Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:101/06.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IRC
PERDAS EM EXISTÊNCIAS
ABATES
FURTO
CUSTOS-DEDUTIBILIDADE
Sumário:I - A dedutibilidade dos custos fiscais para efeitos de IRC pressupõe, por regra, a feitura de um documento justificativo (suporte externo, com a menção das características fundamentais da operação), competindo à Administração Fiscal a prova da sua inexatidão (total ou parcial) da relação subjacente.
II - O requisito da indispensabilidade dos custos carece de um exame casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa. Estão, assim, vedadas à Administração Tributária atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.
III - A existência de mercadorias deve ser entendida como um valor positivo porquanto se destinam à realização de proveitos no âmbito da atividade. Logo, a perda material de tais unidades, seja a que título for, e desde que comprovada em termos razoáveis, não pode deixar de ser havida como realidade indispensável para suportar a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, logo subsumível no artigo 23.º do CIRC.
IV - O descaminho de mercadorias, nomeadamente por furto, não pode deixar de ser considerado como custo ou perda, exceto se as mercadorias furtadas tiverem sido objeto de contrato de seguro cuja indemnização foi paga pela seguradora, porquanto falta o requisito geral da sua efetividade, a pressupor não apenas a sua existência mas ainda que o custo foi efetivamente suportado pelo sujeito passivo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por M….. S.A, contra a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de ano de 2001, no montante de € 923.754,62, que inclui juros compensatórios e de mora nos valores respetivos de € 109.428,20 e € 60.432,54.

O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) interpôs recurso do despacho que indeferiu o pedido de reforma da sentença relativa a custas, por não ter sido decretada a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça relativamente ao valor superior a €275.000,00.

A Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“I) Os elementos de prova constantes dos autos, tal como se apresentam, não permitem concluir que se encontra comprovado que a Impugnante no ano em causa incorreu num custo referente a quebras nas existências de bens afectos ao sector alimentar e não alimentar nos montantes de € 1.381.321,01 e de € 1.093.669,24.

II) Como se refere no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30/09/2008 Processo n.º 0268/08, respeitante aos presentes autos na documentação junta aos mesmos, “na dita relação de quebras feitas pelas lojas, é notória a falta de indicação do valor dos artigos e objectos desaparecidos, destruídos ou furtados, e tão pouco se indica o valor global em razão de cada loja, o que vale dizer que tal documentação parece não merecer crédito. “

III) Facto a que acresce ainda referir que, reportando-se o valor de €1.381.321,01 e de € 1.093.669,24 ao conjunto de todas as lojas da Impugnante, aquela documentação não respeita a todas as lojas da Impugnante, como esta refere na sua Petição Inicial, art.º 143º.

IV) Não tendo sido demonstrada a ocorrência das quebras e perante as dúvidas decorrentes da sua explicação, após ter sido fundadamente questionada a ocorrência das mesmas e bem assim a sua justificação no âmbito do escopo societário, nos termos do art. 23º do CIRC, por parte da Administração Tributária, à Impugnante caberia, como se decidiu no ac. proferido no âmbito desta mesma Impugnação, acima citado, o ónus de comprovar as razões para a inscrição dos montantes em causa nos autos como custos na sua declaração de rendimentos, cf. art. 74º n.º 1 e 75º da LGT.

V) Nos presentes autos, estamos perante uma causa de valor superior a € 275.000,00, estabelecendo o n.º 7 do art. º 6º do RCP que “(…) o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

VI) Ora no caso dos autos, não obstante existir alguma complexidade nas questões em apreciação, a mesma complexidade não se nos afigura de molde a exigir o pagamento daquele remanescente, o qual tem apenas em consideração o valor do processo sendo independente da sua complexidade, o que se encontra em violação dos princípios constitucionais de proporcionalidade e de acesso aos tribunais, artigos 20º, 2º e 18º n.º 2 segunda parte da Constituição.

VII) E as partes não tiveram, a nosso ver, no âmbito do processo um comportamento que se tivesse afastado da normalidade, ou fosse determinante de um grau de censura que implicasse o pagamento daquele remanescente.

VIII) A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.

e solicitando-se a dispensa do pagamento do remanescente previsto no art. 6º n.º 7 do RCP.”


***

A Recorrida “M….. S.A”, devidamente notificada para o efeito, veio aos autos oferecer as seguintes contra-alegações:

1. A Fazenda Pública apresentou recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no dia 30 de Setembro de 2013, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela RECORRIDA contra o acto de liquidação de IRC n.° …..401, referente ao IRC de 2001, no montante de € 923.754,62, que inclui juros compensatórios no montante de € 109.428,20 e juros de mora no valor de € 60.432,54.

2. O acto de liquidação de IRC objecto dos Autos traduzia as seguintes correcções realizadas pela Administração tributária com referência ao exercício de 2001 e que foram contestadas pela ora Recorrida:

a) a correcção de IRC no valor de € 6.325,29, correspondente à tributação autónoma sobre alegadas despesas não documentadas ou indevidamente documentadas no montante de € 12.650,58; e

b) a correcção ao lucro tributável de IRC, no valor global de € 2.047.610,25, relativa à desconsideração dos custos registados pela Recorida a título de quebras de existências de bens afectos ao sector alimentar ("Quebra Alimentar") e, bem assim, de bens afectos ao sector nao alimentar

("Quebra não alimentar").

3. Na sentença que foi proferida nestes Autos no dia 16 de Novembro de 2007, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada pela Recorrida, tendo determinado a anulação do referido acto de liquidação na parte correspondente à tributação autónoma das despesas não documentadas ou indevidamente documentadas (cf. fls. 251 e seguintes dos Autos).

4. A ora Recorrida apresentou recurso de tal decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul no segmento em que decaiu.

5. Na sequência desse recurso, o Tribunal Central Administrativo Sul anulou a sentença anteriormente proferida e determinou a baixa dos Autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, para que aí se procedesse à ampliação da matéria de facto e ao julgamento da causa na parte relativa à desconsideração dos custos registados (pela Recorrida) a título de quebras de existências (cf. Acórdão de 30 de Setembro de 2008, a fls. 363 e seguintes dos Autos).

6. Pronunciando-se (novamente) sobre a correcção efectuada pela Administração tributária com referência às quebras nas existências, o Tribunal a quo veio anular o acto de liquidação impugnado nesse segmento, por ter considerado que o mesmo era ilegal por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

7. A Fazenda Pública veio insurgir-se contra esta última decisão do Tribunal a quo, por considerar que o Tribunal a quo não terá dado o devido cumprimento ao que foi decidido no mencionado Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, posto que dos elementos de prova constantes dos Autos não resulta demonstrada a ocorrência das quebras e caberia à Recorrida "o ónus de comprovar as razoes para a inscrição dos montantes em causa nos autos como custos na sua declaração de rendimentos, cf. art. 74° n.° 1 e 75° ds LGT".

8. Acontece que não lhe assiste qualquer razão, já que, como se verá, a sentença recorrida não merece reparo, nem quanto à matéria de facto, nem quanto a decisão de direito que foi proferida.

II. DA AUSÊNCIA DE CUMPRIMENTO DO ÓNUS PREVISTO NO ARTIGO 640.°, N.° 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E DA REJEIÇÃO DO RECURSO QUANTO AOS FACTOS CONSIDERADOS COMO ASSENTES

9. Nas suas Alegações, a Fazenda Pública começa por indicar que, no Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 30 de Setembro de 2008, "foi entendido que se justificava a ampliação da matéria de facto nomeadamente no que se refere ao valor das quebras de existências em relação à qual se verificou insuficiência probatória a ser suprida na primeira instância" (cf. Alegações de fls... dos Autos). Nesse sentido, defende a Fazenda Pública que haveria "que verificar se os elementos de prova constantes dos autos, tal como se apresentam, permitem concluir no sentido de que se encontra comprovado que a impugnante no ano em causa incorreu num custo referente a quebras nas existências de bens afectos ao sector alimentar e não alimentar nos montantes de €1.381.321,01 e de €1.093.669,24".

10. A este respeito, a Fazenda Pública defende que "da documentação em causa não poderia, em face das suas deficiências, resultar a comprovação de que as quebras nas existências de bens afectos ao sector alimentar e não alimentar são no montante de € 1.381.321,01 e de €1.093.669,24 respectivamente. (...) Isto porque, como bem se nota no referido acórdão, citando o parecer do Exm.° Sr. Procurador-Geral Adjunto, na dita relação de quebras feitas pelas lojas, é notória a falta de indicação do valor dos artigos e objectos desaparecidos, destruídos ou furtados, e tão pouco se indica o valor global em razão de cada loja, o que vale dizer que tal documentação parece não merecer crédito. (...) Mas, a este facto acresce ainda referir que, reportando-se o valor de € 1.381.321,01 e de € 1.093.669,24 ao conjunto de todas as lojas da Impugnante, aquela documentação não respeita a todas as lojas da Impugnante, como esta refere na sua Petição Inicial, art.º143.

11. Assim, concluiu a Fazenda Pública que, "Inexiste prova nos autos de que tenham ocorrido quebras de existências no valor de € 1.381.321,01 e de 61.093.669,24".

12. Destas afirmações, bem como da circunstância de o Recurso ter sido endereçado ao Tribunal Central Administrativo Sul, resulta que a Fazenda Pública contesta a decisão sobre a matéria de facto que foi proferida pelo Tribunal a quo.

13. Sucede que, de acordo com o disposto no n.° 1 do actual artigo 640.° do Código de Processo Civil, ex vi artigo 281.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, "Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas".

14. Contudo, da análise das Alegações decorre que a Fazenda Pública, nem indicou os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem indicou os meios probatórios constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida, nem, tão-pouco, indicou a decisão que, em seu entender, deveria ser concretamente proferida sobre as questões de facto impugnadas.

15. Acresce que nas suas conclusões de recurso a Fazenda Pública não identifica minimamente os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e não indica como deveria o Tribunal a quo ter julgado os factos.

16. Atento o exposto, na parte correspondente à decisão que o Tribunal a quo tomou quanto à ilegalidade do acto de liquidação objecto dos Autos, deverá ser rejeitado o recurso por a Recorrente não ter dado cumprimento ao disposto no artigo 640.°, n.° 1, do (Novo) Código de Processo Civil (que corresponde ao n.° 1 do artigo 685.°-B do Código de Processo Civil em vigor até à entrada em vigor do que foi aprovado pela Lei n.° 41/2013m de 26 de Junho), ex vi artigo 281.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

17. Com efeito, tal como já esclareceu o Tribunal Central Administrativo Sul em diversos Acórdãos "O Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida" (cf. Acórdão de 16/10/2012, proferido no processo n.° 04909/11, bem como, a título exemplificativo, os Acórdãos do mesmo Tribunal de 17/05/2011, proferido no processo n.° 4745/11, de 15/11/2011, proferido no processo n.° 2430/08 e de 25/09/2012, proferido no processo n.° 05073/11).

18. E que, tal como se explicita no primeiro dos arestos acima indicados (ainda que por referência aos artigos do antigo Código de Processo Civil), "a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada'), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 653.°, n.° 2 do C. Proc. Civil). É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça. (...) À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção".

19. Neste contexto e como esclareceu o Tribunal Administrativo Sul naquele Aresto, "para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.a instância no julgamento de facto deverá ficar demonstrado, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida".

20. E analisando as Alegações do recorrente naqueles Autos, deliberou o Tribunal Central Administrativo Sul que "tem de entender-se que a Recorrente não seguiu o melhor caminho no sentido de lograr sucesso na sua demanda, pois que, com referência à matéria descrita no probatório, impunha-se à Recorrente apontar qual a alínea ou alíneas onde estão vertidos os pontos de facto incorrectamente julgados, na medida em que os concretos pontos de facto impugnados devem ser apontados nas respectivas conclusões, porque delimitadoras do âmbito do recurso e constituírem o fundamento da alteração da decisão, sendo que quanto à especificação dos meios probatórios, a lei não impõe que seja feita nas conclusões, podendo sê-lo no corpo da motivação, mas em todo o caso impõe-se a obrigatoriedade de conexionar cada facto censurado com os elementos probatórios correspondentes".

21. Assim, concluiu o mesmo Tribunal naquele Aresto que, "tendo presente que a alegação da Recorrente não comporta elementos que permitam colocar em crise o processo racional da própria decisão, sendo de notar que o Tribunal recorrido não deixou de ponderar os elementos disponíveis - documentos presentes nos autos e depoimentos -, de modo que, e como ficou exposto, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção, o que tal acarreta é que o julgamento da matéria de facto levado a cabo pela decisão recorrida, - na medida em que se não vislumbra ser caso de aplicação do estatuído no art. 712° do C. Proc. Civil se tenha de ter por inalterado, sendo, pois, à sua luz que caberá indagar se o julgamento de direito consequente, no que diz respeita à matéria em crise" (cf. citado Acórdão do Tribunal Administrativo Sul de 16/10/2012, proferido no processo n.° 04909/11, disponível em www.dgsi.ptT

22. Vertendo este entendimento para o caso em apreciação e tendo em consideração que a Recorrente não deu pleno cumprimento ao disposto no referido artigo 640.°, n.° 1, do (Novo) Código de Processo Civil, não poderá, no entender da Recorrida, ser atacável a decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo na sentença recorrida.

III. DA MANUTENÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO QUE FOI PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO

23. Acresce que, no caso em apreço, resulta indubitavelmente da sentença recorrida que o Tribunal a quo analisou e ponderou toda a prova constante dos Autos, e que a decisão constitui uma das "uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência".

24. Com efeito, tendo em consideração a documentação constante dos Autos, o Tribunal a quo considerou provados, além de outros, os seguintes factos:

"D) A Impugnante dispõe do" Manual de Normas" que tem por objectivo definir e regulamentar os produtos em quebra ou obsoletos das secções Alimentar e não alimentar, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (Does. fls. 107 a 120 dos autos)

E) No ano de 2001, a Impugnante elaborou documentos de suporte das quebras dos quais constam os seguintes itens: «Código», «Descrição», «Quantidade», «Motivo» e «Código Corr.» (Doc. n.° 5 junto à p.i.)

F) Os documentos referidos na al. E) encontram-se assinados pelos funcionários da Impugnante. (Doc. n.° 5 junto à p.i.)"

25. Resulta da decisão recorrida que o Tribunal a quo justificou o motivo pelo qual considerava tais factos como provados, tendo, inclusivamente, mencionado que "ficou demonstrado que a Impugnante possui um procedimento interno, pese embora os documentos de suporte a que aludem as alíneas D), E) e F) do probatório não mencionem o valor dos artigos"(cf. sentença de fls... dos Autos).

26. A decisão sobre a matéria de facto que foi tomada pelo Tribunal a quo não poderá, portanto, ser alterada uma vez que o processo judicial tributário se rege pelo princípio da livre apreciação da prova.

27. E "Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. art°.607, n°.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6)" (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28/11/2013, proferido no processo n.° 06819/13).

28. Assim, caberia à Recorrente o ónus de indicar especificamente quais os factos que não poderiam ter sido dado como provados e quais os factos que deveriam, ao invés ter sido dados como provados, especificando, ainda, quais os concretos meios de prova que implicavam uma decisão diversa da foi proferida pela pelo Tribunal a quo no que diz respeito à decisão de facto.

29. Não o tendo feito, importa, apenas, verificar se em função da decisão que foi proferida sobre a matéria de facto em discussão nos presentes Autos se impunha decisão de direito diversa da que foi proferida pelo Tribunal a quo.

IV. DA MANUTENÇÃO DA DECISÃO DE DIREITO QUE FOI PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO

30. Antes de evidenciar por que motivos não deve ser dado provimento ao Recurso interposto pela Fazenda Pública, cumpre, desde logo, salientar que a circunstância de ter sido citado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 30 de Setembro de 2008 (a fls. ... dos Autos) parte do teor do parecer do Ministério Público não implica que o mesmo Tribunal tenha imposto ao Tribunal a quo que valorasse a prova num determinado sentido, nem, tão- pouco, vinculava este último quanto a decisão de Direito que tivesse que ser proferida em função dos factos dados como provados.

31. Na verdade, o que foi determinado no referido Acórdão foi que o Tribunal a quo procedesse "à ampliação da matéria de facto nomeadamente no que se refere ao valor das quebras de existências em relação à qual se verifica insuficiência probatória a ser suprida na 1ª instância", tendo sido deliberada "a anulação da sentença com vista à ampliação da matéria de facto, proferindo-se então nova decisão em conformidade com o que for apurado".

32. Aliás, no próprio parecer que o Tribunal Central Administrativo Sul citou no mesmo Acórdão era reconhecido que "como defendido vem pela recorrente, tais espécies de objectos e artigos incorridos em custos, estão codificados. Deste modo, em razão da síntese codificada, havia que desmontá-la, apurar a sua significação e dimensão, o que exige da parte da AF um mínimo de trabalho, com a colaboração da recorrente, que não pode ocultar a significação da linguagem codificada sob pena de tais custos não serem atendidos."

33. Aqui chegados, importa concluir que, uma vez regressado o processo à primeira instância, para ampliação da matéria de facto e prolação de nova decisão em conformidade com o que viesse a ser apurado, o Tribunal a quo readquiriu todos os poderes de decisão quanto a esta questão controvertida devendo decidir o Direito em função dos factos que viesse a considerar como provados.

34. E foi o que o Tribunal a quo fez e bem - diga-se desde já.

Vejamos porquê:

35. O Tribunal a quo deu como provado o teor do Relatório de Inspecção que fundamenta a correcção que se discute neste recurso e no qual a Administração tributária indicou que a não aceitação da dedução de parte do valor registado pela ora Recorrida como quebras de existências era justificada nos termos do artigo 23.° do Código do IRC.

36. Nesse Relatório, a Administração tributária indicou que a Recorrida não tinha apresentado, relativamente a todos os motivos indicados como "quebras", os elementos de prova que (no entender dos Serviços) eram necessários ou adequados para demonstrar a indispensabilidade dos daqueles custos para a formação de proveitos.

37. Efectivamente, a Administração tributária invocou no Relatório de inspecção que se impunha à Recorrida ter na sua posse determinado tipo de meio de prova para efeitos de comprovação da dedutibilidade do custo ao abrigo do artigo 23.° do Código do IRC.

38. Assim, resulta do Relatório de Inspecção que, relativamente às existências compostas por bens perecíveis e cuja justificação apresentada pela Recorrida para efeitos de registo da quebras foi a deteriorização (lixo), a Administração tributária não questionou os valores registados na contabilidade da Recorrida nem a sua indispensabilidade, atenta a actividade desenvolvida por esta última.

39. Já no que respeita aos restantes motivos, e em particular ao motivo furto, a Administração tributária considerou que não se encontrava demonstrada a indispensabilidade do custo, uma vez que a Recorrida não possuía documentos comprovativos das participações à polícia e/ou a participação de sinistro às seguradoras.

40. No que se refere aos bens não perecíveis, a Administração tributária considerou que a Recorrida não tinha demonstrado a indispensabilidade do custo referente às quebras registadas porque não possuía os respectivos autos de destruição e abate.

41. Foi à luz dos argumentos constantes do Relatório de Inspecção que o Tribunal a quo aferiu da legalidade do acto de liquidação praticado pela Administração tributária objecto dos Autos.

42. Efectivamente, como é sabido, a legalidade dos actos administrativos deve ser aferida em função da sua fundamentação contextual, exigindo-se, portanto, ao julgador que aprecie a valoração que o órgão decisor fez, quer dos factos, quer do direito aplicável no caso em apreço.

43. Ora, a análise da sentença recorrida permite concluir que a apreciação que o Tribunal a quo fez quanto aos factos e quanto ao Direito se encontra devidamente sustentada e que não se apresenta desconforme com o previsto nos artigos 23.° do Código do IRC e 74.° e 75.° da Lei Geral Tributária.

44. Na verdade, depois de fixar os factos relevantes para a apreciação da causa, o Tribunal a quo apreciou, concretamente, os argumentos apresentados pela Administração tributária no Relatório de Inspecção, tendo tomado em consideração que "No âmbito do procedimento de inspecção que culminou na liquidação sindicada, a Administração Tributária apurou que as quebras de existências contabilizadas pela Impugnante se encontravam catalogadas por códigos, considerando que os motivos apresentados se podiam agrupar em três grupos: (1) informático ou diferenças de contagem, (2) furto e (3) deterioração/lixo".

45. O Tribunal a quo apurou também - com base no mesmo Relatório de Inspecção - que "A Administração Tributária aceitou os custos declarados quanto às quebras de bens perecíveis alimentares relativas a produtos deteriorados ou lixo, não aceitando, porém o custo correspondente às quebras enquadradas nos grupos (1) informático ou diferenças de contagem, (2) furto, por considerar que a Impugnante não apresentou elementos que o comprovassem, concluído que não se encontrava comprovada a indispensabilidade para a realização dos seus proveitos ou ganhos nos termos do art. 23° do CIRC".

46. Com base nestes factos, o Tribunal a quo concluiu que "a Administração Tributária não questiona a ocorrência das quebras em questão, mas desconsidera os custos referentes às mesmas, apenas porque não foram apresentados documentos justificativos do destino dado às quebras nas existências, considerou, como já disso demos nota, que não se encontrava comprovada a indispensabilidade para a realização dos seus proveitos ou ganhos nos termos do art. 23° do CIRC".

47. Já no que se refere ao quadro legal aplicável e, em particular, à disciplina que resulta do artigo 23.° do Código do IRC, o Tribunal a quo notou que "a doutrina tem apontado três requisitos para que um custo contabilístico seja valorado e aceite como custo fiscal: a comprovação (justificação) e a indispensabilidade e a ligação aos ganhos sujeitos a imposto" e acrescentou que "o primeiro requisito reporta-se, como sublinha Vitor Faveiro à efectividade da realização dos custos. A prova que se exige no artigo 23° do CIRC, nas palavras do autor citado «é a prova da efectivação dos factos constitutivos dos encargos. (In: O Estatuto do Contribuinte, pag. 84:8)".

48. Quanto à prova da verificação dos factos constitutivos dos encargos, o Tribunal a quo salientou - e bem, uma vez mais - que "O Código do IRC não contém qualquer referência que precise a noção de documento justificativo, daí que possa dizer-se que a dedutibilidade dos custos fiscais para efeitos de IRC pressupõe e satisfaz-se com a feitura de um documento justificativo que represente um suporte externo com a menção das características essenciais da operação".

49. Neste contexto, o Tribunal a quo considerou, sem mais, que "Existindo tal documento, competirá à Administração Tributária a prova da sua inexactidão ou da inexistência da relação subjacente".

50. Seguidamente e invocando o próprio Relatório de Inspecção, o Tribunal a quo comprovou que "a Administração Tributária assegurou que «de facto, e genericamente, as quebras de existências contabilizadas pelas empresas, se encontram relacionadas com os motivos/códigos apresentados pela M…..»

51. Foi, portanto, em face da prova constante do Autos e, em particular, do teor do Relatório de Inspecção, que o Tribunal a quo concluiu que "respeitando as perdas a bens transaccionados no âmbito da actividade da Impugnante mostra-se comprovada a indispensabilidade das quebras para a manutenção da fonte produtora".

52. Para concluir nesse sentido, o Tribunal a quo avaliou também os restantes argumentos invocados pela Administração tributária para sustentar tal correcção, tendo afirmado que o mesmos não eram de atender "na medida em que [n]as «perdas» enquanto negação do proveito o requisito da indispensabilidade estabelece- se com a manutenção da fonte produtora e não contrariamente ao corporizado no discurso que suportou a correcção com a obtenção de proveitos, por outro lado, a relevância fiscal das perdas não depende, de qualquer prova documental relativamente à existências dessas perdas".

53. O Tribunal a quo apreciou, igualmente, a documentação carreada pela Recorrida para os Autos, tendo afirmado que "ficou demonstrado que a Impugnante possui um procedimento interno, pese embora os documentos de suporte a que aludem as alíneas D), E) e F) do probatório não mencionem o valor dos artigos, mas porque codificados, sempre sobre a Administração Tributária recaia a tarefa de apurar a sua real significação e dimensão".

54. Tarefa essa que, como bem salientou o Tribunal a quo, a Administração tributária "entendeu não efectuar", sendo certo que "era sobre a Administração Tributária que impendia o ónus de demonstrar a factualidade susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita da Impugnante, o que não logrou fazer quer em sede de procedimento de inspecçao quer nos presentes autos".

55. Na verdade, como bem registou o Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão de 16/10/2012, proferido no processo n.° 04909/11, a propósito do Ónus da prova "é ponto assente que um custo, para ser relevante fiscalmente, tem de ser afecto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa, tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados. (...) Assim sendo, a questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (arts. 78° do CPT e 75° da LGT) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível. (...) Tal significa que se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade".

56. Assinala-se, ainda, que o Tribunal a quo não se coibiu de analisar os fundamentos concretos que foram invocados pela Administração tributária para não aceitar as quebras referentes identificadas como "furtos", tendo rebatido expressamente a necessidade de a Recorrida ter de possuir a documentação invocada pela Administração tributária para atestar a indispensabilidade do custo. A este propósito, o Tribunal a quo evidenciou a posição que tem vindo a ser adoptada pela jurisprudência nesta matéria, bem como a doutrina de Vitor Faveiro, segundo a qual «A Administração Fiscal vem seguindo o critério geral de não aceitar, como custos ou perdas, o roubo ou o extravio de mercadorias, e, portanto, o seu abatimento ao inventário das existências. Trata-se, porém, de um entendimento manifestamente errado, enquanto critério geral uniforme, porquanto se a existência de mercadorias é havida como um valor positivo porque se destinam à realização de operações de afluxo de valores positivos ao rédito da empresa, a perda material de tais unidades, seja a que título for, e desde que comprovada em termos razoáveis, não pode deixar de ser havida como realidade que "foi indispensável suportar para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora».

57. Por último, o Tribunal a quo não deixou de tomar em consideração o entendimento que veio a ser posteriormente veiculado pela "Administração Tributária Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, mediante Informação n.° ….., 15.05.2009, a qual mereceu despacho de concordância da autoria do Director Geral em 02.06.2009, e da qual consta: « Para a aceitação como custos das quebras não é de exigir participações à política por furto contra desconhecidos nem a exigência de apólices de Seguro iima vez que as quebras não identificadas resultam do exercício normal da actividade, não revestindo uma natureza extraordinária e imprevisível."

58. Em face de tudo o que acima se indicou, é evidente que a decisão recorrida não merece reparo, porquanto, uma vez ampliada a matéria de facto - em cumprimento do anterior Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 30 de Setembro de 2008 -, o Tribunal a quo concluiu que resultava de toda a documentação junta aos mesmos que o valor registado a título de quebras respeitava a bens que eram transaccionados no âmbito da actividade da empresa, razão pela qual se encontrava desde logo comprovada a indispensabilidade de tais perdas ao abrigo do disposto no artigo 23.° do Código do IRC.

59. Por último, resta referir que o Tribunal a quo não foi, como não poderia ser, alheio ao facto de a não aceitação de parte dos custos registados a título de quebras decorrer - como reconhece a Fazenda Pública - da circunstância de a Administração tributária considerar que não se encontravam "suficientemente documentadas as razões para a contabilização de perdas nos montantes que a Impugnante fez constar da sua declaração de rendimentos".

60. O que o Tribunal a quo fez foi distinguir a comprovação da ocorrência da perda e a comprovação da sua indispensabilidade para a manutenção da fonte produtora (e não, como defendia a Administração tributária, para a realização dos proveitos).

61. E que, manifestamente, a correcção sindicada nos Autos assenta no equívoco de que a suposta deficiência da documentação que a Recorrente possuía implicava que se concluísse pela não comprovação da indispensabilidade da perda.

62. Porém, quanto a esse aspecto, o Tribunal a quo decidiu, e bem, que ainda que a documentação que a Recorrente possuía e que foi apresentada durante o procedimento de inspecção não mencionasse o valor dos artigos, "sempre sobre a Administração Tributária recaia a tarefa de apurar a sua real significação e dimensão", não podendo limitar-se esta a concluir de forma simplista que a Recorrida não tinha comprovado a indispensabilidade do custo.

63. Por este motivo e feita a ponderação de todos os factos provados relevantes para a decisão da causa, o Tribunal a quo concluiu que (i) existindo um procedimento interno da Recorrida, (ii) existindo documentos internos que identificavam os bens com as respectivas referências e, sobretudo, (iii) tendo a Administração tributária reconhecido no Relatório de Inspecção que «de facto, e genericamente, as quebras de existências contabilizadas pelas empresas, se encontram relacionadas com os motivos/códigos apresentados pela M…..», não podia considerar-se não se encontrava comprovada a indispensabilidade dos custos em apreço, nos termos previstos no artigo 23.° do Código do IRC.

64. Invoca, ainda, a Fazenda Pública que a aceitação das quebras para efeitos fiscais implica a verificação de que estas ocorreram e se situam dentro dos limites razoáveis para o sector de actividade, defendendo que tal não sucede no caso em apreço.

65. Sucede que a análise dessa razoabilidade, como se assinala na Informação n.° ….., de 15 de Maio de 2009, citada pelo tribunal a quo "englobará a verificação da existência de sistemas de controlo implementados (sistemas de rádio anti roubo, CCTV, segurança privada e locais de venda assistida), para assegurar a minimização dos furtos, bem como a existência de um sistema devidamente organizado de registo informático de quebras de existências e de controlo interno. (...) Este sistema organizativo de quebras de existências deve englobar não só as quebras identificadas bem como as quebras não identificadas (furtos de existências). (...) Para as quebras identificadas deve ser elaborado documento interno donde conste todos os elementos identificativos do produto (descrição, código, quantidade, motivo da quebra e destino do produto), assinado, para além dos intervenientes no processo, pelo responsável da secção e pelo gerente da loja. (...) Este documento interno deve servir de suporte à regularização do sistema de gestão de stocks, devendo ser emitida por este sistema uma listagem de regularização de stocks que suportará os lançamentos contabilísticos de quebras de existências. (...) Para as quebras não identificadas deve ser elaborado documento de inventário com as diferenças de stock, devendo ser assinado pelos analistas de inventário e pelo gerente de loja. Este documento deverá servir de suporte à regularização do sistema de gestão de stocks bem como deve servir como documento de suporte aos lançamentos contabilísticos de quebras de existências. (....) Um sistema organizativo com os elemento indicados dispensará a elaboração de autos de destruição e de abate. (...) Para a aceitação como custo das quebras não é de exigir participações à polícia por furto contra desconhecidos nem a exigência de apólices de seguro uma vez que as quebras não identificadas resultam do exercício normal da actividade, não revestindo uma natureza extraordinária e imprevisível. (...) A demonstração que as quebras se situam dentro dos limites razoáveis para o sector de actividade (publicações internacionais e/ou nacionais) assentará numa análise das circunstâncias concretas de cada empresa e não com base numa percentagem previamente definida sobre a facturação" (cf. informação junta pela Recorrida com as alegações que apresentou nos termos previstos no artigo 120.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a fls... dos Autos).

66. Ora, vertendo esse entendimento para o caso sub judice e feitas as devidas adaptações em função da evolução dos sistemas de registo - já que a correcção se reporta ao exercício de 2001 -, facilmente se conclui que a Administração tributária não poderia impor ao contribuinte a existência de procedimentos específicos e de documentos que não se adequam manifestamente à realidade e que não podiam, por isso, ser de exigir.

67. Por isso, dando-se conta da evidente falta de razoabilidade de algumas das suas exigências quanto à comprovação da existência de quebras, a Administração tributária veio indicar nessa mesma Informação, tão-somente, que deveria existir um procedimento interno que, de algum modo, permitisse servir de suporte à contabilização das quebras, dando exemplos dos tipos de procedimentos que poderão ser adoptados.

68. Acontece que, na situação em apreço, o Tribunal a quo deu - e bem - como provada a existência de tais procedimentos internos que permitiam controlar e explicar as quebras nas existências, e que os mesmos não foram

devidamente relevados pela Administração tributária, concluindo que o acto de liquidação impugnado se encontrava contaminado.

69. Em suma, bem andou o Tribunal n quo ao decidir, como decidiu, que "liquidação sindicada, padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, devendo ser anulada, e por conseguinte (...) ser anulados os respectivos juros compensatórios porquanto integram-se na própria dívida do imposto".

TERMOS EM QUE, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DA FAZENDA PÚBLICA E SER MANTIDA A SENTENÇA RECORRIDA NO QUE RESPEITA À ANULAÇÃO DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DE IRC E RESPECTIVOS JUROS COMPENSATÓRIOS.


***

O DMMP no recurso interposto, apresentou alegações tendo formulado as seguintes conclusões:


I - Recorre o Ministério Público do despacho proferido na data de 24.03.2014, de fls. 657 a 658 do suporte de papel dos autos, e nos termos da qual foi indeferido o pedido de reforma da sentença, mais precisamente do segmento relativo a custas, que fora apresentado pelo Ministério Público ao ser notificado da mesma por verificar que da sentença resultava a condenação em custas da parte vencida, no caso da Fazenda Pública, e sem que fosse feita qualquer alusão quanto à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça relativamente ao valor superior a € 275.000,00.

II - O Ministério Público fundamentara então o seu pedido de reforma com base no disposto no artigo 6º, n° 7, do Regulamento das Custas Processuais, por entender que não obstante o valor da causa fosse de € 923.754,62, não seria de impor o pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte superior a €275.000,00, sob pena de violação dos princípios da proporcionalidade e do direito de acesso á justiça, isto porque quer a complexidade da causa e quer a conduta processual das partes eram de modo a justificar a requerida dispensa. 

III - É pois uma única a questão a apreciar no presente recurso, e consiste em saber se se mostram preenchidos os pressupostos mencionados no artigo 6.º, n° 7, do RCP, designadamente se a complexidade da causa e a conduta processual das partes não justificam a dispensa permitida naquele preceito.

IV - Entendeu-se, no despacho recorrido, não se detectar nenhuma especificidade de modo a dispensar a contabilização do remanescente da taxa de justiça, a efectuar no momento oportuno, uma vez que se relativamente à conduta processual das partes não existe qualquer aspecto negativo a apontar, já no item referente à complexidade do caso a mesma é evidente, como o demonstram as posições das partes e as alegações de recurso da sentença.

V - Ora verifica-se que a presente impugnação judicial apresentada pela firma “M….., SA.”, deu entrada neste TAF na data de 26.01.2006, pretendendo a mesma a anulação do acto tributário de liquidação de IRC referente ao ano de 2001, sendo o valor da causa de € 923.754,62, e estando em causa a imputação ao acto impugnado dc dois vícios anulatórios, o vicio de forma, por falta de fundamentação, e o vicio de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.

VI - Mostra-se ainda que a petição inicial tem 151 artigos, e com a mesma vêm em anexo 5 documentos, que a contestação deduzida pelo Representante da Fazenda Pública tem 7 artigos, e a mesma remete para uma informação de serviços, que lhe vem anexa, com 57 artigos, e, por último, que no decurso do processo não houve audiência para produção de prova.

VII - Na norma do artigo 6º.º, n° 7, do RCP, dispõe-se que “...Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.".

VIII - Neste particular, e para o apuramento da eventual complexidade, seguimos a posição sustentada no Acórdão do TCA Sul, de 29.05.2014 (relatado pelo Desembargador Pedro Mar chão Marques, no processo n° 07270/13):

“...Já quanto à falta de complexidade do caso, importa pois, à míngua de critérios constantes no RCP, objectivar o grau de complexidade dos autos recorrendo, desde logo, aos critérios indiciários constantes do actual artigo 530°, do CPC (anteriormente o art. 447°-A) que dispõe que se consideram de especial complexidade as acções e os procedimentos cautelares que:

a) Contenham articulados ou alegações prolixas;

b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou

c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

IX - Pois bem, cremos que um juízo de ponderação com referência a tais critérios, e face ao quadro factual dado por assente, não pode deixar de levar a concluir que a acção não assumiu especial complexidade.

X - Deste modo, e a nosso ver, o despacho recorrido padece de erro de julgamento de direito, por violação da referida norma do artigo 6.º, n° 7, do RCP.

XI - Assim sendo será pois de revogar o despacho recorrido, e, em consequência, de estabelecer que no segmento da sentença referente a custas, e ao abrigo disposto no artigo 6.º, n° 7, do RCP, não seja de considerar o remanescente superior ao valor de € 275.000,00.

Porém, V.Exas., Senhores Juízes Desembargadores, apreciarão e decidirão como for de Direito!“


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do primeiro recurso, sendo certo que o segundo recurso deverá proceder, dispensando-se o pagamento da taxa de justiça respeitante ao valor superior a €275.000,oo.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.


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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr. fls. 585 a 589 dos presentes autos):

“A) A Impugnante tem como actividade principal a actividade de “ comércio por grosso de outros produtos alimentares”, encontrando-se enquadrada no CAE 51382. (Doc. a fls. 183 do p.a. em apenso)

B) Na sequência de uma acção de inspecção externa, de âmbito geral, levada a cabo pela Administração Tributária, em cumprimento da ordem de serviço n° ….. e ….., de 19 de Maio de 2004, emitida pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária, abrangendo os exercícios de 2001 e 2002, foi elaborado o relatório de inspecção, do qual destacamos:





C) Em 5 de Dezembro de 2005, a Impugnante foi notificada da compensação n.° ….., referente ao IRC relativo ao exercício de 2001, no montante de € 923.754,62. (Doc. n.° 2 junto à p.i.)

D) A Impugnante dispõe do” Manual de Normas que tem por objectivo definir e regulamentar os produtos em quebra ou obsoletos das secções Alimentar e não alimentar, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (Docs. fls. 107 a 120 dos autos)

E) No ano de 2001, a Impugnante elaborou documentos de suporte das quebras dos quais constam os seguintes itens: “Código”, ”Descrição’, “Quantidade Motivo" e Código Corr.”( Doc. n.°5 junto à p.i.)

F) Os documentos referidos na al. E) encontram-se assinados pelos funcionários da Impugnante. (Doc. n.°5 junto à p.i.)

G) Em 26.01.2006, deu entrada em juízo a petição inicial que originou os presentes autos. (Cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos).”


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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:


“Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.”



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A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:


“Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, e, em concreto, no teor dos documentos indicados em cada uma das alíneas do probatório.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M….. S.A, contra a liquidação adicional de IRC respeitante ao exercício de 2001, no montante de €923.754,62.

Não se conformando, outrossim, o DMMP com o despacho de indeferimento do pedido de reforma da sentença no segmento referente a custas.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:

- Se a Recorrente impugnou a matéria de facto desrespeitando os requisitos contemplados no artigo 640.º do CPC, devendo, por isso, ser rejeitado o recurso quanto à impugnação da matéria de facto;

- Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, em face de, por um lado, ter valorado erradamente a prova produzida nos autos, e se, por outro lado, face ao recorte probatório dos autos, e à insuficiência probatória da Recorrida o Tribunal a quo errou ao considerar as verbas sindicadas como custos subsumíveis no artigo 23.º do CIRC;

- Se estão reunidos os pressupostos constantes no artigo 6.º, n° 7, do RCP, que justificam a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça permitida no citado preceito legal.


Vejamos, então.

Antes de procedermos à análise das questões supra elencadas importa atentar na admissibilidade do recurso interposto pelo DMMP.

Como decorre das conclusões expressas pelo DMMP, o mesmo na sequência da prolação da decisão recorrida apresentou requerimento no qual requereu a “reforma do segmento relativo a custas, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº7, do RCP, por se tratar de causa de valor superior a €275.000,00, e de modo a não impor o pagamento do remanescente da taxa de justiça sob pena de violação dos princípios da proporcionalidade e do direito de acesso à justiça. Com efeito, a natureza e complexidade da causa, e a conduta processual das partes, não justificam que seja de considerar o valor do referido remanescente.”

Tendo o Tribunal a quo, decidido, por despacho datado de 24 de março de 2014 que “no caso, nenhuma especialidade se detecta que determine a dispensa de contabilização do remanescente da taxa de justiça (…) Acresce que o normativo em análise pressupõe a verificação de razões objectivas para a dispensa de pagamento, designadamente atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes. Ora, se relativamente à conduta processual das partes não existe, qualquer aspecto negativo a apontar, já a complexidade do caso é evidente, como bem o demonstram as posições das partes e as alegações de recurso da sentença documentada nos autos. Assim, indefiro o requerido.”

O DMMP, na sequência do indeferimento do pedido de reforma da sentença quanto a custas, interpôs recurso do aludido despacho, em 08 de julho de 2014, por entender que se mostram preenchidos os pressupostos mencionados no artigo 6.º, n° 7, do RCP, designadamente a reduzida complexidade da causa e a conduta processual das partes justificando-se, por isso, a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

A verdade, porém, é que conforme resulta claramente do disposto no artigo 616.º, do CPC, sob a epígrafe de “reforma da sentença”, não obstante a parte poder requerer, “no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa”, a verdade é que, conforme preceitua o nº 3 do citado preceito legal: ”cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação.”

Conforme doutrina António Santos Abrantes Geraldes (1) “Em qualquer dos casos, sendo admitido recurso ordinário, a reforma da sentença deve ser requerida nas alegações de recurso, apenas se admitindo que seja suscitada perante o juiz a quo nos demais casos, regime com o qual se pretendeu obstar a que fossem deduzidos incidentes com o mero objetivo de dilatar o prazo para a interposição de recurso e apresentação das correspondentes alegações.”

Neste âmbito, convoque-se, outrossim, o Aresto do STA proferido no processo nº 0181/12, de 29.01.2014, que não obstante ter sido proferido no domínio do CPC antigo, é inteiramente transponível para o caso dos autos e cujo sumário se transcreve na parte que releva para o caso vertente:

“I - O despacho que indefere o requerimento de reforma da sentença, feito ao abrigo do disposto no artigo 669º nº 2 alíneas a) e b) do Código de Processo Civil, (versão antiga) não é jurisdicionalmente recorrível.

II - O recurso jurisdicional de tal sentença deve ser interposto no prazo de dez dias contados da sua notificação, e não da do despacho de indeferimento daquele requerimento.”

Ora, face ao supra aludido, conclui-se que o despacho ao abrigo do qual o DMMP interpôs recurso não é jurisdicionalmente recorrível, devendo, por isso, o aludido recurso ser rejeitado, por não admissível, a isso não obstando, naturalmente, a sua prévia admissão pelo Tribunal a quo.

De relevar, de todo o modo, que, in casu, a questão dos pressupostos constantes no artigo 6.º, n° 7, do RCP, e inerente dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça será objeto de análise na presente lide, atenta a expressa arguição, pela Recorrente, nas suas alegações de recurso.

Vejamos, ora, a arguida rejeição do recurso por falta de cumprimento dos requisitos enunciados no artigo 640.º do CPC.

A Recorrida nas suas contra-alegações sustenta que tendo a Recorrente alegado que inexiste prova nos autos de que tenham ocorrido quebras de existências, no valor de €1.381.321,01 e de €1.093.669,24, procede à impugnação da matéria de facto sem que, contudo, cumpra os respetivos requisitos legais consignados no artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT, devendo, por isso, ser rejeitado o recurso referente à impugnação da matéria de facto.


Ora, se é certo que na impugnação da decisão da matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa, tendo o mesmo de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (2).


É, igualmente, certo que no caso vertente a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto. Com efeito, atentando nas suas alegações de recurso e respetivas conclusões verifica-se que a Recorrente não convoca qualquer aditamento por complementação ou substituição, nada impugnando e retirando da prova produzida em termos de asserção fática que reputa relevante para a lide. Porquanto, o que se infere é que a Recorrente entende, tão-só, que a realidade factual constante nos autos não permite concluir pela subsunção das verbas em questão no artigo 23.º do CIRC, donde, pela legalidade da atuação da Recorrida.

E por assim ser, não tendo a Recorrente procedido à impugnação da matéria de facto, apenas convocado uma errónea apreciação e valoração da matéria de facto dos autos, não logra provimento a rejeição sustentada pela Recorrida.

Atentemos, ora, no erro de julgamento de facto e de direito.

A Recorrente defende que os elementos de prova constantes dos autos, não permitem concluir que se encontra comprovado que a Recorrida no ano em causa incorreu num custo referente a quebras nas existências de bens afetos ao sector alimentar e não alimentar nos montantes de € 1.381.321,01 e de € 1.093.669,24.

Sustenta, neste particular, que a relação de quebras que é realizada pelas lojas, não indica o valor dos artigos e objetos desaparecidos, destruídos ou furtados, e tão pouco se indica o valor global em razão de cada loja, logo a mesma não merece crédito.

Mais aduz que, não tendo sido demonstrada a ocorrência das quebras e perante as dúvidas decorrentes da sua explicação, após ter sido fundadamente questionada a ocorrência das mesmas e bem assim a sua justificação no âmbito do escopo societário, nos termos do artigo 23º do CIRC, por parte da Administração Tributária, competiria à Recorrida o ónus de comprovar as razões para a inscrição dos montantes em causa nos autos como custos na sua declaração de rendimentos, em conformidade com o consignado nos artigos 74º n.º 1 e 75.º ambos da LGT, o que não logrou fazer no caso vertente.

Dissente, por seu turno, a Recorrida alegando que a decisão recorrida ponderou toda a prova constante dos autos a qual valorou adequadamente face ao direito aplicável, em total conformidade com o consignado nos artigos 23.º do CIRC e 74.º e 75.º da LGT.

Aduz, para o efeito, que o Tribunal a quo ajuizou, acertadamente, que ficou demonstrado que a Recorrida possui um procedimento interno de controle, sendo certo que não obstante os documentos de suporte constantes das alíneas D), E) e F) do probatório não mencionarem o valor dos artigos, a verdade é que os mesmos encontravam-se codificados, donde, sempre impendia sobre a Administração Tributária a tarefa de apurar a sua real significação e dimensão, o que a mesma não logrou fazer e cujo ónus probatório se circunscrevia na sua esfera jurídica.

Conclui, assim, que a decisão recorrida não merece qualquer censura ao ter decidido que existindo um procedimento interno da Recorrida, e bem assim documentos internos com densificação dos bens e com as respetivas referências e, sobretudo, tendo a Administração Tributária reconhecido no Relatório de Inspeção que «de facto, e genericamente, as quebras de existências contabilizadas pelas empresas, se encontram relacionadas com os motivos/códigos apresentados pela M…..», então outra não poderia ser a decisão que não a adequada comprovação da indispensabilidade dos custos em apreço, nos termos previstos no artigo 23.° do Código do IRC.

Para concluir pela procedência a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo alinhou o seguinte discurso fundamentador: “[a] Administração Tributária não questiona a ocorrência das quebras em questão, mas desconsidera os custos referentes às mesmas, apenas porque não foram apresentados documentos justificativos do destino dado às quebras nas existências, considerou, (…) que não se encontrava comprovada a indispensabilidade para a realização dos seus proveitos ou ganhos nos termos do art. 23° do CIRC.”

Mais relevou que, não contemplando o CIRC qualquer referência que precise a noção de documento justificativo, assume-se que a dedutibilidade dos custos fiscais para efeitos de IRC se satisfaz com a feitura de um documento justificativo que represente um suporte externo com a menção das características essenciais da operação.

Materializando, para o caso dos autos, que “[a] Administração Tributária assegurou que “[d]e facto, e genericamente, as quebras de existências contabilizadas pelas empresas, se encontram relacionadas com os motivos/códigos apresentados pela M…..", para depois concluir que “[r]espeitando as perdas a bens transaccionados no âmbito da actividade da Impugnante mostra-se comprovada a indispensabilidade das quebras para a manutenção da fonte produtora.”

Mais enfatizando que não procedem “[o]s argumentos que suportaram as correcções, na medida em que as “perdas” enquanto negação do proveito o requisito da indispensabilidade estabelece-se com a manutenção da fonte produtora e não contrariamente ao corporizado no discurso que suportou a correcção com a obtenção de proveitos, por outro lado, a relevância fiscal das perdas não depende, de qualquer prova documental relativamente à existências dessas perdas.”

Até porque, sublinha, “[f]icou demonstrado que a Impugnante possui um procedimento interno, pese embora os documentos de suporte a que aludem as alíneas D), E) e F) do probatório não mencionem o valor dos artigos, mas porque codificados, sempre sobre a Administração Tributária recaia a tarefa de apurar a sua real significação e dimensão.Tarefa, que entendeu não efectuar.”

No concernente ao valor referente a furtos de mercadorias referente às quebras de existências de bens afetos ao sector não alimentar, ajuizou que “[d]eve ser considerado como custo do exercício, pois que aquele risco, incorrido no desenvolvimento da actividade da Impugnante, é elegível como custo nos termos do art. 23° do CIRC.”

Adensa o seu entendimento relevando que este é o entendimento “[q]ue melhor se adequa ao tratamento contabilístico a dar às mercadorias desaparecidas ilicitamente, bem como ao princípio constitucional da tributação das empresas pelo lucro real.”

Conclui, convocando doutrina administrativa que “Para a aceitação como custos das quebras não é, de exigir participações à polícia por furto contra desconhecidos nem a exigência de apólices de Seguro uma vez que as quebras não identificadas resultam do exercício normal da actividade, não revestindo uma natureza extraordinária e imprevisível. ”

Termina sustentando que o ónus probatório impendia sobre a Administração Tributária e esta, no caso vertente, não cumpriu o ónus a que estava adstrita.

E, de facto, nenhuma censura pode ser atribuída ao juízo efetuado pelo Tribunal a quo, tendo interpretado adequadamente o regime jurídico aplicável com a devida transposição à realidade fática dos autos.

Senão vejamos.

In casu, atentando na fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária resulta claro que o justificativo das correções assenta no artigo 23.º do CIRC, razão pela qual importa, desde já, analisar o seu teor.

Dispunha o artigo 23.º do CIRC, com a redação à data aplicável, sob a epígrafe de “custos ou perdas” que: “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.

Do seu teor literal, retira-se, desde logo, que a lei não recorta o conceito objetivo de custo ou perda apenas desenha o conceito numa vertente finalística, traduzida tão-somente numa certa relação de causalidade com as componentes positivas do resultado.

De todo o modo, o citado artigo 23.º do CIRC permite aferir da existência de diversos requisitos. Como predicado essencial, tem que existir um gasto económico como contraprestação da aquisição de um fator de produção, em segundo lugar, mostra-se necessário que a componente negativa da base contabilística no âmbito da atividade da empresa não esteja precludida por uma qualquer previsão legal expressa, numa terceira esteira, surgem as exigências formais que determinam a imprescindibilidade de uma idónea comprovação das componentes negativas do rendimento e por último, tem de existir um nexo de indispensabilidade entre os encargos e os proveitos ou em face da manutenção da fonte produtora.

De sublinhar que, a dedutibilidade dos custos fiscais para efeitos de IRC pressupõe, por regra, a feitura de um documento justificativo (suporte externo, com a menção das características fundamentais da operação), competindo à Administração Fiscal a prova da sua inexatidão (total ou parcial) da relação subjacente.

No concernente à indispensabilidade importa sublinhar que o aludido conceito não é sinónimo de razoabilidade.

Com efeito, “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro (...) o Fisco filtra as decisões da empresa em face do escopo da organização, quer sobre o crivo imediatístico (subsunção dos actos ao ramo ou ramos de actividade estatutariamente definida) quer, sobretudo, em função do fim mediato (obtenção de lucros através dessa actividade, com vista à sua posterior repartição entre os sócios). (...) «Reprime os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro, mediante a preclusão da dedutibilidade fiscal dos inerentes custos”. (3)

O requisito da indispensabilidade tem sido jurisprudencialmente entendido como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa.

E nessa medida, tem sido entendido pela Jurisprudência que estão vedadas à Administração Tributária atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. (4)

Dir-se-á, portanto, que o controlo a efetuar pela Administração Tributária sobre a verificação do aludido requisito da indispensabilidade tem de ser materializado pela negativa, logo só deve desconsiderar-se como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo “o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora” (5).

Ora, aqui chegados atentando na fundamentação jurídica da decisão recorrida não se afigura que a mesma tenha incorrido em erro de julgamento de direito quanto à subsunção normativa no normativo 23.º do CIRC, uma vez que os custos, ora, sindicados se encontram suportados, revestindo, outrossim, caráter indispensável para a obtenção dos proveitos e/ou manutenção da fonte produtora.

Vejamos, então, porque o assim entendemos.

Como já devidamente evidenciado a Recorrente sustenta que não foi demonstrada a ocorrência das quebras e que face às dúvidas decorrentes da sua explicação, após ter sido fundadamente questionada a ocorrência das mesmas e bem assim a sua justificação no âmbito do escopo societário, nos termos do artigo 23.º do CIRC, por parte da Administração Tributária, competiria à Recorrida o ónus de comprovar as razões para a inscrição dos montantes em causa nos autos como custos na sua declaração de rendimentos.

Mas, a verdade é que não podemos descurar e deixar de valor em conformidade, e conforme evidenciado pelo Tribunal a quo, que a Administração Tributária nunca colocou em causa a efetividade das despesas, mas sim que não tinha sido comprovado o destino efetivo das perdas e nessa medida não poderiam ser admitidos como custos dedutíveis nos termos do artigo 23.º do CIRC por não serem indispensáveis para a obtenção de proveitos.

De forma a aquilatarmos, com rigor, o supra aludido convoquemos a fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária.

A Administração Tributária relativamente às correções, ora, sindicadas aduz de forma expressa que “foram detectados custos que, pela sua natureza, bem como pelas explicações apresentadas, não relevam para efeitos fiscais, por não ter o sujeito passivo demonstrado a indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, tal como preconiza o art. 23º do CIRC”. (destaque nosso).

Concretiza quanto às quebras alimentares as quais ascenderam a €3.631.552,95, que €2.250.231,94 respeitam a bens, “[q]ue por motivos diversos, tiveram como destino final o lixo ou material que se deteriorou no decurso do seu manuseamento (quebras de vasilhame), e que por esse facto são aceites pela Administração Fiscal. No entanto, e relativamente ao remanescente, no montante de €1.381.321,01, o sujeito passivo não apresenta justificação sustentada quanto ao destino dado aos bens.Mais relevando que “[s]empre haveria de demonstrar o destino dado aos bens, para os quais a M….. não apresenta um motivo suficientemente válido para a sua aceitação fiscal, que não seja: furto, diferenças de stocks negativos, desdobramentos de caixas, inventários parciais, erro de etiquetagem”. (destaque nosso).

Densificando, em concreto, quanto ao furto que não é apresentada qualquer “participação à polícia ou participação de sinistro à seguradora, dado que eventos seguráveis se tratam.”

Concluindo, assim, que “por não ter sido demonstrada a indispensabilidade dos referidos custos para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” corrige-se o montante de €1.381.321,01 “de acordo com art. 23º do CIRC”.

No concernente às quebras não alimentares, ou seja, quebra de existências de bens afetos ao sector não alimentar é expressamente evidenciado que a Impugnante, ora, Recorrida limitou-se a justificar tais quebras apresentando “os mesmos motivos/códigos, que havia apresentado para justificaras quebras do sector alimentar. Contudo, se para o sector alimentar aceitou a Administração Fiscal os motivos lixo e quebras de vasilhame, devido ao facto de se tratarem de bens alimentares insusceptíveis de serem guardados, para posterior comprovada destruição, já para as quebras não alimentares não aceita a Administração Fiscal os motivos apresentados, na medida em que sempre haveria de comprovar inequivocamente através de participações policiais ou autos de destruição o destino dados aos referidos bens, na medida em que se tratam de bens susceptíveis de armazenamento para posterior destruição.”

Concluindo, mais uma vez que “não tendo o sujeito passivo comprovado a indispensabilidade dos custos, inerentes à quebra de existências “não alimentares”, para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, proceder-se-á à correcção do mesmo no montante de €666.289,24, de acordo com art. 23º do CIRC”.

Ora, como é bom de ver, no sentido afirmado pelo Tribunal a quo e contrariamente ao aduzido pela Recorrente, não é colocada em causa a efetividade dos gastos mas sim o destino dos mesmos e na ótica da sua indispensabilidade, sendo que a Administração Tributária não cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia.

Mais importa ter presente que não assiste razão à Recorrente quando aduz que que o Aresto deste Tribunal proferido em 30.09.2008, que deu azo à decisão recorrida permite inferir no sentido de que a documentação junta aos autos não era, per se, suficiente para afastar as correções realizadas pela Administração Tributária. Com efeito, o Tribunal limitou-se a determinar a ampliação da matéria de facto, sem nada ajuizar quanto à suficiência ou não da documentação carreada para os autos.

O Aresto é claro e determina que se proceda "[à] ampliação da matéria de facto nomeadamente no que se refere ao valor das quebras de existências em relação à qual se verifica insuficiência probatória a ser suprida na 1ª instância". Sentenciando-se, em conformidade, "a anulação da sentença com vista à ampliação da matéria de facto, proferindo-se então nova decisão em conformidade com o que for apurado".

De resto, sempre se dirá que no aludido Acórdão e convocando o parecer do DMMP é evidenciado, de forma clara, "como defendido pela recorrente, tais espécies de objectos e artigos incorridos em custos, estão codificados. Deste modo, em razão da síntese codificada, havia que desmontá-la, apurar a sua significação e dimensão, o que exige da parte da AF um mínimo de trabalho, (…) que não pode ocultar a significação da linguagem codificada sob pena de tais custos não serem atendidos."

Pelo que, não correspondendo as aludidas alegações à realidade constante no citado Acórdão não assumem, naturalmente, a dimensão que lhe é atribuída pela Recorrente, não podendo, por isso, lograr mérito nos presentes autos.

Mais importa relevar que nenhuma censura merece o entendimento preconizado pela decisão recorrida no âmbito dos furtos e na concreta desnecessidade de, no caso vertente, serem realizadas participações à polícia.

Neste particular, importa chamar à colação o entendimento de VÍTOR FAVEIRO, o qual doutrina, de forma expressa, que “a Administração Tributária vem seguindo o critério geral de não aceitar, como custos ou perdas, o roubo ou o extravio de mercadorias, e, portanto, o seu abatimento ao inventário das existências. Trata-se, porém, de um entendimento manifestamente errado, enquanto critério geral uniforme, porquanto se a existência de mercadorias é havida como um valor positivo porque se destinam à realização de operações de afluxo de valores positivos ao rédito da empresa, a perda material de tais unidades, seja a que título for, e desde que comprovada em termos razoáveis, não pode deixar de ser havida como realidade que «foi indispensável suportar para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora” (6) ( sublinhado nosso).

Doutrina o mesmo autor, avançando com o seguinte exemplo: “O assalto a um estabelecimento em que, além do arrombamento de portas, janelas ou cofres, logo se constata e verifica o roubo de determinadas mercadorias é um evento negativo integrado no exercício da actividade, devendo, por isso, ser levado à conta de resultados os abatimentos ao inventário do «stock» de momento e adrede elabora, bem como as despesas de reparação dos bens danificados. O mesmo deverá suceder com os desvios de mercadorias em trânsito, quer por acidente quer por furto de viaturas ou seu arrombamento razoavelmente comprovado”. (7)

Dir-se-á, portanto, que o valor do furto de dinheiro ou de mercadorias constitui custo ou perda imputável ao exercício respetivo, sendo que o desaparecimento de mercadorias originado por causas exógenas aÌ atividade da empresa, e inserindo-se no seu escopo societário, deve ser havido como custo subsumível no artigo 23.º do CIRC.

Pelo que, face ao supra expendido e transpondo o mesmo para a realidade fática dos autos, não sendo sindicada a efetividade dos custos, e resultando dos autos que a Recorrida no âmbito da sua atividade de comércio por grosso de outros produtos alimentares, dispõe de um “manual de normas” que tem como objetivo definir e regulamentar os produtos em quebra ou obsoletos das secções alimentar e não alimentar, e que no exercício em questão, elaborou documentos de suporte das quebras das quais constam os itens Código, Descrição, Quantidade, Motivo e Código Corr., os quais se encontram assinados pelos responsáveis da mesma e que com base neles procedeu à inventariação das suas existências e assunção de custos registados na sua contabilidade, entende-se que bem decidiu o Tribunal a quo quando entendeu que tais realidades se encontram razoavelmente suportadas e que são, indubitavelmente, indispensáveis para a manutenção da fonte produtora.

Mais importa sublinhar que não pode relevar, sem mais, a circunstância de o evento ser segurável, desde logo, porque a Administração Tributária nem tão-pouco convocou o artigo 41.º, nº1, alínea e), do CIRC.

De resto, acompanhando a doutrina vertida no Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6540/02, de 02 de julho de 2002, também convocado na decisão recorrida, “quanto à impossibilidade de segurar o risco de furto de mercadorias armazenadas, pese embora em abstracto nada obstar à transferência contratual desse risco para uma empresa seguradora, certo é que, em concreto, as seguradoras não o aceitam (…)”.

Note-se que, se a existência de mercadorias é indubitavelmente um valor positivo, o descaminho de mercadorias, nomeadamente por furto, não pode deixar de ser considerado como custo ou perda, exceto se as mercadorias furtadas tiverem sido objeto de contrato de seguro cuja indemnização foi paga pela seguradora, porquanto falta ao alegado custo o requisito geral da sua efetividade, a pressupor não apenas a sua existência mas ainda que o custo foi efetivamente suportado pelo sujeito passivo (8).

De sublinhar, neste contexto, que é a própria Administração Tributária que assume que as perdas por furtos se incluem entre as contingências da atividade económica sendo, inquestionavelmente, uma realidade intrínseca ao sector da distribuição e do comércio por retalho. Pelo que, efetivando-se os mesmos e estando, devidamente, suportados podem e devem ser consideradas custos fiscalmente dedutíveis e subsumíveis no artigo 23.º do CIRC.

Neste particular, vide, outrossim, o doutrinado no parecer nº 63/92 do Centro de Estudos Fiscais, elaborado no âmbito do IRC e citado na Ficha Doutrinária da Direção Geral dos Impostos reportada a quebras anormais de existências, processo A509209009, de 29.06.2009, no qual, expressamente, se doutrina que:

“[o]s pequenos furtos de existências são inerentes à própria actividade normal da empresa, preenchendo claramente o requisito da indispensabilidade, apontando o exemplo concreto das superfícies de venda a retalho e estabelece como condição que i) os controlos instituídos assegurem a minimização da ocorrência dos furtos e que ii) o sistema confira fiabilidade à tradução contabilística dessas ocorrências;

1.23 - Com efeito, o CEF reconhece a inevitabilidade desses pequenos furtos, ainda que sublinhe a importância da minimização dessas ocorrências e a necessidade de assegurar que a relevância fiscal de um furto não se constitua em via relativamente fácil de evasão fiscal;

1.24 - Relativamente aos pequenos furtos de existências verificados em superfícies de venda a retalho, considera o mesmo parecer poder aceitar-se a correspondente perda para efeitos fiscais, devendo o sujeito passivo demonstrar que as perdas se situam dentro dos limites razoáveis para o sector de actividade e em condições de exercício do mesmo e indicar quais os sistemas de controlo e contabilístico, designadamente de natureza informática, instituídos em conexão com a verificação desses eventos;

1.25 - Assim, a indispensabilidade de tais custos não resulta da sua ligação a um proveito, mas sim da sua ocorrência em consequência directa do exercício de uma actividade.

A indispensabilidade, numa interpretação ampla, que é a correcta, do artigo 23° do CIRC, resulta da sua inevitabilidade económica, pois que para obter os proveitos sujeitos a imposto as empresas da grande distribuição têm de suportar perdas, que só em inventário se revelam, em virtude de as causas que as determinam não serem comprováveis aquando da sua ocorrência”.

Destarte, não tendo, in casu, sido colocada em causa a falta de razoabilidade das perdas, ou seja, que as mesmas extravasam os limites razoáveis para o sector de atividade e em condições de exercício do mesmo, -não resultando, tão-pouco, dos elementos dos autos qualquer elemento que permita inferir nesse sentido- e tendo sido indicados os respetivos sistemas de controlo e contabilístico, instituídos em conexão e total conformidade com a verificação desses eventos, o juízo perfilhado pelo Tribunal a quo não merece qualquer censura.

Note-se, neste e para este efeito, que, in casu, a Recorrida no âmbito do procedimento forneceu à Administração Tributária diversos motivos catalogados por códigos, abaixo discriminados:

Ø Código O - Inventário oficial

Ø Código 1-:Quebra (lixo)

Ø Código 2 - Furto (roubo)

Ø Código 3 - Stocks negativos

Ø Código 4 - Desdobramento (caixa para unidades)

Ø Código 5 - Erro de etiquetagem (troca de códigos p.m)

Ø Código 6 - Outras correcções

Ø Código 7 - Inventários parciais

Ø Código 8 - Diferença stock loja/H.O(informática)

Ø Quebras de vasilhame

Sendo que é a própria Administração Tributária que reconhece que “de facto, e genericamente, as quebras de existências contabilizadas pelas empresas, se encontram relacionadas com os motivos/códigos apresentados pela M…..”.

Ademais, é preciso ter presente que a possibilidade de rejeição liminar do custo por parte da Administração Tributária é naturalmente maior quando o documento, de todo, não existe. Noutra formulação, dir-se-á, que se a documentação existe, mas é formalmente insuficiente, não se põe de parte a dedutibilidade fiscal do custo respetivo se os documentos existentes permitem ainda assim o controle ou verificação.

No concernente às perdas em existências em bens não alimentares, importa, desde já, relevar que não se aquiesce porque motivo a Administração Tributária estabelece essa destrinça e com base em juízo eminentemente conclusivo aceita as perdas consubstanciadas em deterioração/lixo nos bens alimentares e não aceita nos bens não perecíveis pela simples circunstância de que deveriam ser armazenados e objeto de auto de abate testemunhado por pessoas estranhas ou não à empresa que presenciem esse ato.

Ademais, não só a lei, à data, nada obrigava nesse e para esse efeito como é a própria Administração Tributária que assume que existindo um sistema organizativo de quebras de existências que englobe naÞo soì as quebras identificadas bem como as quebras naÞo identificadas, designadamente, furtos de existências, com a inerente elaboração de documento interno com os elementos identificativos do produto, concretamente(descriçaÞo, coìdigo, quantidade, motivo da quebra e destino do produto), assinado pelo responsaìvel da secçaÞo e pelo gerente da loja. Este documento interno deve servir de suporte aÌ regularizaçaÞo do sistema de gestaÞo de stocks, devendo ser emitida por este sistema uma listagem de regularizaçaÞo de stocks que suportaraì os lançamentos contabiliìsticos de quebras de existências. (9)”, há lugar à assunção e dedutibilidade fiscal do custo suportado.

Mais importa reter que é a própria Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, que sanciona, no âmbito do enquadramento tributário das quebras nas grandes superfícies que a existência de “um sistema organizativo com os elementos indicados deveraì dispensar a elaboraçaÞo de autos de destruiçaÞo e de abate (10)”.

Assim, face a todo exposto, sendo as quebras de mercadorias nas grandes superfícies de venda a retalho inerentes à atividade normal das empresas desse sector e estando as mesmas, in casu, suportadas pelos documentos identificados nas alíneas D) a F) do probatório, está comprovadamente demonstrada indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, subusmindo-se, assim, no nº 1 do artigo 23º do CIRC.

Acresce que, sempre se dirá que não existindo obrigação legal de proceder a qualquer prévia diligência ou participação nos moldes enunciados pela Administração Tributária impunha-se, conforme evidenciado na decisão recorrida, por força do princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.º da LGT, que promovesse qualquer diligência necessária à descoberta verdade, o que, como visto, não logrou fazê-lo.

Carecendo, assim, de qualquer relevância o aludido em III), visto que o ónus probatório, prima facie, circunscreve-se na esfera jurídica da Administração Tributária. De todo o modo, sempre se dirá que, nunca o alegado pela Recorrente poderia acarretar uma desconsideração, tout court, dos encargos, efetivamente, incorridos.

Adicionalmente, importa relevar que esta foi a posição assumida no âmbito do processo nº 1193/05.6BESNT, transitado em julgado, que correu termos no TAF de Sintra, referente à mesma realidade fática dos autos, e com base nos mesmos fundamentos, mas no âmbito do IVA.

In fine, importa sublinhar que esta é a interpretação que entendemos que melhor se harmoniza com o princípio da tributação pelo lucro real plasmado no artigo 104, nº2, da CRP. Até porque, segundo jurisprudência firmada no Acórdão do Pleno do STA (11):“Deve evitar-se a existência de imposto sem rendimento efectivo”.

Conclui-se, assim, que “destinando-se os bens que integram o activo imobilizado à realização de operações de afluxo de valores positivos ao rédito da empresa, a perda material desses bens, seja a que título for, designadamente por furto ou roubo, não pode deixar de relevar, pelo seu valor líquido (art.º23.º, alínea g), do CIRC), como realidade «indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (12)”.

E por assim ser a sentença que assim o decidiu deve manter-se na ordem jurídica.

Resta, ora, analisar a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP, requerida pela Recorrente.


No Aresto do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014 (13): resulta claramente que: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.


No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns, encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

***
IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
- NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO interposto pela DRFP e manter a decisão recorrida.
- REJEITAR O RECURSO interposto pelo DMMP.

Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.

Registe. Notifique.

Lisboa, 07 de maio de 2020


(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Tânia Meireles da cunha)

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(1) E outros, CPC anotado-Vol.I, anotação ao artigo 616.º, p.739.
(2) cfr. António Santos Abrantes Geraldes: “Recursos no Novo Código de Processo Civil”: 5ª Edição-2018: p.p 165 e 166;Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13.
(3) TOMÁS TAVARES, «Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos», C.T.F. n.º 396, página 135.
(4) Neste sentido, por todos o Acórdão do STA de 29 de março de 2006, recurso n.º 1236/05.
(5) Vítor Faveiro, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601.
(6) Noções Fundamentais de Direito Fiscal, VÍTOR FAVEIRO, 1986, II volume, pág. 603.
(7) Ibidem, nota de rodapé com o n.º 1.
(8) Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 0943/10, de 29.06.2011.
(9) Cfr. Ofício 12937, de 23.06.2009, da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, elaborado na sequência de requerimento da APED-Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição.
(10) Vide citado Ofício 12937, de 23.06.2009, Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.
(11) De 22 de julho de 1981, RLJ nº115, pág.77
(12) Vide Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 00005/04, de 12.03.2015.
(13) integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt.