Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:351/21.0BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:05/12/2022
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO
EFEITO INTERRUPTIVO
IRS
AGREGADO FAMILIAR
Sumário: I - Determina o n.º 2 do art.º 13.º do CIRS que, existindo agregado familiar o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando sujeito passivo aquelas a quem incumbe a sua direcção, sendo o agregado familiar constituído pelos cônjuges não separados de pessoas e bens e os seus dependentes (alínea a) do n.º 3 do art.º 13.º do CIRS).
II - Com a citação do cônjuge da oponente em 16/01/2009, o prazo de prescrição interrompeu-se, tal prazo interrompeu-se relativamente a este executado, mas também em relação à oponente, na qualidade de responsável solidária pela dívida exequenda (art. 48º, nº 2 da LGT). A citação, para além de um efeito instantâneo, qual seja a eliminação do tempo decorrido anteriormente, tem ainda um efeito duradouro, que consiste em obviar ao início de um novo prazo durante o tempo em que estiver pendente o processo de execução fiscal.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

A AT – Autoridade Tributária e Aduaneira, vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa com referência à reclamação deduzida ao abrigo do art. 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário por H.... contra a penhora de imóvel (prédio urbano registado sob o artigo matricial nº 64…. e descrito na Conservatória do Registo Predial de Abrantes sob o nº 527/….) determinada pelo órgão de execução fiscal no âmbito do processo de execução fiscal nº 1724…..

A sentença recorrida considerou que a dívida exequenda já se encontrava prescrita e em consequência extinguiu o processo de execução fiscal, quanto à reclamante, julgando prejudicados os demais fundamentos invocados pela Reclamante.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:


A) In casu, salvaguardado o elevado respeito, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos artigos 48.º, 49.º e 68.º, n.º 4 , todos da LGT; artigos 326.º e 327.º ambos do CCivil ex vi art. 2.º, al. d) da LGT.

B) Devidamente condimentado e com arrimo no respeito pelo Princípio da legalidade e do Principio da Justiça, o qual, abarca todos os demais.

C) Também, deveria o respeitoso Aerópago a quo, ter melhor valorado e considerado o acervo probatório documental constante dos autos (maxime, o teor do vertido na informação oficial do Serviço de Finanças de Ponte Sôr constante de págs. 26 e sgs. da numeração da plataforma do SITAF), assim como ao documento de fls. 128 e 129 do PEF junto aos autos e documento de fls. 132 do PEF junto aos autos.

D) Ao que acresce a vicissitude de o respeitoso Tribunal a quo, ter extraído erradas ilações jurídico-factuais dada matéria dada como assente (mormente a vertida no item C) e item D) do probatório.

E) Para que, se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO aduzida pelo Recorrido, maxime pela constatação da não verificação de uma qualquer prescrição da divida exequenda.

F) Como as conclusões do recurso exercem uma importante função de delimitação do objeto daquele, devendo “corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo Tribunal a quo” - (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª ed., Coimbra, Almedina, 2017, p. 147),

G) A delimitação do objecto do recurso supra elencado, é ainda melhor explanado, explicitado e fundamentado do item 15º ao 28º das Alegações de Recurso que supra se aduziram (itens aqueles, que por economia processual, aqui se dão por expressa e integralmente vertidos) e das quais, as presentes Conclusões, são parte integrante.

H) Posto que, aquelas vicissitudes supra elencadas, estão comprovadas, referenciadas e dadas como assentes nos presentes autos, não tendo sido devidamente relevadas pelo Tribunal a quo,

I) pois que, a tê-lo sido, o itinerário decisório a implementar pelo respectivo Areópago, de certo, que teria sido outro.

J) Nem, tão pouco, da factualidade dada como assente e do acervo probatório existente nos autos sub judice, foram extraídas ilações jurídico-factuais assertivas por parte do respeitoso Areópago recorrido.

K) Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de julgamento.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.
CONCOMITANTEMENTE,
Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro ato da administração pública, fazer justiça é um ato místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada JUSTIÇA!”.
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos prévios atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.
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II- OBJECTO DO RECURSO

Cumpre, desde já, relevar em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objecto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, importa decidir se a sentença padece de erro de julgamento ao ter considerado prescrita a dívida exequenda em relação à Recorrida, e, em caso afirmativo, conhecer em substituição os demais fundamentos invocados, a saber, preterição do direito de audição e duplicação de penhoras.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“De acordo com a prova documental constante dos autos, com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados, os seguintes factos:

A) Em 16 de Dezembro de 2008 foi instaurado, pelo Serviço de Finanças de Ponte de Sor, contra A.... e H...., o processo de execução fiscal n.º 17242…., por dívidas de IRS, referentes ao ano de 2007, no valor de € 50.246,69, com data de pagamento voluntário até 24 de Novembro de 2011.
(Cfr. documentos a fls. 2 do PEF)

B) Em 16 de Janeiro de 2009 o Serviço de Finanças de Ponte de Sor citou o executado A.... do processo de execução fiscal n.º 17242…..
(Cfr. certidão de citação e fls. 6 do PEF)

C) No âmbito do processo de execução referido na alínea A) supra foi remetido à Oponente, ofício, datado de 12 de Outubro de 2021, denominado “Citação pessoal (…) Notificação de penhora de imóvel”, do qual consta, nomeadamente, o seguinte
teor:
Fica por este meio citada, caso não o tenha sido anteriormente, nos termos dos artigos 189º e 190º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), do processo executivo acima identificado, que corre termos neste Serviço de Finanças, para cobrança da dívida de IRS do ano de 2007, no montante de € 10.468,07, (dez mil quatrocentos e sessenta e oito euros e sete cêntimos), na presente data, acrescido de juros de mora e custas processuais. Junta-se cópia da Certidão de Dívida.
(…)
Fica também por este meio notificada, nos termos dos artigos 231.° do CPPT e 755º do Código de Processo Civil (CPC) de que, em 20/12/2019 foi efetuada a penhora do imóvel inscrito na União de Freguesia de Abrantes (São Vicente e São João) e Alferrarede, concelho de Abrantes, sob o artigo 6… fração B, descrito na Conservatória do Registo Predial de Abrantes sob o n.° 527/… - Abrantes (São Vicente), no âmbito do referido processo de execução fiscal.
Mais fica notificada de que foi nomeado fiel depositário do imóvel penhorado o Sr. A..... Da penhora agora notificada poderá apresentar reclamação para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, no prazo de 10 (dez) dias contados da presente notificação, conforme dispõe o artigo 276º do CPPT.
(…)”.
(Cfr. documento a fls. 128 e 129 do PEF)

D) No âmbito do processo de execução supra referido foi remetido à Oponente, ofício, datado de 15 de Outubro de 2021, denominado “Notificação de penhora de imóvel”, do qual consta, nomeadamente, o seguinte teor:
“Fica por este meio notificada, nos termos dos artigos 231º do CPPT e 755º do Código de Processo Civil (CPC) de que, em 23/07/2020 foi efetuada a penhora de 6/… do imóvel inscrito na Freguesia de Almeirim, sob o artigo 8… - fração O, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim sob o n.° 2130….- O - Almeirim, no âmbito do processo de execução fiscal acima referido, que corre termos neste Serviço de Finanças, instaurado por dívidas de IRS do ano de 2007, no montante de € 10.468,07 (dez mil quatrocentos e sessenta e oito euros e sete cêntimos), acrescido de juros de mora e custas processuais. Junta-se cópia do titulo executivo.
(…)”.
(Cfr. documento a fls. 132 do PEF)
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Não existem factos não provados com interesse para a decisão da presente decisão.
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Motivação: A decisão sobre a matéria de facto realizou-se com base na análise do teor dos documentos constantes nos autos, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.”.
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Nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil, por estarem documentalmente provados e serem pertinentes para a boa decisão da causa e das questões colocadas em recurso, acorda-se em aditar ao probatório os seguintes factos:

E) Em 20/12/2019 foi registada na Conservatória do Registo Predial de Abrantes, a penhora do imóvel registado sob o nº 527…. para garantia do pagamento da quantia exequenda de € 42.775,40 referente ao processo executivo 172….. – Serviço de Finanças de Ponte de Sor (cfr. certidão da Conservatória do Registo Predial de Abrantes constante dos autos a fls. 122/123).

F) Em 23/07/2020 foi registada na Conservatória do Registo Predial de Almeirim, a penhora de 6….do imóvel registado sob o nº 213…. para garantia do pagamento da quantia exequenda de € 44.264,66 referente ao processo executivo 1724…. – Serviço de Finanças de Ponte de Sor (cfr. certidão da Conservatória do Registo Predial de Almeirim - fls. 119 e 119/verso dos autos).

G) Em 20/07/2021 foi elaborada informação pela DS Gest. Créditos Tributários na qual consta a menção dos prédios penhorados, nos quais se inclui:
- Concelho Almeirim – freguesia Almeirim - artigo matricial 8… – fracção O (6…. indivisos) – VPT 36.486,39 € - descrição Conservatória 213…..;
- Concelho Abrantes – União das Freguesias de Abrantes (São Vicente e São João) e Alferrarede - artigo matricial 6… – fracção B – VPT 66.421,60 € - descrição Conservatória 52…. (cfr. fls. 107/109 dos presentes autos).

H) À data de 04/11/2021 com referência ao processo 1724….. o valor da quantia exequenda é de € 10.468,07 a que acresce juros de mora e custas perfazendo o total de € 20.079,40, como consta do teor de fls. 139 dos presentes autos.

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A ora Recorrida apresentou reclamação nos termos do art. 276º do CPPT contra o acto de penhora do prédio urbano registado sob o artigo matricial nº 64… e descrito na Conservatória do Registo Predial de Abrantes sob o nº 52…..-B, proferido pelo órgão de execução fiscal no âmbito do processo executivo nº 172….. tendo invocado a prescrição das dívidas exequendas, preterição do direito de audição prévia antes da notificação para a penhora, bem como a duplicação de penhoras.

Por sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa foi declarada quanto à reclamante, a prescrição da dívida exequenda nos termos do art. 48º da LGT.

Inconformada com o assim decidido vem a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar o presente recurso, invocando erro de julgamento pelo tribunal a quo, porquanto este não apreciou, nem valorou correctamente a prova documental produzida nos autos, errando na subsunção jurídica dos factos ao direito aplicável (cfr. conclusões C), D e K) das alegações de Recurso).

Importa então apreciar e decidir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito ao ter determinado, em relação à Reclamante, ora Recorrida, a extinção do processo de execução fiscal por prescrição.

A Recorrente, nesta sede recursiva, invoca que do acervo documental (mais concretamente do teor da informação oficial do Serviço de Finanças de Ponte de Sor e documentos de fls. 128, 129 e 132 dos autos), resulta a improcedência da reclamação pela não verificação da prescrição da dívida exequenda (cfr. conclusões C) e E) das alegações de recurso).

Vejamos então.

Resultou assente que em 16 de Dezembro de 2008 foi instaurado, pelo Serviço de Finanças de Ponte de Sor, contra A.... e H...., o processo de execução fiscal n.º 1724…., por dívidas de IRS, referentes ao ano de 2007, no valor de € 50.246,69, com data de pagamento voluntário até 24 de Novembro de 2011 (cfr. alínea A) do probatório).

Recorde-se que no caso em apreço, tratando-se de dívida de IRS de 2007, esta é da responsabilidade de ambos os cônjuges desde que o agregado familiar seja integrado por cônjuges não separados de pessoas e bens, sendo que os pressupostos do facto tributário se verificam em relação a ambos e cumprindo-se a responsabilidade solidária dos cônjuges independentemente da titularidade de cada parcela do rendimento englobado para efeitos de tributação (cfr. art. 13º, nº 2 do Código do IRS, na redacção aplicável à data, Ac. TCA Sul de 31.03.2016 proc. 07966/13).

Tal como se enuncia no Acórdão deste TCA Sul de 31/03/2016 – proc. 07966/13 “Temos, assim, que o agregado familiar é a unidade económica relativamente à qual se afere a tributação, neste caso conjunta e não separada (cfr.artº.104, nº.1, da Constituição da República; artº.21, nº.1, da L.G.Tributária; artº.13, nº.2, do C.I.R.S.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/2/2011, proc.4407/10; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.28 e seg.). Mais, existindo agregado familiar, o cumprimento dos deveres fiscais deste e relativos à tributação do seu rendimento cabe às pessoas que exerçam a sua direcção, em regra os cônjuges, assim existindo uma titularidade plural das obrigações fiscais e uma responsabilidade solidária de ambos os cônjuges pela dívida de imposto.

O Tribunal a quo julgou a dívida exequenda prescrita, quanto à Recorrida, ajuizando como se transcreve:
Assim, para aferir da prescrição, há que apurar a data em que ocorreu a citação da Reclamante para a execução.
Por outro lado, refira-se que os efeitos interruptivos da prescrição se repercutem no tempo, distinguindo os artigos 326.º e 327.º do Código Civil, o efeito instantâneo e o efeito duradouro da prescrição.
Assim, o efeito da prescrição será instantâneo, na medida em que inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo.
Por outro lado, apresentar-se-á como duradouro, na medida em que o novo prazo não começa a correr enquanto não passar em julgado, ou se formar caso decidido ou resolvido sobre a decisão que puser termo ao processo.
Desta forma, há que apurar em que data ocorreu a citação da ora Reclamante para a execução.
Regressando aos autos, resulta da alínea C) do probatório que a Reclamante foi citada para a execução em 12 de Outubro de 2021.
Com efeito, não resulta da documentação junta aos autos que a Reclamante tenha sido citada em data anterior à referida.
Assim sendo, e considerando que a Reclamante é co executada, na medida em que o processo de execução fiscal foi instaurado também contra si, concomitantemente com o executado A...., a citação para a execução ter-lhe-ia que ser dirigida directamente, o que se verifica que não aconteceu.
Com efeito, apesar de o executado no âmbito do mesmo processo de execução fiscal, A...., ter sido citado para a execução em 16 de Janeiro de 2009, conforme resulta da alínea B) do probatório, a referida citação não se mostrou dirigida também à Reclamante, pelo que não pode produzir qualquer efeito na sua esfera jurídica.
Desta forma, verifica-se que a citação para a execução da Reclamante apenas veio a ocorrer no ano de 2021, conforme supra referido.
Sucede, porém, que a dívida em causa respeita ao IRS do ano de 2007, conforme resulta da alínea A) da matéria de facto provada.
Assim, desde o ano de 2007, que não se verificou qualquer facto interruptivo do prazo de prescrição de oito anos, que foi transcorrendo na sua plenitude.
Desta forma, o prazo de prescrição de oito anos transcorreu na totalidade, sem que tenha ocorrido qualquer facto interruptivo da mesma, ou seja, sem que a Reclamante tenha sido citada, dentro dos oito anos subsequentes à constituição da dívida, pelo que forçoso se torna concluir pela prescrição da dívida em causa, quanto à Reclamante”.

Dissente do assim decidido, vem a AT –Autoridade Tributária e Aduaneira defender que não ocorreu a prescrição porquanto, com a citação em 16/01/2009 do executado marido, verificou-se a interrupção da prescrição nos termos do art. 49º da LGT.

A citação é um elemento relevante na apreciação da prescrição na medida em que constitui facto interruptivo da prescrição (nº 1 do art. 49º da LGT), tendo a jurisprudência reconhecido que à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado um duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do artigo 326.º do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do artigo 327.º do CC).

Como se afirma no Acórdão do STA de 16/09/2020 – proc. 071/20.3BESNT:
A LGT, enunciando os factos interruptivos da prescrição no n.º 1 do art. 49.º da LGT, não prevê directamente os efeitos da interrupção da prescrição. Como bem ficou explicado no acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Março de 2019, proferido no processo com o n.º 1437/18.4BELRS ( ) – também citado pela Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé na sentença recorrida –, não fixando a LGT, na sua actual redacção e desde a alteração introduzida no art. 49.º da LGT pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, os efeitos dos actos interruptivos da prescrição das obrigações tributárias ( ), designadamente não definindo nem esclarecendo se tais actos têm apenas efeito instantâneo ou se podem também ter efeito duradouro, essa regulamentação deve buscar-se no CC, de acordo com a regra estabelecida no art. 2.º, alínea d), da LGT, pois é naquele Código, depositário dos princípios gerais de direito e que tem um regime acabado da prescrição das obrigações, que encontramos resposta legislativa às questões que o regime da prescrição das obrigações tributárias consagrado na lei tributária não regulou directamente ( ).
Como ficou dito no acórdão deste Supremo Tribunal de 27 de Janeiro de 2016 proferido no processo com o n.º 1698/15 ( ), «[i]mporta lembrar que a Lei Geral Tributária não regula o instituto da prescrição – que é um instituto comum – na sua completude, antes apenas os aspectos que, atenta a natureza tributária da dívida, merecem nomeação especial em face do direito comum, a saber, em especial, o respectivo prazo, o termo inicial da sua contagem, os factos interruptivos e suspensivos do prazo, o conhecimento oficiosa da prescrição. // Não contém a lei tributária uma definição de prescrição, como nada diz quanto aos efeitos dos factos interruptivos e suspensivos do respectivo prazo, porquanto tal matéria pressupõe a aplicação do direito comum, atenta a unidade do sistema jurídico».
Note-se que não se trata de colmatar uma lacuna da legislação tributária por recurso à analogia (cfr. art. 10.º, n.º 1, do CC), mas tão-só de interpretar e aplicar a lei subsidiária, nos termos por aquela previstos (cfr. arts. 11.º, n.º 2 e 2.º da LGT, respectivamente) ( ).
Assim, quanto aos efeitos da citação enquanto facto interruptivo previsto no n.º 1 do art. 49.º da LGT, por falta de regulamentação dos respectivos efeitos na LGT, há que aplicar as normas contidas no CC, designadamente o n.º 1 do art. 326.º, que estabelece que «[a] interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte», bem como o n.º 1 do art. 327.º, que dispõe: «Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo».
Em conclusão: quando, como no caso sub judice, o prazo de prescrição foi interrompido pela citação, a cessação da eficácia do facto interruptivo é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo, sem prejuízo de dever equiparar-se a essa decisão aquela que declare a execução fiscal em falhas ( ).
É essa a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal ( ) e não encontramos motivo para dela divergir: a interrupção decorrente da citação do executado inutiliza todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar.”.

Destacamos ainda o recente Acórdão deste TCA Sul de 03/12/2020 – proc. 523/20.5 BELRS ao afirmar que “Efetivamente, tratando-se de dívida exequenda de IRS de cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, atento ao disposto no art. 13.º, n.º 2, e 3, do CIRS, conjugado com o art. 1671.º, n.º 2 do CC, importaria sempre concluir que ambos os cônjuges são solidariamente responsáveis pelo cumprimento da dívida tributária, nos termos do disposto no art. 21.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, abrangendo tal responsabilidade a totalidade da dívida, nos termos do art. 22.º, n.º 1 da LGT – v. numa situação semelhante à dos autos, em que foi rejeitada liminarmente a Oposição, o acórdão do STA de 13/11/2013, proc. n.º 0215/12 , que confirma a decisão de rejeição liminar, e em cujo sumário se pode ler o seguinte: “I - O IRS incide sobre o conjunto dos rendimentos das pessoas que compõem o agregado familiar, considerando-se sujeitos passivos aqueles a quem incumbe a sua direcção (art.13° n°2 CIRS), sendo este agregado constituído pelos cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e os seus dependentes (art.13° n°3 CIRS)”

Nos termos do disposto no art. 48º, nº 1 da LGT, o prazo de prescrição das dívidas fiscais é de oito anos, contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, prazo esse que, nos termos do n.º 2 do art. 49.º do mesmo diploma, se interrompe, entre outros casos, com a citação.

Efectivamente, o artº 49º da Lei Geral Tributária dispunha na sua redacção inicial: Artigo 49º «Interrupção e suspensão da prescrição 1- A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição. 2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação. 3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento ou prestação legalmente autorizada, ou de reclamação, impugnação ou recurso.» A Lei nº 100/99, de 26/6, alterou os nºs. 1 e 3 deste art. 49º da LGT, os quais ficaram a ter a seguinte redacção: «1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição. 3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.» Posteriormente, a Lei nº 53º-A/2006, de 29/12, veio alterar o citado art. 49º da Lei Geral Tributária, tendo sido revogado o seu nº 2 (revogação que se aplica a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo - art. 91º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12), tendo sido alterada a redacção do seu nº 3 e tendo sido aditado o actual nº 4.
Assim a actual redacção desse preceito, e no que aqui interessa, é a seguinte:
1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 – Revogado
3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
4 - O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.”

In casu, sendo a dívida relativa a IRS do ano de 2007, o prazo prescricional começou a correr a partir de 01/01/2008 e se nada mais houvesse esgotar-se-ia em 31/12/2015, no entanto, esse prazo foi interrompido pela citação do executado, marido da oponente, em 16/01/2009.

Nos termos do art. 48º, nº 2 da LGT consagra-se que “As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários”.

Estamos perante uma liquidação de IRS do ano de 2007 pelo que importa destacar que o n.º 2 do art.º 13.º do CIRS ao determinar que existindo agregado familiar, o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando sujeito passivo aquelas a quem incumbe a sua direcção.
E que o agregado familiar é constituído pelos cônjuges não separados de pessoas e bens e os seus dependentes (alínea a) do n.º 3 do art.º 13.º do CIRS).

Dispõe ainda o art.º 21º, n.º 1 da LGT, sob a epígrafe “Solidariedade passiva” que, “salvo disposição da lei em contrário, quando os pressupostos do facto tributário se verifiquem em relação a mais de uma pessoa, todas são solidariamente responsáveis pelo cumprimento da dívida tributária”.

Assim atendendo à relação jurídica-tributária, da Recorrida e do executado, enquanto sujeitos passivos de IRS, sendo este determinado no âmbito do rendimento do agregado familiar em que se insere a sua sociedade conjugal, eram responsáveis solidários daquele imposto (Neste sentido Ac. do TCAN de 10/12/2015, processo 01586/08.7BEVIS).

Reitera-se que a origem da dívida exequenda assenta na liquidação de IRS do ano de 2007 do agregado familiar constituído pela Recorrente e seu marido, pelo que, a Recorrida era responsável solidária pelas dívidas contraídas pelo casal na constância do casamento.

Como bem refere Joaquim Freitas da Rocha Lições de Procedimento e de Processo Tributário, 5ª Edição, Coimbra Editora, Pag.477 “No que diz respeito aos devedores solidários, a interrupção opõe-se-lhes, na medida em que estamos na presença de pessoas que figuram como sujeitos passivos desde a constituição da relação jurídica tributária (pense-se, por exemplo, nas dívidas de IRS dos cônjuges), de modo que não se justificaria qualquer regime distintivo neste ou em outros pontos.”.

Assim, independentemente de outras vicissitudes que possam ter ocorrido no PEF, a citação do cônjuge da reclamante, em 16/01/2009, interrompeu o prazo de prescrição e o novo prazo não começa a correr enquanto não for proferida decisão que ponha termo ao PEF (art. 327º, nº 1 do CC).

Essa interrupção da prescrição verifica-se em relação ao executado marido, mas também em relação à reclamante, na qualidade de responsável solidária pela dívida exequenda (art. 48º, nº 2 da LGT).

Tal como referimos anteriormente, a citação, para além de um efeito instantâneo, (eliminação do tempo decorrido anteriormente), tem ainda um efeito duradouro, que consiste em obviar ao início de um novo prazo durante o tempo em que estiver pendente o processo de execução fiscal.

A jurisprudência do STA é unanime quando prevê que “A citação, enquanto causa interruptiva do instituo da prescrição, transversal a todo o tipo de dívidas (civis, tributárias – art. 49.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) - e equiparadas…), detém e opera com um duplo efeito; instantâneo (interrompe, no sentido de que faz parar a contagem e inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente) e, por outro lado, duradouro (não deixa começar a correr novo prazo de prescrição até ao termo do processo, v.g., em que decorra a cobrança coerciva da dívida) – (Neste sentido Ac. do STA de 09/12/2021, processo 0384/21.7BEVIS).

Destarte, interrompendo-se o prazo de prescrição em 16/01/2009 pela citação do executado marido, tal interrupção é oponível à Recorrida enquanto devedora solidária, pelo que a dívida, contrariamente ao decidido na sentença sob recurso, não se mostra prescrita, incorrendo em erro de julgamento a sentença que não teve em consideração a citação do executado como facto interruptivo do prazo de prescrição cujo efeito é oponível à Recorrida.

Considerando o supra decidido e dado que o Tribunal a quo não conheceu integralmente as restantes questões invocadas pela Reclamante, ora Recorrida, uma vez que se dispõe de todos os elementos necessários, passa-se ao seu conhecimento em substituição (art.º 665.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT).

Com efeito, na petição de reclamação a Recorrida invoca a preterição do direito de audição e duplicação de penhoras.

Quanto à questão da falta de audição prévia à penhora, desde já se afirma que não lhe assiste razão.

Na verdade, o processo de execução fiscal é todo ele de natureza judicial, independentemente da natureza materialmente administrativa ou jurisdicional dos atos que nele sejam praticados ou os procedimentos que lhe possam ser enxertados e que correm paralelamente, pelo que as normas previstas para o procedimento não se aplicam ao processo de execução fiscal.

O processo de execução fiscal está estruturado para fornecer ao executado todas as garantias de defesa contra actos ilegais, não tendo o legislador criado neste tipo de processo, mais uma fase procedimental precedente à prática dos actos executivos, ao invés, determinou a natureza judicial do processo de execução (cfr. art. 103º, nº 1 da LGT), pelo que conclui-se pela inaplicabilidade das normas próprias do procedimento tributário, como é o caso do artigo 60.º da LG T relativo ao direito de audição prévia, ao acto de penhora.

O artigo 231.º do CPPT (tal como o artigo 755.º do CPC) não prevê a participação dos executados, através do exercício do direito de audição prévia, em momento anterior ao despacho que ordena a penhora do imóvel.
Essa comunicação da penhora ocorre ulteriormente relativamente a ambos os cônjuges, ainda que em momentos distintos, com a advertência de que podem exercer o direito de reclamação do acto de penhora, nos termos do artigo 276.º do CPPT, como aliás a Recorrida exerceu.

Face ao exposto improcede o fundamento invocado pela Reclamante relativamente à preterição do direito de audição prévia.

Finalmente vem ainda a Reclamante invocar a duplicação de penhoras dos imóveis pedindo a anulação da penhora do imóvel sito no concelho de Abrantes descrito na Conservatória do Registo Predial de Abrantes sob o nº 527…., considerando que no âmbito do processo executivo, a dívida exequenda é de € 10.468,07 e foram penhorados dois imóveis (artigo 8161 – fracção …– Almeirim e artigo 6…. – fracção ….– Abrantes) cujos valores patrimoniais tributários são € 176.350,85 e € 66.421,60 respectivamente, defendendo que basta a penhora do imóvel com o valor mais elevado.

Vejamos então.

De acordo com o art. 217º do CPPT “A penhora é feita nos bens previsivelmente suficientes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, mas, quando o produto dos bens penhorados for insuficiente para pagamento da execução, esta prossegue em outros bens”.

Ora do probatório supra aditado resultou provado que, no âmbito do processo executivo nº 1724….. foram realizadas duas penhoras:
i) Em 20/12/2019 - penhora do imóvel registado na Conservatória do Registo Predial de Abrantes, sob o nº 52… (cfr. alínea E) do probatório);
ii) Em 23/07/2020 - penhora de 6/29 do imóvel registado na Conservatória do Registo Predial de Almeirim, sob o nº 2130….. (cfr. alínea F) do probatório).

Mais ficou provado que a dívida exequenda no referido processo de execução fiscal é de € 10.468,07 a que acresce juros e encargos, sendo o valor patrimonial tributário do prédio mencionado em i) de € 66.421,60 e o valor patrimonial tributário da parte penhorada do prédio mencionado em ii) de € 36.486,39 (cfr. alínea G) do probatório).

Ora atendendo ao montante da dívida exequenda (€ 10.468,07) e ao valor patrimonial total dos prédios penhorados (€ 102.907,99) verifica-se claramente que a garantia do pagamento da dívida exequenda se mostra manifestamente desproporcionada, pelo que, basta a penhora do imóvel mencionado em i) para assegurar o pagamento da dívida e do acrescido, como determina o transcrito art. 217º do CPPT.

Desta forma determina-se a anulação do acto de penhora do prédio inscrito no artigo matricial nº 6… da União das Freguesias de Abrantes (São Vicente e São João) e Alferrarede, concelho de Abrantes e descrito na Conservatória do Registo Predial de Abrantes sob o nº 527…...
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V- DECISÃO


Nos termos expostos, acordam os juízes da 2ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e, em substituição julgar a reclamação parcialmente procedente, anulando-se o acto de penhora do prédio inscrito com o artigo matricial nº 6… da União das Freguesias de Abrantes (São Vicente e São João) e Alferrarede, concelho de Abrantes e descrito na Conservatória do Registo Predial de Abrantes sob o nº 527…..

Custas por ambas as partes, na proporção de 50% para cada uma.
Lisboa, 12 de Maio de 2022
Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto