Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 340/21.5BECTB-A |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 10/31/2024 |
Relator: | LINA COSTA |
Descritores: | CAUTELAR PRESSUPOSTOS |
Sumário: | Os critérios de decisão das providências cautelares, previstos no artigo 120º do CPTA, são de verificação cumulativa, pelo que o não preenchimento de um deles determina a não adopção da providência requerida |
Indicações Eventuais: | Subsecção COMUM |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em sessão da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: Ministério da Agricultura - Divisão de Alimentação e Veterinária, devidamente identificado como entidade requerida nos autos de outros processos cautelares instaurados por A...., inconformado veio interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 22.11.2023, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou totalmente procedente a presente providência cautelar [a) sejam a 1ª e 2ª Ré condenadas a no prazo de 30 dias, deferir a pretensão do Autor de comprar 50 Kits de Identificação com Brinco/Marca Auricular e Brinco Electrónico, autorizando a OPP (Portaria n.º 178/2007)/ OPSA (Portaria n.º 239/2022) Ovibeira a realizar a referida venda para que o Autor possa identificar os 30 animais melhor identificados no documento n.º 4. // Subsidiariamente se requer que: // b) Seja o peticionado em a) concedido sob condição resolutiva de o Autor não se candidatar a qualquer ajuda, subsídio, subvenção ou apoio público com base na identificação (e exploração) dos 30 animais melhor identificados no documento n.º 4.], decretando-a. Nas respectivas alegações, o Recorrente formula as conclusões que seguidamente se reproduzem: «1 - A douta sentença recorrida errou quanto aos factos dados como provados e ao direito aplicável; 2 - A saúde pública não está posta em causa, precisamente por existirem medidas de contenção instituídas que impedem a possibilidade de se consumir géneros alimentícios produzidos pelos animais em causa, nomeadamente carne e leite. 3 – A falta de controlo sanitário nos termos do Plano de Erradicação da Brucelose (PEB) implica desde logo a imposição de medidas de isolamento e de restrição à movimentação dos animais e dos géneros alimentícios por eles produzidos, o que está já instituído. 4 – O Recorrido não pode movimentar os animais pois está proibido de emitir guias de circulação. 5 – Existe um cordão sanitário no local onde os animais se encontram. 6 - Não existe assim qualquer “PERICULUM IN MORA” 7 – Os animais identificados em 2015 nunca foram considerados de RAÇA DE PEQUENO porte” 8 - Se assim fosse estariam registados no sistema nacional de identificação de registo animal –SNIRA. 9 - Estão em causa duas realidades distintas: (i) animais de raça - animais de raça pura que se encontram registados em livro genealógico (SNIRA) - e animais considerados de pequeno porte, mas que não são de nenhuma raça, como foram considerados pelos Veterinários oficiais, os do Recorrido em 2015. 10 - O tribunal recorrido estava na posse de elementos suficientes que permitiam dar como provado que os animais em causa não são animais de nenhuma raça, não estão inscritos em livro genealógico que valide uma qualquer raça 11 - Assim errou ao concluir que os animais a que se destinavam os brincos eletrónicos, sendo descendentes dos identificados em 2015, seriam também de pequeno porte, o que tecnicamente não é verdade; 12 - Esta consideração do tribunal é falaciosa, uma vez que, não sendo os animais em causa de uma raça determinada, os mesmos são portadores de um mosaico genético absolutamente desconhecido e previsivelmente diverso, o que poderá ao fim de 5 gerações resultar em indivíduos fenotipicamente, isto é, fisicamente distintos dos seus antepassados controlados em 2015. 13 - Com a decisão em crise, o tribunal antecipou em definitivo a pretensão do Recorrido, esgotando assim o efeito útil da sentença a proferir na ação principal – o decretamento da presente providência não é provisório, uma vez que identificados os animais não haverá lugar à substituição dos meios de identificação a menos que haja perda dos mesmos.». O Recorrido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões: O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, vem o mesmo à sessão para julgamento. A questão suscitada pelo Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, no essencial, em saber se a sentença recorrida incorreu em erros de julgamento ao decretar a providência, apreciando erradamente os factos e aplicando incorrectamente o direito. A sentença recorrida face aos documentos juntos aos autos, bem como, à posição das partes sobre a matéria alegada, considerou indiciariamente provada a seguinte factualidade, com interesse para a decisão da causa: «A) Em 21 de Julho de 2015 a Direcção de Serviços de Alimentação e Veterinária da Região do Centro autorizou a União dos ADS do Alentejo a fornecer a quantidade de 50 kits de brincos electrónicos ao criador A...., para identificação extraordinária de pequenos ruminantes (de raça ou grupo étnico considerado de pequeno porte). B) Em 12 de Julho de 2021 o Requerente renovou pedido de aquisição de kits de brinco e brinco electrónico para identificação oficial de pequenos ruminantes ao abrigo do ponto 2 do despacho n.º 6635/2011, derrogação para adultos de pequeno porte, ovinos. C) Em 12 de Julho de 2021 a Direcção Geral concedeu 10 dias para aperfeiçoar o requerimento constante na alínea anterior, pedindo declaração do médico veterinário assistente da exploração ou controlo oficial à exploração para avaliação do porte dos animais. D) O Requerente pronunciou-se sobre o ofício constante na alínea anterior pedindo o deferimento do inicialmente peticionado. E) Por ofício datado de 30 de Julho de 2021 a DGAV manteve a sua decisão, indicando que caso o Requerente não juntasse declaração de médico veterinário ou controlo oficial à exploração para avaliação do porte dos animais, no prazo de 10 dias, daria o pedido por indeferido por insuficiência de elementos. * Não existem factos não provados com interesse para a decisão da presente causa. * Motivação: A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise crítica do teor dos documentos constantes nos autos, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.». Da fundamentação da sentença recorrida, sobre o preenchimento do requisito do periculum in mora, extrai-se o seguinte: Discorda o Recorrente. O tribunal recorrido errou ao assim julgar por: ter considerado que não existem medidas de contenção possíveis de realizar caso os animais padeçam de alguma enfermidade contagiosa, quando tal não é verdade pois alegou e demonstrou que essas medidas existem e estão instituídas, impossibilitando que possam ser consumidos géneros alimentícios dos animais em causa, como carne e leite, pelo que o juiz a quo não podia considerar que a falta de controlo desses animais irá causar prejuízos de difícil reparação, por força do eventual contágio das pessoas; o controlo sanitário é feito exclusivamente no âmbito do Programa de Erradicação de Brucelose [PEB], não pretendendo diagnosticar toda e qualquer doença de que os animais possam vir a padecer; como referiu na oposição e na contestação, a falta de controlo sanitário aos animais nos termos do PEB implica logo a imposição de medidas de isolamento e de restrição à movimentação dos animais e dos géneros alimentícios por eles produzidos, o que está instituído, pois os animais do Requerente não identificados não têm autorização para se movimentar; as medidas de contenção da doença resumem-se à protecção da carne, impondo que o abate ocorra em estabelecimento aprovado e que o transporte até ao matadouro seja feito com guias de circulação, as quais o Requerente está impedido de emitir; não é de considerar a alusão à produção de leite porque o efectivo do estabelecimento do Requerente é composto por ovinos com aptidão produtiva de carne, cfr. documentos que apresentou com a contestação e dados por reproduzidos na oposição. Ora, ainda que na oposição deduzida nos autos comece por reiterar a posição assumida na contestação apresentada na acção, de que a presente providência corre por apenso, e de a dar por reproduzida, para além da alegação genérica de que não se verificam os critérios de que depende a adopção das providências cautelares, nada mais é dito pela Entidade requerida, aqui Recorrente, sobre o do periculum in mora, pelo que nada tendo sido alegado a propósito e muito menos provado, não pode este Tribunal julgar procedentes os fundamentos em que suporta o alegado erro de julgamento. Sobre o fumus boni iuris, retira-se da sentença recorrida o seguinte: Volta o Recorrente a discordar, porquanto: a verificação deste requisito assenta no pressuposto errado de que os animais foram considerados pela DGAV de raça de pequeno porte, por errada leitura do documento 9, junto ao requerimento inicial, que refere animais de raça ou grupo étnico considerado de pequeno porte; os primeiros, de raça pura, encontram-se registados em livro genealógico; os segundo são de pequeno porte mas não são de qualquer raça; a DGAV reconheceu em 2015 que os animais do Requerente eram de pequeno porte e não de raça de pequeno porte; o tribunal a quo estava na posse de elementos que permitiam dar por provado que os animais em causa não eram de raça alguma, pela verificação das listagens do SNIRA (Sistema Nacional de Registo Nacional), apresentadas com a contestação, onde estão assinaladas as condições “14-Cruzada” e “19- Indeterminada Carne”, ou seja, nenhuma raça está ali registada, pelo que não se pode inferir do respectivo porte, mas que se tratam de animais que não são idênticos; a consideração do tribunal de que os descendentes terão a mesma corpulência dos ascendentes é falaciosa, pois, não sendo de raça pura, são portadores de um mosaico genético absolutamente desconhecido e previsivelmente diverso, o que poderá ao fim de 5 ou agora 8 gerações resultar indivíduos fisicamente distintos dos controlados em 2015; face ao que só poderia ser autorizada a identificação electrónica dos animais se o Recorrido tivesse apresentado declaração do médico veterinário ou dos serviços oficiais que comprove que o seu efectivo corresponde a um grupo étnico de pequeno porte; o que não se verificou, pelo que não se encontra preenchido o requisito do fumus boni iuris. Este é o desenvolvimento do alegado na oposição, nos pontos 9. a 11. - de que não é provável que a acção principal venha a ser favorável ao A. que não reúne os pressupostos para beneficiar da derrogação prevista no Despacho 6635/2011, no que respeita à identificação electrónica dos animais, por ter que apresentar uma declaração do médico veterinário assistente ou dos serviços oficiais, que comprove que o seu efectivo corresponde a um grupo de pequeno porte, o que não se verificou –, mas que pode ser suportado na factualidade considerada indiciariamente assente.
Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes da Subsecção Administrativa Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, e, em consequência, revogar a sentença recorrida e não decretar a providência requerida. Custas pela Recorrida, nas duas instâncias. Registe e notifique. Lisboa, 31 de Outubro de 2024. (Lina Costa – relatora) (Marta Cavaleira) (Ilda Côco) |