Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2154/16.5 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/02/2023
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:CONTRAORDENAÇÃO
TEMPESTIVIDADE DO RECURSO
VIA CTT
Sumário:I – No caso em análise, a circunstância de a Recorrente não ter o conhecimento da decisão recorrida em momento anterior ao que aponta como data do seu efetivo conhecimento, prende-se apenas com uma eventual falha da sua representante que, não apenas não ativou o sistema de alertas do Via CTT, como não acedeu à caixa postal oportunamente.

II - Trata-se de um comportamento que não pode deixar de ser imputável à arguida/representada, que não traduz um justo impedimento para interposição do recurso fora do prazo legal e que não é oponível à ATA.

III - Ainda que a Recorrente não fosse obrigada a possuir caixa postal eletrónica ViaCTT, a verdade é que, uma vez feita a adesão ao serviço ViaCTT, com a abertura de uma caixa postal eletrónica, esta passou a integrar o seu domicílio fiscal, relevante para todos os efeitos legais, designadamente para efeitos de notificação de atos praticados pela ATA, exatamente nos mesmos moldes aplicáveis a qualquer outra entidade para quem seja obrigatória a adesão ao serviço da caixa postal eletrónica.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

A sociedade denominada S …….. SARL à A ………. interpôs no Tribunal Tributário de Lisboa, ao abrigo do artigo 80º do RGIT, recurso da decisão que, no âmbito do processo de contraordenação nº ………………….909, lhe aplicou uma coima no montante de €45.000,00, acrescida de custas processuais, pela prática de infração fiscal prevista nos artigos 27º, nº1 e 41º, nº1, alínea a) do CIVA e punida pelos artigos 114º, nº 2, 5 a) e 26º, nº4, todos do RGIT.

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou o recurso de contraordenação extemporâneo e, consequentemente, rejeitou-o liminarmente.

Inconformada com o assim decidido, a arguida S ……………… interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central, acompanhado das respetivas alegações, as quais apresentam as seguintes conclusões:

A) O Tribunal a quo decidiu erradamente rejeitar o recurso interposto por suposta intempestividade, ao partir do pressuposto errado de que a Arguida foi notificada da decisão de aplicação da coima;

B) O Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação das provas, assim como em contradição do julgado com os concretos meios probatórios constantes do processo, que impunham uma decisão diferente da tomada sobre a matéria de facto e de direito;

C) Com efeito, o despacho recorrido não fundamentou de facto a conclusão de que a Recorrente teria designado representante fiscal em Portugal, conclusão essa aliás errada, conforme ficou documentalmente provado (cfr. doc. n.º 1 em anexo);

D) O despacho recorrido não fundamentou de facto a conclusão de que a Recorrente teria aderido ao sistema via CTT, conclusão também errada, conforme ficou documentalmente provado (cfr. doc. n.º 1 em anexo);

E) Em face do exposto é manifesta a errónea - no mínimo insuficiente - fundamentação de facto da sentença recorrida.

F) Com base nos múltiplos erros de julgamento acima referidos, o tribunal a quo concluiu pela aplicação de uma presunção de notificação por efeito da mera existência de uma adesão em nome da Recorrente, porém indevida e abusiva, ao sistema via CTT, conforme ficou documentalmente provado (cfr. doc. n.º 1 em anexo);

G) Assim, o tribunal presumiu a notificação com base numa presunção legal inaplicável, posto que não pode ser havida como aplicável a um sujeito passivo que não aderiu, nem estava obrigado a aderir a tal sistema, desconhecendo em absoluto do que se tratava, e desconhecendo, em particular, que podia presumir-se notificado, conforme ficou documentalmente provado (cfr. doc. n.º 1 em anexo);

H) O recurso é tempestivo, devendo seguir os seus ulteriores trâmites legais com vista à apreciação do seu mérito, devendo em consequência ser anulada a decisão impugnada de aplicação da coima por manifesta inexistência de qualquer infracção a ela sujeita;

I) Sem conceder, ocorre nulidade do despacho liminar proferido pelo Tribunal a quo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 379, nº1, alínea c) do CPP, aplicável ex vi do artigo 3º do RGIT e 41º do RGCO, por omissão de pronúncia quanto à possibilidade de convolação do recurso apresentado pela ora Recorrente em revisão invocada pela Arguida.

Nos termos expostos, e nos mais de direito que V. Excelências doutamente suprirão, deve a decisão recorrida ser revogada, e o presente recurso judicial ser julgado procedente, por provado, e por conseguinte anulada a decisão impugnada, com as demais consequências legais.

Foi junto um documento.


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.

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Foram colhidos os vistos legais.

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II - FUNDAMENTAÇÃO

- De Facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

A) A Recorrente trata-se de sujeito passivo de IVA não residente em Portugal, residente fiscal em França, sem estabelecimento estável em Portugal (cfr. fls. 166 dos autos – numeração em suporte de papel).

B) A Recorrente designou como sua Representante Fiscal em Portugal a sociedade “C ………………e Serviços, Lda” (artigo 5º do requerimento da Recorrente de fls. 187 e ss. – numeração SITAF).

C) A Recorrente aderiu ao sistema ViaCTT mediante a utilização do endereço electrónico do colaborador da sua Representante, V ……………, não tendo aderido ao serviço de alertas do ViaCTT (artigo 6º e doc. nº 2 do requerimento da Recorrente de fls. 187 e ss. – numeração SITAF).

D) Em 13.11.2015 foi instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa 3 o processo de contra-ordenação nº ………………….909, por pagamento fora de prazo do IVA do período de 2015/06, no montante de 206.497,36€, infração punida nos termos do disposto nos artigos 114º, nº 2 e 5, alínea a) e 26º, nº 4 do RGIT, constando como infrator a ora Recorrente (cfr. fls. 2 e 3 dos autos).

E) Após notificação ViaCTT para efeitos do exercício do direito de defesa, em 02.02.2016 foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças, a fixar a coima no montante de 45.000,00€, acrescido de 76,50€ de custas processuais (cfr. fls. 5 a 10 e 54 e 55 dos autos).

F) Em 07.02.2016 foi remetida para o receptáculo postal ViaCTT da Recorrente, a notificação da decisão referida na alínea antecedente (cfr. fls. 10 dos autos – numeração de papel, e doc. 2 junto com o requerimento da Recorrente de fls. 187 e ss. – numeração SITAF).

G) Em 07.04.2016 foi extinto o processo de contraordenação identificado em D) por extracção da certidão de dívida (cfr. fls. 10 dos autos).

H) A Recorrente acedeu à sua caixa postal ViaCTT em 26.04.2016 (cfr. fls. 160 e 162 dos autos – numeração em suporte de papel).

I) Em 09.05.2016 foi configurado o email ctb-a@comark.pt no sistema de alertas ViaCTT, relativamente à Recorrente (cfr. artigo 4º e doc. 1 do requerimento da Recorrente de fls. 187 e ss. – numeração SITAF).

J) O presente recurso foi apresentado em 24.05.2016 (cfr. fls. 61 dos autos - numeração de papel).


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II - De Direito

Antes de entrarmos na análise do recurso propriamente dito, comecemos por fazer referência ao documento junto com as alegações, junção esta que, nesta fase, como se sabe, só excecionalmente pode ocorrer.

Esclareçamos, desde já, que, no caso, daquilo que se trata é de um requerimento datado de 04/11/16, ao qual foram anexados dois documentos, requerimento este dirigido ao tribunal a quo e que já integra os autos. Efetivamente, o requerimento em causa foi apresentado na sequência de um despacho judicial e posterior à apresentação de um primeiro requerimento, no qual a ora Recorrente protestava juntar outros elementos (precisamente os que foram apresentados em 04/11/16).

Não obstante não vir esclarecida a oportunidade da junção do documento nesta fase, até por o mesmo já constar dos autos e, nessa medida, nada impedir que a Recorrente para ele remetesse nas referências que agora faz, entendemos que nada obsta à sua manutenção nos autos, não se justificando (até por razões de economia processual) o seu desentranhamento e devolução à parte.

Para além do mais, tratam-se de documentos que foram juntos para efeitos de afastar a presunção estabelecida no artigo 39º, nº 10 do CPPT, e, como tal, para efeitos de aferir da tempestividade do recurso judicial, o que, sendo uma questão de conhecimento oficioso, deve levar a que o Tribunal aceite os elementos necessários à boa decisão da causa.

Mantém-se, assim, o articulado com as alegações de recurso tal como foi apresentado, devendo ter-se em consideração a data da sua apresentação em 1ª instância.


*

Avançando.

As conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.412, nº.1, do C.P.Penal, “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T., e do artº.74, nº.4, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10).

Comecemos por deixar devida nota, por tal se revelar importante para a análise que segue, daquilo que, em síntese útil, foi decidido pelo Tribunal Tributário de Lisboa.

Escreveu-se na sentença, além do mais, o seguinte:

“Ora, o requerimento de interposição de recurso de decisão de aplicação de coima deve ser apresentado no Serviço de Finanças onde tiver sido instaurado o processo de contra-ordenação, no prazo de 20 dias, atento o disposto no artigo 80º, nº 1, do RGIT, sendo tal prazo computado nos termos do disposto no artigo 60º, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (RGCO), e não sendo tal prazo de natureza judicial, não se lhe aplicam as regras privativas dos prazos judiciais (artigos 144º, nº 1, e 145, nº 5, do CPC), embora se suspendendo aquele prazo aos sábados, domingos e feriados (cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, “Regime Geral das Infracções Tributárias” anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.535 e seg.; Isabel Marques da Silva, “Regime Geral das Infracções Tributárias”, Cadernos IDEFF, nº.5, 3ª. edição, 2010, Almedina, pág. 145 e ss; acórdãos do STA de 01.06.2011, proc. nº 0312/11 e de 13.07.2011, proc. 0314/11).

Está-se, deste modo, perante um prazo substantivo, perentório e de caducidade.

(…)

Dispõe o artigo 70º, nº 2 do RGIT que “Às notificações no processo de contra-ordenação aplicam-se as disposições correspondentes do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Por seu turno dispõe o artigo 38º, nº 9 do CPPT que “As notificações referidas no presente artigo podem ser efectuadas por transmissão electrónica de dados, que equivalem, consoante os casos, à remessa por via postal registada ou por via postal registada com aviso de recepção.”

Prevê ainda o artigo 39º do CPPT, nos seus nºs 9, 10 e 11, o seguinte:

“9 - As notificações efectuadas por transmissão electrónica de dados consideram-se feitas no momento em que o destinatário aceda à caixa postal electrónica.

10 - A notificação considera-se efetuada no 25.º dia posterior ao seu envio, caso o contribuinte não aceda à caixa postal eletrónica em data anterior.

11 - A presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando, por facto que não lhe seja imputável, a notificação ocorrer em data posterior à presumida e nos casos em que se comprove que o contribuinte comunicou a alteração daquela nos termos do artigo 43.º”

Finalmente, nos termos do artigo 19º, nº 2 da LGT, “O domicílio fiscal integra ainda a caixa postal electrónica, nos termos previstos no serviço público de caixa postal electrónica”, resultando do nº 9 do mesmo dispositivo legal que “Os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas com sede ou direção efetiva em território português e os estabelecimentos estáveis de sociedades e outras entidades não residentes, bem como os sujeitos passivos residentes enquadrados no regime normal do imposto sobre o valor acrescentado, são obrigados a possuir caixa postal eletrónica, nos termos do n.º 2, e a comunicá-la à administração tributária no prazo de 30 dias a contar da data do início de atividade ou da data do início do enquadramento no regime normal do imposto sobre o valor acrescentado, quando o mesmo ocorra por alteração”.

Com efeito, após a entrada em vigor da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, a lei passou a consignar como integrante do domicílio fiscal a caixa postal electrónica, e, concomitantemente, passou a prever de modo claro que as notificações efectuadas por transmissão eletrónica de dados consideram-se feitas no momento em que o destinatário aceda à caixa postal eletrónica, presumindo-se essa notificação ao fim do prazo alargado de 25 dias, sem que o contribuinte aceda à sua caixa postal eletrónica.

E é a mesma lei que determina que aquela presunção de notificação ao 25º dia posterior ao do envio da notificação eletrónica apenas pode ser ilidida pelo notificado quando, por facto que não lhe seja imputável, a notificação ocorrer em data posterior à presumida. Ou seja, não basta a confirmação de que o contribuinte apenas acedeu à sua caixa postal eletrónica numa data posterior, é também necessário que ele alegue e demonstre cabalmente que não o pôde fazer num momento anterior por facto que não lhe é imputável.

Vem a Recorrente justificar a tempestividade do presente recurso por duas vias, segundo se entende:

- em 1º lugar, porque não recebeu alerta da notificação ViaCTT, já que o serviço de alertas apenas foi aderido em 09.05.2016, e porque foi por negligência da sua Representante Fiscal que não acedeu em tempo à sua caixa postal eletrónica;

- em 2º lugar, porque a adesão ao serviço ViaCTT era facultativa no seu caso.

No que respeita ao seu “justo impedimento”, este qualificar-se-á como “o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto”. Ora, é jurisprudência assente do STA que o justo impedimento só se verifica quando a pessoa que devia praticar o ato foi colocada na impossibilidade absoluta de o fazer, em virtude da ocorrência de um facto independente da sua vontade e que um cuidado e diligências normais não fariam prever (cfr., a título de exemplo, o acórdão do STA de 11.09.2008, Proc. nº 0347/06).

No caso dos autos, não constitui justo impedimento o facto da Recorrente afirmar que foi por falha imputável à sua Representante Fiscal, ou a um seu colaborador, que, por um lado não aderiu em tempo ao serviço de alertas do ViaCTT, e que, por outro, não acedeu à sua caixa postal ViaCTT em tempo oportuno. É claro que, a caixa postal eletrónica ViaCTT é uma caixa postal da Recorrente, e esta será a única responsável a todos os níveis pela gestão da mesma, em nada relevando para efeitos legais fiscais as consequências na relação entre a Recorrente e a sua Representante quanto a atuação eventualmente omissiva ou negligente no cumprimento dos deveres de uma para com a outra.

Reitera-se que, se não foi realizado o acesso à caixa postal eletrónica em devido tempo, a responsabilidade sempre recairá sobre a Recorrente, não existindo qualquer justo impedimento que se assuma como relevante a nível jurídico quanto à contagem dos prazos para a interposição de recurso de fixação de coima.

No que respeita à invocação de que a adesão ao serviço ViaCTT não era obrigatória para a Recorrente dir-se-á que, de facto, nos termos do nº 10 do artigo 19º da LGT, a Recorrente, enquanto entidade não residente, sem estabelecimento estável, não se encontrava obrigada a possuir caixa postal eletrónica.

No entanto, transcreve-se novamente o que se encontra dito no nº 2 daquele mesmo artigo 19º da LGT: “O domicílio fiscal integra ainda a caixa postal electrónica, nos termos previstos no serviço público de caixa postal electrónica”.

Quer isto dizer que, ainda que não seja a Recorrente obrigada a possuir caixa postal eletrónica ViaCTT, a verdade é que, uma vez feita a adesão ao serviço ViaCTT, com a abertura de uma caixa postal eletrónica, esta passou a integrar o seu domicílio fiscal, relevante para todos os efeitos legais, designadamente para efeitos de notificação de atos praticados pela A.T., exatamente nos mesmos moldes aplicáveis a qualquer outra entidade para quem seja obrigatória a adesão ao serviço da caixa postal eletrónica.

(…)

Deste modo, tendo em conta que a notificação da decisão de aplicação da coima tem-se por efectuada em 07.03.2016 (25º dia posterior ao do envio da notificação – 07.02.2016), o presente recurso de contra-ordenação, apenas apresentado em 24.05.2016, mostra-se claramente intempestivo, devendo, por isso, ser rejeitado liminarmente, nos termos do artigo 63º, nº 1 do RGCO (Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro), aplicável às contra-ordenações tributárias ex vi do artigo 3º, alínea b) do RGIT”.

De acordo com a Recorrente, a decisão no sentido da intempestividade do recurso é errada já que considera erradamente que a arguida foi notificada da decisão de aplicação da coima. Este último erro quanto à notificação decorre, nas palavras da ora Recorrente, da errada apreciação das provas apresentadas e, bem assim, da “contradição do julgado com os concretos meios probatórios constantes do processo”.

Em particular, considera a Recorrente que é errada a asserção fática nos termos da qual a “recorrente teria designado representante fiscal em Portugal”, o que a leva, de forma detalhada no corpo das alegações, a requerer a alteração da matéria de facto provada, em concreto a alínea B) do probatório – lembre-se que daí consta que “A Recorrente designou como sua Representante Fiscal em Portugal a sociedade “Comark – Consultoria, Marketing e Serviços, Lda” (artigo 5º do requerimento da Recorrente de fls. 187 e ss. – numeração SITAF)”.

Refere a Recorrente que a C............... não foi designada sua representante fiscal em Portugal; que o domicílio fiscal da Recorrente não corresponde ao da C...............; que a C............... detinha apenas poderes para representar a Recorrente relativamente à apresentação de requerimento de número de identificação fiscal do IVA/ número fiscal de contribuinte, bem como para representar a Recorrente junto do RNPC; em suma, a Recorrente pretende que fique claro que aquilo que fez foi tão-só emitir uma procuração para que a C............... atuasse como sua representante fiscal em Portugal, embora nunca a tivesse designado como tal, junto das autoridades fiscais portuguesas. De resto, sublinha a Recorrente, no caso, não estava obrigada a designar representante fiscal em Portugal. Para além do mais, nos termos da lei, sempre se imporia que o representante fiscal declarasse expressamente a aceitação da representação e que tal alteração passasse a constar do cadastro fiscal da sua representada, o que não sucedeu.

Embora se perceba o alcance da posição da Recorrente que claramente pretende evidenciar a especificidade do conceito de representação fiscal, strictu sensu (distinguindo-o da mera emissão de procuração para atuar como representante fiscal), a verdade é que é a Recorrente que, ab initio, vem estabelecendo alguma confusão relativamente à sua representação fiscal em Portugal através da C..............., ao referir-se à contratação da C............... como sua representante fiscal. Como assinalado na sentença, consta do referido artigo 5º do requerimento apresentado pela Recorrente a fls. 187 e ss. – numeração SITAF o seguinte: “Com efeito, a Arguida contratou os serviços da C............... – ………………… Serviços, Lda (…), para que actuasse como sua represente fiscal em Portugal e estabelecesse os contactos que se revelassem necessários com a Autoridade Tributária”. Mas não só. Também no artigo 2º do mesmo requerimento a Arguida se refere ao facto de ter “diligenciado para que os seus representantes em Portugal…”, referindo-se à C................

Compulsados os autos, em concreto os elementos relativos ao processo de contraordenação, aceita-se que não há evidência de ter sido comunicada junto da AT a nomeação da C............... como representante fiscal da Recorrente, nem de o domicílio fiscal da S............... ter passado a ser o do seu representante fiscal, como decorreria da aplicação do disposto no artigo 23º, nº2, do DL 14/2013.

A verdade, porém, é que da procuração junta aos autos, emitida em junho de 2013, pela S...............prive a favor da C..............., consta um instrumento que concede à C............... “procuração para, em nome da nossa firma, … actuar como representante fiscal em Portugal”, abrangendo as “actividades: requerimento de número de identificação fiscal do IVA/ número fiscal de contribuinte, bem como representar a Recorrente junto do Registo Nacional de Pessoas Coletivas”.

Assim, e para que não restem dúvidas sobre os poderes de representação da Recorrente por parte da C..............., o Tribunal efetuará a correspondente alteração à matéria de facto, substituindo a formulação da alínea B) constante da sentença por a que se segue.

B) Em 19 de Junho de 2013, a S............... emitiu procuração a favor da C............... – Consultoria, Marketing e Serviços, através de instrumento que apresenta o seguinte teor (cfr. fls. 213 dos autos):


Company’s letterhead

PROCURAÇÃO


Por meio deste instrumento concedemos à firma C...............- Consultoria, ……….., sediada na Esplanada …….., 22, ……..-196 . e identificada através do número de identificação de pessoa colectiva: ……, aqui representada pelo seu Sócio-Gerente J …………., com faculdades de obrigar sozinho esta sociedade, procuração para, em nome da nossa firma:

Name : S..................................,COM
Address: 1,rue des Blés,93210 ……………., France
VAT number: FR ………………

actuar como representante fiscal em Portugal

Esta procuração abrange as actividades:

1) Requerimento do Número de Identificação Fiscal do IVA / Número Fiscal de Contribuinte junto das autoridades fiscais portuguesas para a nossa firma.
2) Representar a nossa firma em junto das seguintes entidades:

- Registo Nacional de Pessoas Colectivas


Avançando.

Lidas as conclusões concatenadas com o corpo das alegações, resulta ainda que a Recorrente pretende a alteração das alíneas C), E) e H) do probatório, uma vez que todas pressupõem a adesão por parte da Recorrente ao sistema Via CTT através da utilização do endereço eletrónico de um colaborador da sua representante, C................ Diz a Recorrente, em defesa da sua tese, que a adesão a tal sistema foi abusiva e, como tal, nunca as notificações se podem considerar feitas na Recorrente, nem os acessos à caixa postal Via CTT podem ter tido origem na Recorrente que a tal caixa não tinha acesso.

Ora, quanto a estes pontos, diga-se, desde já, que a Recorrente nenhuma razão tem, mostrando-se surpreendente (porventura, temerária) a sua argumentação. Expliquemos melhor.

Basta ler a p.i do recurso interposto contra a decisão de aplicação da coima (e os documentos a ela juntos) para perceber que a Arguida, desde logo, aí assumiu que detinha uma caixa de postal eletrónica, instalada no sistema Via CTT; que a ela acedeu várias vezes e que, contrariamente ao previsto, não recebeu alertas do sistema respeitantes à receção de notificações, concretamente quanto à decisão de aplicação da coima contestada. Foi esta a posição inicial da Arguida que, assim, com base na falta do alerta de recebimento, justificava a tempestividade do recurso apresentado.

Para ilustrar o que vimos de dizer, vejam-se as transcrições que se seguem:


Foi por mero acaso que a Arguida tomou conhecimento de que contra si corria o processo de contraordenação identificado em epígrafe após ter acedido à sua caixa postal eletrónica, tendo verificado que lhe era imputável a suposta prática “[p]agamento do imposto fora do Prazo (M)”, prevista e punida pelos artigos 114º, nºs 2 e 5 , alínea a) e 26.°, n.º 4 do RGIT (cfr. doc. n.°1 em anexo).

Ou,

33º
Em 26 de Abril de 2015 a Arguida acedeu à sua caixa postal eletrónica, hospedada no sistema Via CTT, e foi com grande consternação e perplexidade que a Arguida verificou que tinha sido (i) emitido ofício para a apresentação de defesa, por violação dos artigos 27.°, n.° l e 41,°, nº l, alínea a) do CIVA, infração prevista e punida nos termos dos artigos 114,°, n.°s 2 c 5, alínea n) do RGIT, (ii) proferida decisão de fixação de coima no montante de € 45.000, acrescido de custas processuais no montante de € 76,50 (cfr. docs. n.ºs l e 9 em anexo);

Ou,


34º

E ainda (iii) instaurado processo de execução fiscal para a cobrança coerciva da dívida tributária referida (cfr. doc. n° 10 em anexo), sem que tivesse recebido qualquer aleita do sistema Via CTT quanto à recepção destes documentos.

35º

Com efeito, a Arguida solicitou que lhe fossem enviados alertas do sistema sempre que chegasse um novo documento à sua caixa postal eletrónica, corno resulta do doc. n° 11 em anexo.

36.°

Ou seja, caso a Arguida não tivesse consultada motu proprio a sua caixa postal eletrónica teria tomado conhecimento da existência da decisão de coima que aqui se contesta e do PEF, instaurado para pagamento de uma dívida inexistente, que foi totalmente liquidada pela Arguida.
Ou,
39º
Conforme mencionado supra, a Arguida apenas teve conhecimento da notificação da decisão de fixação de coima após consultar a sua caixa postal eletrónica, não tendo recebido qualquer mensagem de correio eletrónico a anunciar a notificação de mensagem na Via CTT.
40º
Tal como todos os programas informáticos, o Via CTT não é imune a falhas e, no caso concreto, o seu sistema de notificações não funcionou devidamente.
Ou,

49.°
Como ficou demonstrado, a Arguida não recebeu qualquer alerta do Via CTT referente à receção de notificações eletrónicas da Autoridade Tributária, tendo sido apenas notificada da decisão de fixação de coima a 26 de Abril de 2016, nos termos do artigo 39°, n° 9 do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT").
Ou,
53.°
De facto, a presunção mencionada é ilidível - admitindo prova em contrário - tendo ficado comprovada que a Arguida apenas acedeu à sua caixa postal eletrónica no dia 26 de Abril de 2016 por facto que não lhe pode set imputável: o sistema ViaCTT não a notificou da receção da decisão de fixação de coima quando era exigido que o fizesse.

Ou,

55°
Com efeito, os aleitas do sistema ViaCTT a que a Arguida aderiu são elemento essencial de toda e qualquer notificação electrónica, figurando-se como imprescindíveis para que os sujeitos passivos possam tomar conhecimento das comunicações que lhes são dirigidas.

Diga-se, ainda, que ao articulado inicial do recurso judicial a Recorrente fez juntar um documento do sistema via CTT/ perfil geral/ informações pessoais, do qual consta precisamente o nome de V ……………., funcionário da C..............., representante da Arguida. Mais se deve dizer que, conforme resulta dos documentos juntos pela Arguida ao recurso judicial, foram diversas as ocasiões em que a ATA e Valter Mendes trocaram mensagens através de correio eletrónico relativamente ao processo de contraordenação que deu origem à coima ora impugnada.

Por conseguinte, com a posição inicial por parte da Arguida a que fizemos referência, dificilmente se pode aceitar que, em sede de recurso jurisdicional, a Recorrente venha agora defender que a adesão ao sistema Via CTT foi abusiva e que nunca as notificações se podem considerar efetuadas na Recorrente, nem os acessos à caixa postal Via CTT podem ter tido origem na Recorrente, por a tal caixa não ter acesso. Na realidade, nada disto foi alegado (nem provado) inicialmente, pois – repete-se – a Arguida sempre aceitou a adesão ao sistema Via CTT, embora defendesse que, contrariamente ao que esperado, o sistema de alertas de receção de correio não funcionou e, por isso, defendida ter tido conhecimento tardio da decisão de aplicação da coima (assim justificando a oportunidade da apresentação do recurso).

Note-se, de resto, que já posteriormente à p.i a Arguida veio a retificar a sua posição inicial, dizendo que, afinal, a “subscrição de alertas data de 9 de Maio de 2016 (…) e sendo assim há uma parte dos factos que a Arguida alegara que não corresponde à realidade…”.

A este propósito, importa ter presente que, conforme articulado apresentado em 14 de outubro junto do TT de Lisboa, a Arguida assume que “não tomou conhecimento, em momento oportuno, das notificações que lhe foram dirigidas pela Autoridade Tributária, por falta imputável ao referido colaborador da C...............”.

Ilustrativas da posição assumida são, entre outras, as seguintes asserções:


Nesse âmbito, sucedeu que a C............... optou por aderir ao sistema Via CTT mediante a utilização do endereço de correio electrónico de um dos seus colaboradores, apesar de tal não ser exigido por lei nem dispor de instrução expressa nesse sentido por parte da Arguida.
7.º
Sucede, porém, que segundo informação agora obtida do Serviço ViaCTT, na adesão efectuada pela C............... através desse seu colaborador, afinal, não foi subscrito (pelo menos ab initio) o serviço de alertas (que permite aos seus utilizadores tomarem conhecimento de documentos que lhes são dirigidos no momento da sua disponibilização).
Ora a adesão ab initio ao sistema de alertas fora pressuposta no presente recurso - pelo menos assim o supunha a Arguida — que assim conclui que o referido subscritor do Serviço Via CIT não prestou a devida atenção à sua caixa postal electrónica durante o procedimento administrativo que deu origem aí) presente Recurso.
10º
Colaborador esse que, ao invés de admitir a sua falha de diligencia e zelo quando dela se apercebeu, só mais tarde terá ativado o sistema de alertas sem disso dar conhecimento, perpetuando o equivoco e induzindo a Arguida em erro (assim como o tribunal) quanto às verdadeiras circunstâncias, no sentido de que teria aderido ao sistema de alertas e que teria sido uma falha do sistema que provocou a verificação tardia das notificações da AT.

Ora, o circunstancialismo ocorrido mostra-se refletido no probatório e encontra respaldo nos documentos juntos, nenhuma razão havendo para alterar, conforme pretende a Recorrente, as alíneas C), E) e H) dos factos provados.

Na verdade, a Recorrente aderiu ao sistema Via CTT mediante a utilização do endereço eletrónico do colaborador da sua Representante, V…………….., não tendo aderido, nessa altura, ao serviço de alertas do Via CTT. Por seu turno, corresponde à verdade, documentalmente apoiada, que após notificação Via CTT para efeitos do exercício do direito de defesa, em 02/02/16 foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças a fixar a coima no montante de 45.000,00€ e que, em 07/02/16, foi remetida para o recetáculo postal Via CTT da Recorrente a notificação da decisão em causa. Corresponde igualmente à realidade a asserção segundo a qual a Recorrente acedeu à sua caixa postal Via CTT em 26/04/16.

Com efeito, a pretensão de modificação da matéria de facto agora pretendida é, não apenas contrariada pelos documentos juntos pela Arguida, como também pela sua versão inicial dos factos e que tivemos já oportunidade de esclarecer.

O que em sede de recurso jurisdicional a Arguida reputa de atuação abusiva, foi uma atuação absolutamente aceite na petição inicial, na qual a Recorrente apenas se insurgia contra a circunstância de o sistema de alertas de receção de documentos não ter funcionado, sistema este que, posteriormente, se veio a constatar não ter sido ativado desde início por razões – diz a Recorrente – imputáveis à sua representante ou a um colaborador desta.

Tal circunstancialismo, porém, que a Recorrente entende, aliás, passível de desencadear um procedimento disciplinar não é, como está bem de ver, oponível à AT, alheia a tudo isto. Dito de outro modo, nada daquilo que vem invocado e documentado é passível de importar uma alteração da matéria de facto tal como ela foi fixada, em especial quanto à data em que se pode considerar que a Recorrente teve conhecimento da decisão de aplicação da coima.

E assim, nenhuma alteração mais se impõe ao probatório.


*

Como se percebe, a sorte deste recurso assenta grandemente no julgamento da matéria de facto que, com exceção da alínea B), se manteve inalterado.

Entrando no julgamento de direito e na análise da tempestividade da apresentação do recurso da decisão de aplicação da coima, antecipa-se que a sentença decidiu de forma absolutamente irrepreensível, mostrando-se corretamente fundamentada.

Considerando que, nos trechos mais relevantes, a decisão do TT ficou já transcrita, remete-se para o quadro legal aplicado ao caso e que não vem posto em causa, em concreto o disposto no artigo 80º, nº1 do RGIT, quanto ao prazo de 20 dias para apresentação do recurso; no artigo 70º, nº2 do RGIT, conjugado com os artigos 38º, nº9 e 39º, nºs 9, 10 e 11 do CPPT, todos relativos à notificações, em especial às notificações eletrónicas e, finalmente, no artigo 19º, nº 2 da LGT, respeitante ao domicílio fiscal e à inclusão nesse domicílio da caixa postal eletrónica.

Como é bom de ver, a análise do julgamento da matéria de facto não deixa margem para dúvidas quanto ao acerto da decisão recorrida.

Tenhamos presente que, pelas razões já avançadas, não procede a recente argumentação da Recorrente no sentido de que a adesão ao sistema Via CTT, por parte da sua representante, foi indevida e abusiva. Esta linha de argumentação, além de ser absolutamente diferente do percurso argumentativo trilhado na p.i, não tem qualquer sustentação probatória, sendo até contrariada pelos documentos existentes nos autos.

Aquilo que estará na origem – admite-se – da circunstância de a Recorrente não ter o conhecimento da decisão recorrida em momento anterior ao que aponta como data do seu efetivo conhecimento, prende-se apenas com uma eventual falha da sua representante (ou de um colaborador desta) que, não apenas não ativou o sistema de alertas do Via CTT, como não acedeu à caixa postal oportunamente. Porventura, daquilo que se trata é de uma atuação sem a diligência exigível às funções do representante a quem é comunicada uma decisão, através de meios eletrónicos aos quais tem acesso, e à qual não acede em tempo oportuno. Trata-se, como não pode deixar de ser, de um comportamento (que aqui não importa qualificar) que não pode deixar de ser imputável à arguida/representada e que não traduz um justo impedimento para interposição do recurso fora do prazo legal. Como já havíamos dito, estamos perante aspetos da relação entre representada e representante, aos quais a ATA é alheia e que naturalmente não lhe são oponíveis.

Também não colhe o argumento avançado pela Recorrente no sentido de que não estava legalmente obrigada a aderir ao serviço Via CTT, motivo suficiente, em sua opinião, para que não se lhe possa aplicar a presunção legal de notificação no 25º dia. Como bem explicou decisão recorrida, “ ainda que não seja a Recorrente obrigada a possuir caixa postal eletrónica ViaCTT, a verdade é que, uma vez feita a adesão ao serviço ViaCTT, com a abertura de uma caixa postal eletrónica, esta passou a integrar o seu domicílio fiscal, relevante para todos os efeitos legais, designadamente para efeitos de notificação de atos praticados pela A.T., exatamente nos mesmos moldes aplicáveis a qualquer outra entidade para quem seja obrigatória a adesão ao serviço da caixa postal eletrónica”.

Com isto dito, fácil é a conclusão que se segue, considerando que a decisão que aplicou a coima se tem por notificada em 07/03/16, ou seja, no 25º dia posterior ao do envio da notificação que ocorreu em 07/02/16. Como ficou esclarecido, o prazo de recurso é de 20 dias (artigo 80.º, n.º, 1 do RGIT) e faz-se nos termos do artigo 60.º do RGCO, donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados. Ora, o recurso foi apresentado em 24/05/16, ou seja, muito para além dos apontados 20 dias, pelo que a sua apresentação foi intempestiva.

A decisão recorrida que a esta conclusão chegou, fê-lo com acerto e, por isso, é de manter.


*

Há, ainda, uma última conclusão que se impõe apreciar – lê-se na conclusão I), “Sem conceder, ocorre nulidade do despacho liminar proferido pelo Tribunal a quo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 379, nº1, alínea c) do CPP, aplicável ex vi do artigo 3º do RGIT e 41º do RGCO, por omissão de pronúncia quanto à possibilidade de convolação do recurso apresentado pela ora Recorrente em revisão invocada pela Arguida.

Antes da subida do recurso, o Mmo. Juiz pronunciou-se defendendo não ocorrer tal nulidade “uma vez que tal pedido não consta da p.i. de recurso”.

Efetivamente, o pedido de revisão da decisão de aplicação da coima foi formulado, não na p.i, mas em requerimento autónomo e posterior (mas anterior à prolação da decisão recorrida), apresentado em 14/10/16, no qual se pode ler, a este propósito, o seguinte:


22º
Razão acrescida pela qual, ainda que se entendesse ser de concluir pela privação do direito de defesa — o que se admite por mera cautela, c sem conceder — sempre seria de sustentar convolação do presente Recurso em revisão, por estarem verificados os requisitos do artigo 85º, nº2 do Regime Geral das Infrações Tributárias, artigos 80°, nº l e 81.°, nº l do Regime Geral das Contraordenações e artigo 449º, nº l, alínea d) do Código de Processo Penal.

Vejamos o que dizer sobre a alegada nulidade, lembrando que, conforme estabelece o artigo 379°, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPP, é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha ao juiz que tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (artigo 660°, n.º 2, do CPC) e as que sejam de conhecimento oficioso, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.

Como uniformemente tem sido entendido, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões ou motivos expendidos pelos interessados na apresentação das respetivas posições.

Com isto dito, e sem necessidade de muito nos alongarmos, resulta claro que efetivamente houve uma omissão de pronúncia relativamente à questão supra apontada, não sendo a circunstância de tal pedido ter sido formulado posteriormente à p.i justificação bastante para que o Tribunal, pura e simplesmente, a tivesse ignorado. Dito de outra forma, ainda que o Tribunal entendesse que não podia conhecer o pedido em causa, atenta a oportunidade da sua formulação, isso mesmo devia ter apreciado e decidido.

Por conseguinte, verifica-se a uma omissão de pronúncia geradora de nulidade que, contudo, na economia da decisão, apenas parcialmente a afeta e não contende com o antes decidido.

Verificada a nulidade, tal como invocada, impõe-se a este Tribunal, já que a tal nada obsta, conhecer da mesma, o que se fará de seguida.

Vejamos, então.

Pede a Recorrente que o Tribunal convole o recurso apresentado nos termos do artigo 80º do RGIT em pedido de revisão da coima, ao abrigo do artigo 85º, nº2 do RGIT e, bem assim, dos artigos 80º e 81º do RGCO.

Dispõem tais preceitos legais o seguinte:

“Artigo 85.º

Revisão das coimas e sanções acessórias - Competência

1 - A revisão da decisão da autoridade administrativa cabe ao tribunal competente para o conhecimento do respectivo recurso judicial, dela cabendo recurso para a instância imediatamente superior.

2 - Quando a coima tiver sido aplicada pelo tribunal, a revisão cabe à instância judicial imediatamente superior, excepto se a decisão tiver sido tomada pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Artigo 80.º

Admissibilidade da revisão

1 - A revisão de decisões definitivas ou transitadas em julgado em matéria contra-ordenacional obedece ao disposto nos artigos 449.º e seguintes do Código de Processo Penal, sempre que o contrário não resulte do presente diploma.

2 - A revisão do processo a favor do arguido, com base em novos factos ou em novos meios de prova, não será admissível quando:

a) O arguido apenas foi condenado em coima inferior a (euro) 37,41;

b) Já decorreram cinco anos após o trânsito em julgado ou carácter definitivo da decisão a rever.

3 - A revisão contra o arguido só será admissível quando vise a sua condenação pela prática de um crime.

Artigo 81.º

Regime do processo de revisão

1 - A revisão de decisão da autoridade administrativa cabe ao tribunal competente para a impugnação judicial.

2 - Tem legitimidade para requerer a revisão o arguido, a autoridade administrativa e o Ministério Público.

3 - A autoridade administrativa deve remeter os autos ao representante do Ministério Público junto do tribunal competente.

4 - A revisão de decisão judicial será da competência do tribunal da relação, aplicando-se o disposto no artigo 451.º do Código de Processo Penal”.

Em primeiro lugar, deve dizer-se que a convolação surge legalmente prevista como um “remédio” para a hipótese de se verificar um erro na forma do processo que, como se sabe, constitui uma nulidade de conhecimento oficioso, decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo.

Ora, no caso em apreciação, é patente que não se verifica qualquer erro na forma processual escolhida pela Recorrente ao lançar mão do recurso previsto no artigo 80º do RGIT, pois que, tal como decorre da p.i, a S...............prive pretendeu – e fê-lo – atacar a decisão de aplicação da coima, pedindo que fosse declarada a nulidade do processo de contraordenação, que fosse anulada a coima fixada ou, caso assim não fosse entendido, que a Arguida fosse dispensada do pagamento da coima. Temos, pois, que, em qualquer caso, estamos perante pedidos adequados ao meio processual escolhido pela Recorrente, pelo que nenhuma questão de erro na forma de processo e, como tal, de convolação se coloca. De resto, nunca tal foi equacionado pelas partes e – diga-se – bem.

O que se verifica, no caso concreto e tal como ficou exposto, é que o recurso foi deduzido para além do prazo legal e tal só pode conduzir, como também já vimos, à rejeição do mesmo e, nessa medida, ao não conhecimento do mérito do recurso.

Por conseguinte, o pedido de convolação formulado terá que ser indeferido.

Ainda assim, deve dizer-se que, nos termos da lei, a admissibilidade da revisão pressupõe decisões definitivas ou transitadas em julgado em matéria contraordenacional, o que nem sequer se verificava aquando da formulação do pedido.

Com isto dito, há que julgar improcedente o pedido ora analisado.


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III- DECISÃO

Face ao exposto, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso jurisdicional e consequentemente:

- negar provimento ao recurso e manter a decisão que julgou o recurso judicial intempestivo;

- julgar verificada a nulidade parcial da decisão quanto ao pedido de convolação em processo de revisão;

- decidindo em substituição, indeferir o pedido de convolação formulado.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 2 de março de 2023


Catarina Almeida e Sousa

Isabel Fernandes

Lurdes Toscano