Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:737/14.7 BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/12/2022
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:O ÓNUS DE LEGAR E FORMULAR ALEGAÇÕES
ARTIGO 639.º DO CPC
Sumário:O ónus de formular conclusões nas alegações de recurso só pode considerar-se satisfeito quando o recorrente fecha a sua minuta pela enunciação de proposições que sintetizem com clareza, precisão e concisão os fundamentos ou razões jurídicas pelos quais se pretende obter o provimento do recurso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a primeira Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

H...., veio deduzir impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRS n.º 2012…. do exercício de 2008 e respetiva liquidação de juros compensatórios, no valor total de € 63.461,41.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por decisão de 15 de outubro de 2018, julgou improcedente a impugnação.

Inconformado, a H...., veio recorrer da decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«1. Face à lei e aos factos descritos no R.l.T. considera-se que a liquidação do IRS de 2008 ilegal, porquanto viola o princípio da tributação do lucro real, na medida em que não obedece às regras da determinação da matéria colectável a saber:

a) a determinação do valor das existências finais e iniciais não preenche os requisitos enunciados nas normas contabilísticas e fiscais.

b) o citério da valorimetria das existências finais e iniciais viola as regras do POC e do código do IRC

2. A ILEGALIDADE DA DECLARAÇÃO ADICIONAL DO IRS DE 2008 pois a determinação dos custos das mercadorias vendidas e os proveitos resultantes das vendas não corresponde ao real, por assentar em compras e vendas sem suporte documental e que não foram realizadas pelo impugnante

Termos em que, e nos do muito douto suprimento de V. Exas., Senhores Juízes, pede seja concedido provimento ao recurso, anulando-se a douta sentença proferida em primeira instância, e em consequência julgando procedente a Impugnação.

Desse modo V. Exas. farão, como sempre, JUSTIÇA.»


»«

A recorrida, FAZENDA PUBLICA, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.

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Por se nos afigurar que as conclusões formuladas na petição de recurso não refletem os fundamentos descritos nas alegações, foi proferido despacho em 14/03/2022, a convidar o recorrente, H...., para, no prazo de cinco (5) dias, a apresentar as conclusões que constituam, nos termos da lei, formulações sintéticas das alegações do recurso que interpôs, com a devida sanação das deficiências encontradas, tudo sob a cominação legal (artigos 639.º do CPC, aqui aplicável ex vi da al. e) do artigo 2.º e 282.º n.º 7, estes do CPPT).

O interessado foi legalmente notificado e nada disse.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, veio dizer que: “[E]em consequência e nos termos do referido n.º 3 do artigo 639.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, não deverá haver lugar ao conhecimento do presente recurso.”


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Com dispensa de vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta primeira Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

II – OBJECTO DO RECURSO

Como sabemos, independentemente das questões que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente é pelas conclusões do recorrente nas alegações de recurso que se determina o âmbito da sua e intervenção (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639 n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).

Acresce dizer que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas de pode pretender, salvo a já mencionada situação de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida á apreciação do Tribunal a quo.

Assim, as questões a apreciar e decidir nesta sede são, antes de mais, a de saber se o recurso sindica devidamente a sentença recorrida e, em caso afirmativo, se a mesma atenta contra o princípio da tributação pelo lucro real, face, por um lado à determinação do valor e critério da valorimetria das existências finais e iniciais e, por outro à determinação dos custos das mercadorias vendidas e aos proveitos resultantes das respetivas vendas assentar em compras e vendas sem suporte documental.

III – FUNDAMENTAÇÃO

De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. O Impugnante exerceu, no ano de 2008, a título principal a actividade de comércio de veículos automóveis ligeiros, em estado de uso, com o CAE 45110 (facto admitido expressamente pelo impugnante em conjugação com fls. 36 do processo de reclamação graciosa – RG – apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

2. O Impugnante encontra-se enquadrado, para efeitos de IRS, no regime de contabilidade organizada e, para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade mensal (facto admitido expressamente pelo impugnante em conjugação com fls. 36 do processo de RG apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

3. Em 15-12-2011, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2…., o Impugnante foi sujeito a um procedimento de inspecção externo de âmbito geral, que incidiu sobre o ano de 2008 (facto que se extrai do relatório de inspecção a fls. 31 a 52 do processo de RG apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

4. Em 25-05-2012 foi elaborado relatório final de inspecção tributária através do qual fol proposta correcção ao rendimento colectável em IRS do impugnante no valor de € 128.702,86 para o ano de 2008, e sobre o qual recaiu despacho concordante do Chefe de Divisão proferido na mesma data, do qual se extrai o seguinte teor:

(…)


“(texto integral no original; imagem)”
“(texto integral no original; imagem)”

“(texo integral no original; imagem)”

(cfr. relatório de inspecção de fls. 31 a 81 do processo de RG apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

5. O relatório de inspecção identificado no número antecedente foi remetido ao Impugnante através do ofício n.º 2…., de 28-05-2012 (cfr. fls. 20 do processo de RG apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

6. Em 25-05-2012 foi elaborada em nome do Impugnante declaração oficiosa de IRS referente ao ano de 2008 (cfr. fls. 119 a 127 do processo de RG apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

7. Em 23-06-2012 foi em nome do impugnante emitida a liquidação de IRS n.º 2012……. referente ao ano de 2008, com imposto a pagar no valor de 63.461,41 (cfr. fls. 19 dos autos e fls. 16 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

8. Em 02-07-2012 foi em nome do impugnante emitida a demonstração de acerto de contas de IRS n.º 2012….. referente ao ano de 2008, com imposto a pagar no valor de € 59.371,84, tendo como data limite de pagamento o dia 08-08-2012 (cfr. fls. 20 dos autos e fls. 17 do processo de RG apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

9. Em 28-11-2012 o Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRS identificada no número antecedente (cfr. fls. 2 a 15 do processo de RG apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

10. Em 22-01-2013 foi elaborada informação pela Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Santarém a propor o deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada, sobre a qual recaiu despacho concordante do Director de Finanças de Santarém proferido na mesma data e a determinar a notificação do Impugnante para se pronunciar sobre o projecto de decisão (cfr. fls. 104 a 110 do processo de RG apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

11. O projecto de decisão identificado no número antecedente foi remetido ao Impugnante em 23-01-2013, por carta registada, através do ofício n.º 02….. (cfr. fls. 111 a 113 do processo de RG apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

12. Em 18-02-2013 foi elaborada informação final pela Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Santarém a propor o deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada, sobre a qual recaiu despacho concordante do Director de Finanças de Santarém proferido na mesma data (cfr. fls. 114 e 115 do processo de RG apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

13. A informação e despacho identificados no número antecedente foram remetidos ao impugnante por carta registada com aviso de recepção, através do ofício n.º 05…., o qual foi entregue em 20-02-2013 (cfr. fls. 117 e 118 do processo de RG apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

14. Em 16-03-2013 o Impugnante apresentou recurso hierárquico contra a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa referida em 12) (cfr. fls. 2 a 18 do processo de recurso hierárquico – RH apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

15. Em 06-02-2014 foi elaborada informação pela Divisão de Administração da Direcção de Serviços do IRS a propor o indeferimento do recurso hierárquico apresentado, sobre a qual recaiu despacho concordante da Directora de Serviços proferido em 14-02-2014 (cfr. fls. 104 a 113 do processo de RH apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

16. A informação e despacho de indeferimento identificados no número antecedente foram remetidos ao impugnante por carta registada, através do ofício n.º 6…., de 24-02-2014 (cfr. fls. 117 e 118 do processo de RH apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

17. A presente impugnação foi apresentada a este Tribunal, via SITAF, em 26-05-2014 (cfr. fls. 1 dos autos).


* * *

B) FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.


*

A convicção do tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais, documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, conforme remissão feita a propósito de cada número do probatório.»

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De direito

Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2008, com a consequente manutenção do ato tributário impugnado.

Encetamos, desde logo, por constatar que está em causa a atividade de “comércio de veículos ligeiros, em estado de uso”(1), sendo que a questão substantiva que subjaz ao decidido se reporta às correções promovidas pelos serviços de inspeção tributária da ATA, no âmbito de uma ação inspetiva externa à atividade do sujeito passivo, aqui recorrente, ao exercício de 2008, e à correção da matéria coletável por acréscimo de € 128.702,86.

Apelando à fundamentação jurídica em que se estribou a improcedência do pedido e que, transcrevemos, para o que aqui releva, o seguinte:

«(…)
Os critérios de valorimetria utilizados pelas empresas para valorizarem as suas existências (adquiridas ou produzidas) têm influência directa no apuramento dos resultados contabilísticos, não podendo por isso os contribuintes, de forma arbitrária, alterar os critérios valorimétricos adoptados salvo se razões de natureza económica ou técnica o justificarem e desde que aceites pela Administração tributária.
Seja do disposto no artigo 17.º do Código IRC – Determinação do lucro tributável –, seja do disposto no artigo 23.º do Código do IRC – Custos ou perdas –, seja do preceituado no artigo 115.º n.ºs 1 e 3, do Código do IRC – Obrigações contabilísticas das empresas –, resulta o dever de comprovação efectiva dos custos ou variações patrimoniais negativas que se projectam no resultado líquido do exercício a cargo do contribuinte através dos registos e declarações contabilísticas (todas as referências ao Código do IRC referem-se à redacção em vigor a data dos factos – 2008).
A valorização das existências é feita segundo as regras do Plano Oficial de Contabilidade (POC) e de acordo com as regras de valorização das existências constantes do Código do IRC, nomeadamente do seu artigo 26.º, ou seja, os valores das existências a considerar nos proveitos e custos a ter em conta na determinação do resultado do exercício são os que resultarem da aplicação dos critérios que utilizem: a) Custos efectivos de aquisição ou de produção; b) Custos padrões apurados de acordo com princípios técnicos e contabilísticos adequados; c) Preços de venda deduzidos da margem normal de lucro; d) Valorimetrias especiais para as existências tidas por básicas ou normais».
Do POC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 410/89, de 21 de Novembro, resulta que as existências serão valorizadas ao custo de aquisição ou ao custo de produção, considerando- se como custo de aquisição de um bem a soma do respectivo preço de compra com os gastos suportados directa ou indirectamente para o colocar no seu estado actual e no local de armazenagem (neste sentido, António Borges e Martins Ferrão, A contabilidade e a prestação de contas, Um abordagem integrada dos aspectos contabilísticos, fiscais e de direito das sociedades, Rei do Livros, 8:º Edição, pág., 190).
Em face da ausência de inventário por parte do Impugnante a inspecção tributária calculou o valor das existências finais de acordo com os elementos que dispunha, nomeadamente os registos contabilísticos do Impugnante.
A contabilidade e as declarações fiscais do contribuinte estão sujeitas à presunção de veracidade (cfr. artigo 75.º n.º 1, da LGT), a qual cessa na presença de omissões, erros e inexactidões (artigo 75.º n.º 2, da LGT).
Ora, estando em causa o apuramento do valor das existências que, conforme assumido pelo Impugnante, não dispunha de inventário, a Administração tributaria apurou esse valor, como se disse, com base nos elementos de que dispunha, pelo que, tendo apenas como elemento disponível o valor de compra e não dispondo a contabilidade do impugnante de forma especificada e discriminada, do valor alegadamente suportado na preparação e reparação das viaturas, não podia a Administração tributária fazer constar esse valor. E essa falta de especificação apenas pode ser imputada ao impugnante que não a fez constar nos registos contabilísticos, nem em quaisquer outros registos ou suporte documental.
Ou seja, perante a falta de indicação nas declarações e registos efectuados pelo Impugnante, no quadro das obrigações declarativas que sobre si recaem, não pode o mesmo, sem incorrer na proibição de venire contra factum proprium, alegar que tal incorrecção se deve à conduta da Administração tributária e imputar a esta o dever de esclarecimento da matéria tributável, nomeadamente dos custos incorridos com a reparação e preparação das viaturas. Sendo certo que, quer no decurso do procedimento inspectivo, quer em sede graciosa e agora em sede judicial, o Impugnante nunca logrou sequer abalar as correcções efectuadas pela Administração tributária, nomeadamente através de junção de qualquer elemento que pudesse demonstrar o custo com as alegadas reparações.
(…)
Depois, importa ainda sublinhar que a Administração tributária não desconsiderou qualquer custo, bem pelo contrário, todos os custos que constavam na contabilidade, inclusive aqueles que não haviam sido declarados pelo impugnante, nomeadamente compras omissas, foram considerados pela inspecção tributária. (…)
(…)
Assim, e considerando que todos os custos constantes na contabilidade do impugnante – que, recorde-se, goza de uma presunção de veracidade que não foi posta em causa pela Administração –, inclusive custos que não haviam sido declarados, a Administração tributária limitou-se a considerar o valor inscrito na contabilidade e incluí-lo nas correcções efectuadas, sem ter recorrido a qualquer presunção, fazendo-o de forma objectiva e directa.
Como tal, a partir do momento em que a Administração tributária utilizou tais valores constantes na contabilidade do impugnante, sem que este tenha logrado contrariar os mesmos, ónus esse que lhe cabia, não se pode afirmar, como sustenta o impugnante que se verifica um erro na quantificação da matéria tributável quanto ao critério da valorimetria utilizado, razão pela qual improcedem as alegações do impugnante quanto à existência de tal erro de quantificação.
E no que diz respeito ao erro na quantificação da matéria tributável resultante da falta de documentos de suporte para as compras e vendas omissas, também não assiste razão ao Impugnante.
Concretamente no que toca às viaturas com a matrícula 04…., 23-…, 91-…, 97…., 81…-, 52…, 00-…, 16-…, 78-… e 51-…., em relação às quais o impugnante alega que não existem documentos a suportar a respectiva venda (que constam no ponto III.1.5 do relatório de inspecção), importa realçar que foi o próprio impugnante que no seu termo de declarações de 11-04-2012 indicou o valor de venda de tais viaturas (cfr. anexo IV do relatório de inspecção), o que significa que nada há a apontar quanto à inclusão de tais proveitos nas correcções efectuadas.
Com efeito, o valor total de vendas omissas que a Administração tributária apurou, de € 127.879,27, incluiu as dez viaturas acima identificadas que, como se disse, foi o próprio sujeito passivo que indicou o valor de venda, e duas outras viaturas: 36-…. e 72…., para as quais existia factura a suportar a respectiva venda. E foi esse o valor apurado e contabilizado no ponto III.1.5 e reflectido no apuramento do lucro tributável de 2008 constante no ponto III.1.6 do relatório de inspecção.
No que diz respeito às viaturas com as matrículas 83-…., 46-…., 35-…., 64-….., 79-…, 81-….., para as quais o impugnante alega que não existem documentos a titular as compras, por um lado, importa referir que tais viaturas estavam registadas na contabilidade do Impugnante como vendas no ano de 2008 (cfr. anexo II do relatório de inspecção).
(…)
Ou seja, a Administração tributária, com base na contabilidade do impugnante e dos elementos apurados no decurso do procedimento inspectivo, alguns dos quais fornecidos pelo próprio impugnante (nos anexos III e IV do relatório de inspecção) demonstrou, como era sua obrigação, os pressupostos da sua actuação, nomeadamente das correcções que conduziram à liquidação ora impugnada.
Pelo que, feita essa demonstração, cabia agora ao impugnante contrariar o resultado apurado pela Administração tributária, o que passava necessariamente por demonstrar que a quantificação da matéria tributável apurada pela Administração tributária não corresponde à realidade. E como já se disse, quanto à questão da valorimetria dos custos das viaturas, o impugnante não fez qualquer demonstração do alegado erro no apuramento do custo das viaturas, sendo que se impunha ao impugnante que, com referência às viaturas em causa, identificando-as, demonstrasse quais os custos de reparação e preparação em que incorreu em cada uma das viaturas consideradas pela Administração tributária. Por outro lado, como também já se fez referência, a inspecção tributária considerou como custos (compras) todos os valores inscritos na contabilidade referente às peças automóveis. Assim, caso o Impugnante tivesse incorrido em outros custos não registados na contabilidade, teria necessariamente de os demonstrar, algo que não logrou fazer.
(…)» fim de citação

Dissidente do assim entendido, o recorrente vem em sede do presente recurso pedir a anulação da sentença proferida em primeira instância, com a consequente procedência da impugnação.

Para tanto invoca nas conclusões de recurso, por um lado que: ”[F]face à lei e aos factos descritos no R.l.T. considera-se que a liquidação do IRS de 2008 ilegal, porquanto viola o princípio da tributação do lucro real, na medida em que não obedece às regras da determinação da matéria colectável” e por outro que “[A]a ILEGALIDADE DA DECLARAÇÃO ADICIONAL DO IRS DE 2008 pois a determinação dos custos das mercadorias vendidas e os proveitos resultantes das vendas não corresponde ao real, por assentar em compras e vendas sem suporte documental e que não foram realizadas pelo impugnante” – (concl. 1. e 2.)

Soçobra do que se deixa enunciado que a sentença recorrida não vem atacada, já que nas conclusões recursivas o recorrente se basta com o ataque ao relatório da inspeção (RIT) e à liquidação, como, de resto, já havia feito na petição inicial, quedando-se, nesta sede, com considerações genéricas, sem contudo lograr evidenciar as razões que o sustentam.

Porém e, como sumariou o acórdão do STA proferido no processo n.º 0756/18.4BEPRT em 16/01/2019 “[P]para impugnar eficazmente, em recurso jurisdicional, a sentença recorrida a recorrente haveria de atacar a sentença quanto a todos os fundamentos, e especificadamente quanto a cada um deles, uma vez que só por si, individualmente considerados, são suficientes para determinar a improcedência do pedido formulado na acção.”

Com efeito, in casu, como se disse e é bom de ver, o recorrente não impugnou eficazmente em recurso jurisdicional a sentença recorrida, já que, não atacou a sentença quanto à sua essência, não lhe tendo esgrimido qualquer fundamento na petição de recurso, nem quando para tal, foi convidado por este tribunal.

Na verdade, como já o dissemos, este tribunal elaborou despacho a convidar o recorrente a apresentar novas conclusões com formulações que constituam formulações sintéticas das alegações de recurso, com a advertência da cominação legal, a que o apelante não respondeu.

Quanto ao ónus de alegar e formular conclusões o artigo 639.º do CPC faz recair sobre o recorrente o encargo de concluir de forma sintética, pela indicação dos fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão.

Convocamos, neste sentido, por facilidade, e porque ao mesmo, sem reservas, anuímos, o acórdão deste TCAS de 29/05/2014, proferido no processo n.º 07209/13 que nos diz que a norma citada(2) “… faz recair sobre o recorrente o encargo de circunscrever com clareza o âmbito do litígio submetido ao escrutínio judicial, através da explicitação das razões da sua dissidência, o qual se desdobra em dois distintos ónus. O primeiro, o de alegar, sob pena de indeferimento do recurso (cfr.641, nº.2, al.b), do C.P.Civil). O segundo, o de formular conclusões da alegação, sob pena de não se tomar conhecimento do recurso (cfr.artº.639, nº.3, do C.P.Civil).
O ónus de formular conclusões na respectiva alegação só pode considerar-se satisfeito quando o recorrente fecha a sua minuta pela enunciação de proposições que sintetizem com clareza, precisão e concisão os fundamentos ou razões jurídicas pelos quais se pretende obter o provimento do recurso (anulação, alteração ou revogação da decisão do Tribunal "a quo").
É que, consoante os casos, o recorrente pode pretender a revogação da decisão impugnada, seja para que o Tribunal "ad quem" profira nova decisão, substituindo-se ao Tribunal recorrido (sistema de substituição), seja para que os autos sejam devolvidos ao Tribunal "a quo" para proferir nova decisão (sistema de cassação). Por outro lado, o recorrente pode pretender a revogação da decisão injusta (afectada por erro de julgamento - "error in iudicando") ou a anulação da decisão afectada por invalidade ("error in procedendo").”- fim de citação

Como sabemos, os recursos jurisdicionais destinam-se a refutar as decisões judiciais, devendo, para o efeito, neles ser formulado o pedido de reapreciação do julgamento realizado pelo tribunal "a quo", na medida em que se verifica a respetiva dissidência, e enunciados as razões e/ou fundamentos de suporte à mesma.

Assim, na sequência da cominação a que se refere a parte final no n.º 3 do artigo 639.º do CPC, fica este tribunal de recurso impedido de conhecer do recurso, por força do caso julgado qunto às questões decididas.

Em suma, não tendo o recorrente feito qualquer ataque à sentença, como vimos que não fez, não pode o tribunal de recurso alterar a decisão recorrida quanto ao nela foi decidido, já que o recurso carece de objeto e a sentença, que não foi recorrida, transitou em julgado.

Termos em que, no trilho estabelecido no n.º 3 do artigo 639.º do CPC, não pode agora a judicatura tomar o conhecimento de semelhante recurso, na sua totalidade, dado que o vício de que padecem as conclusões afeta toda a apelação(3), ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.

IV- DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da primeira Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em não tomar conhecimento do presente recurso.

Custas pelo recorrente

Registe e Notifique

Lisboa em 12 de maio de 2022

Hélia Gameiro Silva - Relatora
Ana Cristina Carvalho – 1.ª Adjunta
Lurdes Toscano – 2.ª Adjunta
_______________________________________
(1) Ponto 1. do probatório
(2) Artigo 639.º do CPC
(3) Vide neste sentido, entre outros o acórdão do STA proferido em 23/9/2010 no recurso n.º 845/08 e do TCA em 10/12/2003, no processo n.º 00470/03)