em situações semelhantes, após a realização de uma OPA em que a Oferente tenha obtido uma posição dominante, nunca se verifica uma queda acentuada da cotação subsequente.
O) Têm também conhecimento e plena consciência que em nenhum País Europeu e na sequência das inúmeras OPA’s que tiveram lugar, verificados os mesmos pressupostos, nenhum Regulador até hoje subscreveu o errado e ilícito entendimento de que a F... apresentou e a CMVM envergonhadamente e sem coragem decidiu subscrever.
P) Quando é certo, que no caso é a própria Oferente quem, apesar de ter adquirido cerca de 99% do capital, fez cair a cotação, que atingiu menos de Euros 2,00 (dois euros), o que aliado à ausência significativa de compradores, permitiu que a mesma tenha vindo a adquirir parte das acções remanescentes por valores ridículos.
Q) Ao mesmo tempo nega a distribuição de dividendos e ainda se fazendo passar por vítima inocente e ofendida, perante as feras representadas pelos especuladores sem lei.
R) Assim, ainda que aparentemente a decisão se pareça travestir de matéria meramente processual, o facto é que o douto Tribunal “a quo” resolveu, como sempre teria de acontecer, a questão de fundo, tendo apreciado o mérito da causa.
S) A questão de fundo requeria saber se os titulares das Acções remanescentes, como são os aqui Autores, ora Apelantes, que tenham comprado depois de apresentado os resultados da Oferta Pública de Aquisição (OPA) e ainda dentro do limite temporal de 3 meses estabelecido no aludido artigo e na Directiva Europeia que lhe dá corpo, têm (ou não) o direito aí consagrado de alienação potestativa das acções remanescentes.
T) Assim, dúvidas não podem, por isso, restar de que são os Autores, ora Recorrentes (Apelantes), parte legítima na presente Acção – são investidores não qualificados – e que têm interesse na presente Acção – são titulares, simultaneamente, de direitos colectivos e de direitos individuais homogéneos.
U) Ora, é inegável que os Autores, ora Apelantes, são titulares das acções da E....
V) Como é inegável que tais acções foram as que remanesceram da OPA, ou seja, aquelas que o sócio dominante não conseguiu comprar (ou não lhes foram vendidas).
W) Pelo que, podemos afirmar com total segurança que os Autores, ora Apelantes, são titulares das ações remanescentes da E....
X) Até porque não existem outro tipo de acções que não sejam as acções remanescentes, tendo em conta que só existe esta categoria e classe de acções da E....
Y) O artigo 15º da Directiva 2004/25/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de Abril de 2004, relativa às ofertas públicas de aquisição (Diretiva das OPA), regula o direito de aquisição potestativa por parte da Oferente na sequência de uma oferta pública de aquisição geral, que coincide, como se demonstrará, com o aludido artigo 194º, nº 1 do CVM, tendo o legislador português adotado por estabelecer o direito em causa na situação permitida pela alínea b) do nº 2 do aludido artigo.
Z) Para além da aquisição potestativa, tanto a Directiva das OPA como o CVM, consagra o direito de alienação potestativa nos seus artigos 16º e 196º respectivamente.
AA) O direito de alienação potestativa trata de permitir que “os titulares dos valores mobiliários remanescentes” possam dispor da possibilidade de exigir que a Oferente que tenha alcançado, na sequência de uma OPA, uma percentagem de capital com direitos de voto de uma sociedade, processa à aquisição dos seus valores mobiliários. (Sublinhado nosso)
BB) Este direito de alienação potestativa é um direito simétrico da aquisição potestativa, como desde logo se interpreta facilmente do nº 24 dos considerandos da Directiva das OPA que considera o seguinte:
Os Estados-Membros deverão tomar as medidas necessárias para permitir que um oferente que tenha alcançado, na sequência de uma oferta pública de aquisição, uma certa percentagem do capital com direitos de voto de uma sociedade possa exigir que os titulares dos valores mobiliários remanescentes lhos vendam. De igual forma, sempre que o oferente tenha alcançado, na sequência de uma oferta pública de aquisição, uma certa percentagem do capital com direitos de voto de uma sociedade, os titulares dos valores mobiliários remanescentes deverão dispor da possibilidade de exigir que o oferente processa à aquisição dos seus valores mobiliários. Estes mecanismos de aquisição e alienação potestativas só devem ser aplicáveis em condições específicas ligadas às ofertas públicas de aquisição.” (Sublinhado e negrito nosso)
CC) Resulta claro que a Directiva das OPA não dá interpretação diferente quanto à qualidade de titulares dos valores mobiliários remanescentes, caso se trate do direito de aquisição potestativa ou de alienação potestativa.
DD) Pelo contrário, de acordo com a Directiva das OPA, são titulares dos valores mobiliários remanescentes os acionistas minoritários que detenham os valores mobiliários da Sociedade Visada quer na ótica do exercício da alienação potestativa, como na aquisição potestativa. (Sublinhado e negrito nosso)
EE) Mas se ainda dúvidas restassem, um dos princípios gerais assente na redação das Directiva das OPA é o da:
FF) “Igualdade de tratamento de todos os titulares de valores mobiliários da sociedade visada; nos casos em que uma pessoa adquira o controlo de uma sociedade, os restantes titulares de valores mobiliários terão de ser protegidos”. (Sublinhado e negrito nosso)
GG) Diz o artigo 3º, nº 1, al. a) da Directiva das OPA:
“Todos os titulares de valores mobiliários de uma sociedade visada de uma mesma categoria devem beneficiar de um tratamento equivalente; além disso, nos casos em que uma pessoa adquira o controlo de uma sociedade, os restantes titulares de valores mobiliários terão de ser protegidos”. (Sublinhado e negrito nosso)
HH) No mesmo sentido, segue o legislador português, que não distingue os titulares das acções remanescentes para efeito de aquisição potestativa dos titulares das acções remanescentes para efeito de alienação potestativa, como resulta da leitura expressa dos artigos 194º e 196º do CVM, respectivamente.
II) E veja-se que o legislador, para além de não distinguir titulares de acções remanescentes que compraram antes e depois da OPA nos artigos 194º e 196º do CVM, o referido direito de alienação potestativa também não esta condicionado a nenhum documento que comprove a data de aquisição das ditas acções remanescentes. (Sublinhado e negrito nosso)
JJ) Ou seja, o legislador entendeu que basta apenas a prova, através de documento comprovativo, de consignação em depósito ou do bloqueio das acções a alienar, para que o titular das acções remanescentes possa exercer o direito de alienação potestativa pedido no prazo. (Negrito nosso)
KK) Caso fosse intenção do legislador que tal direito ficasse reservado apenas aos titulares das acções remanescentes que compraram antes da OPA, então teria certamente consignado na lei a exigência de um documento comprovativo da data da compra das acções remanescentes objecto de alienação potestativa; o que não o fez. (Negrito nosso)
LL) Da mesma forma, deixaria claro qualquer distinção entre acções remanescentes para efeitos de aquisição potestativa e as acções remanescentes para efeitos de exercício de alienação potestativa; o que também não o fez. (Negrito nosso)
MM) Se o direito de alienação potestativa for recusado aos titulares das acções remanescentes adquiridas depois de concluída uma Oferta Pública de Aquisição e, simetricamente, de forma a garantir os princípios constitucionalmente consagrados de proporcionalidade, equilibro/igualdade, adequação e necessidade, fosse também recusado à Oferente numa Oferta Pública de Aquisição deitar mão ao direito de aquisição potestativa sobre as mesmas acções remanescentes adquiridas pelos seus titulares depois de concluída uma Oferta Pública, então ambas as normas seriam também deitadas à inconstitucionalidade, simplesmente porque deixariam de cumprir objetivo que a constitucionalidade das mesmas lhe atraca. (Sublinhado nosso)
NN) O direito de alienação potestativa não é autonomizável, nem destacável e muito menos é perdido com a transmissão da acção subjacente de per si, pelo que é muito seguro dizer que a transmissão dentro do sistema não afeta a transmissão do direito de alienação potestativa (artigo 210º, nº 1 do CVM). (Negrito nosso)
OO) Como nos continua a ensinar a Senhora Dra. Ana Paula Luís, com relevo para a transmissão da titularidade jus-mobiliária das acções remanescentes em questão e na determinação dos seus efeitos transmissivos e da legitimação jus-mobiliária, atente-se, por exemplo, aos artigos 101º, nº 3 (transmissão “inter vivos”), 102º, nº 3 (transmissão “mortis causa”, 291º al. b) (mútuo), 81º, nº 4 e 82º (penhora judicial) e 104º (exercício de direitos) todos do CVM. (Negrito nosso)
PP) Assim, se dúvidas houvessem, tenha-se como exemplo as transmissões temporárias (v.g. empréstimos), transmissões gratuitas (v.g. doações) ou transmissões “inter vivos” ou “mortis causa”, ou ainda outros factos translativos especiais (v.g. penhora de valores mobiliários) que resultariam numa significativa perda de valor e de forma imediata caso o direito de alienação potestativa fosse perdido pela mera transmissão das acções, sendo isento de discussão que tal não pode acontecer. (Negrito nosso)
QQ) Por sua vez, a legitimação jus-mobiliária activa (artigo 55º do CVM) resolve, de vez e sem controvérsias a questão, como se retira da simples leitura da norma.
RR) Assim, como nos ensina a referida Autora, “o direito de alienação potestativa não foi destacado das acções e nunca o poderia ser pois para exercer tal direito é necessário deter as próprias acções; ao contrário do que poderia por exemplo acontecer com os dividendos. Da mesma forma tal direito de alienação potestativa não pode ser dado como perdido com a mera transmissão das acções, até porque tal resultaria num potencial enriquecimento injustificado da sociedade oferente, já que a extinção prematura desse direito (em prejuízo do titular das ações) traduzir-se-ia na desobrigação da sociedade oferente em compra as ações remanescentes, constituindo tal um abuso de direito ao exceder o fim social e económico desse direito (Cfr. artigo 344º do CC). Como já disse anteriormente, tal seria ainda mais manifesto no caso de transmissões “mortis causas” ou outros factos translativos especiais (v.g. penhora judicial de valores mobiliários, habilitação, etc.).” (Negrito nosso)
SS) Ora, no caso em apreço, as acções remanescentes da E..., não foram divididas em categorias (diferentes) e tão pouco, como bem refere o Professor Doutor Luís Nandin de Carvalho, “foram proibidas de serem transacionadas, ou retiradas do comércio jurídico. (…) nem foram excluídas do comércio jurídico, nem existe lei que sequer o possibilitasse”.
TT) Como diz a autora supra referida, nas sociedades anónimas mesmo os direitos especiais incorporados nas acções privilegiadas (v.g. golden shares) são direitos conferidos a uma categoria de acções e não intuito personae (intransmissíveis) (Cfr. artigo 24º, nº 4 do CSC). (Negrito nosso)
UU) O direito de alienação potestativa é inerente às acções e não ao titular, pois se assim não fosse teria de existir obrigatoriamente, pelo menos, mais uma categoria de acções da E... para aqueles que compraram depois de finda a OPA para as distinguir dos que compraram antes, sendo que as mesmas, caso tal fosse possível, se poderiam fundir depois de passado os 3 (três) meses previstos no artigo 196º do CVM para o exercício do referido direito.
VV) A interpretação do artigo 196º do CVM, tem particular relevância, uma vez que o Código dos Valores Mobiliários, reproduz as normas respectivas da Directiva Comunitária, e que a interpretação que se faça de tais normas têm correspondência directa e imediata com a interpretação que se deve fazer no direito interno.
Nestes termos e nos demais de Direito, deverão V.Exas. conceder provimento ao presente Recurso, concluindo que os mesmos detêm legitimidade processual e popular para a presente Acção, revogando-se a douta Sentença Recorrida, devendo a mesma ser substituída por outra que decida pela procedência integral dos pedidos deduzidos pelos Apelantes, tudo com as demais consequências legais, para que se faça a já costumada, merecida e, aqui, elementar JUSTIÇA!

A Recorrida CMVM apresentou contra-alegações e pediu a ampliação do âmbito do recurso, formulando as seguintes conclusões:

V.A. Da falta de fundamento do recurso dos AA./Recorrentes:
De tudo quanto ficou exposto, pode concluir-se que improcedem na sua totalidade as conclusões dos Recorrentes, devendo, antes, tirar-se as seguintes conclusões:
A. O presente recurso vem interposto pelos AA., ora Recorrentes, do despacho saneador-sentença proferido em 26/11/2017, que absolveu a Entidade Demandada e a Contra-Interessada da instância, com fundamento na procedência de excepção de ilegitimidade activa dos AA., ora Recorrentes.
B. Tendo em conta as conclusões tiradas pelos Recorrentes, as quais delimitam o âmbito do recurso, resumem-se a 3 (três) as questões por estes suscitadas no presente recurso: i) A questão de saber se a decisão recorrida apreciou o mérito da causa - conclusões A), B) e R) das alegações dos Recorrentes; ii) a questão de saber se os Recorrentes têm legitimidade popular nos presentes autos – conclusões C) a J) e T) das alegações dos Recorrentes; e iii) a questão de saber se os Recorrentes, tendo adquirido as ações da ESS após a divulgação dos resultados da OPA lançada pela F..., têm o direito de alienação potestativa dessas acções nos termos do art.º 196.º do CdVM - conclusões K) a Q), S), U) a VV) das alegações dos Recorrentes.
C. A questão acima referida em i) considera-se ultrapassada, pois a mesma apenas assumia relevância para apreciação da pretensa admissibilidade do recurso revista per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art.º 151.º do CPTA, o qual foi rejeitado por despacho proferido em 26/02/2018, que concluiu que o presente recurso deveria ser processado como apelação.
D. Em qualquer caso, sempre se dirá que o presente recurso vem interposto de uma decisão de absolvição da instância (por verificação da excepção dilatória de ilegitimidade activa), e não de uma decisão do mérito da causa, pelo que o mesmo nunca poderia ser admitido como um recurso per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo, por faltar o pressuposto de admissibilidade previsto na primeira parte do n.º 1 do art.º 151.º do CPTA.
E. Não poderá ser atendida no presente recurso a factualidade alegada pelos Recorrentes nos artigos 27.º, 28.º, 31.º, 32.º, 61.º, al. b), 62.º, 88.º (parte final), 148.º a 150.º, 152.º, 155.º, 156.º, 159.º, 160.º, 170.º a 176.º das alegações, e bem assim nas conclusões P) e Q) das alegações, pois estão em causa factos que não constam da matéria de facto dada por provada pelo Tribunal a quo (que não foi impugnada pelos Recorrentes, nem foi requerida a sua ampliação), sendo que alguns desses factos constituem verdadeiros factos novos, que não foram oportunamente alegados nos autos e não podem ser conhecidos em sede de recurso.
F. A questão do reenvio prejudicial para o TJUE, a que os Recorrentes se referem nos artigos 163.º e seguintes das suas alegações, não pode ser apreciada, nem atendida, no âmbito do presente recurso, pois os Recorrentes não formularam no seu petitório qualquer pedido de reenvio prejudicial para TJUE, nem suscitaram essa questão nas conclusões do recurso.
G. Em qualquer caso, nunca haveria lugar ao reenvio prejudicial para o TJUE, nos termos do art.º 267.º do TFUE, pois: i) não estando esgotado o poder jurisdicional dos Tribunais portugueses – já que os Recorrentes ainda poderão recorrer, para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art.º 150.º do CPTA, da decisão que vier a ser proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul -, não é obrigatório o reenvio prejudicial para o TJUE; ii) estando em causa no presente recurso a apreciação de uma excepção dilatória, que determinou a absolvição da instância da Entidade Demandada e da Contra-Interessada, e que obsta à apreciação do mérito da causa, não se justifica o reenvio prejudicial para o TJUE, nem este observaria o requisito da sua necessidade estabelecido no artigo 267º do TFUE; e iii) uma vez que a interpretação da norma ínsita no art.º 196.º do CdVM, conjugada com o disposto no art.º 16.º da Diretiva 2004/25/CE, é clara e evidente, o reenvio prejudicial sempre deveria ser dispensado.
H. Nos presentes autos os AA., ora Recorrentes, vieram intentar, contra a CMVM, ora Recorrida e contra a F... Companhia de Seguros, SA., na qualidade de contra-interessada, uma “ação popular administrativa de impugnação”, nos termos do art.º 31.º do CdVM e da Lei n.º 83/95, tendo por objeto as alegadas “deliberações que indeferiram os pedidos de alienação potestativa das ações da E..., S. G. P. S, S.A.”.
I. Sucede que o Tribunal a quo, socorrendo-se da fundamentação constante do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 5/05/2016, proc. n.º 12894/16, proferido no âmbito da providência cautelar que antecedeu os presentes autos, disponível em www.dgsi.pt, considerou, e bem, que os AA., ora Recorrentes, eram parte ilegítima na presente acção.
J. Para apreciar a questão da pretensa legitimidade dos Recorrentes, a que estes se referem nas conclusões C) a J) e T) das suas alegações, importa aferir a titularidade da relação jurídica, tal como é apresentada pelos Recorrentes na petição.
K. As normas invocadas pelos Recorrentes – os arts. 2.º, nº 1, da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, 31.º, nº 1, alínea a), do CdVM e 2º, nº 1, da Lei nº 24/96, de 31 de Julho – não legitimam o recurso à ação administrativa popular, o que constitui exceção dilatória de ilegitimidade, conforme, aliás, já foi decidido, em casos com pontos de semelhança ao dos presentes autos, por ex. pela sentença proferida no processo nº 3073/11.7BELSB, pela 3ª Unidade Orgânica do TAC de Lisboa.
L. No quadro dos interesses cuja tutela os Recorrentes reclamam nos presentes autos, inexiste um bem constitucionalmente protegido que possa servir de base à ação popular nos termos previstos na Lei de Participação Procedimental e de Ação Popular (LPPAP), pois a CRP não consagra um direito supraindividual à confiança e regular funcionamento do mercado de valores mobiliários suscetível de fundar a legitimidade popular dos AA., ora Recorrentes.
M. A referência feita no art.º 52º, nº 3, da CRP e no art.º 1º, nº 2, da LPPAP à proteção dos direitos dos consumidores também não confere legitimidade aos Recorrentes para a presente ação popular, uma vez que estes i) não se apresentam, na presente ação, na qualidade de consumidores, mas de investidores, e ii) não estabeleceram com a CMVM, nem com a F..., qualquer relação jurídica que possa ser configurada como uma relação de consumo.
N. Caso estivéssemos perante uma relação de consumo e uma ação para tutela dos direitos dos consumidores – o que só por dever de patrocínio se admite sem conceder -, então tal acção não seria do âmbito do contencioso administrativo, como decorre do art.º 9º, nº 2, do CPTA, que eliminou do seu elenco a defesa dos direitos dos consumidores.
O. Também a Lei de Defesa dos Consumidores não é aplicável nos presentes autos, porquanto os Recorrentes nunca poderiam ser qualificados, para efeitos da presente ação, como consumidores, nos termos do art.º 1º da LDC.
P. A pretensão formulada pelos Recorrentes também não se inscreve no círculo de interesses objeto de tutela no art.º 31.º, n.º 1, do CdVM, na medida em que, nem o exercício do direito de alienação potestativa, nem o pedido de condenação por litigância de má-fé, estão abrangidos por aquela norma legal.
Q. Quer do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 31.º do CdVM, quer dos elementos históricos disponíveis (trabalhos preparatórios e preâmbulo do diploma que aprovou o Cód.VM), resulta que a legitimidade popular conferida no quadro do art.º 31.º do Cód.VM visa, essencialmente, a tutela de pretensões indemnizatórias relacionadas com operações de investimento (e não o exercício ou a efetivação de direitos dos titulares de valores mobiliários, como é o caso do direito de alienação potestativa). Nesse sentido já decidiu o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por sentença proferidas em 28/07/2014 e 30/07/2014, respetivamente, no proc. 171/01 e 172/01.
R. Em concreto, no que diz respeito ao direito de alienação potestativa, importa esclarecer que a forma como a acção popular se encontra consagrada no direito português não permite o exercício coletivo daquele direito, pois estamos aqui perante um direito subjetivo, mediante o qual, por um ato livre da vontade do titular das acções, se produzem efeitos jurídicos que inelutavelmente se impõem a outra pessoa (o sócio dominante), levando a que se esteja perante múltiplas relações jurídicas respeitantes a diferentes situações de facto, insuscetíveis de apreciação no quadro de uma ação popular.
S. Tal multiplicidade de relações jurídicas e, consequentemente, de situações de facto, significa que não estão aqui em causa interesses individuais homogéneos, mas antes puros interesses egoísticos que suscitam questões jurídicas e de facto diferentes – insuscetíveis, portanto, de tutela por via da ação popular.
T. Acresce que, como de seguida se demonstrará, os Recorrentes não são titulares de acções remanescentes no quadro da OPA geral que decorreu entre 29/09/2014 e 14/10/2014. Pelo que, como bem concluiu o Tribunal a quo, sufragando o entendimento do Tribunal Central Administrativo Sul, “as acções de que os Recorrentes são titulares estão fora do quadro de transmissão de acções em mercado regulamentado resultante do probatório, o que não permite concluir pela existência de quaisquer interesses individuais homogéneos na [sua] esfera jurídica (…) com fundamento no regime do direito de alienação potestativa consagrado no art.º 196.º do CVM”.
U. De acordo com a construção dos Recorrentes, o direito de alienação potestativa seria imputado a qualquer “accionista remanescente”, incluindo todos os «accionistas minoritários que detenham os valores mobiliários da Sociedade Visada», independentemente de terem ou não adquirido as suas acções antes do apuramento dos resultados da OPA.
V. Esta construção assenta apenas e tão só na leitura que os Recorrentes fazem do art.º 196.º do Cód.VM, limitando-se ao elemento literal da interpretação e ignorando o princípio da exaustividade dos elementos da interpretação prescrito pelo art.º 9.º do CC. Esquece que a própria letra da lei é necessariamente objecto de um processo hermenêutico, devendo a sua ambiguidade ser ultrapassada pela consideração dos demais elementos da interpretação.
W. Desde logo não se pode olvidar que os artigos 196.º e seguintes do CdVM regulam a situação que se vive após a ocorrência de uma OPA; e por isso o conceito “accionistas remanescentes” leva-nos obrigatoriamente a uma perspectiva de relação com o momento anterior à OPA: só poderão incluir-se no conceito aqueles que foram destinatários da oferta, da qual resultou a situação de facto prevista no artigo 196.º, n.º 1 do CdVM.
X. Depois, a correta interpretação do conceito de “titulares das acções remanescentes” exige um adequado enquadramento histórico-dogmático, sistemático e teleológico, só este permitindo compreender se o mesmo inclui apenas aqueles accionistas que remanescem à data do apuramento dos resultados da oferta — sendo por isso um direito imputável no contexto da própria OPA — ou se, pelo contrário, visa beneficiar todo e qualquer accionista da sociedade visada, independentemente do momento em que adquiriu as suas acções.
Y. Ora, daquele enquadramento resulta que o direito de alienação potestativa foi concebido para permitir ao accionista que não aceitou uma oferta pública de aquisição sair da sociedade, quando a larga maioria dos acionistas tenha aceitado essa oferta.
Z. Visa, por esse meio, contrariar a pressão para vender que de outra forma recairia sobre os accionistas destinatários da oferta. Pressão essa que resultaria do risco de ficar “preso” numa sociedade sujeita a um domínio qualificado, caso não aceitasse a oferta e a generalidade dos demais accionistas o fizesse.
AA. Nesta perspetiva, o direito de alienação potestativa corresponde funcionalmente a uma extensão do período da oferta: os accionistas que rejeitaram a oferta inicialmente — possivelmente com o intuito de impedir o seu sucesso — têm a oportunidade de alienar as suas acções depois de o oferente adquirir o controlo da sociedade visada, ultrapassando os patamares normativamente fixados para o efeito.
BB. Há portanto uma relação umbilical entre este direito e a OPA que o antecede que justifica que o art.º 196.º o conceda apenas aos accionistas que não venderam as suas acções na oferta. Só estes poderão ter o direito de sair da sociedade em face da superveniência de uma situação de controlo reforçado que vem alterar a sua posição relativa perante o sócio maioritário e, indiretamente, perante a própria sociedade, dificultada que está a possibilidade de venda das suas acções em mercado pela substancial redução de free float e de liquidez dessas acções.
CC. Os investidores que venham a adquirir acções em momento posterior ao final da oferta, sendo já conhecedores da (e tendo conformado a sua atuação com a) situação de domínio reforçado por parte do sócio maioritário (o oferente), bem como dos resultados da oferta, não podem naturalmente beneficiar deste mecanismo, à luz da ratio do preceito descrita, sendo, aliás, esta a única solução alinhada com a que se encontra expressamente prevista no artigo 27º, nº 3, alínea a), do CdVM quanto à titularidade subjetiva do direito de saída aí consagrado para os casos de perda de qualidade de sociedade aberta.
DD. Caso contrário, estaríamos a admitir a possibilidade de um enriquecimento injustificado de quem adquiriu acções em mercado após a oferta, apenas para forçar o sócio dominante a adquirir a sua participação. Por exemplo, no caso do Recorrente J..., uma tal solução permitir-lhe-ia obter um ganho de, pelo menos, €1,21 por ação à custa do oferente, correspondendo a um prémio de cerca de 31,84%, em poucos dias, sem qualquer risco. Em suma, um expediente de rápido enriquecimento à custa do oferente, sem qualquer respaldo no escopo da norma visada.
EE. Devem, portanto, rejeitar-se os fundamentos que os Recorrentes pretendem extrair (i) da simetria entre os deveres de aquisição potestativa e de alienação potestativa, os quais, servindo propósitos normativos distintos, apesar de temporalmente coincidentes, têm um âmbito de aplicação subjetiva diferente; (ii) da inadmissibilidade de uma pretensa distinção entre “accionistas de primeira” e “accionistas de segunda”, porquanto a lei distingue apenas entre os accionistas a quem imputa um direito específico para assegurar o funcionamento adequado da oferta pública e aqueloutros que, adquirindo as suas acções num momento posterior à oferta, conhecem ou devem conhecer a situação de domínio qualificado nesta alcançada, não beneficiando de tal direito; (iii) do princípio de tratamento paritário dos destinatários da oferta pública, como se do exercício do direito de alienação potestativa decorresse alguma oferta pública (o que não sucede); (iv) da enunciação legal dos documentos que devem acompanhar a declaração de alienação potestativa perante a CMVM, os quais, destinados a assegurar o pontual cumprimento das obrigações que, para cada uma das partes, decorre do exercício deste direito, não cumprem qualquer função probatória da existência do mesmo; (v) da alegada manutenção do espírito de uma norma jus-societária (art.º 490.º n.º 5 do CSC) no contexto jus-mobiliário, não só porque tal “espírito” não existe, mas sobretudo porque não se verifica o paralelo pretendido para a sua “manutenção”; (vi) dos alegados entendimentos de outros Reguladores na Europa em sentido contrário ao defendido pela CMVM, que os Recorrentes nem concretizam, pelo que só se pode concluir que os mesmos são inexistentes; (vii) do argumento de “eficiência do mercado”, o qual é absolutamente falacioso, pelo simples facto de que, como é do conhecimento geral, a cotação das acções tende a descer depois da OPA precisamente porque incorpora a informação da inexistência de uma imputação do direito de alienação potestativa a quem adquirir as acções no mercado; (viii) da alegada violação do princípio da igualdade, previsto no art.º 13.º da Constituição, pois a interpretação do art.º 196.º do CodVM sufragada pela CMVM apresenta fundamento material e racional bastante, como atrás ficou exposto; (ix) da alegada violação do princípio da proporcionalidade, previsto no art.º 18.º, n.º 2 da Constituição, pois a interpretação art.º 196.º do CodVM sufragada pela CMVM não é desproporcionada, nem desadequada relativamente às finalidades que a justificaram.
FF. Em nenhuma das anteriores situações em que a CMVM, a Provedoria de Justiça e os Tribunais Portugueses (Administrativos e de Comércio) foram chamados a pronunciar-se sobre questões relativas ao direito de alienação potestativa previsto no art.º 196.º do CdVM se discutiu a matéria, que importa nos presentes autos, dos pressupostos subjetivos daquele direito.
GG. As soluções expressamente previstas na lei em diversos Estados-membros, como sejam o Reino Unido, a Alemanha e a Áustria, vão precisamente no sentido defendido pela CMVM, de que apenas detêm o direito de alienação potestativa, os titulares de acções remanescentes à data do fim da OPA, ou seja, os destinatários dessa mesma oferta pública. Se o sentido expressamente afirmado nestes sistemas jurídicos não fosse o correto perante o disposto na Diretiva das OPAs, seguramente a Comissão Europeia já teria atuado, instaurando processos de incumprimento da transposição a tais Estados-membros, o que não se verificou.
HH. Refira-se ainda, e sem prejuízo das anteriores conclusões sobre os requisitos subjectivos de que o art.º 196.º do CdVM faz depender a titularidade do direito de alienação potestativa, que, da análise dos requerimentos apresentados pelos Recorrentes, se verifica que nenhum deles satisfaz os requisitos que a lei impõe para que a CMVM proceda à notificação da F... para efeitos da alienação potestativa das acções da ESS de que são titulares.
II. A verificação dos requisitos previstos no art.º 196.º do CdVM tem de ser feita em termos casuísticos e individualizados, em função das circunstâncias concretas da situação de facto relativa a cada accionista da ESS que pretende alienar potestativamente as suas acções.
JJ. O exercício do direito de alienação potestativa não prescinde, em caso algum, da manifestação de vontade de cada um dos seus titulares.
KK. Pelo que nunca poderia proceder também o pedido dos Recorrentes para que a CMVM seja condenada a reconhecer aos “(…) demais accionistas titulares de ações remanescentes o direito de alienação potestativa das ações que detém na E..., SGPS, SA e notificar a contra interessada nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do art. 196.º do CdVM”, pois o mesmo é totalmente contrário quer ao princípio da autonomia da vontade no exercício deste direito, quer à letra da lei que exige expressamente a manifestação de vontade dos respetivos titulares.
LL. Por tudo quanto ficou exposto, bem andou o Tribunal a quo ao considerar que os AA., ora Recorrentes, não eram titulares de acções remanescentes, determinando a absolvição das ora Recorridas da instância, com fundamento na procedência da excepção dilatória de ilegitimidade activa. Pelo que deverá ser negado provimento ao presente recurso.
MM. Ainda que assim não se entendesse, o que não se concede, a presente acção nunca poderia ser julgada procedente, pois (i) por um lado, os AA., ora Recorrentes não satisfizeram os requisitos cuja verificação o art.º 196.º do CdVM impõe para que a CMVM proceda à notificação da F... para efeitos da alienação potestativa que aqueles pretendem; e (ii) por outro, ainda que fizesse vencimento a tese dos AA., ora Recorrentes, quanto à imputação do direito de alienação potestativa — o que só por cautela de patrocínio se admite, sem conceder —, seria contrária à lei a condenação da CMVM nos termos e com a amplitude do pedido formulado pelos Recorrentes relativamente aos “demais accionistas titulares de acções remanescentes (…) da E..., SGPS, SA.”.
V.B. Da ampliação do âmbito do recurso:
A. Para o caso de o Tribunal ad quem vir a julgar procedente o recurso interposto pelos Recorrentes, o que não se concede, a ora Recorrida, vem, nos termos dos artigos 636.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi do art.º 140.º do CPTA, subsidiariamente, requerer a ampliação do âmbito do recurso, para apreciação das seguintes questões (a) o pedido de alteração do ponto U) da matéria de facto provada; e (b) a procedência da excepção dilatória de inimpugnabilidade de acto administrativo, invocada na Contestação da CMVM, ora Recorrida.
B. Tendo em conta o facto de a CMVM ter impugnado, no art.º 153.º da sua Contestação, o alegado no art.º 17.º da p.i, e considerando os documentos juntos aos autos, entende-se que o Tribunal a quo errou ao considerar como provado que todos os Recorrentes dirigiram à CMVM “requerimentos de declaração de alienação potestativa ao accionista dominante acompanhados de documentos comprovativos de consignação em depósito das acções a alienar (…)” (ponto U) da matéria de facto provada).
C. Tendo em conta os documentos n.º 1 e 2 do requerimento junto aos autos pelos Recorrentes a 13/02/2015, notificado à Recorrida em 19/02/2015, por ofício com a Ref.ª n.º 007077686 e os requerimentos dirigidos à CMVM, constantes do procedimento administrativo, entende-se que deverá ser alterado o ponto U) da matéria de facto provada, ao qual deverá ser dada a seguinte redação:
U) R..., J... e H... na sequência das respostas que lhes foram dada pela F..., invocando a qualidade de titular de acções remanescentes, dirigiram à CMVM requerimentos de declaração de alienação potestativa ao accionista dominante, sendo que:
(i) O Requerimento de R..., encontrava-se acompanhado de documentos comprovativos de consignação em depósito das acções a alienar, continha a indicação da contrapartida calculada nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 194.º do Código de Valores Mobiliários e solicitava à CMVM que fosse extraída certidão comprovativa da notificação ao sócio dominante.
(ii) O Requerimento de J..., encontrava-se acompanhado de documentos comprovativos de consignação em depósito de apenas 25913 das acções a alienar, continha a indicação da contrapartida calculada nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 194.º do Código de Valores Mobiliários e solicitava à CMVM que fosse extraída certidão comprovativa da notificação ao sócio dominante.
(iii) O Requerimento de H..., indicava a contrapartida calculada nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 194.º do Código de Valores Mobiliários e solicitava à CMVM que fosse extraída certidão comprovativa da notificação ao sócio dominante.
D. No despacho recorrido o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a excepção dilatória de inimpugnabilidade de acto administrativo, invocada pela ora Recorrida nos artigos 133.º a 150.º da sua Contestação.
E. Ora, nos termos do art.º 87.º, n.º 2 do CPTA, as questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo devem ser apreciadas no despacho saneador, sob pena de não poderem ser suscitadas, nem decididas em momento posterior do processo.
F. Julga-se que o Tribunal a quo, embora não o tenha dito expressamente, possa ter considerado prejudicada a invocada excepção de inimpugnabilidade de acto administrativo, em virtude da procedência excepção dilatória de ilegitimidade activa dos AA., ora Recorrentes. A não ser assim, estaríamos perante uma nulidade da sentença, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, aplicável ex vi do art.º 1.º do CPTA.
G. Para o caso de o presente recurso proceder, o que não se concede, desde já se requer, nos termos do disposto nos artigos 665.º do CPC e art.º 149.º do CPTA, que o Tribunal ad quem aprecie a excepção dilatória de inimpugnabilidade de acto administrativo, devendo a mesma ser julgada procedente e, em consequência, sejam absolvidas da instância a Entidade Demandada e a Contra-Interessada, ora Recorridas, nos termos dos artigos 89.º, n.º 1, alínea c) do CPTA.».
Requerendo,
«Termos em que:
i) O presente recurso deverá ser julgado improcedente, devendo ser proferido Acórdão que confirme a decisão recorrida.
Sem prescindir,
A título subsidiário, para o caso do recurso interposto pelos Recorrentes proceder, determinando a revogação da decisão recorrida,
ii) Deve ser ampliado o âmbito do recurso (art.º 636.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi do art.º 140.º do CPTA) e, em consequência, deve:
(a) Ser alterado o ponto U) da matéria de facto provada;
(b) Ser julgada procedente, por provada, a excepção dilatória referente à inexistência de acto administrativo impugnável, e, em consequência, absolvidas da instância a Entidade Demandada e Contra-Interessada.».

A Recorrida contra-interessada apresentou contra-alegações com as seguintes conclusões:
«A. A sentença recorrida não merece qualquer reparo no segmento em que decide pela ilegitimidade popular dos Recorrentes.
B. Não sendo titulares do direito de alienação potestativa, os Recorrentes não são (consequentemente) titulares de quaisquer interesses individuais homogéneos.
C. Seja como for, estão aqui em causa interesses exclusivamente individuais / puramente egoísticos; concretamente, interesses patrimoniais dos Recorrentes.
D. O exercício do direito de alienação potestativa depende do preenchimento de vários pressupostos por parte de cada accionista. Por outras palavras, existem diversas situações jurídicas e fácticas, donde nunca poderiam estar aqui em causa interesses individuais homogéneos.
E. O exercício do direito de alienação potestativa não é um interesse enquadrável no art. 31º, n.º 1 do Cód. VM.
F. Mais: a doutrina constitucionalista tem inclusivamente questionado a conformidade constitucional da indicada disposição legal.
G. O presente processo judicial não se destina à defesa de nenhum valor ou bem constitucionalmente protegido previsto na Lei Fundamental, na Lei da Acção Popular e no art. 9º, n.º 2 do CPTA. Bem pelo contrário.
H. Não faz o menor sentido sustentar que os interesses dos Recorrentes são equiparáveis aos interesses dos consumidores.
I. Ainda que se entendesse que estaria aqui em causa uma acção para tutela dos direitos consumidores, sempre se teria de concluir que essa acção se encontraria excluída do contencioso administrativo.
J. Os Recorrentes não são titulares do direito de alienação potestativa consagrado no art. 196º do Cód. VM.
K. Na perspectiva da ora Recorrida, diversamente do regime ínsito no art. 194º do Cód. VM, relativo à disciplina da aquisição potestativa, o regime previsto no art. 196º do Cód. VM, relativo à disciplina da alienação potestativa, apenas é aplicável aos “titulares de acções remanescentes” à Data do fim do Período da Oferta Concorrente (o dia 14 de Outubro de 2014); ou seja, aos Destinatários da Oferta Concorrente.
L. Com efeito, o art. 196º do Cód. VM institui um regime excepcional que permite prolongar a possibilidade de uma oferta pública de aquisição, obrigando o oferente a adquirir as acções daqueles que, sendo destinatários da oferta, optaram por não a aceitar.
M. Mais em particular, o direito de alienação potestativa visa acautelar a situação dos destinatários da oferta que não a aceitaram e que, em virtude do apuramento dos respectivos resultados, são confrontados com um accionista titular de mais de 90% dos direitos dos votos.
N. Por outras palavras, os indicados accionistas são confrontados com uma situação que lhes é imposta e não, portanto, em que se colocaram voluntariamente, como sucedeu no caso dos Recorrentes ao adquirirem as suas acções na ESS findo o Período da Oferta Concorrente
O. A ratio da lei é, assim, a de tutelar os accionistas minoritários contra a redução da liquidez dos seus títulos e, para além disso, a de contrariar a pressão para que estes aceitem, necessariamente, a oferta pública de aquisição. Ou seja, os accionistas, para beneficiarem do direito de alienação potestativa, têm de ter sido necessariamente destinatários da oferta.
P. A restrição do direito de alienação potestativa aos destinatários da oferta é claríssima noutros ordenamentos jurídicos, designadamente em Inglaterra e na Alemanha.
Q. É importante salientar que a Recorrida apresentou propostas de aquisição em resposta a todos os convites efectuados por Destinatários da Oferta Concorrente ao abrigo do regime previsto no art. 196º do Cód. VM, tendo, consequentemente, procedido, no total, à aquisição de 2.022.049 acções da ESS no âmbito de processos legítimos de alienação potestativa.
R. Assim, a actuação da Recorrida não contende com os princípios da igualdade ou da proporcionalidade, porquanto esta tratou de modo igual os accionistas que estavam numa situação igual e de modo diferente aqueles que se encontravam numa situação diferente. Não é igualmente ferido o princípio da proporcionalidade em qualquer das suas vertentes ou dimensões.
S. O direito de alienação potestativa não é um direito inerente aos títulos (i.e. às acções), como o é o direito à atribuição de dividendos ou o direito à participação em assembleias gerais, mas ao invés um direito que depende de uma qualidade subjectiva (a de destinatário da oferta).
T. O regime da alienação potestativa introduz uma regra excepcional face ao princípio geral da livre formação dos preços no mercado, mas, sublinhe-se, fá-lo somente para proteger os Destinatários da Oferta Concorrente.
U. A leitura que deve ser feita do art. 196º do Cód. VM decorre de uma interpretação meramente declarativa do mencionado preceito, porquanto, considerando, a sua letra, ratio e excepcionalidade, o único sentido que o mesmo claramente comporta é o aqui defendido pela Recorrida.
V. Há diferenças substanciais entre o regime de alienação potestativa societária (isto é, o regime previsto no art. 490º do Código das Sociedades Comerciais) e o regime da alienação potestativa mobiliária (isto é, o regime previsto no art. 196º do Cód. VM) que justificam uma delimitação do âmbito subjectivo distinta entre ambos os mecanismos.
W. Caso se admitisse que fossem considerados como “titulares das acções remanescentes” todos os titulares de acções da ESS após a data do apuramento de resultados, independentemente de terem, ou não, sido Destinatários da Oferta Concorrente, ter-se-ia de admitir que, à revelia dos princípios básicos da equidade e transparência do mercado, uma pessoa pudesse (tal como fez um dos Recorrentes) adquirir acções, após o Período da Oferta Concorrente.
X. E, após lhe ter sido comunicado pela Recorrida que esta última entendia não lhe ser aplicável o regime consagrado no art. 196º do Cód. VM, essa mesma pessoa pudesse adquirir mais acções e subsequentemente ainda “obrigar” a Recorrida a adquirir tais participações ao preço da contrapartida da Oferta Concorrente (i.e. 5,01 €), tendo encontrado um mecanismo de, com referência às acções adquiridas em último lugar, obter um ganho muito significativo, sem qualquer fundamento ou causa.
Y. Realce-se que estes investidores oportunistas pretendem, ao contrário do que são as regras de funcionamento do mercado de capitais, investir sem risco e com a garantia de uma recompensa (um preço previamente fixado), tentando beneficiar injustificadamente de uma protecção legal que é unicamente atribuível aos Destinatários da Oferta Concorrente.
Z. Não é possível comparar o “ganho” obtido pela Recorrida com a aquisição de acções da ESS no mercado a um valor inferior ao preço pago pela Oferta Concorrente e o “ganho” dos accionistas que compraram as suas acções depois da Oferta Concorrente e pretendem accionar o mecanismo da alienação potestativa.
AA. E a razão é muito simples: num caso (o da Recorrida), a aquisição é legítima, noutro (o dos Recorrentes), a aquisição é ilegítima.
BB. Adicionalmente, refira-se que é incorrecto afirmar que, quando a Recorrida adquire acções da ESS no mercado, a um preço inferior ao preço pago pela Oferta Concorrente, está a obter um ganho face a este mesmo preço, pois o ganho / prémio afere-se em função do preço de compra e venda da mesma acção e não em função do preço pago por acções distintas em momento distintos.
CC. Assinale-se, de resto, que a Recorrida não poupou o que quer que seja ao não aceitar comprar as acções dos accionistas que se encontrem na mesma situação dos Recorrentes, pois uma poupança é, logicamente, o que se economiza face ao que se teria de gastar, o que aqui não era manifestamente o caso.
DD. É inegável que esta situação colide frontalmente com os princípios gerais de bom funcionamento do mercado de capitais, designadamente, com o princípio da correcta formação dos preços, que estabelece que os preços devem ser formados nas melhores condições de oferta e da procura, no âmbito de uma informação simétrica e nas condições que se encontrem mais próximas possíveis do funcionamento do mercado perfeito.
EE. Aliás, na verdade, esta situação configura, inclusive, um abuso de direito porque tais accionistas estão a colocar-se propositadamente numa situação, em teoria desprotegida, para nela acolherem tutela jurídica, sendo, pois, a sua actuação ilegítima nos termos constantes do art. 334º do Código Civil.
FF. Em suma, de todas as perspectivas em análise, impõe-se a conclusão de que os titulares do direito de alienação potestativa são apenas os Destinatários da Oferta Concorrente e não, por conseguinte, os Recorrentes.
GG. Assim, a interpretação promovida pela Recorrida e pela CMVM da norma aqui em exame é a correcta, donde, uma eventual decisão de mérito seria sempre desfavorável aos Recorrentes.
HH. Uma última palavra é devida, para deixar bem claro que o entendimento da Recorrida sobre o art. 196º do Cód. VM é inteiramente corroborado no Parecer Jurídico dos Professores Doutores LUÍS SILVA MORAIS e LÚCIO TOMÉ FETEIRA.
II. O pedido de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) deve ser liminarmente indeferido.
JJ. Por todo o exposto, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional.».

Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu parecer.

Na sequência de requerimento do A./Recorrente H..., alegando que perdeu interesse no processo devido à dificuldade em obter uma decisão justa e a ter procedido à alienação das suas acções, objecto da acção, foi julgado extinto o recurso quanto ao mesmo por desistência.

Notificados para se pronunciarem sobre o pedido de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, formulado pela recorrida CMVM [junto do TAC após a interposição do recurso], os recorrentes J... e R... vieram defender que a lide mantém utilidade, pelas razões que indicam.

As questões suscitadas pelos Recorrentes, delimitadas nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, em suma, em aferir se a sentença recorrida enferma dos alegados erros de julgamento, de interpretação e de aplicação do disposto nos artigos 31º, 194º e 196º do CVM, que levaram o juiz a quo a decidir que não detêm legitimidade processual e popular para a presente acção, apreciando para tanto a questão de mérito – a de saber se são titulares de Acções remanescentes compradas depois de apresentados os resultados da Oferta Pública de Aquisição [OPA] com direito à sua alienação potestativa - e a absolver as Entidades demandadas da instância.
E no âmbito do pedido de ampliação do recurso, pela recorrida CMVM, formulado subsidiariamente para o caso de o recurso dos Recorrentes proceder, importa saber se deve ser alterado o ponto U) da decisão da matéria de facto recorrida e julgada procedente a excepção da inimpugnabilidade do acto.
A título prévio é de apreciar da invocada extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, cuja procedência obstará ao conhecimento das questões objecto do recurso e, consequentemente, da ampliação do seu objecto.

Da questão prévia da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide:

Com relevância para a decisão a proferir é de atender ao seguinte circunstancialismo processual evidenciado nos autos no SITAF e do teor da decisão recorrida - com remissão para o teor da petição inicial (adiante designada apenas por p.i.), os documentos juntos ao requerimento da recorrida CMVM (req.) [com as descrições adicionais no SITAF: Requerimento (583478); Docs. 1 a 3 (583478); Doc. 4 (583478)], e o confessado no requerimento de pronúncia (pron.) dos Recorrentes [com a descrição adicional no SITAF: “(44420)”], que aqui damos por integralmente reproduzidos:

1) Em 5.1.2015, os AA./recorrentes instauraram a presente acção contra a CMVM e a F... – Companhia de Seguros, S.A., na qualidade de contra-interessada, pedindo a declaração de nulidade do acto administrativo impugnado ou anulação das deliberações impugnadas, e condenação da CMVM a reconhecer aos autores e demais accionistas titulares de acções remanescentes o direito de alienação potestativa das acções que detêm na E..., S.G.P.S., S.A. [ESS], e notificar a contra interessada nos termos e para os efeitos do disposto no nº 3 do artigo 196º do Código de Valores Mobiliários cfr. p.i.;

2) Em 28.11.2017 foi proferido o despacho saneador sentença recorrido, decidindo que: o TACL é materialmente competente para conhecer da acção, porque, “(…) // O que está em causa nos presentes autos é, e como os autores formulam a relação material controvertida, a intervenção da CMVM, pessoa colectiva de direito público, enquanto entidade reguladora do mercado de capitais, na sequência de decisão daqueles, enquanto accionistas, de alienação potestativa das respectivas acções, com vista a verificar os respectivos pressupostos e requisitos legais da alineação das acções. Dessa actuação de verificação dos pressupostos decorrerá, e como vem alegado pelos autores, o reconhecimento dos direitos que entendem que lhes assistem de alienação das acções de que são titulares. // O que está em causa é pois o concreto exercício de poderes legais de regulação no domínio especifico do mercado de capitais por parte de uma pessoa colectiva pública (no exercício de poderes e regulação)”; a p.i. não é inepta porque “Os autores formulam o pedido de que (e por referência aos requerimentos que dirigiram à CMVM um dos quais foi expressamente indeferido e outros dois sobre os quais não recaiu qualquer decisão expressa) lhes seja reconhecido que detêm o direito de alienação potestativa das acções que detêm na E..., S.G.P.S., S.A. e, em consequência, intimar a F... nos termos e para os efeitos do disposto no n.º3 do artigo 196.º do Código de Valores Mobiliários. // O pedido formulado é claro e perceptível, bem como a razão pela qual o mesmo é formulado.”; verifica-se a excepção dilatória da ilegitimidade activa porque e em suma, os autores adquiriram as acções da E... SGPS, SA depois do apuramento dos resultados da OPA, pelo que não são titulares de acções remanescentes e, consequentemente, não têm direito à respectiva alienação potestativa e não detêm quaisquer interesses individuais homogéneos, nos termos do artigo 31º, com fundamento no regime do direito de alienação potestativa consagrado no artigo 196º, ambos do CVM, o que determinou a absolvição da instância da Entidade demandada e da Contra-interessadacfr. de fls. 1389 a 1430 do SITAF;

3) Em 21.12.2017 as AA./recorrentes interpuseram recurso da decisão que antecede;

4) Em 13.4.2018, a Assembleia Geral de Accionistas da L... deliberou a perda da qualidade de sociedade aberta, por uma maioria de 98,799% do capital social – cfr. doc. 1 junto ao req.;

5) Os AA./recorrentes, na qualidade de accionistas, não votaram favoravelmente a deliberação referida no ponto antecedente, sendo que H... votou contra e J... e R... abstiveram-se – cfr. doc. 4 junto ao req.;

6) Em 27.11.2018, na sequência de requerimento da L..., o Conselho de Administração da CMVM deferiu a perda da qualidade de sociedade aberta daquela – cfr. doc. 2 junto ao req.;

7) Em 28.11.2018 a decisão da CMVM que antecede foi publicada pela L..., em anúncio com o seguinte teor:

«Nos termos e para os efeitos dos artigos 28.° e 29.° do Código dos Valores Mobiliários, informa-se que:

1. Ao abrigo do disposto no n.° 1, alínea b) e do n.° 2 do artigo 27.° do Código dos Valores Mobiliários, a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (a "CMVM”) deferiu, em 27 de novembro de 2018, a perda da qualidade de sociedade aberta da L..., S.A., sociedade com sede na ..., 1070-313 Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número (…), com o capital social integralmente subscrito e realizado de EUR 95.542.254,00 (…), representado por 95.542.254 (…) ações escriturais e nominativas, com o valor nominal de EUR 1 (um euro) cada (a “L...”);

2. A perda da qualidade de sociedade aberta foi requerida à CMVM na sequência da deliberação da Assembleia Geral Extraordinária de Acionistas da L..., realizada em 13 de abril de 2018 (a "Assembleia Geral”), aprovada por 99,9909% dos votos emitidos e 98,799% do capital social da L....

3. Em cumprimento do disposto no n.° 3 do artigo 27.° do Código dos Valores Mobiliários, a acionista F..., SA, sociedade com sede no Largo do Calhariz, 30 1249-001, Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial (…), com o capital social de EUR 381.150.000,00 (…), titular de 47.568.659 (…) ações representativas de 49,788% do capital social da L... (a "F...”), obrigou-se a adquirir, no prazo de três meses contados a partir da data de publicação da declaração de perda da qualidade de sociedade aberta da L... pela CMVM (i.e., entre 29 de novembro de 2018 e 28 de fevereiro de 2019, ambos inclusive), as remanescentes 1.147.846 (…) ações pertencentes aos acionistas que não votaram favoravelmente a deliberação de perda da qualidade de sociedade aberta na Assembleia Geral, desde que as mesmas se encontrem livres de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, bem como de quaisquer limitações ou vinculações, nomeadamente quanto aos respetivos direitos patrimoniais e/ou sociais ou à sua transmissibilidade.

4. A obrigação de aquisição supra referida tem por objeto um máximo de 1.147.846 (…) ações representativas de 1,201% do capital social e dos direitos de voto da L....

5. A contrapartida oferecida peia F... é de EUR 5,71 (cinco euros e setenta e um cêntimos) por ação, contrapartida que resulta da aplicação do artigo 188.° do Código dos Valores Mobiliários, aplicável por força do n.° 4 do artigo 27.° do mesmo Código, que corresponde ao montante previsto no compromisso de aquisição das ações efetuado pela F..., conforme deliberado na assembleia geral extraordinária de 13 de abril de 2018 e que corresponde também ao maior preço pago no período de 6 meses anterior a divulgação da convocatória da referida assembleia geral, no contexto da celebração de um contrato de compra e venda de 46.815.704 ações representativas do capital social da L... entre a F... e a F... Internacional Limited.

6. Nos termos do disposto na alínea b) do n.° 3 do artigo 27.° do Código dos Valores Mobiliários, a F... efetuou, junto do Caixa- Banco de Investimento, S.A. ("CaixaBI), com sede (…), um depósito caução no montante de EUR 6.554.200,66 (…), destinado a garantir o pontual cumprimento da obrigação de pagamento da totalidade do valor da contrapartida de aquisição das ações representativas do capital social da L..., detidas por acionistas que não tenham votado favoravelmente a deliberação de perda da qualidade de sociedade aberta adotada na Assembleia Geral.

7. Para efeitos do cumprimento da obrigação anteriormente referida, a F... transmitiu ao CaixaBI uma ordem permanente de compra de até 1.147.846 (…) ações representativas do capital social da L.... A referida ordem de compra é válida pelo período de 3 (três) meses compreendido entre 29 de novembro de 2018 e 28 de fevereiro de 2019 (ambos inclusive), ao preço unitário de EUR 5,71 (cinco euros e setenta e um cêntimos) por ação, podendo os acionistas interessados em alienar por esta forma as ações da L... de que são titulares transmitir as suas ordens de venda junto de qualquer intermediário financeiro legalmente habilitado a receber ordens de venda de valores mobiliários.

8. Nos termos do n.º 1 do artigo 29.° do Código dos Vaiares Mobiliários, a perda da qualidade de sociedade aberta é eficaz a partir da publicação da decisão favorável da CMVM, que teve lugar em 28 de novembro de 2018.

9. As ações representativas do capital social da L... foram excluídas da negociação do mercado regulamentado Euronext Lisbon a partir de 28 de novembro de 2018, a data da publicação da decisão favorável da CMVM, nos termos do n.° 2 do artigo 29.° do Código dos Valores Mobiliários. Ao abrigo da mesma disposição, a declaração de perda da qualidade de sociedade aberta da L... pela CMVM implica que a readmissão das ações representativas do capital social da L... em mercado regulamentado fique vedada antes de decorrido 1 (um) ano sobre essa declaração.

10. Tanto quanto é do conhecimento do emitente, a F... equaciona a possibilidade de vir a recorrer ao mecanismo legal de aquisição potestativa das ações remanescentes previsto no artigo 490.° do Código das Sociedades Comerciais.

11. Todos os anúncios cuja publicação seja devida ao abrigo do artigo 28.° do Código dos Valores Mobiliários serão divulgados nos prazos previstos nesse preceito.

12. Em termos acumulados, até ao final do 2.° mês de vigência da ordem permanente de compra a F... adquiriu 589.456 (…) ações representativas do capital social da L..., pelo que ficam por adquirir um máximo de 558.390 (…) ações.

13. O 1.° Anúncio relativo à perda da qualidade de sociedade aberta da L... foi divulgado no sistema de difusão de informação da CMVM (www.cmvm.pt) em 28 de novembro de 2018. O 2.° Anúncio relativo à perda da qualidade de sociedade aberta da L... foi divulgado no mesmo sistema de difusão em 28 de dezembro de 2018.» cfr. doc. 3 junto ao req.;

8) Em 2.2.2021 foram os autos remetidos a este Tribunal e por despacho, de 20.12.2021, foi determinada a notificação dos Recorrentes para se pronunciarem sobre o pedido de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide – cfr. de fls 1843 e 7435 do SITAF;

9) O 1º A./recorrente J... alienou parte dos valores mobiliários de que era titular, representativos do capital social da L... – cfr. pron.;

10) O 3º A./recorrente R... alienou a totalidade dos valores mobiliários de que era titular, representativos do capital social da L... – cfr. pron.;

11) Em 20.12.2021 foi declarado extinto o recurso interposto pelo 2º A./recorrente H..., por desistência cfr. de fls 7433 e 7434 do SITAF.

Alega a recorrida CMVM que existe fundamento para a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, porquanto, pretendendo os AA., na presente acção, que reconheça o seu alegado direito à alienação potestativa e que notifique a recorrida F... para que adquira as acções que detêm na L... ao preço que indicaram nos respectivos requerimentos, ou seja, de €5,01 por acção (correspondente ao valor da contrapartida oferecida pela F... na OPA das Ações Representativas do Capital Social da ESS, que lançou em 26.9.2014, conforme alínea b) do nº 2 do artigo 196º do CVM), com a perda de qualidade de sociedade aberta, em Novembro de 2018, e a obrigação assumida pela F... a, no prazo de três meses contados da publicação da respectiva declaração, adquirir as acções pertencentes aos accionistas que, na Assembleia Geral, não votaram a correspondente deliberação favoravelmente, como é o caso dos AA./recorrentes, mediante o pagamento de €5,71 por acção, tiveram estes a oportunidade de alienar as acções que detêm na referida sociedade por preço superior ao resultante da OPA de 2014, pelo que: se alienaram deixaram de ter acções e, consequentemente, já não podem proceder à sua alienação potestativa; se não alienaram por valor superior ao que pretendem obter em caso de procedência da acção, é porque renunciaram à intenção de exercer o direito à alienação potestativa, conformando-se com a situação em que se encontram.

Contrapõem os 1º e 3º Recorrentes que a lide mantém utilidade, porquanto o primeiro é titular de valores mobiliários representativos do capital social da L... cuja alienação potestativa requereu, embora tenha alienado parte dos mesmos na pendência da acção, o segundo alienou todos os valores mobiliários de detinha, ambos continuam a ter interesse na condenação da Demandada a reconhecer o seu direito à alienação potestativa das acções que detém/detiveram no pressuposto de poderem reclamar os juros e, o primeiro de intentar acção de responsabilidade civil, sendo de não perder de vista que instauraram acção popular para defesa de interesses difusos, relevando a protecção do interesse supra individual, existindo outros autores que continuam a ser titulares de valores mobiliários representativos do referido capital, que também requereram a sua alienação potestativa e beneficiam da decisão que vier a ser proferida nos autos, por fim, é de atender à relevância jurídica e social da problemática trazida ao processo que, para além de inédita é importante para permitir a correcta e melhor aplicação do direito, para além de profundamente relevante e de interesse geral, comunitário e nacional.

Apreciando.

Dispõe a alínea e) do artigo 287º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA, que a instância extingue-se com “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
O mesmo é dizer que é causa da extinção a ocorrência de facto na pendência da instância que implique a não subsistência da pretensão do autor, por referência ao sujeito (ex.: por morte ou extinção), ao objecto (ex.: deixou de existir a causa de pedir e/ou o pedido) ou porque foi, entretanto, satisfeita extrajudicialmente, retirando àquele interesse em agir, com o sentido de que deixou de ter necessidade de tutela judicial ou de prosseguir com aquele concreto processo/acção. A saber, quando devido a factos novos, verificados na pendência do processo, não existe qualquer efeito útil na decisão a proferir, não é possível o pedido ter acolhimento ou o fim visado foi atingido por outro meio [v. sumário do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12.7.2017, proc. 4911/11.0TBVFR.P1 in www.dgsi.pt].
No caso em apreciação, os AA./recorrentes em 2015 instauraram a presente acção com vista à impugnação do acto ou das deliberações - que não especifica/m - e a condenação da CMVM a reconhecer aos autores e demais accionistas titulares de acções remanescentes o direito de alienação potestativa das acções que detêm na E..., S.G.P.S., S.A. [ESS], e notificar a contra interessada nos termos e para os efeitos do disposto no nº 3 do artigo 196º do Código de Valores Mobiliários.
Em suma e como também entendeu o juiz a quo para fundamentar a competência em razão dos tribunais administrativos para conhecer do presente litígio, pretendem obter decisão judicial que condene a CMVM a reconhecer o seu direito à alienação potestativa das acções da sociedade aberta [v. artigo 13º do CVM] ESS remanescentes da OPA de 2014, de que alegam ser titulares, de acordo com as declarações que instruíram e dirigiram à CMVM no prazo previsto no nº 1 do referido artigo 196º, alienação que se tornará eficaz com a notificação por esta autoridade à accionista dominante, a F..., que, assim ficará obrigada a adquiri-las pela contrapartida calculada nos termos do dos nºs 1 e 2 do artigo 194º do mesmo Código, e indicada nas referidas declarações no valor de €5,01.
Em 2018 verificou-se o facto novo e superveniente consistente na perda da qualidade de sociedade aberta pela agora designada L..., tendo a F... assumido e cumprido a obrigação de adquirir as acções remanescentes dos sócios que não aprovaram a correspondente deliberação, pelo valor de €5,71, sabendo-se que o 1º A. absteve-se e o 3º A. votou contra e que alienaram em parte e no todo, respectivamente, as acção de que eram titulares.
Donde, na pendência dos autos (e do recurso), ocorreram factos, que alteraram a situação de facto e de direito existente, porquanto a sociedade ESS/L... ao abrigo do disposto nos artigos 27º a 29º do CVM, na redacção em vigor na data a que os factos se reportam, deixou, no termo do correspondente procedimento, de ser uma sociedade aberta ao investimento público [o que implicou a sua imediata exclusão da negociação em mercado regulamentado das acções, pelo menos pelo prazo de um ano, e necessariamente de estar sujeita ao disposto no CVM e à regulação pela CMVM], tendo as acções detidas pelos accionistas que não aprovaram a correspondente deliberação passado a ser remanescentes em relação à publicação da decisão favorável da CMVM de 2018, e não à OPA de 2014, significando que a posterior aquisição ou alienação de acções remanescentes [como as que o 1º A. alega que ainda detém] será efectuada de acordo com o previsto no artigo 490º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) e se necessário mediante acção instaurada ao abrigo do respectivo nº 6.
Uma eventual decisão de procedência, não permitindo aos AA. alienar as acções que já não detêm ou que são remanescentes da perda da qualidade de sociedade aberta, permitirá saber que a CMVM deveria ter reconhecido o respectivo direito à alienação potestativa das acções remanescentes da OPA de 2014.
E, uma vez que não foi peticionado nos autos o pagamento de juros de mora, permitirá a instauração de nova acção para o efeito, e/ou, como alegou o 1º A., de responsabilidade civil extracontratual para ressarcimento de eventuais danos decorrentes do não reconhecimento atempado do direito à alienação potestativa das acções remanescentes da OPA.
Razões bastantes para se considerar que os 1º e 3º AA. ainda podem retirar proveito do prosseguimento da lide, mantendo interesse em agir ou na tutela que solicitaram nos presentes autos.
Quanto ao que vem alegado sobre os interesses de eventuais autores populares, desconhecendo a respectiva situação concreta, mas podendo aproveitar dos efeitos de uma eventual decisão de procedência, vale para estes o que se expendeu para os AA.
Por fim, irreleva, por estar agora em causa a apreciação da uma questão prévia ao conhecimento do mérito da causa, o que foi alegado pelos Recorrentes quanto à eventual relevância jurídica e social da problemática trazida ao processo.
Donde, não se verifica a invocada inutilidade superveniente da lide.

Prosseguindo, importa apreciar dos fundamentos do recurso quanto ao erro de julgamento do tribunal recorrido ao declarar verificada a excepção da ilegitimidade activa.

Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:

«A) J... é accionista da E... S.G.P.S., S.A., detendo 34198 acções (29 153 adquiridas entre 11 e 16 de Dezembro de 2014, 5000 em 31 de Dezembro de 2014 e 45 acções em 7 de Janeiro de 2015. Cfr. documentos juntos aos autos.

B) H... é accionista da E... S.G.P.S., S.A., detendo 2150 acções adquiridas “durante o mês de Outubro de 2014, após a conclusão da oferta pública de aquisição geral e voluntária lançada” pela F.... Cfr. documentos juntos aos autos.

C) R... é accionista da E... S.G.P.S., S.A., detendo 20500 acções “adquiridas em vários momentos no tempo, após a oferta pública inicial”. Cfr. documentos juntos aos autos.

D) Por deliberação de 26 de Setembro de 2014 do Conselho Directivo da CMVM foi concedido o registo prévio e ipso facto aprovado o prospecto de Oferta Pública Concorrente Geral e Voluntária de Aquisição das Acções Representativas do Capital Social da E..., nos termos do disposto nos artigos 114.º, n.º2 e 118.º, n.º6 do Código de Valores Mobiliários. Cfr. documento junto aos autos.

E) O anúncio de lançamento da OPA e o respectivo prospecto foram divulgados em conjunto no SDI (Sistema de Difusão de Informação) no sítio da CMVM da internet em 26 de Setembro de 2014, nos termos do artigo 183.ºA, n.º2 do Código de Valores Mobiliários. Cfr. documento junto aos autos.

F) Naquela Oferta Pública a oferente foi a F... – Companhia de Seguros, S.A., com sede no Largo do Calhariz, 30, 1249-001 Lisboa. Cfr. documento junto aos autos.

G) A E... S.G.P.S., S.A. tinha à data da oferta um capital social de €95 542 254,00 representado por 95 542 254 (noventa e cinco milhões, quinhentos e quarenta e duas mil e duzentas e cinquenta e quatro) acções com o valor nominal de €1,00 (um euro).Cfr. documento junto aos autos.

H) Os valores mobiliários objecto da Oferta Concorrente eram as acções ordinárias, com o valor nominal de €1,00 cada, representativas da totalidade do capital social e direitos de voto da E... S.G.P.S., S.A., com exclusão das que fossem directamente detidas pela F... – Companhia de Seguros, S.A. e por pessoas/entidades que, estando com ela em alguma das situações previstas no número 1 do artigo 20.º do Código de Valores Mobiliários, procedessem ao respectivo bloqueio durante o prazo da Oferta Concorrente. Cfr. documento junto aos autos.

I) Em 26 de Setembro de 2014 a F... – Companhia de Seguros, S.A. detinha “1504 (mil quinhentos de quatro) Acções representativas de 0,0016% (zero vírgula zero zero dezasseis por cento) do capital social e dos direitos de voto da” E... S.G.P.S., S.A.. Cfr. documento junto aos autos.

J) Considerando as acções da E... S.G.P.S., S.A. imputáveis à Oferente F... – Companhia de Seguros, S.A. os valores mobiliários objecto da Oferta Concorrente são 95 540 750 acções, correspondentes a aproximadamente 99,99% do capital social e dos direitos de voto da E... S.G.P.S., S.A. Cfr. documento junto aos autos.

K) A contrapartida oferecida em dinheiro foi inicialmente de €4,82 (quatro euros e oitenta e dois cêntimos) por cada acção.Cfr. documento junto aos autos.

L) O valor final e definitivo da contrapartida oferecida foi estabelecido em €5,01 (cinco euros e um cêntimo), em virtude de a mesma ter sido revista pela Oferente F... – Companhia de Seguros, S.A. para este valor, conforme Adenda ao Prospecto da OPA divulgada em 9 de Outubro de 2014. Cfr. documento junto aos autos.

M) O prazo da oferta da OPA decorreu entre o dia 29 de Setembro e o dia 14 de Outubro de 2014. Cfr. documento junto aos autos.

N) O processo de OPA foi completado com o apuramento dos respectivos resultados em sessão especial do mercado regulamentado Euronext Lisbon, realizada em 15 de Outubro de 2014, tendo os resultados finais sido divulgados nesse dia.Cfr. documento junto aos autos.

O) De acordo com tais resultados a F... – Companhia de Seguros, S.A. adquiriu 91 782 932 acções, representativas de 96,065% do capital social e 96,12157% dos respectivos direitos de voto, representando um grau de aceitação da OPA (após a dedução de 54385 acções próprias de 96,12151%. Cfr. acordo das partes.

P) J..., H... e R... dirigiram requerimentos à F... solicitando que esta, na qualidade de sócia dominante, fizesse uma proposta de aquisição das acções que detinham da E... S.G.P.S., S.A.. Cfr. documentos juntos aos autos.

Q) Em reposta àqueles requerimentos a F... respondeu aos requerentes informando-os de que “Considerando que as acções objecto do convite à apresentação de proposta foram adquiridas após o termo do Período de Oferta (…) não pretendemos apresentar qualquer proposta de aquisição dessas (…) acções, por considerar que o mecanismo previsto no artigo 196.º do CódVM não é aplicável, uma vez que não estamos perante acções remanescentes da Oferta Pública de Aquisição.” Cfr. documento junto aos autos..

R) Com data de 7 de Novembro de 2014 a F... enviou requerimento à CMVM (entrado nesta em 12 de Novembro de 2014) relativo ao assunto “Alienação Potestativa na sequência da aquisição de oferta pública de aquisição geral sobre a E..., S.G.P.S., S.A. que ultrapassou 90% dos direitos de voto abrangidos pela oferta” com o seguinte teor:”A F... – Companhia de Seguros, S.A. (“F...”), na qualidade de oferente no âmbito da oferta pública concorrente, geral e voluntária, sobre as acções representativas do capital social da E..., S.G. P.S., S.A. (ESS) registada e lançada no passado dia 26 de Setembro (“Oferta Concorrente”), e na sequência do apuramento de resultados da Oferta Concorrente, em Sessão especial de mercado regulamentado do Euronext Lisbon by Euronext Lisbonm no passado dia 17 de Outubro, tem vindo a receber, por parte dos actuais titulares de acções da ESS, pedidos de alienação potestativa, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 196.º do Código dos Valores Mobiliários (Cód.VM).
Neste contexto e na sequência dos diversos contactos mantidos com V. Exas., vimos pelo presente, formalmente, expor e requerer o seguinte:
1. O n.º1 do artigo 196.º do Cód. VM estabelece que “Cada um dos titulares das acções remanescentes, pode, nos três meses subsequentes ao apuramento dos resultados da oferta pública de aquisição referida no n.º1 do artigo 194.º, exercer o direito de alienação potestativa, devendo antes, para o efeito, dirigir por escrito ao sócio dominante, convite, para que, no prazo de oito dias, lhe faça proposta de aquisição das suas acções.”
2. Ao abrigo da supra referida disposição legal, a F..., tem recebido diversos “convites”, por parte dos actuais titulares de acções da ESS, para que a F... lhes faça proposta de aquisição das suas acções.
3. Em resposta aos pedidos acima referidos, a F... tem solicitado aos actuais titulares de acções da ESS, que a informem relativamente à data de aquisição das acções, no sentido de apurar se se tratam ou não, de accionistas que eram destinatários da Oferta Concorrente.
4. Isto porque a F... entende que o regime previsto no artigo 196.º do Cód.VM apenas é aplicável aos “titulares de acções remanescentes” à data do fim do período da Oferta Concorrente, ou seja, 15 de Outubro de 2014.
5. Com efeito, o artigo 196.º do Cód. VM visa salvaguardar, a situação daqueles que:(i) sendo destinatários da Oferta Concorrente, optaram por não o aceitar; e (ii) são confrontados, em virtude dos resultados da Oferta Concorrente, com um accionista, titular de mais de 90% dos direitos de voto, não podendo, de forma alguma antecipar tal situação. Essa disposição visa salvaguardar, embora à posteriori, os legítimos interesses dos accionistas que, sendo detentores de acções à data da Oferta Concorrente, legitimamente optaram por não as vender (podendo tê-lo feito), sendo depois confrontados com circunstâncias supervenientes i.e o domínio absoluto da sociedade em causa, que podem fundamentar uma alteração de posição.
6. Assim, parece claro que o regime consagrado no artigo 196.º do Cód. VM não pretende salvaguardar aqueles accionistas que, não sendo destinatários da Oferta Concorrente, porque não eram titulares das acções no período da Oferta Concorrente, adquiriram acções após o termo do período da Oferta Concorrente, pretendendo beneficiar de um regime que, como foi referido no ponto 5. Antecedente, pretende salvaguardar os interesses dos destinatários da Oferta Concorrente.
7. Sucede que caso se admitisse que fossem considerados como “titulares das acções remanescentes” todos os titulares de acções que não são neste momento detidas pela F..., independentemente de terem, ou não, sido destinatários da Oferta Concorrente, ter-se-ia que admitir que, à revelia dos princípios de equidade e transparência do mercado, quem tivesse adquirido acções em bolsa, após o termo da Oferta, ao preço de €4,31, como se verificou no passado dia 20/10/2014, e subsequentemente pudesse “obrigar” a F..., a adquirir tais participações ao preço da contrapartida da Oferta Concorrente (isto é €5,01) teria encontrado um expediente para obter um ganho de €0,700 por acções, e um prémio de cerca de 16,24% em escassos dias, sem qualquer fundamento ou causa!
8. Estes investidores, que adquirissem acções da ESS após o termo do período da Oferta Concorrente, e que pretendessem alienar as suas acções ao abrigo do regime disposto no artigo 196.º do Cód. VM, não serão sequer meros “especuladores” – cujos investimentos pressupõem a assunção de um risco quanto ao retorno – mas sim investidores “oportunistas” que, ao contrário do que são as regras de funcionamento do mercado de capitais, investiram sem risco, com a garantia de uma recompensa, com um preço previamente fixado, tentando beneficiar injustificadamente duma protecção legal que é atribuível apenas aos destinatários da Oferta Concorrente.
9. De facto, tal iria violar princípios gerais de bom funcionamento do mercado de capitais como o será o princípio da correcta formação dos preços, que estabelece que os preços devem ser formados nas melhores condições de oferta e da procura, no âmbito de uma informação simétrica e nas condições que se encontrem mais próximas possíveis do funcionamento do mercado perfeito. A aceitar-se, estar-se-ia a beneficiar de um regime excepcional consagrado na lei aqueles que propositadamente se colocam ao abrigo desse regime excepcional, para dele beneficiarem em prejuízo das regras da oferta e da procura aplicáveis aos demais investidores.
10. Por fim, acrescente-se apenas que, caso a interpretação diversa da aqui exposta, vingasse, esta constituiria um incentivo a que, esses investidores “oportunistas” proliferem e até reincidam nestes investimentos sem risco e de retorno maximizado garantido. Em última análise, tal interpretação, teria até um efeito perverso sobre o funcionamento da Bolsa e a liquidez das acções na medida em que conduziria potencialmente à exclusão da ESS do mercado regulamentado, como consequência da F... ser compelida a adquirir a totalidade dessas “acções remanescentes” contra a política e os objectivos da própria CMVM de dinamizar o mercado de capitais e de alargar o número de empresas admitidas à cotação.
Por tudo o supra exposto solicita-se à CMVM que, caso venha a receber de investidores que não hajam sido destinatários da Oferta Concorrente (por durante o período da Oferta Concorrente não serem titulares de acções da ESS), declare, nos termos do n.º3 do artigo 196.º do Cód. VM a contrario (i) não estarem preenchidos os requisitos para alienação potestativa e consequentemente (ii) se abstenha de notificar a F... para adquirir tais títulos.”Cfr. documento junto aos autos.

S) Com data de 19 de Novembro de 2014 foi no Departamento de Supervisão de Mercados, Emitentes e Informação da CMVM elaborada a Informação n.º DMEI/2014/212 relativa ao assunto “Oferta pública de aquisição geral e voluntária lançada pela F... – Companhia de Seguros, S.A. sobre as acções da E..., SGPS, S.A. – exercício do direito de alienação potestativa” na qual se referia designadamente o seguinte: “ (…) Em 26 de Setembro de 2014 a CMVM registou, sob o n.º9204, a oferta pública concorrente de aquisição, geral e voluntária, da F... sobre a totalidade das acções representativas do capital social e dos direitos de voto da ESS, não se tendo estabelecido qualquer limitação quanto à quantidade ou percentagem máxima dos valores mobiliários a adquirir.
Na sequência da Oferta, a F... adquiriu 91782932 acções, passando a ser titular de um total de 91 784 436 acções, representativas de 96,067% do capital social e 96,12% dos direitos de voto da ESS.
2.O DIREITO DE ALIENAÇÃO POTESTATIVA E O SEU EXERCÍCIO
2.1. Enquadramento
A oferta pública de aquisição constitui meio para aquisição do controlo sobre determinada sociedade (se a oferta é voluntária) ou o meio para legitimar essa aquisição (nos casos em que a oferta é obrigatória). No entanto, nos casos em que a oferta é dirigida à aquisição da totalidade das acções representativas do capital social, ainda não detidas ou imputadas ao oferente, manter-se-á até ao apuramento dos resultados a incógnita quanto à participação que, finda a oferta, virá a ser imputável ao oferente, porquanto é uma variável dependente do grau ou nível de aceitação dos respectivos destinatários.
Essa incógnita não gera, contudo, qualquer assimetria informativa, porquanto oferente e destinatários estão em igualdade de circunstâncias perante uma mesma incerteza. É, portanto, no momento do apuramento dos resultados que se vem a determinar se a oferta voluntária teve sucesso, ou o nível de alienações efectivamente concretizadas em exercício de um “direito de saída” no âmbito de uma oferta obrigatória.
E é também nesse momento que, desvendada a incógnita e conhecidos os resultados, podem o oferente e os accionistas remanescentes arrogar-se titulares de interesses legítimos carecidos de protecção legal: atenta a adesão massiva à oferta (conducente à concentração de mais de 90% dos direitos de voto e mais de 90% do objecto da oferta), pode o novo accionista maioritário ter interesse em vir a deter a totalidade do capital social, “libertando-se” dos accionistas minoritários; em sentido inverso, os accionistas minoritários poderão ter interesse em sair da sociedade em face da superveniência de uma situação de controlo reforçado que vem alterar a posição relativa destes perante o sócio maioritário e, indirectamente, perante a própria sociedade, dificultada que está a possibilidade de venda em mercado pela substancial redução de free float e de liquidez.
Assim, em complemento das regras que disciplinam as ofertas públicas de aquisição e que, em concreto, visam salvaguardar a posição jurídica de quem se encontra em situação de maior fragilidade (os accionistas minoritários), existem normas que visam definir os direitos de cada uma das partes e os termos em que os mesmos podem ser exercidos perante a ocorrência de tal concentração de capital. Essas normas corresponderão ao direito de aquisição potestativa (artigo 194.º) e ao direito de alineação potestativa (196.º). E ainda que os mecanismos estabelecidos assentem na verificação de um pressuposto comum – a obtenção, na sequência de uma oferta pública de aquisição, de 90% dos direitos de voto correspondentes ao capital social a 90% dos direitos de voto abrangidos pela oferta -, cada um deles visa dar resposta a distintas pretensões, fazendo assentar o seu legítimo exercício numa teleologia também ela diferenciada. (…)
2.2. Requisitos
De acordo com a letra do art. 196.º, n.º1, os titulares das acções remanescentes (i.e. aquelas que, por não terem sido alienadas no âmbito da OPA, remanescem fora da esfera jurídica do oferente), podem, nos três meses subsequentes ao apuramento dos resultados da oferta pública de aquisição referida no n.º1 do artigo 194.º, exercer o direito de alienação potestativa, devendo antes, para o efeito, dirigir por escrito ao sócio dominante convite para que, no prazo de oito dias, lhe faça proposta de aquisição das suas acções.(…)
Nestas circunstâncias, e de acordo com a redacção do art. 196.º, n.º1, o accionista detentor de acções da ESS deverá começar por dirigir ao Oferente um convite para que lhe apresente, no prazo de 8 dias, proposta de aquisição das suas acções. O accionista em causa apenas poderá exercer o direito de alienação potestativa, mediante declaração perante a CMVM, se o Oferente não apresentar tal proposta, ou, alternativamente, se a mesma não for por aquele considerada satisfatória. Nesse caso a declaração deve ser acompanhada de:
a) Documento comprovativo de consignação em depósito ou de bloqueio das acções a alienar; e
b) Indicação da contrapartida calculada nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 194.º.
De acordo com o estabelecido no art. 196.º, n.º3, compete à CMVM verificar o cumprimento pelo accionista dos requisitos da alienação, tornando-se esta eficaz a partir da notificação feita pela CMVM ao sócio dominante.
Resulta do exposto que, ultrapassada a fase do indispensável convite à apresentação de uma proposta, o exercício do direito de alienação potestativa por parte de um accionista deverá implicar necessariamente a intervenção da CMVM, que tem de verificar o preenchimento dos respectivos pressupostos e requisitos legais, nomeadamente o carácter justo da contrapartida a pagar (…) e a identificação dos accionistas efectivamente titulares desse direito (…).
2.2.1. Determinação da contrapartida
O art. 196.º estabelece que a contrapartida a pagar no âmbito do exercício do direito de alienação potestativa deverá ser calculada nos termos dos números 1 e 2 do art. 194.º, ou seja, prevê o legislador o recurso aos mesmos critérios de determinação da contrapartida para os casos de aquisição e alienação potestativas.
Assim, deve presumir-se que, por remissão para o art. 194.º/2, a contrapartida paga na oferta pública de aquisição é justa, devendo, em princípio, ser esse o preço mínimo a pagar no âmbito do exercício dos referidos direitos.(…)
2.2.3. Titulares do direito
O n.º1 do art. 196.º determina que “cada um dos titulares das acções remanescentes” pode, nos três meses subsequentes ao apuramento dos resultados da OPA, exercer o direito de alienação potestativa.
A norma em causa delimita o universo relevante dos titulares de um tal direito por referência à superveniência da detenção dos instrumentos em causa em virtude da sua não alienação no âmbito da OPA. Por titulares de acções remanescentes deverão assim ser entendidos aqueles que, tendo tido oportunidade de vender no âmbito da OPA, não o fizeram, requalificando-se como titulares de acções que remanescem fora da esfera jurídica do oferente.
A confortar a interpretação que fazemos da letra do preceito está a circunstância de o art. 196.º, quer pelos seus requisitos de aplicação (desde logo a remissão para o n.º1 do art. 194.º), quer pela sua inserção sistemática (na secção intitulada “Aquisição tendente ao domínio total”), ser uma previsão normativa cuja convocação apenas cobra sentido na sequência de uma oferta pública de aquisição. A comprová-lo está não só o facto de a Directiva das OPAs, de onde o mesmo descende, mencionar expressamente (no seu considerando 24) que os mecanismos de “alienação potestativa só deve, ser aplicáveis em condições específicas ligadas às ofertas públicas de aquisição”, mas também a circunstância de, pelo menos entre nós, um tal direito coexistir com um direito de alienação potestativa “societário” (previsto no art. 490.º do Código das Sociedades Comerciais para as sociedades fechadas), desligada portanto, da concentração de capital na sequência de oferta pública de aquisição.
Assim, para que possa haver lugar ao exercício legítimo do direito de alienação potestativa, terá sempre necessariamente de ter havido, em momento imediatamente anterior, uma oferta pública de aquisição lançada sobre a totalidade das acções da sociedade visada, independentemente de ela ter tido natureza voluntária ou obrigatória.
Neste contexto, os pressupostos para o exercício do direito apenas se aferem na sequência do apuramento dos resultados da oferta pública de aquisição geral, sendo por referência a esse momento que se determina o universo dos “titulares das acções remanescentes” referidos no preceito, aliás, é também por referência a esse momento que releva o prazo de 3 meses para o exercício do direito estabelecido na norma.
Do exposto pode concluir-se que a ratio ou teleologia do preceito reside na concessão de uma nova oportunidade de saída do capital da sociedade aberta que a lei atribui aos accionistas que, podendo tê-lo feito, optaram por não alienar as suas acções na oferta pública geral de aquisição finda. E assim é porque a superveniência de uma posição de controlo que confere a determinado accionista mais de 90% dos direitos de voto e mais de 90% do objecto da oferta constitui um facto novo, significativo, que reconfigura a relação de forças na estrutura accionista da sociedade, que dificulta a saída dos minoritários por venda em mercado (por falta de liquidez) e que não era conhecido (nem poderia ser) à data em que a possibilidade de sair por via da OPA era efectiva.
O exercício do direito de alienação potestativa, que assim se encontra intimamente relacionado com o processo de OPA – tutelando a posição jurídica de quem em pouco tempo passa de accionista de uma sociedade de capital (mais ou menos) disperso para accionistas de uma sociedade com uma tão significativa concentração de capital, resultado da OPA -, encontra a sua justificação na possibilidade de o accionista remanescente reponderar a manutenção do seu investimento, na sequência de oferta pública de aquisição geral.
Os investidores que venham a adquirir acções em momento posterior ao final da oferta, sendo já conhecedores da (e tendo-se conformado com a) situação de domínio por parte do sócio maioritário (o oferente), bem como dos resultados da oferta, não poderão ser beneficiários deste mecanismo, à luz da ratio do preceito descrita nos parágrafos anteriores.
Entendimento diferente do sustentado, que conferisse indiferenciadamente a possibilidade de exercício de um tal direito, teria efeitos perversos e situar-se-ia manifestamente fora da ratio da norma. Com efeito, se qualquer investidor conhecedor dos resultados da oferta e da situação de domínio pudesse adquirir acções em mercado, após a oferta, apenas para forçar o sócio dominante a adquirir a sua participação, a figura da alienação potestativa transformar-se-ia num instrumento de arbitragem, de realização de mais-valias e de especulação em mercado. Nada impediria, portanto, que aproveitando uma natural queda da cotação em momento posterior ao terminus da oferta, certos investidores adquirissem acções em mercado com intuito de as alienar ao oferente pelo preço mais alto pago na OPA. O mecanismo de protecção dos accionistas minoritários transformar-se-ia num preço garantido de venda das acções remanescentes pelo período de 3 meses. (…)”. Cfr. documento junto aos autos.

T) Com data de 27 de Novembro de 2014 foi aprovada em reunião do Conselho Directivo da CMVM Deliberação relativa ao assunto “Oferta pública de aquisição geral e voluntária lançada pela F... – Companhia de Seguros, S.A. sobre as acções da E..., SGPS, S.A. – exercício do direito de alienação potestativa” com o seguinte teor:”O Conselho Directivo delibera, por unanimidade, nos termos e com os fundamentos constantes da Informação em epígrafe, o seguinte:
i. Sufragar o entendimento segundo o qual o direito de alienação potestativa estabelecido no art. 196.º do Código dos Valores Mobiliários apenas pode ser exercido pelo accionista que, à data do apuramento de resultados da oferta pública de aquisição, mantenha a titularidade das acções da sociedade visada que, portanto, não foram alienadas no âmbito da referida oferta;
ii. Notificar a F... – Companhia de Seguros, S.A., na qualidade de requerente, do entendimento adoptado pela CMVM.”Cfr. documento junto aos autos.

U) J..., H... e R... na sequência das respostas que lhes foram dadas pela F..., invocando a qualidade de titulares de acções remanescentes dirigiram à CMVM requerimentos de declaração de alienação potestativa ao accionista dominante acompanhados de documentos comprovativos de consignação em depósito das acções a alienar, indicação da contrapartida calculada nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 194.º do Código de Valores Mobiliários e a solicitar à CMVM que fosse extraída certidão comprovativa da notificação ao sócio dominante. Cfr. documento junto aos autos.

V) Com data de 19 de Dezembro de 2014 foi pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários enviado comunicação vai email a H... com o seguinte teor:”Exmo Senhor,
A CMVM recebeu a exposição de V. Exa relativa à alienação de acções da E..., SGPS, SA (ES Saúde), na sequência da oferta pública de aquisição (OPA) lançada pela F...-Companhia de Seguros, SA (F...) e esclarece o seguinte:
- O direito de alienação potestativa previsto no artigo 196.º do Código dos Valores Mobiliários (Cód.VM) pode ser legitimamente exercido por todos os accionistas da sociedade visada à data do final da OPA que, não tendo vendio[sic] a totalidade das suas acções no decurso da oferta de que foram destinatários, mantenham a titularidade de acções após aquela data;
- Assim, poderão os accionistas da sociedade visada apresentar à oferente, no prazo de três meses subsequentes ao apuramento dos resultados da oferta, convite para a aquisição das acções remanescentes (i.e não alienadas no âmbito da OPA) ao preço correspondente à contrapartida oferecida na OPA, fazendo para o efeito prova da titularidade das acções relevantes à data do final da OPA.
No caso em concreto, os accionistas da ES Saúde que não tenham alienado as acções durante o período da oferta, ou seja, até dia 14 de Outubro de 2014, podem apresentar à F... convite para a aquisição das acções de que eram titulares nesta data, fazendo prova da titularidade das acções nesta data.
Analisados os documentos remetidos por V. Exa à CMVM, verificámos que V. Exa adquiriu as 2150 acções da ES Saúde que propões alienar à F... em data posterior ao final do período da OPA, que ocorreu a 14 de Outubro, não se encontrando assim reunidos os pressupostos de aplicação do artigo 196.º do Cód.VM. (…)”. Cfr. documento junto aos autos.».

Alegam, em síntese, os AA. que: o tribunal a quo decidiu absolver as RR. da instância por se verificar a referida excepção dilatória, mas para tanto conheceu do mérito da causa; a legitimidade não é uma qualidade das partes, mas um certa posição destas em face da relação material controvertida, tal como esta é configurada pelo autor; sendo inequívocos titulares de acções remanescentes da EES e pretendendo que lhes seja reconhecido o direito potestativo de as alienar, têm interesse directo em demandar; são partes legítimas e com fundamento para enquadrar a acção no regime da Acção popular do artigo 31º do CVM.

No que entendemos que lhes assiste razão.
Com efeito, uma coisa é legitimidade processual, pressuposto relativo às partes, à relação de interesse destas com o objecto da acção, à posição que assumem perante a pretensão deduzida nos autos e que, caso não se verifique, obsta ao prosseguimento do processo, conduzindo à absolvição da instância [v. o disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 89º do CPTA, versão inicial por ser a aplicável na data em que a presente acção foi instaurada, atendendo ao disposto no nº 2 do artigo 15º do Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2 de Outubro].
Outra, é a legitimidade substancial ou substantiva que, verificada aquela [a processual], se prende com o mérito do pedido, com a efectividade da relação material controvertida, com a concreta pretensão deduzida e a causa de pedir que a fundamenta, com o direito que o autor pretende fazer valer [ou reconhecer], sendo, por isso, requisito da procedência ou, caso não se verifique, de absolvição, do pedido.

Nos termos do nº 1 do artigo 9º do CPTA, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida. Resultando ainda do disposto no artigo 30º do CPC, aplicável supletivamente por força do artigo 1º do CPTA, que o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar, o que se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção.
O nº 2 do indicado artigo 9º, referente ao exercício da acção popular, prevê que, independentemente de ter interesse pessoal na demanda, designadamente, qualquer pessoa tem legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como sejam, entre outros, a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida.
Por sua vez o referido artigo 31º do CVM, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 52/2006, de 15 de Março, com a epígrafe “Acção popular”, estipula que:
1 - Gozam do direito de acção popular para a protecção de interesses individuais homogéneos ou colectivos dos investidores não qualificados em valores mobiliários:
a) Os investidores não qualificados;
(…)” -
No que especificamente respeita à legitimidade para instaurar acções administrativas especiais impugnatórias de actos administrativos, prevê-se no artigo 55º do CPTA que dela dispõe/m, mormente, quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos e interesses legalmente protegidos e as pessoas mencionadas no nº 2 do artigo 9º [cfr. as alíneas a) e f) do nº 1)].
Quanto às acções de condenação à prática do acto devido, dispõe o artigo 68º do CPTA que tem legitimidade quem alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente protegido, dirigido à emissão desse acto, bem como e entre outras, as pessoas mencionadas no nº 2 do artigo 9º [cfr. as alíneas a) e d) do nº 1)]
Ora, na p.i. a presente acção é identificada como Acção Popular Administrativa Especial de Impugnação, os AA. alegam, em síntese, que: são pessoas singulares, pequenos accionistas, investidores não qualificados, titulares de acções da ESS, remanescentes à OPA efectuada pela Contra-interessada, pela contrapartida de €5,01 por acção representativa do capital da ESS, tendo ultrapassado os 90% dos direitos de voto correspondentes ao capital social; não lhe tendo sido dirigidas propostas de aquisição, podem exercer o direito à alienação potestativa das suas acções; o que fizeram, atempadamente, primeiro junto da F... e depois mediante envio de declarações à CMVM, acompanhadas de documentos comprovativos de consignação em depósito das acções a alienar, da indicação da contrapartida e de pedido de certidão da notificação à Contra-interessada, como título executivo; a CMVM negou ao 2º A. o exercício do direito pretendido e não respondeu aos 1º e 3º AA., mas divulgou publicamente a sua posição de que os titulares de acções remanescentes compradas depois da OPA não tinham direito ao exercício da alienação potestativa; no que não tem razão, pelos motivos que expendem; têm interesses e direitos homogéneos, nomeadamente a protecção do conteúdo de alienação potestativa que as acções da ESS lhes atribuiu, pelo que podem socorrer-se da acção popular nos termos do artigo 2º, nº 1 [encontram-se no gozo dos seus direitos civis e políticos, independentemente de terem ou não interesse directo na demanda] da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto e do artigo 31º, nº 1, alínea a) [são investidores não qualificados e visam a protecção de interesses individuais homogéneos] do CVM; pedem a nulidade ou anulação do acto ou das deliberações impugnadas e que a CMVM seja condenada a reconhecer aos accionistas titulares de acções remanescentes da ESS, em que se incluem, o direito de alienação potestativa, e a notificar a Contra-interessada nos termos e para os efeitos do disposto no nº 3 do artigo 196º do CVM; juntando documentos comprovativos.
Donde, nos termos em que configuram a relação material controvertida, impugnatória e de condenação ao reconhecimento de direitos e da acção popular, os AA. são partes legítimas ou têm legitimidade processual, interesse em demandar a CMVM e a F....
Saber se têm legitimidade substantiva, se são efectivamente titulares de acções da ESS remanescentes da OPA, se têm o direito de que se arrogam à respectiva alienação potestativa, se visam nos presentes autos a protecção de interesses e direitos homogéneos e, consequentemente, se podem recorrer à acção popular, já implica o conhecimento do mérito do pedido/da causa.
Em face do que procede esta parte do recurso, devendo a decisão recorrida ser revogada e, em substituição, ser conhecida a pretensão deduzida, até porque a mesma foi apreciada no âmbito da excepção da ilegitimidade activa e também constitui objecto do presente recurso.

Defendem os Recorrentes que a acção deve ser julgada procedente por terem alegado e provado o seu direito à alienação potestativa das acções remanescentes da OPA de que são titulares.

Contudo, previamente à apreciação dos fundamentos que invocam para o efeito, importa conhecer do pedido de ampliação do âmbito do recurso, formulado pela recorrida CMVM, que se prende com a impugnação da decisão da matéria de facto e a decisão da excepção da inimpugnabilidade do acto – ainda que pela ordem inversa em que foram apresentadas, por esta consubstanciar uma excepção dilatória que, a verificar-se, determinará a absolvição da instância [v. a alínea c) do nº 1 do artigo 89º do CPTA], obstando ao prosseguimento do processo mormente à apreciação do acerto da decisão sobre a matéria de facto da decisão recorrida].

Da ampliação do objecto do recurso

i) Da inimpugnabilidade do/s acto/s e nulidade por omissão de pronúncia:

Alega a CMVM que: invocou na sua contestação esta excepção dilatória por os AA. não identificarem o acto ou as deliberações impugnadas, incumprido o disposto na alínea d) do nº 2 do artigo 78º do CPTA; o que compreende por tais actos de indeferimento inexistirem, dado que, na data da instauração da acção, ainda se encontravam em análise os pedidos de alienação potestativa apresentados; se pretendem impugnar o conteúdo do e-mail do DMEI, de 19.12.2014, dirigido ao A. H..., a instância também não poderá prosseguir pois o teor do mesmo limita-se a esclarecimentos sobre a correcta interpretação do disposto no artigo 196º do CVM, podendo ser qualificado como acto meramente opinativo, não corporizando qualquer decisão ou acto administrativo para os efeitos do artigo 51º do CPTA; até porque à data só o Conselho Directivo da CMVM podia praticar actos administrativos; o tribunal a quo poderá ter considerado a pronúncia sobre esta excepção prejudicada pela procedência da excepção da ilegitimidade activa; a não ser assim, a decisão recorrida padeceria de nulidade nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA; a proceder o recurso requer a sua apreciação pelo tribunal ad quem e a absolvição da instância com este fundamento.

Na p.i. os AA. alegam, em síntese, que tomaram todas as acções necessárias ao exercício do direito de alienação potestativa das acções da ESS de que são titulares, em observância do disposto no artigo 196º do CVM, tendo a CMVM, ao verificar os pressupostos aí previstos, negado ao 2º A. o exercício desse direito e nenhuma resposta dado aos 1º e 3º AA. até à data da instauração da acção.

Na apreciação da questão competência em razão da matéria do tribunal o juiz a quo expendeu na decisão recorrida o seguinte: “O que está em causa nos presentes autos é, e como os autores formulam a relação material controvertida, a intervenção da CMVM, pessoa colectiva de direito público, enquanto entidade reguladora do mercado de capitais, na sequência de decisão daqueles, enquanto accionistas, de alienação potestativa das respectivas acções, com vista a verificar os respectivos pressupostos e requisitos legais da alineação das acções. Dessa actuação de verificação dos pressupostos decorrerá, e como vem alegado pelos autores, o reconhecimento dos direitos que entendem que lhes assistem de alienação das acções de que são titulares- // O que está em causa é pois o concreto exercício de poderes legais de regulação no domínio especifico do mercado de capitais por parte de uma pessoa colectiva pública (no exercício de poderes e regulação).”
E no conhecimento da questão da ineptidão da p.i., “[o]s autores formulam o pedido de que (e por referência aos requerimentos que dirigiram à CMVM um dos quais foi expressamente indeferido e outros dois sobre os quais não recaiu qualquer decisão expressa) lhes seja reconhecido que detêm o direito de alienação potestativa das acções que detêm na E..., S.G.P.S., S.A. e, em consequência, intimar a F... nos termos e para os efeitos do disposto no n.º3 do artigo 196.º do Código de Valores Mobiliários”.
Seguidamente conheceu da invocada excepção de ilegitimidade activa, julgando-a verificada, e absolveu a Demandada e a Contra-interessada da instância.
A excepção da inimpugnabilidade do acto impugnado encontra-se elencada na alínea c) do nº 1 do artigo 89º do CPTA, enquanto a da ilegitimidade está na alínea d).
Da fundamentação reproduzida parece-nos ser possível extrair que o juiz a quo entendeu [antes de apreciar a questão da ilegitimidade activa] que os AA. formularam o pedido impugnatório à cautela, porque o que efectivamente pretendem é a condenação da CMVM a reconhecer o seu e o dos demais accionistas, direito à alienação potestativa das acções remanescentes à OPA e a notificar a Contra-interessada para efeitos do disposto no nº 3 do artigo 196º do CVM.
Dito de outro modo, desconsiderou o que os AA. alegaram [ou omitiram] sobre o ou os actos impugnados [certamente por ser fácil de verificar que o ofício, de 19.12.2014, dirigido ao 2º A. quando muito conterá um acto de indeferimento implícito, e que a conduta da CMVM foi omissiva quanto aos pedidos dos 1º e 3º AA., mas que a ser praticado acto expresso seria de indeferimento face à deliberação aprovada em 27.11.2014 pelo respectivo Conselho Directivo desufragar o entendimento segundo o qual o direito de alienação potestativa estabelecido no art. 196.º do Código dos Valores Mobiliários apenas pode ser exercido pelo accionista que, à data do apuramento de resultados da oferta pública de aquisição, mantenha a titularidade das acções da sociedade visada que, portanto, não foram alienadas no âmbito da referida oferta– v. factos T) e V) provados] e o correspondente pedido impugnatório, centrando o objecto do litígio no pedido de condenação ao reconhecimento de direitos, formulado.
O que para os efeitos da ampliação do objecto do recurso significa que o tribunal recorrido considerou prejudicada a apreciação da suscitada inimpugnabilidade do/s acto/s impugnado/s por irrelevante para a decisão da efectiva pretensão deduzida.
Não ocorrendo, por isso, a arguida nulidade da sentença por omissão de pronúncia [que se verifica quando o tribunal recorrido não se pronuncia, em absoluto, sobre questões - matérias respeitantes ao/s pedido/s, à/s causa/s de pedir e à/s excepção/ões invocadas - que devesse apreciar/conhecer, quer sejam de conhecimento oficioso quer sejam colocadas à apreciação/decisão do tribunal pelos sujeitos processuais, sem que a sua decisão se encontre prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras (cfr. alínea d) do nº 1 do artigo 615º e nº 2 do artigo 608º, do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA)].
Pelos motivos indicados e porque, entretanto, foi declarada extinção do recurso no que concerne ao 2º Recorrente, H..., o destinatário do referido ofício ou do acto de indeferimento (implícito), por desistência, restando a falta de resposta às declarações de alienação potestativa dos 1º e 3º Recorrentes, ou seja, a inexistência de actos administrativos expressos de indeferimento pela Recorrida relativamente aos quais importasse apreciar a questão da respectiva inimpugnabilidade, entendemos ser desnecessário, por inidónea a determinar a pretendida absolvição da instância, prosseguir com a sua apreciação.

ii) Da impugnação da decisão da matéria de facto:

Alega a CMVM que o tribunal a quo incorreu em erro ao julgar provado o facto U) na parte em que considera que os requerimentos de declaração de alienação potestativa foram acompanhados de documentos comprovativos de consignação em depósito das acções a alienar, porquanto, na sua contestação, impugnou o facto correspondente da p.i., por tal apenas se verificar relativamente ao requerimento do 3ºA., Rui Azevedo, mas já não aos do 1º e 2º AA., dado que:
- J... apenas juntou, quer ao requerimento que lhe dirigiu (junto ao processo administrativo) quer aos presentes autos, «um “certificado emitido nos termos do art.º 196.º do Código dos Valores Mobiliários”, em de 8/01/2015, pelo BANIF – Banco de Investimento S.A., que certifica ser o A./Recorrente J..., titular de 30948 acções da ESS, à data de 7/01/2015 – Cfr. o Doc. n.º 1 do requerimento junto aos autos pelos Recorrentes a 13/02/2015, notificado à Recorrida em 19/02/2015, por ofício com a Ref.ª n.º 007077686» do qual consta que os títulos certificados se encontram bloqueados, documento que substitui anterior certificado, emitido pelo mesmo Banco em 30.12.2014, referente apenasa 25913 acções da ESS (não incluindo necessariamente as 5000 acções adquiridas em 31/12/2014, nem as 45 acções adquiridas em 7/01/2015 pelo A./Recorrente J...) (…) – Cfr. o Doc. n.º 1 do requerimento junto aos autos pelos Recorrentes a 13/02/2015, notificado à Recorrida em 19/02/2015, por ofício com a Ref.ª n.º 007077686”.
E juntou ainda «“Certificação” emitida, em 30/12/2014, pelo Banco Comercial Português S.A., nos termos do art.º 78.º n.º 1 do CdVM, certificando que este A./Recorrente é titular de 3250 acções da ESS que se encontram registadas naquele intermediário financeiro – Cfr. o Doc. n.º 1 do requerimento junto aos autos pelos Recorrentes a 13/02/2015, notificado à Recorrida em 19/02/2015, por ofício com a Ref.ª n.º 007077686.» que nada comprova quanto ao respectivo bloqueio;
- H... apresentou perante si e nos autos documento «emitido, em 13/11/2014, pelo BEST – Banco Electrónico de Serviços Total, S.A., limita[ndo]-se a “informar, para os devidos efeitos”, que o A./Recorrente H... é titular de um dossier de títulos onde se encontravam depositadas, naquela data, 2150 acções da ESS – Cfr. o Doc. n.º 2 do requerimento junto aos autos pelos Recorrentes a 13/02/2015, notificado à Recorrida em 19/02/2015, por ofício com a Ref.ª n.º 007077686», que não comprova o respectivo bloqueio;
Propondo para o referido facto U) a seguinte redacção:
«U) R..., J... e H... na sequência das respostas que lhes foram dada[sic] pela F..., invocando a qualidade de titular de acções remanescentes, dirigiram à CMVM requerimentos de declaração de alienação potestativa ao accionista dominante, sendo que:
(i) O Requerimento de R..., encontrava-se acompanhado de documentos comprovativos de consignação em depósito das acções a alienar, continha a indicação da contrapartida calculada nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 194.º do Código de Valores Mobiliários e solicitava à CMVM que fosse extraída certidão comprovativa da notificação ao sócio dominante.
(ii) O Requerimento de J..., encontrava-se acompanhado de documentos comprovativos de consignação em depósito de apenas 25913 das acções a alienar, continha a indicação da contrapartida calculada nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 194.º do Código de Valores Mobiliários e solicitava à CMVM que fosse extraída certidão comprovativa da notificação ao sócio dominante.
(iii) O Requerimento de H..., indicava a contrapartida calculada nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 194.º do Código de Valores Mobiliários e solicitava à CMVM que fosse extraída certidão comprovativa da notificação ao sócio dominante.».

Apreciando.

De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 640º do CPC, ex vi o nº 3 do artigo 140º do CPTA, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Em face do que a CMVM/impugnante observou os ónus que lhe são impostos neste artigo ao especificar o concreto ponto do probatório que considera erradamente julgado, os concretos documentos em que suporta a sua alegação e a decisão [sobre o conteúdo do facto U)] diversa da proferida.
Estatui o nº 1 do artigo 662º do CPC que o tribunal de recurso só deve alterar a decisão da matéria de facto quando a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diferente.
Por outro lado, essa alteração da decisão da matéria de facto só se justifica se puder implicar decisão de mérito também ela diferente, mormente no sentido propugnado pelo impugnante/recorrente – v. o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22.10.2020, no proc. nº 5398/18.3T8BRG.G1, consultável em www.dgsi.pt.
No caso em apreciação haverá ainda que atender ao facto de o 2º A., H..., já ter desistido da instância de recurso, tornando desnecessário alterar o decidido quanto a si. E de os 1º e 3º AA. pretenderem o prosseguimento dos presentes autos, apesar de a ESS/L... ter perdido a qualidade de sociedade aberta ao investimento em 2018, com as devidas consequências de facto e de direito, por uma eventual decisão de procedência lhes permitir a instauração de acções referentes a juros e a responsabilidade civil.
Donde, e quanto a futura/s acção/ões para pagamento de juros sobre o valor da contrapartida que os 1º e 3º AA. teriam obtido se a CMVM tivesse reconhecido o seu direito à alienação potestativa das acções remanescentes da OPA de 2014 de que eram titulares e notificado a F... para o efeito previsto no nº 3 do artigo 196º do CVM, afigura-se relevante determinar o efectivo número dessas acções [apesar da sua alienação parcial, em número que se desconhece, e total na pendência dos autos] que foi indicado nos requerimentos de declaração que dirigiram a esta e se os mesmos se encontravam acompanhados dos documentos da/o respectiva/o consignação em depósito e bloqueamento, pelo que deve a impugnação efectuada proceder.
Apenas se impondo a prévia correcção de um lapso de escrita facilmente detectado entre o alegado e a redacção proposta para o facto U), ao abrigo do disposto no artigo 249º do Código Civil.
Com efeito, a CMVM alega que o A./recorrente J... apresentou-lhe e nos autos, documento comprovativo do certificado do Banif de 8.1.2015 de que é titular de 30948 acções da ESS à data de 7.1.2015, o qual tem de se considerar que substituiu o certificado, do mesmo Banco, de 31.12.2014, relativo a 25913 acções da ESS, pelo que a redacção do facto provado U) deve ser “O Requerimento de J..., encontrava-se acompanhado de documentos comprovativos de consignação em depósito de apenas 25913 das acções a alienar (…)”.
Ora, se como argumenta o certificado de 7.1.2015 deve substituir o de 31.12.2014, então o número de acções a levar ao proposto facto U), (ii) é o de 30948 e não de 25913, como indica.
Assim, procede a impugnação do ponto U) da matéria de facto corrigida que passa a ter a seguinte redacção:
«U) R..., J... e H... na sequência das respostas que lhes foram dadas pela F..., invocando a qualidade de titular de acções remanescentes, dirigiram à CMVM requerimentos de declaração de alienação potestativa ao accionista dominante, sendo que:
(i) O Requerimento de R..., encontrava-se acompanhado de documentos comprovativos de consignação em depósito das acções a alienar, continha a indicação da contrapartida calculada nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 194.º do Código de Valores Mobiliários e solicitava à CMVM que fosse extraída certidão comprovativa da notificação ao sócio dominante.
(ii) O Requerimento de J..., encontrava-se acompanhado de documentos comprovativos de consignação em depósito de apenas 30948 das acções a alienar, continha a indicação da contrapartida calculada nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 194.º do Código de Valores Mobiliários e solicitava à CMVM que fosse extraída certidão comprovativa da notificação ao sócio dominante.
(iii) (…)” Cfr. documento junto aos autos.

Dos erros do julgamento de direito:

Concluem, em suma, os Recorrentes que: o tribunal recorrido, na apreciação da excepção da ilegitimidade activa, resolveu, erradamente, a questão de fundo que é a de saber se os titulares de acções remanescentes adquiridas depois de apresentado o resultado da OPA e ainda dentro do limite temporal de três meses estabelecido no artigo 196º do CVM, têm ou não o direito aí consagrado de alienação potestativa; são titulares de acções da ESS que remanesceram da OPA; até porque só existe esta categoria e classe de acções da ESS; os artigos 15º e 16º da Directiva 2004/25/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de Abril de 2004, relativa às ofertas públicas de aquisição (Directiva das OPA), regula o direito de aquisição potestativa por parte da Oferente e o direito de alienação potestativa, respectivamente, na sequência de uma OPA, e coincidem com o aludido artigo 194º, nº 1 e 196º, do CVM; este direito de alienação potestativa é simétrico e proporcional ao de aquisição potestativa da Oferente; se a F... tivesse optado pela aquisição potestativa as acções remanescentes de que são titulares seriam abrangidas por esse direito – como resulta do considerando 24 da Directiva da OPA -, pelo que o direito à alienação potestativa nunca lhes poderia ser negado; um dos princípios gerais em assenta aquela Directiva é o da “Igualdade de tratamento de todos os titulares de valores mobiliários da sociedade visada; nos casos em que uma pessoa adquira o controlo de uma sociedade, os restantes titulares de valores mobiliários terão de ser protegidos” – artigo 3º, nº 1, alínea a) da Directiva; no mesmo segue o legislador português nos artigos 194º e 196º do CVM, não distinguindo titulares de acções remanescentes que comprem antes ou depois da OPA, não exigindo documento que comprove a respectiva data de aquisição; se pretendesse distinguir teria consignado na lei, o que não fez; o direito de alienação potestativa não é destacável nem se perde com a transmissão da acção; com relevo para a determinação dos efeitos transmissivos das acções remanescentes atente-se por exemplo aos artigos 101º, nº 3 (transmissão inter vivos), 102ºnº 3 (transmissão mortis causa), 291º, al. b) (mútuo), 81º, nº 4 e 82º (penhora judicial) e 104º (exercício de direito), do CVM; e as transmissões temporárias (empréstimos), as gratuitas (doações) ou outras que resultariam numa perda de valor e de forma imediata caso o direito à alienação potestativa fosse perdido pela mera transmissão de acções, o que não pode acontecer; a legitimação jus-mobiliária (artigo 55º do CVM) resolve a questão sem controvérsias; a perda do direito de alienação potestativa resultaria num potencial enriquecimento injustificado da oferente, por se traduzir na desobrigação desta em comprar essa acções remanescentes, constituindo um abuso de direito ao exceder o fim social e económico desse direito (artigo 344º do CC), o que seria ainda mais manifesto nos casos de transmissão mortis causa ou penhora judicial de valores mobiliários, habilitação, e outros factos translativos especiais; as acções remanescentes da ESS não foram divididas em categorias ou proibidas de ser transaccionadas ou retiradas/excluídas do comércio jurídico, nem existe lei que o possibilitasse; o direito de alienação potestativa é inerente às acções e não ao titular, se não existiria outra categoria para os que compram acções depois da OPA.

O despacho saneador sentença recorrido reproduziu excertos da fundamentação de direito do acórdão deste Tribunal, de 5.5.2016, proferido no recurso do processo cautelar nº 116/15.9BELSB, instrumental à presente acção, com pedidos idênticos aos desta, na apreciação do requisito do fumus boni iuris, decidindo sobre as alegadas questões dos Recorrentes o seguinte:

«texto no original»
»
O assim entendido em sede do referido processo cautelar [apesar de o juiz a quo o ter expendido a propósito da questão prévia da ilegitimidade activa] é plenamente aplicável ao conhecimento do mérito das questões em apreciação na presente acção e no recurso.
Com efeito, resulta da “breve aproximação” efectuada ao regime da oferta pública de aquisição (OPA) – à qual aderimos por com a mesma concordarmos -, designadamente, que o direito à alienação potestativa tal como o direito à aquisição potestativa, das acções remanescentes, tem como condição necessária que a sociedade, a que tais acções pertencem, tenha sido objecto de uma OPA geral, dirigida à aquisição da totalidade das suas acções, visando o oferente ficar numa situação de domínio total dos direitos de voto correspondentes ao capital social da sociedade e dos direitos de voto abrangidos pela oferta [igual ou superior a 90%].
Dito de outro modo, é preciso que tenha sido lançada uma OPA geral sobre as acções de uma sociedade e que, apurados e divulgados os resultados dessa oferta, o oferente tenha conseguido até ao termo do período da oferta, adquirir 90% ou mais dos referidos direitos de voto, para que o mesmo possa ter o direito à aquisição potestativa das acções remanescentes e possa optar ou não por o exercer, nos três meses subsequentes ao apuramento e divulgação dos resultados (cfr. o artigo 194º do CVM).
Por sua vez, cada um dos accionistas que, na sequência da OPA geral referida no nº 1 do artigo 194º do CVM, ficou titular de acções remanescentes, [por não as ter negociado no período da oferta, eventualmente, porque pretendia influenciar o insucesso da OPA, ou, por concordar com os anunciados objectivos a prosseguir com o domínio ou controlo da sociedade pelo oferente, decidiu manter a respectiva titularidade, esperando vir a obter maiores rendimentos através de dividendos ou eventuais mais-valias com a sua alienação posterior, por referência ao valor da contrapartida da oferta], só poderá exercer o seu direito à alienação potestativa se o accionista maioritário, com domínio qualificado, não optar (i) pela perda da qualidade de sociedade aberta – caso em que esta sai imediatamente da negociação das acções em mercado regulamentado e, consequentemente, fica sujeita ao CSC, ou seja, não é aplicável o regime enunciado no artigo 196º do CVM; ou (ii) pelo exercício do direito à aquisição potestativa das acções remanescentes – caso em que, tornada eficaz, a aquisição das restantes acções [ficando com todas] implica a perda imediata da qualidade de sociedade aberta, v. nº 4 do artigo 195º do CVM.
Dito de outro modo, só se a sociedade, que acabou de ser sujeita à OPA geral, for mantida como sociedade aberta ao investimento público pelo agora accionista maioritário e este não pretender adquirir as acções remanescentes, é que cada um dos accionistas minoritários pode exercer o direito à sua alienação potestativa, impondo ao accionista dominante a respectiva aquisição pelo valor da contrapartida justa e em dinheiro, calculada nos termos do artigo 188º ou do nº 2 do artigo 194º, ex vi a alínea b) do nº 2 do artigo 196º, todos do CVM. O mesmo é dizer, fora das normais regras de funcionamento do mercado regulado.
Estando em causa um direito a exercer a título individual e dependendo a eficácia da declaração efectuada para o efeito, da verificação dos respectivos requisitos pela entidade de supervisão, a CMVM, e posterior notificação desta ao accionista dominante, poderá não ser imposta a este a aquisição de todas as acções remanescentes [pelo que a simetria destes direitos, alegada pelos Recorrentes, é relativa]. As que assim se mantiverem para além do prazo de caducidade da alienação potestativa, serão objecto de transacção de acordo com as regras do mercado, de oferta e de procura.
Em suma, os direitos de aquisição e alienação potestativa estão previstos para os participantes da OPA, respectivamente, o oferente/adquirente com domínio qualificado e os destinatários que não venderam as suas acções no período da oferta e que assim se mantêm no seu termo.
A contrapartida para aquisição das acções da sociedade durante o período de oferta é normalmente superior ao praticado no mercado para promover, facilitar a negociação/aquisição ou [no caso da OPA ser obrigatória] corresponde à calculada nos termos do artigo 188º do CVM. O mesmo sucede no exercício do direito de aquisição potestativa, lançado sobre as acções remanescentes à OPA [v. nºs 1 e 2 do artigo 194º idem] e, se este não for exercido, no do direito à alienação potestativa [v. alínea b) do nº 2 do artigo 196º ibidem], agora como forma de protecção dos interesses dos accionistas minoritários, compensando-os face à situação de domínio qualificado do oferente que não podiam antecipar e à, consequente e normal, menor oferta de aquisição por parte dos demais investidores no mercado de valores mobiliários.
Ora, como admitem e resulta da factualidade assente, os 1º e 3º AA./recorrentes não participaram na OPA geral às acções da ESS, tendo adquirido acções remanescentes de que são titulares depois de apurados e divulgados os resultados daquela em 15.10.2014.
O invocado princípio da igualdade ou do tratamento igual dos titulares de acções da mesma categoria e sociedade, deve ser observado, assegurado, como decorre do disposto no artigo 197º do CVM, nos processos de aquisição tendente ao domínio total, nomeadamente quanto à fixação da contrapartida.
O mesmo é dizer que, no caso em apreciação, deverão ser tratados de forma igual todos os titulares de acções da ESS que, participando da OPA geral de que foi objecto, não as negociaram ou venderam, no todo ou em parte, ao oferente durante o período de oferta, nem depois porque não lhe foi endereçado convite de aquisição nos três meses subsequentes ao seu termo, mas que puderam, no mesmo prazo, exercer o direito de alienação potestativa impondo a sua aquisição ao oferente, agora accionista maioritário.
Não poderão ser tratados de forma igual àqueles, ao abrigo do regime da alienação potestativa, os titulares de acções remanescentes da ESS que as adquiriram depois do termo do prazo de oferta, por se encontrarem em situação desigual, por não poderem deixar de saber no momento da respectiva aquisição, atendendo à prévia divulgação pública dos resultados da OPA, a situação de domínio qualificado em que se encontra(va) a accionista F..., não podendo, por isso, esperar exercer ou influenciar o controlo daquela sociedade com as acções que passaram a deter, nem impor a aquisição das mesmas a esta pela contrapartida calculada nos termos do artigo 188º, ex vi nºs 1 e 2, alínea b) do artigo 196º, do CVM.
Assim, não está aqui em causa saber se as acções remanescentes de uma sociedade que acabou de ser objecto de uma OPA geral, podem ser transaccionadas no mercado, transmitidas pelas várias formas previstas no CVM [inter vivos, mortis causa, mútuo, penhora judicial, exercício de direito, temporárias, gratuitas, etc.], mormente, vendidas a investidores, como os AA., que não eram accionistas da mesma sociedade durante o período de oferta, mas tão só se estes adquirentes podem beneficiar do regime da alienação potestativa, previsto no artigo 196º do CVM, não tendo “sofrido” o impacto e efeitos da OPA geral, colocando-se por sua livre vontade na situação de accionistas minoritários titulares de acções remanescentes, esperando, como alegam as Recorridas, obter em curto prazo um ganho com a imposição à oferente de uma contrapartida que não obteriam de acordo com as normais regras de mercado.
Por outro lado, sobre a oferente/F... não se constituiu na sua esfera jurídica qualquer obrigação de adquirir as acções dos AA., no âmbito da alienação potestativa, pelo que não se verifica qualquer potencial enriquecimento injustificado da sua parte, como estes alegam.
O entendimento vertido na decisão recorrida, expendido por este Tribunal no indicado processo cautelar [bem como no acórdão de 14.7.2016, proc. nº 13406/16 (nº 403/15.6BELSB), cuja revista foi recusada pelo STA por acórdão de 20.10.2016, todos consultáveis in www.dgsi.pt] e agora, no âmbito do presente recurso, resulta da interpretação conjugada do disposto no artigo 196º com as demais normas compreendidas no Capítulo III Ofertas públicas de aquisição, mormente na Secção III Aquisição tendente ao domínio total.
O qual não é infirmado pelo disposto na referida Directiva das OPAS, em especial nos referidos artigos 3º, nº 1, alínea a) [relativo à igualdade de tratamento de todos os titulares de valores mobiliários da sociedade visada pela OPA], 15º e 16º [referentes aos direitos de aquisição e de alienação, potestativa, respectivamente], que no plano interno correspondem aos mencionados artigos 195º, 194º e 196º do CVM.
Da legitimação activa, prevista no artigo 55º do CVM e invocada no recurso, apenas se retira, em termos gerais, que quem, conforme registo ou título, for titular de direitos relativos a valores mobiliários está legitimado para o exercício dos direitos que lhes são inerentes, como sejam, os dividendos, os juros e outros dividendos, os direitos de voto e os direitos de subscrição ou aquisição de valores mobiliários do mesmo ou de diferente tipo.
Não se extraindo daí, face ao entendimento expendido, que tenham direito à alienação potestativa das acções remanescentes de uma OPA geral para domínio total, na qual não foram destinatários, adquirindo as respectivas acções após do termo do período de oferta.
Donde, os 1º e 3º AA/recorrentes não têm o direito de que se arrogam à alienação potestativa das acções de que são titulares da ESS, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 196º do CVM.

Consequentemente, também não são titulares de direitos individuais homogéneos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 31º do CVM.
Com efeito, para justificar a instauração da presente acção como acção popular e peticionar o reconhecimento do direito à alienação potestativa dos accionistas titulares de acções remanescentes da ESS, os AA. alegaram na p.i. que não são investidores qualificados e têm interesses e direitos homogéneos, nomeadamente de protecção do conteúdo do direito de alienação potestativo que as acções da ESS lhes atribuiu.
Entendendo, como resulta da fundamentação expendida, que não têm direito à alienação potestativa, consideramos nada mais haver a apreciar, reiterando aqui o decidido nos pontos 4. e 5. do acórdão deste Tribunal, reproduzido, para concluir que os 1º e 3º AA./recorrentes não se podem socorrer da acção popular nos termos do artigo 2º, nº 1 da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto e do referido artigo 31º.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e provimento parcial à ampliação do objecto do recurso, e, em consequência:

- revogar o despacho saneador-sentença, de 26.11.2017, do TAC de Lisboa que decidiu absolver a entidade demandada e a contra-interessada da instância com fundamento na procedência da excepção dilatória de ilegitimidade activa dos autores;

- julgar procedente a impugnação da decisão da matéria de facto recorrida;

- e, em substituição, julgar a acção improcedente.

Custas pelos 1º e 3º Recorrentes e pelas Recorridas, na proporção de 4/5 e 1/5, respectivamente.

Registe e notifique.

Lisboa, 17 de Novembro de 2022.

(Lina Costa – relatora)

(Catarina Vasconcelos)

(Rui Pereira)