Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1611/11.4BELRS-A
Secção:CT
Data do Acordão:04/29/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:EXECUÇÃO DE SENTENÇA;
NULIDADE DE ACÓRDÃO;
REFORMA.
Sumário:1. A nulidade da decisão por omissão de pronúncia só acontece quando a mesma deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra.
2. As questões não se confundem com os argumentos, as razões e motivações produzidas pelas partes para fazer valer as suas pretensões.
3. Questões, para efeito do disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, não são aqueles argumentos e razões, mas sim e apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
4. É em face das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que ao tribunal ad quem importa resolver, sob pena de omissão de pronúncia.
5. A determinação da espécie de juros – indemnizatórios ou moratórios – que a AT deve ser condenada a pagar ao recorrente, desde o termo do prazo de execução espontânea do julgado até emissão da nota de crédito, é uma verdadeira questão, e se colocada ainda que a título subsidiário nas alegações e conclusões, a sua não apreciação pelo Tribunal, fora dos casos em que se encontre prejudicada, vicia a decisão de nulidade por omissão de pronúncia.
6. O excesso de pronúncia verifica-se quando o Tribunal conhece, isto é, aprecia e toma posição (emite pronúncia) sobre questões de que não deveria conhecer, designadamente porque não foram levantadas pelas partes e não eram de conhecimento oficioso.
7. Deferido o requerimento de arguição de nulidades do acórdão, haverá que proceder à sua reforma, expurgando-o dos vícios que o inquinam.
8. A reforma do acórdão (ou sentença), tem como desiderato, apenas e só, expurgar aquele dos vícios que os inquinam, não servindo para a reapreciação, reponderação ou reexame das questões nele tratadas, para que é próprio o recurso da decisão em crise.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

E………., S.A., vem, arguir a nulidade do acórdão proferido por este tribunal em 23/04/2015 e inserto a fls.263/284 dos autos de Execução de Julgados que correm por apenso à Impugnação Judicial 1611/11.4BELRS, com fundamento em omissão de pronúncia, excesso de pronúncia e falta de assinatura do juiz.

É este o teor das doutas conclusões da alegação:
«
C) CONCLUSÃO
32.°
Da análise do teor do acórdão recorrido resulta claro que, pese embora a Recorrente tenha fundamentado expressamente a sua pretensão quanto ao pagamento de juros moratórios na norma contida no citado número 5 do artigo 43.° da LGT (introduzida pela Lei n.° 64-8/2011, de 30 de Dezembro), tal disposição legal não foi sequer tomada em linha de conta no caminho argumentativo e decisório do Tribunal,
33.º
O que é tanto mais relevante — e grave — quando é nesse preceito normativo que se encontra sedeada a fonte (legal) constitutiva do direito de que a Recorrente se arroga nestes Autos, relativamente ao pagamento daqueles juros moratórios.
34.º
Com efeito, a (des)consideração da base legal do direito invocado pelo Recorrente não equivale simplesmente à (des)consideração de uma razão ou de um argumento acessório ou instrumental, sem relevância para a determinação do âmbito material das questões a decidir pelo Tribunal.
35.º
Pelo contrário, ao ignorar na fundamentação e no próprio sentido da decisão, o disposto no número 5 do artigo 43.° da LGT (expressamente convocado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações de recurso), o Tribunal ignorou verdadeiramente o fundamento da pretensão em que assenta o Recurso e, dessa forma, ignorou igualmente os seus pressupostos e elementos constitutivos (que fazem parte integrante da respectiva causa de pedir), sobre os quais estava igualmente obrigado a pronunciar-se.
36.°
As conclusões das alegações de recurso da ora Requerente — maxime as conclusões q) a s) — foram inequívocas sobre o erro de julgamento que devia ter determinado a anulação da sentença proferida em 1.ª instância.
37.º
Com efeito a Requerente enunciou nessa sede, sem margem para dúvidas, que o tribunal recorrido errou ao não ter condenado a entidade executada a juros indemnizatórios até à emissão da nota de crédito e a juros de mora desde a data limite para a execução espontânea da decisão judicial proferida em sede declarativa e, subsidiariamente [conclusão r), das alegações de recurso] — caso V. Exas. viessem a entender não poderem correr, em simultâneo, juros indemnizatórios e moratórios no mesmo período temporal — que os juros indemnizatórios fossem calculados até ao termo do prazo de execução espontânea da decisão e os juros moratórios desde essa data até efectivo e integral cumprimento.
38.°
E, portanto, ainda que se entenda que o acórdão sub judice ao decidir que os juros indemnizatórios e os juros moratórios não podem coexistir no tempo acabou por decidir
contra a ora Requerente quando esta imputou à sentença recorrida erro de julgamento por não ter condenado a entidade executada a juros indemnizatórios até à emissão da nota de crédito e a juros de mora desde a data limite para a execução espontânea da decisão judicial,
39.º
Também não pode deixar de se reconhecer que o acórdão foi totalmente omisso relativamente ao erro de julgamento arguido subsidiariamente, precisamente, para acautelar a possibilidade de V. Exas. virem a sufragar o entendimento referido no artigo anterior.
40.º
Quer se queira, quer não se queira, o artigo 43.º, n.° 5, da LGT, é uma norma juridica vigente no ordenamento jurídico, i. e. é uma norma jurídica válida e eficaz, pelo que não pode deixar de ser aplicado no caso concreto, ainda que em obediência aos cânones teleológico e sistemático da interpretação, se procure uma solução jurídica que harmonize os vários institutos jurídicos potencialmente aplicáveis.
41.°
O que não se pode é ignorar por completo uma norma que tem aplicação directa no caso concreto.
42.°
Quer isto significar, em suma, que sobre a questão efectivamente colocada pela Recorrente, considerando os termos em que foi expressamente configurada e alegada nas respectivas alegações de Recurso, e que lhe competia julgar e decidir, o Tribunal não se pronunciou, daí resultando a omissão de pronúncia do acórdão ora em crise.
43.º
Tal circunstância determina necessariamente a nulidade do acórdão ora em crise, nos termos dos artigos 666.° e 615°, n.° 1, alínea d), do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 140° do CPTA, por omissão de pronúncia.
44.º
Veja-se neste sentido, o entendimento expresso no acórdão de 18 de Dezembro de 2014 do Tribunal Central Administrativo Sul (Proc. n.° 07824/14):
"[...] haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis", a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a par/e colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido) […]"

III. NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA
45.º
Mas para além do supra exposto, o acórdão sub judice pronunciou-se sobre uma questão que não havia sido suscitada: "a de saber se os juros moratórios devidos a partir do termo do prazo de execução espontânea do julgado, podem incidir sobre o montante de juros indemnizatórios que não foi pago nesse prazo" (cr. p. 20 do acórdão).
46.°
A ora Requerente não suscitou em parte alguma do processo que os juros moratórios devidos fossem calculados tendo por base o montante dos juros indemnizatórios também devidos.
47.º
Aliás, a ora Recorrente esclareceu expressamente no início da p. 14 das suas alegações que os juros de mora incidem apenas sobre o montante do imposto que havia sido indevidamente pago.
48.º
Pelo que, também neste conspecto o acórdão sub judice padece de nulidade por violação do disposto no artigo 615°, n.° 1, al. d), segunda parte, do CPC, aplicável por remissão do artigo 666.° do mesmo compêndio normativo, estas duas normas aplicáveis ex vi do artigo 140.° do CPTA.

IV. NULIDADE POR FALTA DE ASSINATURA DO JUIZ
49.º
O acórdão que foi notificado à ora Requerente (fr doc. n.° 1 em anexo) não contém a assinatura da Veneranda Juiz Desembargadora Relatora.
50.°
Tratar-se-á, por certo, de um mero lapso e a sanção legal — nulidade — é, porventura, desadequada, mas é o que resulta directamente do artigo 615°, n.° 1, al. a), do CPC, aplicável por remissão do artigo 666.° do mesmo compêndio normativo, estas duas normas aplicáveis cxvi do artigo 140.° do CPTA.
Termos em que se requer que o acórdão proferido por este
Tribunal em 23 de Abril de 2015, a fls... dos Autos, seja declarado nulo por omissão de pronúncia, excesso de pronúncia e falta de assinatura do juiz, sendo o mesmo reformado em conformidade,

Notificada a parte contrária, nada disse (cf. fls. 422, 423 e 424 dos autos).

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto teve vista do processo e emitiu douta pronúncia no sentido de que o acórdão não sofre de qualquer vício, nomeadamente, por excesso ou omissão de pronúncia, sendo de indeferir a arguição de nulidade baseada nestes dois fundamentos, devendo, porém, ser suprida a nulidade insanável decorrente da falta de assinatura do acórdão pela Exma. Senhora Desembargadora Relatora, colhendo-se a sua assinatura (cf. fls. 426).

Foi suprida a nulidade decorrente da falta de assinatura do juiz, colhendo-se a sua assinatura, nos termos preconizados no n.º 2 do art.º 615/2 do CPC (cf. fls. 284).

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Vem a recorrente E....... arguir a nulidade do acórdão proferido por este Tribunal em 23/04/2015, alegando, por esta ordem, nulidade por omissão e por excesso de pronúncia.

A questão decidenda no recurso da E......., tal qual o acórdão a delimitou, reconduzia-se a indagar do invocado erro de julgamento da sentença na parte em que indeferiu o pedido de condenação ao pagamento de juros de mora à recorrente (fls.274). A final, viria a ser negado provimento ao recurso da E........

Para assim decidir, o acórdão respondeu negativamente à questão central de saber se sendo devidos juros indemnizatórios após o termo do prazo de execução espontânea do julgado, também seriam devidos juros moratórios a partir do termo daquele prazo de execução espontânea; e, por razões de sistematização expositiva, apreciou aquela questão na dupla vertente de (i) saber se os juros indemnizatórios e moratórios podem coincidir temporalmente (após o termo do prazo de execução espontânea) e (ii) a de saber se os juros moratórios, a serem devidos a partir do termo do prazo de execução espontânea do julgado, poderiam incidir sobre o montante dos juros indemnizatórios, não se restringindo ao montante da liquidação de imposto e JC pago.

Ora, compulsadas as conclusões das alegações do recurso interposto, refere a recorrente, em síntese conclusiva sua: «r)…a recorrente tem direito a juros indemnizatórios desde a data de pagamento do imposto considerado indevido, até à data da emissão da nota de crédito de reembolso, que a sentença recorrida fixou a 23 de Outubro de 2013, nos termos decididos – e bem – pelo tribunal a quo, mas também tem direito ao pagamento de juros de mora desde a data limite de execução espontânea da sentença, que ocorreu em 22 de Maio de 2013, até ao cumprimento da mesma, que sucedeu naquele dia 23 de Outubro 2013; s) Sem prescindir…, e a título subsidiário, a Requerente considera que mesmo que se venha a concluir que não podem incidir simultaneamente juros indemnizatórios e juros de mora com referência ao mesmo período temporal então, pelo menos, ter-se-ão de aplicar juros de mora desde o termo do prazo de execução espontânea da sentença até ao seu efectivo cumprimento, reduzindo-se, em conformidade, o cálculo já efectuado pelo Tribunal a quo dos juros indemnizatórios» (cf. fls. 267).

Como se vê, o acórdão respondeu à questão principal de saber se sendo devidos juros indemnizatórios após o termo do prazo de execução espontânea do julgado, poderiam coexistir temporalmente juros moratórios a favor do contribuinte, a partir do termo daquele prazo, tendo respondido negativamente.

Sucede que, ao responder negativamente àquela questão principal, o acórdão deixou sem pronúncia a questão subsidiária colocada pela recorrente E......., a qual não se encontra prejudicada pela solução dada à questão principal.

Com efeito, ao se pronunciar negativamente sobre a possibilidade de cumulação de juros indemnizatórios com juros moratórios, o acórdão deixou por decidir a questão, colocada subsidiariamente pela recorrente, de saber se tendo sido peticionados juros moratórios, sempre os mesmos deveriam ser os arbitrados a partir do termo do prazo de execução espontânea (22/05/2013) e até cumprimento do julgado (23/10/2013) e não juros indemnizatórios, que foi o decidido na sentença recorrida, sendo que esta diferente espécie dos juros a que a 1.ª instancia condenou a AT não é indiferente do ponto de vista dos interesses da recorrente E......., dado o diferencial significativo de taxas de juro aplicáveis.

As causas de nulidade da sentença estão taxativamente previstas no art.º 615/1 do CPC, ocorrendo esse vício, nomeadamente, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” (alínea d). Idêntico regime de nulidades está especialmente consignado, para o processo tributário, no art.º 125/1 do CPPT.

Como é consensual na jurisprudência dos tribunais superiores, a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia ocorre quando o acórdão deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra.
E como também se refere no acórdão do STJ, de 11/29/2005, tirado no proc.º 05S2137, «Questões, para efeito do disposto no n.º 2 do art. 660.º do CPC [corresponde ao actual 608/2], não são aqueles argumentos e razões, mas sim e apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.

Tendo o acórdão omitido pronúncia sobre matéria decisória relevante no quadro do litígio e atinente ao pedido e à causa de pedir, não estamos perante mera divergência de argumentos, razões ou motivações, pelo que importa declarar nulo o acórdão na parte em que falhou pronúncia sobre a questão subsidiária colocada no recurso.

A segunda questão colocada no requerimento de arguição de nulidade do acórdão prende-se com o excesso de pronúncia em que terá incorrido o acórdão ao conhecer de questão nunca suscitada no processo, qual “a de saber se os juros moratórios devidos a partir do termo do prazo de execução espontânea do julgado, podem incidir sobre o montante de juros indemnizatórios que não foi pago nesse prazo”.

O excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conhece de questões que não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso.

E compulsadas as conclusões da alegação de recurso, não se alcança que tal questão tenha sido submetida à apreciação deste Tribunal

As questões submetidas à apreciação deste Tribunal, tal como se apreendem acessivelmente das conclusões do recurso, reconduziam-se a estas duas:
i) Indagar da possibilidade de cumular juros indemnizatórios com juros moratórios desde a data do termo do prazo de execução espontânea do julgado até à do cumprimento da sentença (ou emissão da nota de crédito);
ii) Subsidiariamente e para o caso de improcedência da primeira questão, saber se a sentença de 1.ª instância incorreu em erro de julgamento ao concluir serem devidos juros indemnizatórios e não juros moratórios no período compreendido entre o termo do prazo de execução espontânea do julgado (22/05/2013) e a data de cumprimento da sentença (ou emissão da nota de crédito)

Há, pois, que conceder que o Tribunal conheceu de questão que não fora submetida à sua apreciação, nessa medida padecendo o acórdão de nulidade na parte em que conheceu de fundamento não invocado nas conclusões do recurso jurisdicional.

Já não poderá proceder a arguição de nulidade na parte em que a recorrente invoca que o acórdão para decidir não se apoiou no regime legal vigente, tendo convocado jurisprudência do STA firmada sobre regime legal entretanto alterado face ao preceituado no n.º 5 do art.º 43.º da LGT, na redacção introduzida pela Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro.

De facto, se o tribunal decidiu ao arrepio do regime normativo vigente e aplicável e convocou jurisprudência do STA firmada sobre regime jurídico entretanto alterado, tal, a verificar-se, poderá inquinar o acórdão de erro de julgamento (“error in judicando”), a sindicar por via de recurso, mas não do vício mais gravoso da nulidade.

Tudo visto, na procedência das arguidas nulidades por omissão e excesso de pronúncia, importa proceder, de imediato, à reforma do acórdão anulado.
*

Ø Reforma do Acórdão de 23 de Abril de 2015, inserto a fls. 263/284 dos autos.

1. RELATÓRIO

A Fazenda Pública e a E....... —….., SA., inconformadas com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente verificada a situação de inexecução ilegítima de julgado arguida pela impugnante E......., condenando a executada Fazenda Pública, para, no prazo de 30 dia efectuar o cálculo dos juros indemnizatórios à taxa de 4%, para os períodos entre 2011/06/03 e 2011/09/11 e 2013/10/18 e 2013/10/23 e a fazer o respectivo pagamento, vieram dela interpor o Presente recurso jurisdicional:

A Representante da Fazenda Pública termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES:
1. Vem o presente recurso jurisdicional interposto da sentença proferida no processo de execução de julgado n.° 1611/11. 4BELRS-A, no segmento em que condenou a Executada — ora Recorrente — a "... efectuar o cálculo dos juros indemnizatórios taxa de 4% para os períodos entre 2011/0 6/03 e 2011/09/11 e 2013/10/18 e 2013/10/23

II. Vem a ora Recorrente recorrer desta, nos segmentos em que entende haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios durante o período compreendido entre 03.06.2011 e o termo do prazo de restituição oficiosa do tributo em causa nos autos (IRC/derrama municipal do exercício de 2010), e bem assim, entre o dia imediato à data do processamento (emissão) da nota de compensação (18.10.2013) e a data do efectivo ingresso do tributo na esfera jurídica da Exe quente (23. 10.2013).

III Em sede de execução espontânea de julgados, impende sobre a administração fiscal o dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado (artigo 100.º da LGT).

IV. No caso em apreço, a Exequente apresentou a AT urna Declaração de Rendimentos Modelo 22, dentro do prazo legal (3105.2011), e uma Declaração de Substituição a esta, em 03.06.2011, deque resultou imposto a receber.

V. Da interpretação conjugada dos n.ºs 3 e 6 do artigo 104.° do CIRC resulta que, havendo lugar a reembolso ao sujeito passivo — como efectivamente aconteceu sobre a importância apurada em autoliquidação — este é efectuado até ao fim do 3.° mês seguinte ao do envio da declaração de rendimentos Modelo 22, sem que haja lugar a juros indemnizatórios durante tal periodo.

VI. Assim, e porque tendo ocorrido um alargamento do prazo legal de entrega da Declaração de rendimentos (Modelo 22) do ano de 2010, até 3 de Junho de 2011, será de considerar que a declaração de substituição foi entregue dentro do prazo legal, tendo assim plena aplicação o disposto no referido n.° 3 do artigo 104.° do CIRC, que determina que o prazo lega! para concretização do reembolso do imposto termina no fim do 30 mês subsequente ao envio da Declaração Modelo 22 (e que in casu seria 30.09.2011).

VIl. Logo, tendo a AT, na concretização do julgado, computado os juros indemnizatórios com o termo inicia! da sua contagem, na data em que procedeu à restituição oficiosa do tributo apurado pela Exequente na sua declaração de substituição, respeitou claramente os comandos legais acima indicados, atentos os circunstancialismos que norteiam a sua aplicação.

VIII. E na verdade, ainda que se entendesse que o alargamento do prazo legal de entrega da Declaração de Rendimentos não poderia ter reflexo no cômputo do prazo previsto no artigo 104.° do CIRC — no que não se conceder, e só por dever de patrocínio se admite — sempre deveria ser reconhecido que o cômputo inicial dos juros indemnizatórios a que a Exequente teria direito não poderia fixar-se antes de 01.09.2011, uma vez que o fim do terceiro mês posterior ao envio da Declaração seria 31.08.2011.

IX. Tendo, todavia a declaração de rendimentos inicialmente submetida dentro do prazo legalmente fixado, sido substituida por outra (já fora do prazo legal, mas dentro do prazo que por despacho do Sr. Ministro da Finanças foi fixado para que os contribuintes procedessem à entrega da Declaração de rendimentos sem pagamento de coima pelo atraso no cumprimento de um dever lega!), o que determinou que a AT só viesse a processar a restituição tributo autoliquidado em 11.09.2011, só a partir desta data se pode considerar que haveria lugar a juros indemnizatórios.

X. Não havendo lugar a juros indemnizatórios atéa data do processamento deste reembolso, em 11.09.2011, igualmente não haverá lugar ao seu cômputo em sede de execução do julgado, neste período temporal.

Xl. Entendeu o tribunal a quo que o término final da contagem dos juros indemnizatórios coincidirá, não com o dia do processamento da nota de crédito (compensação), como defendido pela ora Recorrente, mas sim o dia do efectivo recebimento do montante de imposto anulado.

XII. Todavia, o termo fina! da contagem dos juros indemnizatórios é — apenas e só — regulado na 20 parte do n.° 5 do artigo 61° do CPPT, que o faz coincidir com a data da emissão da nota de crédito (ou compensação), e não com a data do ingresso do montante de imposto na esfera jurídica do exequente.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso Jurisdicional ser julgado procedente, com todas as legais consequências.».
*
A E....... —……, SA., termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«III. DAS CONCLUSÕES
Nos termos supra expostos, a Exe quente, ora Recorrente, conclui as suas alegações pugnando pela revogação da decisão recorrida, nos termos acima detalhadamente expostos e aqui sinteticamente fundamentados:

a) Face ao incumprimento, dentro do prazo legal para o efeito, do prescrito em decisão judicial transitada em julgado proferida no processo n.° 1611/11. 4BELRS - reembolso do imposto pago em excesso com referência a 2010 e pagamento de juros indemnizatórios – a Recorrente apresentou pedido de execução de julgados.

b) A Recorrente submeteu petição inicial de execução de sentença na qual requereu, designadamente a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros de mora ao abrigo do número 5 do artigo 43.°,da LGT

c) A sua pretensão executiva no que aos juros de mora diz respeito foi indeferida pelo Tribunal a quo.

d) Na verdade, a aplicação do número 5 do artigo 43.° da LGT não foi se quer ponderada a na sentença recorrida.

e) Pelo que a Recorrente não poderá sustentar o entendimento plasmado na decisão
do Tribunal a quo.

f) Resulta da letra do número 5 do artigo 43,0 da LGT que o caso em apreço preenche todas as condições para a aplicação dos juros de mora agravados al i consagrados.

g) Essas condições reconduzem-se apenas a: (,) existência de uma decisão judicial transitada em julgado que determine o reembolso de imposto já pago; e (ii) decurso do prazo de execução espontânea daquela decisão, sem que a Administração Tributada tenha procedido a qualquer pagamento - tudo justamente como ocorreu in casu.

h) Ademais, aquando da introdução da disposição legal sub judice, o legislador não consagrou qualquer excepção ou exclusão para casos em que houvesse direito a juros indemnizatórios - o que se mostra tanto mais significativo face à constatação de que o mencionado artigo 43.° da LGT versa, nos restantes números, precisamente sobre juros indemnizatórios.

i) É, assim, importante recorrer ao elemento racional ou teleológico da interpretação.

j) Neste âmbito, sustentam o Prof Diogo Leite Campos, e os Juizes Conselheiros Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao artigo 43.º da LGT já após a introdução do número 5, que esta norma estabelece um regime excepcional, que assume um evidente carácter sancionatório, com vista a compelir a Administração Tributária a executar tempestivamente as decisões transitadas em julgado, o que é exigível pelo direito à tutela judicial efectiva que compreende o direito à execução das decisões judiciais (cfr. artigos 20.º n. º1 e 4 da Constituição da República Portuguesa e artigo 2.0 n.° 1, do Código de Processo Civil) -vide Lei Geral Tributária; -Anotada e Comentada, 2012, p. 344.

k) Por isso mesmo, entendem aqueles autores que, reconhecendo-se aquela natureza excepcional, deve entender-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já acima mencionada não será aplicável, posto que "a atribuição de juros de mora não é explicada pela intenção de compensar o sujeito passivo pela privação da quantia que pagou indevidamente, mas sim pela ideia de sancionar a administração tributária pelo incumprimento do dever que a Lei lhe impõe de executar as decisões judiciais nos prazos previstos na lei e, nos casos em que incorreu em cumprimento, compeli-la a pôr rapidamente termo a essa situação de incumprimento" – CFR. últimos Autores e ob. cit. p. 344.

l) Só assim se pode compreender a razão pela qual o número 5 do artigo 43.° da LGT limite a sua aplicação aos casos de existência de decisão judicial transitada em julgado; não sendo relevante quando esteja em causa apenas decisão de reclamação graciosa, ao contrário do que acontece quanto aos juros indemnizatórios previstos no número 1 do mesmo artigo.

m) É à Administração Tributária que é inteiramente imputável o atraso verificado no cumprimento da decisão jurisdicional sob execução, atraso a que é alheia a Recorrente, sendo assim de aplicar a sanção consagrada no largamente mencionado número 5 do artigo 43.° da LGT, justamente nos termos previstos pela melhor doutrina acima citada.

n) Quando o legislador introduziu o número 5 do artigo 43° da LGTI criou norma paralela para o incumprimento de decisões judiciais transitadas em julgado pelo contribuinte, sem qualquer restrição, pelo que, não seria aceitável que os contribuintes fossem, sem mais, sancionados pelo não cumprimento das decisões judiciais que lhes são desfavoráveis e a Administração Tributária apenas o fosse em casos residuais.

o) O pressuposto fundamental de que a Lei faz depender a aplicação da norma é o trânsito em julgado das decisões judiciais pendentes de execução, nada mais. Só este factor erros.

p) Ante o que já foi exposto, perante as regras de interpretação chamadas á colação, teremos de concluir que o legislador quis, de facto, que pudessem ser liquidados quer juros indemnizatórios, devidos, designadamente em caso de erro imputável aos serviços, quer juros de mora com carácter sancionatório em caso de incumprimento pela Administração Tributária, de decisões judiciais transitadas em julgado.

q) Em concreto, considerando o disposto no Aviso n.° 17289/2012, de 28 de Dezembro, do Instituto de Gestão do Crédito Público, publicado em Diário da República, a taxa dos juros de mora aplicável às dívidas ao Estado, e os factos considerados provados pelo Tribunal a quo, o período relevante para o respectivo cálculo vai de 23 de Maio de 2013 (inclusive) a 22 de Outubro de 2013 (inclusive), pelo que o montante de juros a pagar pela Administração Tributária, e que a Recorrente reclama, ascende a E 650.898,25 (E 12.702.850,87*12,224% 153/365).

r) Dito por outras palavras e em jeito de conclusão, a Recorrente tem direito a juros indemnizatórios desde a data de pagamento do imposto considerado indevido, até à data da emissão da nota de crédito de reembolso, que a sentença recorrida fixou a 23 de Outubro de 2013, nos termos decididos - e bem - pelo Tribunal a quo, mas também tem direito ao pagamento de juros de mora desde a data limite de execução espontânea da sentença, que ocorreu em 22 de Maio de 2013, até ao cumprimento da mesma que sucedeu naquele dia de 23 de Outubro de 2013.

s) Sem prescindir de tudo quanto já se referiu, e a titulo subsidiário, a Requerente considera que mesmo que se venha a concluir que não podem incidir simultaneamente juros indemnizatórios e juros de mora com referência ao mesmo período temporal então, pelo menos, ter-se-ão de aplicar os juros de mora desde o termo do prazo de execução espontânea da sentença até ao seu efectivo cumprimento, reduzindo-se em conformidade o cálculo já efectuado pelo Tribunal a quo dos juros indemnizatórios.

t) Ante o exposto, e subsidiariamente, deve a decisão recorrida ser revogada na parte em que indefere o pedido de condenação ao pagamento de juros de mora efectuado pela Recorrente na petição submetida aos Autos, por violação do número 5 do artigo 43.° da LGT, padecendo de erro de julgamento, e substituída por outra que considere procedente aquele pedido e condene a Administração Tributária ao seu pagamento, reduzindo o período em que o Tribunal a quo decidiu serem devidos juros indemniza tórios, passando estes a ser calculados apenas até a data do termo do prazo para execução espontânea da sentença, ou seja, 22 de Maio de 2013 e os juros de mora calculados dai em diante até ao pleno cumprimento da sentença, ou seja, 23 de Outubro de 2013.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas., por certo, suprirão deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que determine o pagamento pela Administração Tributária dos juros de mora consagrados no número 5 do artigo 43.° da LGT, tal como foi acima plasmado, com as devidas consequências de legais, pois,
Só assim será cumprido o DIREITO e feita a sempre costumada JUSTIÇA!».

*

Ambas as Recorridas apresentaram contra-alegações:
A E....... —………., SA., expendeu o seguinte em sede de contra-alegações:
"III. DAS CONCLUSÕES
Nos termos supra expostos, a Recorrida conclui as suas alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida, nos termos acima detalhadamente expostos e aqui sinteticamente fundamentados:
a) Em causa no recurso submetido pela Administração Tributária encontram-se apenas a data de início e termo do período de incidência de juros indemnizatórios.

b) Segundo a Administração Tributária - ao contrário do que entendeu, e bem, o Tribunal a quo - de 3 de Junho de 2011 a 11 de Setembro de 2011 e de 16 de Outubro de 2013 e 23 de Outubro de 2013 não teria a Recorrida direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

c) Quanto ao período de 3 de Junho a 11 de Setembro de 20111 a argumentação da Administração Tributária funda-se no artigo 104.° do Código do IRC, mais precisamente no n.° 3 e no n.° 6 deste artigo.

d) Simplesmente, a Administração Tributária equivoca-se, posto que, como reconhece o Tribunal a quo, as aludidas disposições legais não foram previstas ou têm aplicação ao caso em apreço, uma vez que não estamos perante o pagamento de juros indemnizatórios pelo mero reembolso oficioso tardio do imposto pago a mais, feito ao abrigo das mencionadas normas do Código do IRC o do artigo 43.° n.° 3, alínea a), da LGT.

e) De facto, os juros indemnizatórios cuja necessidade de execução deu lugar ao presente processo são devidos nos termos dos n°5 1 e 2 do artigo 43.° da LGT, por ter sido determinado em sede judicial ter havido erro imputável aos serviços da Recorrente na submissão da autoliquidação de IRC e Derrama de 2010 da Recorrida, concretizada, justamente, de acordo com as orientações genéricas da mesma Administração.

f) Os juros indemnizatórios sub judice são devidos pela ilegal privação do montante que a Recorrida suportou e que foi julgado como sendo indevido, e não pelo atraso no reembolso do imposto autoliquidado nos termos da lei e que resultou inferior ao imposto que foi sendo pago ao longo do exercício.

g) A esta luz, desde, pelo menos, 3 de Junho de 2011. como entendeu o Tribunal a quo - data em que se consolidou o ilegal acto de autoliquidação -, que a Recorrida se viu privada do valor da Derrama por si suportado em excesso.

h) Em suma, bem andou o Tribunal a quo ao fazer incidir juros indemnizatórios desde 3 de Junho de 2011, e não a partir de 12 de Setembro como pretendia a Administração Tributária.

i)Ainda que a tese da Administração Tributária supra referida viesse a obter provimento - o que se admite por mero dever de patrocínio e sem conceder -, então, mesma assim, da aplicação conjugada dos números 3 e 6 do artigo 104.° do Código do IRC teríamos de concluir que seriam devidos juros indemnizatórios desde 1 de Setembro de 2011 (fim do 3.° mês seguinte ao do envio da declaração de rendimentos dentro do prazo legal).

j) Com efeito, não obstante a Recorrida ter submetido declaração de substituição em 3 de Junho de 2011, fé-lo ao abrigo de prorrogação do prazo de submissão da declaração Modelo 22 de IRC, conferida pela Recorrente, pelo que se deve considerar que esta declaração foi entregue em tempo, devendo os respectivos efeitos ser imputados a 31 de Maio de 20111 data em que foi entregue a primeira declaração no prazo legalmente estabelecido.

k) Naturalmente, a Recorrida não pode ser prejudicada se se limitou a fazer uso de uma faculdade, a da entrega de declaração de substituição em data que foi considerada dentro do prazo, conferida pela própria Administração Tributária, a qual, pelo presente, se serve da possibilidade que esta mesma previu para negara pagamento de juros indemnizatórios.

l.) De outro passo, relativamente ao termo final do período de contabilização dos juros indemnizatórios, a Administração Tributária invoca que os juros indemnizatóros apenas deveriam ser contabilizados até 17 de Outubro de 2013, posto que nessa data foi efectuado o acerto de contas e definido o valor a pagar á Recorrida.

m) Ora, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, estabelecidas, designadamente, no artigo 74.° da LGT, caberia à Administração Tributária demonstrar que a data de 17 de Outubro de 2013 correspondia à data do "processamento da nota de credito" do reembolso devido, prevista no artigo 61.° do CPPT. Não o tendo feito, essa falta terá de ser valorada contra a mesma Fazenda.

n) Sem embargo, relembremos que os juros indemnizatórios visam compensar a Recorrida pela ilegal privação do montante de imposto causada por erro dos serviços da Recorrente.

o) Desta feita, somente com a fixação do crédito da Recorrida, e a confirmação da transferência daquele montante, ocorrida em 23 de Outubro de 2013, cessou aquela privação ilegal.

p) Entendimento díspar permitiria à Recorrente artificialmente evitar a incidência de juros indemnizatórios pela simples emissão do 'acerto de contas' ainda que o crédito do contribuinte somente fosse satisfeito, e o imposto devido reembolsado, vários dias ou meses depois.

q) Pelo exposto, o Tribunal a quo, ao condenar a Recorrente também ao pagamento de juros indemnizatórios no período de 18 de Outubro de 2013 a 23 de Outubro de mesmo ano (valor a acrescer ao montante de juros indemnizatórios já pagos à Recorrida), adoptou o entendimento legal que melhor se coaduna com a ratio subjacente à previsão do direito a juros indemniza tórios e respeitou as regras aplicáveis da repartição do ónus da prova.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas., por certo, suprirão deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a decisão recorrida no que respeita ao período de incidência de juros indemniza tórios e, nessa medida, no que concerne à condenação da Recorrente a proceder ao recálculo dos juros já pagos, com as devidas consequências de legais, pois
SÓ assim será cumprido o DIREITO e feita a sempre
costumada JUSTIÇA!"».

A Representante da Fazenda Pública, expendeu o seguinte em sede de contra-alegações:

"CONCLUSÕES:

1. Pretende a Recorrente ver reconhecido o seu direito à percepção de juros moratórios, entre o termo do prazo de execução espontânea e o pagamento da totalidade da dívida tributária, apelando expressamente ao determinado nos artigo 43.°, n°5, da LGT, sustentando que este direito a juros moratórios, entre o termo do prazo de execução espontânea e a integral restituição do imposto não colide com o direito À percepção de juros indemnizatórios, entre o pagamento indevido, e a emissão da respectiva nota de crédito.

2. A pretensão da R.e não pode merecer acolhimento, pois como já suficientemente reconhecido pela jurisprudência, destinando-se os juros indemnizatórios e moratórios a compensar o contribuinte pela mesma privação da disponibilidade da prestação tríbutária indevidamente liquidada, estes não serão temporalmente cumuláveis

3. Assim o reconheceu já o Supremo Tribunal Administrativo, que no processo n.° 1003/08 de 11.02.2009 se pronunciou no sentido de que:
I -Tendo o leqislador adoptado a indemnização sobre a forma de juros indemnizatórios na sequência de decisão anulatória de acto de liquidação, presumindo o prejuízo patrimonial derivado da privação da quantia paqa na sequência de um acto de liquidação ileqal, a interpretação do art 100.° da LGT conforme à Constituição é a de que nele se reconhece o direito a juros indemnizatórios desde a data em que ocorreu a privação da quantia ileqalmente liquidada e não apenas a contar do termo do prazo de execução da decisão anulatória.
II- O art. 61°, n.° 3, do CPPT, ao estabelecer como termo inicial da contagem de juros indemnizatórios o momento do pagamento, está em sintonia com o regime da LGT.
III - Não há cumulação de juros moratórias e indemnjzatórjos relativamente ao mesmo período de tempo, pois não se pode justificar uma dupla compensação pela mesma privação da disponibilidade da quantia indevidamente paqa.
IV - Resultando dos arts. 100.º da L.GT e 61°, n.° 3 do CPPT que, quando há luqar a juros indemnjzatórios eles cobrem todo o período que vai desde o paqamento indevido até à emissão da nota de crédito, tem de concluir-se que, nessas situações, não haverá luqar a paqamento de juros de mora, pois, se este fosse efectuado, ocorreria uma cumulação de juros relativamente ao mesmo período de privação da quantia paqa.
V - Sendo de entender que não pode haver lugar a cumulação de juros indemnizatórios e moratórios relativamente ao mesmo período de tempo, a interpretação que permite compatibilizar o regime do art. 100.º da LGT, complementado com o do art. 61.° do CPPT, e o do art. I02° da mesma Lei é a de que, quando há lugar a juros indemnizatórios, não tem aplicação o regime dos juros de mora previsto no art.º 102.º, pois toda a dívida de juros é paga a titulo de juros indemnizatórios
VI – Assim, é de interpretar restritivamente o art. 102.º, como aplicando-se apenas aos casos em que não há luqar a iuros indemnjzatórjos isto é, os casos em que a anulação não é motivada por erro imputável aos serviços, pois quando é esta a razão da anulação há sempre luqar a juros indemnizatórios (art. 43,º n.° 1, da LGT)." (sublinhados nossos)

4. A conclusão a retirar da interpretação vertida naquele acórdão, conjugada com a nova redacção do artigo 43.° da LGT, que introduziu o seu n.° 5, outra não será, senão a de que, só fora dos casos em que se conclua pela existência de erro imputável aos serviços (em que não há lugar a juros indemnizatórios com fundamento em erro imputável aos serviços, mas tão-só com fundamento no atraso da administração na restituição do tributo), serão devidos juros indemnizatórios à taxa definida no n.° 10 do artiqo 35.° da LGT (por remissão do n.° 4 do artigo 37.° da mesma LGT) sendo a administração penalizada, caso ultrapasse o prazo de execução espontânea da decisão que determinou a anulação da decisão, no paqamento de juros moratórios à taxa prevista naquele n° 5.

5. Nesses casos, face à impossibilidade de cumulação de juros moratórios e indemnizatórios, o cômputo final dos juros indemnizatórios coincidirá com o termo do prazo de execução espontânea, momento a partir do qual se iniciará o cômputo de juros moratórios.

6. Uma vez que na situação que nos ocupa foi entendido existir erro imputável aos serviços, apenas são devidos juros indemnizatórios e não moratórios,

7. Não merece igualmente acolhimento o entendimento de que o n.° 5 do artigo 43.° da LGT estabelece um regime excepcional que assim afasta o entendimento que vem sendo sustentado na jurisprudência do STA.

8. E isto porque a norma em si não requla a relacão jurídica de forma oposta à que vinha sendo seguida (pois que já anteriormente eram devidos juros moratórios exactamente nos mesmos moldes que estão definidos), apenas se limitando a concretizar a taxa leqal que é de aplicar, nos casos em que sejam devidos juros moratórios.

9. Logo, a introdução do n.° 5 do artigo 43.° mais não veio do que definir a taxa aplicável, quando sejam devidos juros moratórios administração tributária (lacuna legal já reconhecida pela jurisprudência, como resulta do Acórdão do Pleno do STA de 24.10.2001 (Recurso n.° 01095/05).

10. A acolher a pretensa da R.e, e porque, no entender desta, não existe impedimento a que juros indemnizatórios e rnoratórios cumulem temporalmente, a taxa de iuros qlobal a suportar pela AT cifrar-se-ia num juro verdadeiramente usurário (acima dos 16%), e sem paralelo na leqislacão viqente (note-se que a penalização prevista no artigo 44.° da LGT- pela falta de pagamento da prestação tributária por parte dos contribuintes - não cumula temporalmente com quaisquer outros juros).

11. A R.e entende que os juros moratórios assumirão um carácter compulsivo e punitivo, visando sancionar a devedora pela demora na restituição das quantias indevidamente pagas.

12. Não tem todavia a R.e razão na sua argumentação, pois como bem entendeu o STA no acórdão de 09.10.2013, proferido no processo n.° 01235112, referindo-se à impossibilidade de incidência de juros moratórios sobre juros indemnizatórios, sustentou que "visando estes ressarcir os prejuízos pela privação da importância indevidamente paga, não se pode justificar uma dupla compensação pela mesma privação da disponibilidade daquela quantia."

13. Na mesma linha seguia igualmente Jorge Lopes de Sousa, ("Juros nas relações tributárias' in Problemas fundamentais do Direito Tributário, vislis, 1999, pp. 175 a 183, ao reconhecer só haver lugar a juros moratórios nos casos em que não haveria lugar a juros indemnizatórios, assumindo em nota de rodapé que 'nestes casos, na medida em que haja juros de mora, não haverá lugar a juros indemnizatórios, pois, naturalmente, não se poderia justificar uma dupla compensação pela mesma mora".

14. O mesmo será de concluir assim, a contrario, ou seja, havendo lugar a juros indemnizatórios, não haverá lugar a juros rnoratórios, por tal configurar um duplo ressarcimento pela mesma privação.

15. Na hipótese de o tribunal vir a acolher a pretensão da R.e, de ver reconhecido o seu direito a juros moratórios, valerá igualmente o que aqui ficou dito quanto à impossibilidade da sua cumulação temporal, o que necessariamente determinaria que o cômputo final dos juros indemnizatórios corresponderia ao último dia do prazo de execução espontânea da decisão judicial, pois que só assim se obviaria à cumulação ilegal de juros indemnizatórios e moratórios (o que consubstancia aliás o pedido subsidiário formulado pela Recorrente).

16. Todavia, inexiste base legal que legitime tal decisão, uma vez que o Legislador foi claro ao delimitar temporalmente o âmbito de sujeição a juros indemnizatórios cujo termo final se situa, sempre e só, na data do processamento da nota de crédito (cf. n.° 5 do artigo 61.º do CPPT).

17. Deferir a pretensão do R. e, formulada a título subsidiário, seria, pois, ignorar aquele comando legal, e estabelecer a incerteza e o arbítrio na aplicação do direito.

18. Na hipótese de o Tribunal ad quem entender deferir algum dos pedidos formulados pela R. e, tal conduz-nos à necessidade de aferir qual o termo do prazo de execução espontânea, matéria que consubstancia o recurso jurisdicional já oportunamente interposto pela AT.

Termos em que, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado improcedente, ou a ser julgado procedente, deverá o pedido de ampliação do seu objecto ser julgado deferido, nos termos supra expostos, assim se fazendo
a devida JUSTIÇA"».

Neste Tribunal Central Administrativo o Digno Magistrado do Ministério Público não se pronunciou sobre o mérito do recurso (cfr. fls. 261 dos autos).

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

*

Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

A questões suscitadas pelos Recorrentes, delimitadas pelas conclusões das respectivas alegações de recurso, nos termos dos artigos 660°, n° 2, 664° e 684°, n°s 3 e 4, todos do CPC, ex. vi artigo 2°, alínea e) e artigo 281° do CPPT, reconduzem-se a saber:
- Quanto ao recurso da Fazenda Publica, se a sentença recorrida errou ao determinar os termos iniciais e finais dos juros indemnizatórios.
- Quanto ao Recurso da E....... —……….., S.A., se a sentença incorreu em erro de julgamento na parte em que indeferiu o pedido da recorrente de condenação da AT no pagamento cumulativo de juros indemnizatórios e moratórios desde o termo do prazo de execução espontânea do julgado até à emissão da nota de crédito, ou, subsidiariamente e para o caso de improceder o pedido condenatório no pagamento cumulativo dos juros indemnizatórios e moratórios, se a AT deveria ser condenada no pagamento à recorrente de juros moratórios e não indemnizatórios, com referência àquele período, como decidido pelo tribunal recorrido.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. Da Matéria de Facto

A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto.

"III.1 De facto:
Com relevância para a decisão da causa, consideram-se documentalmente provados os seguintes factos:

1. Em 31 de Maio de 2011 a ora Exequente submeteu a sua declaração periódica modelo 22 referente a IRC de 2010, na qual inscreveu no campo 364 do quadro 10 o montante de EUR 14.157.503,57 referente a derrama municipal, montante que apurou segundo a orientação administrativa veiculada pela AT no oficio-circulado n. ° 20. 132 de Abril de 2008, da Direção de Serviço de IRC (cf. declaração modelo 22, a fis. 23 a 29, maxime 28 da impugnação n.° 1611/11.4BELRS apensa).

2. Em 3 de Junho de 2011, por ter detetado um erro na 1. declaração do período relativa ao beneficio fiscal do RFAI (campo 355), a ora Exequente submeteu uma declaração periódica modelo 22 referente a IRC de 2010 de substituição, na qual manteve inscrito no campo 364 do quadro 10 o montante de EUR 14.157.503,57 referente a derrama municipal (cf. declaração de substituição modelo 22, a 115. 31 a 38, maxime 36 da impugnação n.° 1611111.4BELRS apensa).

3. Em 18 de Agosto de 2011, a ora Exe quente interpôs perante o Tribunal Tributário de Lisboa impugnação judicial da autoliquidação da derrama referida no ponto anterior, que ali correu os seus termos sob o n.° 1611/11. 4BELRS (cf. vinheta de registo aposta no sobrescrito de remessa da PI, a fls. 49 da impugnação n.° 1611/11.4BELRS apensa).

4. Por sentença proferida em 24 de Abril de 2012, foi julgada procedente a impugnação judicial n.° 1611/11. 4BELRS, anulado o ato de autoliquidação de derrama e condenando a AT à devolução da quantia paga e ao pagamento de juros indemnizatórios (cf sentença a fis. 104 a109 da impugnação n.° 1611/11.4BELRS apensa).

5. Em acórdão proferido em 13 de Março de 2013, no recurso n.° 1408/12, o Supremo Tribunal Administrativo julgou improcedente o recurso entretanto interposto pela Fazenda Pública, confirmado a sentença referida no ponto anterior (cf. acórdão a fis. 210 a 223 da impugnação a° 1611/11.4BELRS apensa e certidão a lis. 31 a 44 dos autos).

6. O acórdão referido no ponto anterior transitou em julgado em 9 de Abril de 2013 (cf. certidão, a lis. 17 dos autos).

7. Em 17 de Abril de 2013 a ora Exe quente requereu a remessa da impugnação judicial n.° 1611/11.4BELRS à AT para efeitos da respetiva execução (cf. requerimento a lis. 241 da impugnação n.° 1611/11.4BELRS apensa e cópia a lis. 41 dos autos).

8. Em 14 de Outubro de 2013, foi emitida a liquidação n.°……….., em resultado da qual por acerto de contas titulado pela compensação n.° ....... datada de 17 de Outubro de 2013 foi apurado um reembolso de lRC no montante de EUR 12.702.850,87 (cf demonstração de liquidação e demonstração de acerto de contas, a lis. 47 e 48, e impressões de consulta de reembolsos e consulta de demonstração de liquidação nas bases de dados da A T, a fls. 61 a 64, todas dos autos),

9. O reembolso referido no ponto anterior foi pago em 23 de Outubro de 2013, através da transferência interbancária (cf demonstração de acedo de contas, a fls. 48 e "consulta meio de recebimento" nas bases de dados da AT, a fls. 65, ambas dos autos).

10.Em 15 de Novembro de 2013 foi emitida a liquidação de juros indemnizatórios com o n.° ………. referente ao período de tributação entre 2010/01/01 a 2010/12/31 e correspondendo ao período de cálculo de juros entre 2011/09/12 e 2013/10/17, no montante de EUR 1.067.735,52 (cf. impressão de consulta das bases de dados da AT, a lis. 66 a 68 dos autos).

11. Em 26 de Novembro de 2013 a ora exequente recebeu a descrição da liquidação de juros indemnizatórios n.° ……….. referida no ponto anterior e o cheque do tesouro n.° ……..no montante de EUR 1.067.735,52 emitido em 2013/11/15, para o pagamento da mesma (cf. cópia do cheque e de demonstração de acedo de contas, a fis. 80 dos autos).

12. Em 7 de Novembro de 2013 a PI da presente execução de julgados foi enviada ao Tribunal Tributário de Lisboa através de correio postal registado sob o registo com a referência R0……. (cf. vinheta de registo postal aposta no sobrescrito de remessa a 118. 49 dos autos)

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme especificado nos vários pontos do probatório.

Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir."
*

Estabilizada a matéria de facto, avancemos para as questões que nos vêm colocadas.

11.2. Do Direito
No recurso submetido pela Fazenda Publica encontram-se apenas em causa as datas de início e de termo do período de incidência de juros indemnizatórios.

Segundo a Recorrente e ao contrário do que entendeu a juiz a quo, de 3 de Junho de 2011 a 11 de Setembro de 2011 e de 18 de Outubro de 2013 e 23 de Outubro de 2013 não teria a Recorrida direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

Quanto ao período de 3 de Junho a 11 de Setembro de 2011, a argumentação da Fazenda Publica funda-se nos números 3 e 4 do artigo 104.° do Código do IRC, mais precisamente no n.° 3 e no n.° 6 deste artigo.

Relativamente ao termo final do período de contabilização dos juros indemnizatórios, a AT invoca que os juros indemnizatórios apenas deveriam ser contabilizados até 17 de Outubro de 2013, posto que nessa data foi efectuado o acerto de contas e definido o valor a pagar à Recorrida.

A este propósito a sentença decidiu neste sentido:

"Assim sendo, e relativamente à quantia de EUR 12.702.850,00, tem a Exequente direito ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa de 4% (cf. arts. 43.º,n.º 4 e 35.º n.º 10, ambos da LGT, n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril) entre 3 de Junho de 2011, data da autoliquidação (entrega da declaração de substituição) na qual se assume que a quantia em causa foi indevidamente paga e até à data de processamento da respetiva nota de crédito, em 23 de Outubro de 2013, referindo-se a propósito que o que resulta provado é que apenas nesta data a quantia em causa foi efetivamente reembolsada à ora Exequente, pela que é nesta data que se verifica o processamento da nota de crédito.
Refira-se também a este respeito que a Entidade Executada não tem razão ao invocar o disposto no n.-° 3 do art. 104.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) uma vez que esta disposição não é aplicável ao caso em apreço mas sim e apenas às situações de restituição oficiosa, que as diplomas aplicáveis distinguem claramente das situações em que a anulação resulta de erro imputável aos serviços sindicado judicialmente [cf. alínea a) versus alínea b) do n.º 1 do art. 61.º do CPPT, ou n.º2 versus n.º 3 do art. 43.º da LGT]."

Vejamos:

O artigo 104° n° 2 a 7 do CIRC sob a epigrafe "Regras de pagamento" dispõe o seguinte:
"2 — Há lugar a reembolso ao sujeito passivo quando:
a) O valor apurado na declaração, líquido das deduções a que se referem os n°s 2 e 4 do artigo 90.º, for negativo, pela importância resultante da soma do correspondente valor absoluto com o montante dos pagamentos por conta;
b) O valor apurado na declaração, líquido das deduções a que se referem os n°s 2 e 4 do artigo 90.°, não sendo negativo, for inferior ao valor dos pagamentos por conta, pela respectiva diferença.
3 - O reembolso é efectuado, quando a declaração periódica de rendimentos for enviada no prazo legal e desde que a mesma não contenha erros de preenchimento, até ao fim do 3.º mês seguinte ao do seu envio.
4(*) - Os sujeitos passivos são dispensados de efetuar pagamentos por conta quando o imposto do período de tributação de referência para o respetivo cálculo for inferior a € 200.
5 - Se o pagamento a que se refere a alínea a) do n.° 1 não for efectuado nos prazos aí mencionados, começam a correr imediatamente juros compensatórios, que são contados até ao termo do prazo para envio da declaração ou até à data do pagamento da autoliquidação, se anterior, ou, em caso de mero atraso, até à data da entrega por conta, devendo, neste caso, ser pagos simultaneamente.
6—Não sendo efectuado o reembolso no prazo referido no n.° 3, acrescem á quantia a restituir juros indemnizatórios a taxa idêntica à aplicável aos juros compensatórios a favor do Estado.
7 (*)— Não há lugar ao pagamento a que se referem as alíneas b) e c) do n.° 1 nem ao reembolso a que se refere o n.° 2 quando o seu montante for inferior a € 25."

Ora, como resulta do enquadramento do artigo, o código do IRC, do seu texto, e como bem reconhece o Tribunal a quo, esta norma não foi prevista, ou têm aplicação, ao caso em apreço uma vez que não estamos perante o pagamento de juros indemnizatórios pelo mero reembolso oficioso tardio do imposto pago a mais.

Nas execuções de julgados, como é o caso, os juros indemnizatórios cuja necessidade de execução deu lugar ao presente processo são devidos nos termos dos n.°s 1 e 2 do artigo 43.° da LGT, por ter sido determinado em sede sentença judicial transitada em julgado, e não executada em tempo devido, ter havido erro imputável aos serviços da Recorrente na submissão da autoliquidação de IRC e Derrama de 2010 da Recorrida.

Assim sendo, concluindo que os juros indemnizatórios aqui em causa são devidos pela ilegal privação do montante que a Recorrida E.......-………, S.A. suportou, e que foi julgado como sendo indevido, e não pelo atraso no reembolso do imposto autoliquidado nos termos da lei e que resultou inferior ao imposto que foi sendo pago ao longo do exercício, como pretende fazer crer a AT, tais alegações têm que falecer, uma vez que a norma que invoca a Fazenda Publica não têm aplicação ao caso concreto.

Quanto ao termo final da contagem dos juros indemnizatórios, alega a Recorrente Fazenda Publica que este vem regulado na 2.ª parte do n.° 5 do artigo 61° do CPPT, que o faz coincidir com a data da emissão da nota de crédito (ou compensação), e não com a data do ingresso do montante de imposto na esfera jurídica do exequente.

Ora, segundo o artigo 61° n°5 da CPPT:
"Os juros são contados desde a data de pagamento indevido do imposto até á data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos.

Sobre este artigo escreveu Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e Processo Tributário - Anotado e Comentado, Volume 1, 6.ª Edição, 2011, pág. 551:
a) Termos iniciais e final da contagem de juros indemnizatórios
Não se referem na LGT, de uma forma genérica, os termos iniciais e finais da contagem dos juros indemnizatórios nas várias situações em que eles são devidos.
Nalguns casos, porém, existe indicação do termo inicial, como é o caso da alínea b) do n° 3 do art. 43.º da LGT, em que se prevê que os juros indemnizatórios são devidos a partir do 30.º dia posterior à decisão da administração tributária de anular o acto tributário, por sua iniciativa, no âmbito de revisão oficiosa efectuada ao abrigo do art. 78° da LGT, e da alínea c) do mesmo numero, de que se depreende que, no caso da revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (fora das situações de reclamação graciosa enquadráveis no n° 1 do mesmo artigo), os juros indemnizatórios só são devidos a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão e, não for imputável à Administração Tributária.
Nos outros casos, será aplicável a reqra do n° 5 do artiqo 61° do CPPT, nos termos da qual os juros são contados desde a data do paqamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.
No caso de não cumprimento do prazo de restituição oficiosa dos impostos (situação prevista na alínea a) do n° 3 do art. 43°), devendo estes juros, pela sua natureza indemnizatória, corresponder ao período em que o sujeito passivo esteja privado das quantias que deviam estar em seu poder se não se verificasse uma situação ilegal, eles serão devidos desde o termo do prazo leqal para a restituição até ao momento em que seja elaborada a nota de crédito." (destaques nossos).

Face ao que vem exposto, resta concluir que a Fazenda Publica tem razão quando invoca que a data a ter em conta para efeitos de termo final da contagem de juros indemnizatórios é a o dia do processamento da nota de crédito (compensação), e não o dia do efectivo recebimento do montante de imposto anulado, como entendeu a decisão a quo, pelo que procedem, nesta parte os seus argumentos.
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A Recorrente E....... —………., S.A. em sede de execução de julgados pediu que fosse determinado o imediato cumprimento ao julgado no processo de impugnação judicial n.°1611/11.4BELRS que correu termos na 1.ª UO do Tribunal Tributário de Lisboa, através do pagamento da quantia de EUR 1.209.729,03 a título de juros indemnizatórios e de juros de mora no montante de EUR 680.677,91, que seja fixado um prazo, não superior a 30 dias, para o cumprimento do dever de executar a decisão judicial exequenda nos termos referidos.

Face ao que foi peticionado, a sentença a quo decidiu da seguinte forma:
“(...) relativamente aos juros a cujo pagamento a Exe quente tem direito, esclareça-se que no caso em apreço a mesma tem direito ao pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido do imposto (cf. arts, 100.° e 43°, n.° 1 da LGT) até à data de processamento da respetiva nota de crédito (cf art. 61.º, n.° 5 - anterior n.° 3 – do CPPT), ou seja, relativamente a todo o período em que se manteve o pagamento indevido do imposto, não havendo aqui lugar ao pagamento de quaisquer juros de mora, pois estando em causa a procedência de um processo impugnatório com fundamento na existência de um erro imputável aos serviços não tem aplicação o regime do art 102.° da LGT mas, como foi já referido, o regime dos arts. 100.° e 43.° da LGT e 61.°, n.° 5 do CPPT.

Posto isto, vejamos.

Quanto ao recurso apresentado pela E....... Portugal e desde logo, importa indagar se sendo devidos juros indemnizatórios após o termo do prazo de execução voluntária da sentença, também e simultaneamente são devidos juros moratórios?

A questão coloca-se em duas vertentes: (i) a de saber se os juros indemnizatórios e moratórios podem coexistir no tempo, sobrepondo-se no mesmo período temporal; (ii) em caso de resposta negativa, indagar se desde o termo do prazo de execução espontânea do julgado até á emissão da nota de crédito são devidos juros indemnizatórios (como decidido na sentença) ou juros moratórios (como propugna a recorrente E.......).

À primeira questão, a jurisprudência tem respondido negativamente.

No acórdão da Pleno do STA, de 24/10/2007 rec. n° 01095/05, refere-se que:
"os juros moratórios a favor do contribuinte e os juros indemnizatórios perseguem a mesma finalidade: os indemnizatórios destinam-se "a compensar o contribuinte do prejuízo provocado pelo pagamento indevido da prestação tributária" e os moratórios visam "reparar prejuízos presumivelmente sofridos [pelo sujeito passivo], derivados da indisponibilidade da quantia não paga pontualmente".
Estas duas espécies de juros têm, pois, a mesma função, “correspondendo ambos a uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil e destinando-se a reparar os prejuízos advindos ao contribuinte do desapossamento e consequente indisponibilidade de um determinado montante pecuniário, recte, da prestação tributária.
Ainda que os respectivos factos geradores sejam diferentes — num caso a liquidação ilegal, no outro o atraso no pagamento -, sempre está presente uma obrigação indemnizatória derivada da produção de determinados danos ou prejuízos provocados por aquela indisponibilidade". Cfr. acórdão do STA de 7 de Março de 2007, processo n.° 01220/06.
Juros indemnizatórios e juros moratórios a favor do contribuinte são, portanto, duas realidades jurídicas afins que têm um regime semelhante e desempenham a mesma função.
Ora, uma vez que as duas espécies de juros se fundam numa obrigação indemnizatória que pretende ressarcir idênticos prejuízos, eles não podem ser cumuláveis em relação ao mesmo período de tempo".

A posição descrita no citado acórdão que é seguida em vários acórdãos do STA e na doutrina, como dá conta Jorge de Sousa quando refere que: «no pressuposto de que tanto os juros indemnizatórios como os juros de mora são presumivelmente na perspectiva legislativa, uma compensação adequada dos prejuízos que a privação da quantia paga ilegalmente provoca ao contribuinte, será de afastar a possibilidade de cumulação de juros moratórios e indemnizatórios relativamente ao mesmo período de tempo, pois não se pode justificar uma dupla compensação pela mesma privação da disponibilidade da quantia indevidamente paga» (cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6 ed., Vol. 1, pág. 547).

Dada resposta negativa à questão principal colocada do pagamento cumulativo dos juros indemnizatórios e moratórios com referência ao mesmo período temporal, ou seja, e em concreto, desde o termo do prazo de execução espontânea do julgado (que ocorreu em 22/05/2013) até à emissão da correspondente nota de crédito (18/10/2013), importará agora apreciar a questão, subsidiariamente colocada pela Recorrente E......., de saber se, então, e por referência àquele período, são devidos juros indemnizatórios ou juros moratórios.

Na redacção introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, dispunha o n.º 5 do art.º 43.º da Lei Geral Tributária:
«No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas».

Assim, sem grande esforço exegético, apreende-se daquele preceito legal que desde a data do termo do prazo de execução espontânea do julgado até à emissão da nota de crédito são devidos à Recorrente – e só – juros moratóriosa uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”, calculados sobre o montante da liquidação de imposto que deveria ter sido restituído.

Como consta do ponto 6., do probatório, o acórdão exequendo transitou em 09/04/2013, pelo que contado o prazo de 30 dias, nos termos conjugados dos artigos 170.º, n.º 1 e 175.º n.º 1, ambos do CPTA e 72/b) do Código do Procedimento Administrativo – que foi o aplicado pela sentença – resulta que o termo do prazo de execução ocorreu em 22/05/2013, data a partir da qual e até 18/10/2013, que corresponde ao da emissão da nota de crédito, são devidos à recorrente os juros moratórios.

Tendo em conta que a sentença condenou a AT no pagamento à recorrente de juros indemnizatórios, por referência período desde o termo do prazo de execução espontânea do julgado até à emissão da nota de crédito, na impossibilidade de cumular as duas espécies de juros (indemnizatórios e moratórios), como decorre da apreciação da questão principal, haverá que proceder à redução temporal dos juros indemnizatórios calculando os mesmos até à data do termo do prazo de execução espontânea, ou seja, 22/05/2013, sendo devidos a partir dessa data e até emissão da nota de crédito (18/10/2013), juros moratórios, fixados nos termos do n.º5 do citado art.º 43.º da Lei Geral Tributária.

Antes de terminar, importará lembrar que a reforma do acórdão (ou sentença), tem como desiderato, apenas e só, expurgar a decisão dos vícios que a inquinam, não servindo para a reapreciação, reponderação ou reexame das questões nele tratadas, para que é próprio o recurso da decisão em crise.

III. DECISÃO

Termos em que, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em:
i) Deferir a requerida arguição de nulidade do acórdão proferido em 23/04/2015 e inserto a fls. 263/284 dos autos, com fundamento em omissão e excesso de pronúncia e declarar o acórdão nulo na parte afectada por esses vícios;
ii) Em reforma do acórdão, conceder parcial provimento ao recurso da E....... –…………, S.A., e revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a AT no pagamento à recorrente de juros indemnizatórios por referência ao período temporal desde a data do termo do prazo de execução espontânea do julgado até à emissão da nota de crédito;
iii) Condenar a AT, por referência ao período indicado no ponto ii) anterior, no pagamento à recorrente de juros moratórios, calculados nos termos fixados no n.º 5 do art.º 43.º da Lei Geral Tributária.
iv) No mais, manter o decidido no acórdão objecto da reforma.

Condena-se ambos os Recorrentes em custas, na proporção do respectivo decaimento.

Sem custas no incidente de arguição de nulidade.

Lisboa, 29 de Abril de 2021.

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, LUÍSA SOARES e CRISTINA FLORA].

VITAL LOPES