Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:559/10.4BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:04/29/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:NULIDADES DE ACÓRDÃO;
NULIDADES PROCESSUAIS;
QUESTÕES.
Sumário:1. O contraditório previsto no art.º 665/1 do CPC é aplicável e está pensado para as situações em que por virtude de procedência da apelação, o tribunal de recurso tenha de conhecer de questões de que o tribunal a quo não conheceu por as ter considerado prejudicadas pela solução dada ao litígio e a sua inobservância é susceptível de integrar nulidade processual, que não nulidade da sentença, acórdão ou outra decisão.
2. Tal regra de contraditório não tem aplicabilidade nos casos de modificabilidade oficiosa da decisão de facto nos termos do disposto no art.º 662.º do CPC.
3. A nulidade da decisão por omissão de pronúncia só acontece quando a mesma deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra.
4. As questões não se confundem com os argumentos, as razões e motivações produzidas pelas partes para fazer valer as suas pretensões.
5. Questões, para efeito do disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, não são aqueles argumentos e razões, mas sim e apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
6. É em face das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que ao tribunal ad quem importa resolver, sob pena de omissão de pronúncia.
7. A não consideração pelo Tribunal de recurso dos argumentos e razões esgrimidos pelo recorrido nas suas contra-alegações não inquina a decisão de nulidade por omissão de pronúncia.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO
A....., notificado do acórdão proferido por este Tribunal Central Administrativo Sul em 12/05/2016 e constante de fls. 181/195 dos autos – que concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e, em consequência, revogou a decisão recorrida e julgou a impugnação improcedente, com condenação do recorrido em custas – vem arguir a nulidade do acórdão em requerimento autónomo dirigido a este Tribunal.

É este o teor do requerimento de arguição de nulidades do acórdão em crise:
«
«IMAGENS NO ORIGINAL»

».

Notificada a parte contrária, não disse.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, concluindo não se verificarem as nulidades imputadas ao acórdão em crise, que deverá ser mantido na ordem jurídica.

Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Vem o recorrido, A....., arguir a nulidade do acórdão proferido por este Tribunal em 12/05/2016 e inserto a fls.181/195 dos autos, em suma, com fundamento em que (i) foi aditada ao probatório a matéria fáctica constante dos pontos 17, 18, 19 e 20, sem audição das partes nos termos previstos no art.º 665/3 do CPC e (ii) por vício de omissão de pronúncia, porquanto, o acórdão deu por assente a suas fls.4 que “a recorrida não apresentou contra-alegações” quando tal não corresponde à verdade, porque as apresentou e constam de fls. 142/163 dos autos, nessa medida não tendo emitido qualquer pronúncia sobre a matéria delas constante. Vejamos.

Estabelece o convocado art.º 665.º do CPC, sob a epígrafe “Regra da substituição ao tribunal recorrido”:
«1 - Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.
2 - Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
3 - O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias».

O n.º 3 do preceito, estatui a audição das partes antes do conhecimento pelo tribunal de recurso, em substituição, de questão que o tribunal recorrido tenha deixado de conhecer, designadamente por a considerar prejudicada pela solução dada ao litígio e visa assegurar o contraditório e obviar a que sejam proferidas decisões-surpresa.

A falta de observância do contraditório, expressamente imposta pelo n.º 3 do art.º 665.º do CPC, constitui uma irregularidade processual, por traduzir a omissão de uma formalidade que a lei prescreve, e que é susceptível de constituir uma nulidade processual caso a omissão possa influir no exame ou decisão da causa. Isto porque, o princípio geral que rege o processo civil, aplicável ao processo judicial tributário por força do disposto na alínea e) do art.º 2.º, do CPPT, é o de que «a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa» (art.º 195.º do CPC).

A irregularidade decorrente da falta de notificação para alegações complementares é relevante, constituindo por isso uma nulidade, porque susceptível de comprometer o exame e a discussão da causa, uma vez que retira às partes a possibilidade de, perante o tribunal de recurso, enunciarem e defenderem as suas razões sobre a questão que veio a ser por este conhecida em substituição do tribunal de recurso, assim violando o contraditório, como princípio estruturante de toda a lei adjectiva, incluindo a lei processual tributária – vd. Acórdão do Pleno da Secção do CT do Supremo Tribunal Administrativo, de 11/20/2016, tirado no proc.º 01149/15.

Como se retira dos considerandos feitos, a omissão de notificação para alegações complementares, constitui nulidade processual e não nulidade do acórdão, embora siga o regime das nulidades da decisão e, não sendo tais nulidades processuais de conhecimento oficioso, têm de ser arguidas, em princípio, perante o Tribunal que as cometeu, conforme resulta do disposto nos artigos 196.º e 199.º do CPC.

Mas isso assente e regressando aos autos, constata-se que o requerente não invoca qualquer questão de que o tribunal ad quem tenha conhecido por virtude de procedência da apelação, em substituição do tribunal recorrido, designadamente, por este a ter considerado prejudicada pela solução dada ao litígio.

Na falta desse pressuposto, a convocada regra do art.º 665/3 não tem aplicação, não sendo o contraditório ali previsto transponível para as situações de modificabilidade oficiosa da decisão de facto, nos termos do art.º 662.º do CPC.

Este fundamento de nulidade não ocorre, por manifesta falta de pressupostos.

Passando à segunda nulidade arguida, prende-se a mesma com a invocada omissão de pronúncia, na medida em que o acórdão desconsiderou as contra-alegações juntas, no erróneo e afirmado pressuposto de que o recorrido as não tinha apresentado.

Sendo tal alegação verdadeira, daí não se segue imediatamente a ocorrência de uma nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.

Como se sabe, as nulidades da sentença ou acórdão, são taxativas e encontram-se previstas no art.º 615/1 do CPC e, em especial no processo tributário, no art.º 125/1 do CPPT.

Ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar – art.º 615/1, alínea c), do CPC.

Esta nulidade relaciona-se com o disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, segundo o qual, «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».

Como a jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo reiteradamente a salientar, a nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada.

A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. É em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver – neste sentido pode ver-se o Acórdão do STJ, de 03/10/2017, Revista n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1 – 1.ª Secção.

Ora, como se retira do art.º 25 do douto requerimento de arguição de nulidades, o requerente invoca nulidade do acórdão “na medida em que não conheceu da argumentação aduzida pelo recorrido nas suas contra-alegações de recurso”. E no seguinte art.º 26, trata indiferentemente “questão” e “argumentação”.

Ora, a falta de apreciação dos “argumentos” expendidos pelo recorrido nas suas contra-alegações, não inquina a decisão de nulidade por omissão de pronúncia, pois esse vício só ocorre por virtude de falta de apreciação de questões.

E a verdade é que o recorrido e ora requerente, como bem sinaliza o Exmo. Senhor PGA, não indica que questão suscitou na suas contra-alegações e não foi conhecida no acórdão em crise, realçando-se que é pacífico na jurisprudência dos tribunais superiores que questões, para efeito do disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, não são aqueles argumentos e razões, mas sim e apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções – vd. Acórdão do STJ, de 11/29/2005, tirado no proc.º 05S2137.

Este fundamento arguição de nulidade, por omissão de pronúncia, também não logra procedência.

Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se totalmente improcedente o presente incidente de nulidade de acórdão, ao que se provirá na parte dispositiva.


5– DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em indeferir as arguidas nulidades do acórdão proferido em 12/05/2016 e constante de fls. 181/195 dos autos.

Condena-se o Requerente nas custas do incidente, fixando-se a taxa de justiça em duas (2) U.C. (cf. artº.7, nº.4, e Tabela II, do RCP).

Lisboa, 29 de Abril de 2021.

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, ANTÓNIO ZIEGLER e CRISTINA FLORA].

VITAL LOPES