Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:720/15.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/02/2023
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:NULIDADE DO ACÓRDÃO.
OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
Sumário:Não incorre em omissão de pronúncia o Acórdão que aprecia e decide a questão da atendibilidade do caso julgado formado em processo conexo com o presente, ainda que o mesmo possa ter praticado eventual erro de julgamento.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão
I- Relatório
C ……………………. deduz o presente incidente de nulidade do Acórdão, proferido em 24/11/22, por meio do qual o TCAS negou provimento ao recurso por si interposto e confirmou a sentença proferida em 05/07/2021, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que, julgando improcedente a impugnação judicial por si deduzida, na sequência de notificação de despacho de reversão proferido no PEF n.º3344 2013 01124560 e apensos, instaurado contra a devedora originária “S ……………………., SA”, manteve as liquidações adicionais de IRC, dos exercícios de 2006 e 2007, no valor total de €383.020,94.
Alega nos termos seguintes: «
i) In casu, a douta sentença recorrida refere apenas como indícios relevantes em que assenta a formação da convicção do Tribunal - a falta de capacidade técnica, humana ou logística que permitisse aos emissores das faturas realizar quaisquer operações, concretizando que "as referidas sociedades não dispunham de trabalhadores próprios nem consta que subcontratavam, não dispunham de maquinaria, seguros obrigatórios ou licenças necessárias à atividade;" - ou seja, os indícios não respeitam à entidade inspecionada, mas tão só aos emitentes das faturas, terceiros ao processo, o que não pode, de forma alguma, ser suficiente para cumprir o ónus probatório versado na alínea a) do n. º 2 do artigo 75. º da LGT.
ii) A este respeito, total relevância para a matéria do presente recurso, tal como refere a SENTENÇA proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, Unidade Orgânica 3, na impugnação judicial n.º 4/14.6BELSR, no qual se discutiu a legalidade das liquidações adicionais de IVA dos mesmos exercícios fiscais de 2005, 2006 e 2007 da mesma contribuinte, da qual o ora Recorrente é representante legal, inteiramente confirmada pelo ACÓRDÃO do TCA Sul proferido a 05-06-2020, decisões que, atenta plena identidade entre as causas judiciais, relativas à mesma matéria de facto e aos mesmos exercícios fiscais da mesma contribuinte, e pela sua pertinência e por ser útil para conhecer a verdade relativamente aos factos controvertidos e, por isso, ser relevante para a boa decisão da presente causa, fez o Recorrente juntar aos presentes autos por requerimentos de 10-092018 e 23-12-2020: "Considerando que no âmbito do processo de inquérito aqueles fornecedores encontravam-se indiciariamente suspeitos de serem emitentes de faturas falsas, por não possuírem estrutura física de suporte à prestação daqueles serviços, afigura-se-me ser só por si, um indício fraco uma vez que não respeita à entidade inspeccionada/impugnante." (cf. fls. 27).
iii) Note-se que a Sentença proferida no Proc. n.º 4/14.6BELSR, e confirmada pelo Acórdão do TCAS, elencou como "(...) questões que cumpre apreciar e decidir são as de: // saber se ficou provado nos autos que as facturas foram emitidas por verdadeiros serviços prestados; // saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por errada valoração de prova e errada qualificação jurídica dos factos controvertidos, violando o disposto no nº 3 do art. 19º do CIVA." // E "julgou a impugnação procedente e anulou as liquidações adicionais impugnadas - IVA/2005/2006/2007 - e, respectivos juros compensatórios (...)." Concluindo a 3.º Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa que: "(...) a impugnante fez prova nos presentes autos de que as facturas em que foi deduzido o IVA de 2005, 2006 e 2007, liquidado adicionalmente, titulam operações reais."
iv) Debruçando-se a presente impugnação precisamente sobre a mesma matéria de facto e de direito, deveria, por conseguinte, ser julgada igualmente procedente, porquanto, tal como as liquidações adicionais do IVA de 2006 e 2007 que foram consideradas ilegais, o mesmo acontece com as liquidações adicionais do IRC aqui impugnadas, correspondentes aos mesmos exercícios de 2006 e 2007, não podendo igualmente subsistir na ordem jurídica. (...).
v) Ou seja, sobre o decidido anteriormente por este Venerando Tribunal sobre o IVA dos mesmos exercícios de 2006 e 2007 da contribuinte S ……………….... S.A., NIPC …………….., não foi feita qualquer apreciação crítica nos presentes autos respeitantes da IRC de 2006 e 2007 da mesma contribuinte S ………. ……… S.A., NIPC ………..
vi) Note-se que, não obstante o IVA e o IRC serem impostos dotados de características, pressupostos e mecânicas diferentes, sendo um sobre o consumo e o outro sobre o rendimento, as respetivas liquidações adicionais impugnadas no âmbito do proc. n.º 4/14.6BELSR (IVA de 2006 e 2007) e nos presentes autos com o Proc. n.º 720/15.5BELRS (IRC de 2006 e 2007) advêm do mesmo facto apurado em sede do mesmo procedimento inspetivo.
vii) Mais, é certo que não obstante as diferenças que subjazem, necessariamente, aos aludidos impostos, as razões atinentes à não aceitação dos custos, em sede de IRC, são as mesmas que subjazem à falta de dedução do IVA, e, portanto, podia, e devia, o Tribunal ter-se socorrido do já por si dirimido na anterior lide.
viii) Com efeito, impunha-se nos autos a este Venerando Tribunal ad quem convocar o processo respeitante ao IVA de 2006 e 2007, com a transposição do nele dirimido e já transitado em julgado, para os presentes autos.
ix) Não só face à identidade fática de situações, mas também em prol da harmonia do sistema e da justiça e respeito pelos princípios da certeza e segurança jurídica, impugna-se a necessidade de convergência de decisões.
x) Mas mesmo que assim não fosse, sem conceder, impunha-se a fundamentação de tal divergência, e que justiçasse o Tribunal o não convocar do caso julgado inerente ao IVA, o que claramente se omite.
xi) Ora, tendo presente o conteúdo da decisão recorrida, em que inexistiu qualquer apreciação crítica sobre a concreta situação de facto e de direito vertida nas alíneas N) a Q) das Conclusões do recurso, limitando-se o Acórdão sob censura a perfilhar e corroborar, conclusivamente, a linha de raciocínio da sentença da primeira instância, entendendo que a mesma não merece censura, "dado não incorrer em erro de julgamento", acordando negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
xii) Dito isto, ter-se-á de concluir que a decisão padece de nulidade, por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação (cf. artigo 125.º do CPPT e 615.º n.º 1 alínea b) e d) do CPC).
xiii) Em suma, manifesto é que não foi apreciada nem decidida no âmbito do recurso a questão de facto e de direito suscitada nos autos, conforme se extrai das Conclusões N) a Q) das alegações de recurso, sendo omitida e não fundamentada a convocação do processo n.º 4/14.6BELSR (IVA de 2006 e 2007), decisão que é válida e, uma vez transita, constitui caso julgado.
xiv) Quanto ao alcance do caso julgado, dispõe o artigo 621.º do CPC que: "a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga".
xv) Sendo que e sublinhando TEIXEIRA DE SOUSA (in Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 578 e 579): "não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão". (sublinhado nosso).
xvi) Assim sendo, deve a requerida arguição de nulidade ser deferida e declarada judicialmente, prevenindo-se uma eventual contradição de julgados por oposição de acórdãos.
Nestes termos, e nos mais e melhores de direito aplicável que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, se requer que seja conhecida e julgada procedente a arguição de nulidade (omissão de pronúncia) imputada ao Acórdão sob censura proferido nos presentes autos quanto à concreta situação de facto e de direito vertida nas alíneas N) a Q) das Conclusões do recurso».
X
A contraparte não emitiu pronúncia.
X
2.2. Enquadramento.
2.2.1. O requerente deduz o presente incidente tendo em vista a declaração de nulidade do Acórdão em crise, porquanto o mesmo não dirimiu a questão relativa à atendibilidade do caso julgado formado em torno da impugnação judicial da liquidação de IVA (1), relativo aos mesmos exercícios que relevam nestes autos, ainda que por referência ao IRC.
A omissão de pronúncia sobre questões de que devesse tomar conhecimento é fundamento de nulidade de acórdão (artigos 666.º/1 e 615.º/1/d), CPC). «O conceito de questões abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem»(2).
A este propósito, refere-se que «as questões que o tribunal deve apreciar e decidir são apenas aquelas que contendem directamente com a substanciação da causa de pedir, do pedido e das exceções, não se confundindo com as considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pela parte (e, portanto, quanto a estas últimas, o tribunal não só não tem de ser pronunciar, como nenhuma consequência daí advirá se o não fizer, nomeadamente, não configurando tal situação uma omissão de pronúncia»(3).
«O conhecimento de todas as questões não significa que o tribunal tenha de conhecer de todos os argumentos ou razões invocadas pelas partes e só a falta de conhecimento de questões constitui nulidade por omissão de pronúncia» (4).
2.2.2. O Acórdão reclamado considerou, em síntese, que, «[o]s elementos [recolhidos nos autos], na medida em que afastam a aderência à realidade das prestações de serviços tituladas pelas facturas em presença, consubstanciam indícios sérios e consistentes acerca da falsidade das mesmas. Por outro lado, o impugnante não logrou fazer prova da materialidade das transações em causa». Mais considerou que «a matéria de facto assente e não impugnada pelo recorrente documenta a existência de indícios sérios da falsidade das facturas em presença. A tal juízo não obstam eventuais decisões judiciais contraditórias, as quais assentam no acervo probatório colhido nos respectivos autos, sem preclusão probatória nos presentes autos. O que torna inatendível, nesta sede, o eventual caso julgado que se terá formado no âmbito do Processo n.º 4/14.6BELSR».
Do exposto se infere que a alegada omissão de pronúncia não se comprova, dado que a questão da atendibilidade do eventual caso julgado formado no Processo n.º 4/14.6BELSR foi dirimida pelo Acórdão reclamado. Compulsadas as alegações do arguente, verifica-se que o cerne da sua censura se centra no alegado erro de julgamento em que terá incorrido o aresto em crise. Todavia, a presente linha de argumentação extravasa os limites de cognição deste Tribunal, no quadro do presente incidente de nulidade de Acórdão.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente a presente arguição de nulidade de Acórdão.
Custas pelo arguente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta – Patrícia Manuel Pires)


(2.ª Adjunto – Vital Brito Lopes)

(1) A qual correu termos sob n.º 4/14.6BELSR.
(2) Jorge Lopes Sousa, CPPT Anotado, 6.º Ed., vol. II, p. 363.
(3) Helena Cabrita, A sentença cível, Fundamentação de facto e de direito, Almedina, 2019, p. 235
(4) Jorge Lopes Sousa, CPPT Anotado, 6.º Ed., vol. II, p. 364.