Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 19/09.6BELRS |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 12/16/2021 |
Relator: | DORA LUCAS NETO |
Descritores: | SIADAP; ART. 17.° DO DECRETO REGULAMENTAR N.° 19-A/2004, DE 14.05.; LEI N.º 10/2004, DE 22.05. |
Sumário: | A associada do A., ora RECORRIDO, ao ser detentora de uma avaliação de Muito Bom referente ao ano de 2007, tal avaliação, mesmo que obtida ao abrigo do art. 17.° do Decreto Regulamentar n.° 19-A/2004, de 14.05., pode beneficiar do regime previsto no art.15.°, n.º 4, da Lei n.° 10/2004, de 22.03. |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. Relatório O Ministério da Educação interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 10.07.2018, que julgou procedente a ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo, intentada pelo Sindicato dos Técnicos do Estado, em representação da sua associada M…, consubstanciado aquele na deliberação do júri do concurso interno de acesso limitado para o preenchimento de 40 lugares na categoria de assessor principal, da carreira técnica superior, do quadro de pessoal dos serviços centrais, periféricos e tutelados do Ministério da Educação, aberto pelo Despacho n.° ...., de 22.08., que havia determinado a sua exclusão daquele procedimento — e de condenação à prática de ato administrativo devido, de admissão da associada do A. ao concurso, com as demais consequências.
Nas alegações de recurso que apresentou, depois de convidado a sintetizar as suas conclusões, concluiu como se segue - fls. 2083 e ss., ref. SITAF: «(…) A. Entende o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento e consequentemente numa errada aplicação do direito relativamente à apreciação e interpretação do enquadramento jurídico que fez da situação factual em causa. B. Ao contrário do que se deixou expresso na douta sentença recorrida, o Réu sustenta que se deve responder negativamente à questão de saber se uma avaliação de desempenho efetuada ao abrigo do disposto no artigo 17°, do Decreto Regulamentar n.º 19-A/2004, de 14 de maio é suscetível de conferir o direito atribuído pelo disposto no n.° 4 do artigo 15° da Lei n.° 10/2004, de 22 de março. C. Este último normativo, que reproduz o artigo 7.°, n.° 4 da Lei n.° 10/2004 de 22 de março, confere aos trabalhadores que exerçam cargo ou funções de reconhecido interesse público, bem como actividade sindical, um direito à classificação obtida no último ano imediatamente anterior ao exercício dessas funções ou actividades nos anos seguintes, para efeitos de promoção e progressão. D. Contudo, a Lei n.° 10/2004, de 22 de março, que instituiu o Sistema integrado de Avaliação do Desempenho da Administração Pública (SIADAP) consagrou uma diferenciação dos níveis de desempenho demonstrado pelos avaliados em paralelo com a fixação de percentagens máximas (quotas) para a atribuição das classificações mais elevadas, ou seja, as de Muito Bom e Excelente (cf. artigos 3.°, n.° 2 e 9.° do Decreto Regulamentar n.° 19-A/2004, de 14 de maio). E. Aliado a essa diferenciação, a referida Lei conferiu ainda direitos e benefícios no desenvolvimento da carreira e outras formas de reconhecimento de mérito associadas ao desenvolvimento profissional, contexto em que deve ser interpretado o n.° 4, do artigo 15.°, da Lei n.° 10/2004 segundo o qual a atribuição de Muito Bom na avaliação do desempenho, durante dois anos consecutivos, reduz em um ano os períodos legalmente exigidos para promoção nas carreiras verticais ou progressão nas carreiras horizontais. F. Contrariamente ao sustentado pelo Tribunal a quo, o Réu entende que a Lei estabelece uma ligação indelével e fundamental de reciprocidade e correspondência entre o reconhecimento do mérito (prosseguido pelo sistema de definição de quotas) e a atribuição de benefícios no desenvolvimento da carreira. G. E que pressupõe, como condição necessária e objetiva para assegurar uma verdadeira igualdade, o princípio da aplicação efetiva do regime de avaliação ordinária ou extraordinária constante do SIADAP. H. Ora, a atribuição de uma classificação de serviço de Muito Bom ou Excelente operada nos termos do artigo 17.°, do Decreto Regulamentar n.° 19-A/2004, de 14 de maio, não está subordinada à aplicação de qualquer regime de quotas. I. Não resulta da letra ou do espírito da Lei que os trabalhadores cujas classificações de serviço são atribuídas por força desse normativo possam beneficiar do direito conferido pelo artigo 15.° n.° 4 da Lei n.° 10/2004, em virtude de nestes casos não se ter operado qualquer comparação de desempenhos com vista a proceder à “diferenciação" que a Lei pretende promover. J. De facto, o n.° 4 do artigo 7.° da Lei n.° 10/2004, de 22 de marco e o artigo 17.° do Decreto Regulamentar n.° 19-A/2004, de 14 de maio, vêm apenas definir qual a classificação relevante para efeitos de promoção e progressão, nos casos em que o trabalhador se encontre em situação que não permita a atribuição de avaliação ordinária de desempenho. K. Mau grado o que a este propósito se explana na douta sentença recorrida - já que por força do preceituado no n.° 4 do artigo 4.° do DL n.° 251/2002, de 22 de novembro, o Decreto-lei n.° 262/88, de 23 de junho, seria aplicável à situação da representada da Autora por então prestar serviço na ACID - constata-se que o artigo 7.° deste diploma apenas se limita a enunciar o princípio geral de que os trabalhadores em tais situações (...) não podem ser prejudicados nas promoções a que, entretanto, tenham adquirido direito, nem nos concursos públicos a que se submeterem, pelo não exercício de actividade no lugar de origem, nada referindo quanto à concessão aos mesmos de quaisquer benefícios especiais, designadamente os que resultam da aplicação de critérios assentes na diferenciação de desempenho. L. Sendo substancialmente distintas as situações em que a classificação de desempenho decorre de uma avaliação ordinária resultante da aplicação do regime do SIADAP, daquelas em que esta é resultante da aplicação automática do disposto no n.° 4 do artigo 7.° da Lei n.°10/2004, de 22 de março (reconhecido que seja o interesse público da função exercida), a interpretação de que a redução de tempo de serviço prevista no n.° 4 do artigo 15.° da mencionada Lei não se aplica nestes casos, não colide com o principio da igualdade, o qual implica, em sentido material, tratar igual o que é igual e diferente o que é diferente. M. Concluindo-se que, para efeitos da redução do tempo de serviço prevista no n.° 4 do artigo 15° da Lei n.°10/2004, de 22 de março, apenas relevam as avaliações de Muito Bom obtidas por aplicação de avaliação ordinária SIADAP, dentro do respetivo quadro de exigências, e validadas nos limites das percentagens estabelecidas. N. Dado que a Autora não beneficiou de qualquer outra avaliação de desempenho ordinária no ano de 2007, tendo sido notada com a classificação de 2006 nesse mesmo ano por força do disposto no artigo 17.°, do Decreto Regulamentar n.° 19-A/2004, de 14 de maio, não pode beneficiar, por essa via, do direito conferido pelo disposto no n.° 4 do artigo 15.° da Lei n.° 10/2004 de 22 de março, não preenchendo, por esse motivo, os requisitos exigidos no procedimento concursal.(…)».
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, vem o processo submetido à conferência desta secção de contencioso administrativo para decisão.
I. 1. Questões a apreciar e decidir É apenas uma a questão suscitada pelo Recorrente, tal como resulta das alegações de recurso e respetivas conclusões, traduzindo-se esta em apreciar se a sentença recorrida errou ao ter considerado que a classificação de Muito Bom obtida pela associada do Recorrido, por via de uma avaliação de desempenho efetuada ao abrigo do disposto no art. 17.° do Decreto Regulamentar n.° 19-A/2004, de 14.05., é suscetível de conferir o direito atribuído pelo disposto no n.° 4 do art. 15.° da Lei n.° 10/2004, de 22.03., ou seja, a redução do período legalmente exigido para promoção.
II. Fundamentação II.1. De facto A matéria de facto constante da sentença recorrida é aqui transcrita ipsis verbis: II.2. De direito i) Do erro de julgamento de direito em que incorreu a sentença recorrida ao ter considerado que a classificação de Muito Bom obtida pela associada do Recorrido, por via de uma avaliação de desempenho efetuada ao abrigo do disposto no art. 17.° do Decreto Regulamentar n.° 19-A/2004, de 14.05. – que regulamenta a Lei n.º 10/2004, de 22 de Março, no que se refere ao sistema de avaliação do desempenho dos funcionários e agentes dos serviços e organismos da administração direta do Estado, bem como ao sistema de avaliação aplicável aos dirigentes de nível intermédio -, é suscetível de conferir o direito atribuído pelo disposto no n.° 4 do art. 15.° da Lei n.° 10/2004, de 22.03. – que criou um sistema integrado de avaliação do desempenho na Administração Pública (SIADAP). Insurge-se o Recorrente, contra o assim decidido, invocando, em suma, que «para efeitos da redução do tempo de serviço prevista no n.° 4 do artigo 15° da Lei n.°10/2004, de 22 de março, apenas relevam as avaliações de Muito Bom obtidas por aplicação de avaliação ordinária SIADAP, dentro do respetivo quadro de exigências, e validadas nos limites das percentagens estabelecidas. Dado que a Autora não beneficiou de qualquer outra avaliação de desempenho ordinária no ano de 2007, tendo sido notada com a classificação de 2006 nesse mesmo ano por força do disposto no artigo 17.°, do Decreto Regulamentar n.° 19-A/2004, de 14 de maio, não pode beneficiar, por essa via, do direito conferido pelo disposto no n.° 4 do artigo 15.° da Lei n.° 10/2004 de 22 de março, não preenchendo, por esse motivo, os requisitos exigidos no procedimento concursal» - cfr. alíneas M) e N) das conclusões de recurso. Vejamos. Dos autos resulta que a associada do A., ora Recorrido, desempenhava funções técnicas quando foi destacada para o Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas (ACIME) para integrar a equipa de trabalho do Ano Europeu do Diálogo Intercultural — cfr. alíneas a) e e) da matéria de facto supra. Mais resulta dos autos que a mesma esteve destacada no ACIME — extinto por fusão, com efeitos a 1 de junho de 2007, no Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, I.P (ACIDI, I.P.) — por mais de seis meses durante o ano de 2007. Controvertido não está, também, que no ACIME não lhe foi aplicado o SIADAP — cfr. alínea g) da matéria de facto – e que o seu superior hierárquico no serviço de origem — o Director-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular — entendeu que, havendo relevância e inequívoco interesse público das funções desempenhadas junto do ACIME/ACIDI no ano de 2007, a classificação de serviço a atribuir à associada do A. para esse ano, deveria decorrer do regime consagrado no art. 17° do citado Decreto Regulamentar n.° 19-A/2004, ou seja, deveria corresponder à que a mesma obtivera em 2006 — cfr. alínea h) da matéria de facto – decisão esta com a qual não concordou júri do concurso em apreço — cfr. alíneas n) e p) da matéria de facto. Controvertida está a aplicação ao caso do disposto no n.° 4 do art. 15.° da citada Lei n.° 10/2004, de 22.03., que determina que «A atribuição de Muito bom na avaliação de desempenho durante dois anos consecutivos, reduz em um ano os períodos legalmente exigidos para promoção nas carreiras verticais ou progressão nas carreiras horizontais» A norma em apreço atribui, assim, «um prémio inserido numa lógica de reconhecimento da excelência com «direito a benefícios no desenvolvimento da carreira» - cfr. n.° 2 do mesmo art. 15.º. Não podendo deixar de se ter presente que o SIADAP veio reconhecer e consagrar que a diferenciação de desempenhos exigia, por exemplo, que fossem «estabelecidas percentagens máximas para atribuição das classificações mais elevadas em cada organismo» - cfr. n.° 1 do citado art. 15.º da Lei n.° 10/2004 e art. 9.º, n.º 1, do citado Decreto Regulamentar n.° 19-A/2004. Razão pela qual o disposto no art. 15.º da citada Lei n.° 10/2004, inserido que está na avaliação de desempenho atribuída no quadro do SIADAP, pois que, com base na aplicação do regime de avaliação dali resultante, introduz mecanismos diferenciadores de reconhecimento do mérito e excelência Como bem adiantou a sentença recorrida, «nem todas as avaliações obtidas no quadro do SIADAP se encontram de facto (e também de direito) sujeitas às limitações impostas em sede de percentagens máximas para as avaliações de desempenho de Muito Bom (20%) e de Excelente (5%) - cfr. art.° 9.° do Decreto Regulamentar n.° 19-A/2004. Com efeito, a) A avaliação de desempenho dos trabalhadores que exerçam funções de reconhecido interesse público ou actividade sindical, sendo igual à avaliação obtida no ano imediatamente anterior ao do início do exercício das funções em causa, não está sujeita às percentagens máximas fixadas para as avaliações de desempenho de Muito Bom (20%) e de Excelente (5%) no organismo em causa - o que se justifica, essencialmente, para não prejudicar os demais trabalhadores em exercício efetivo de funções naquele organismo; b) A avaliação de desempenho resultante do suprimento previsto nos artigos 18.° e 19.° do Decreto Regulamentar n.° 19-A/2004 também não se encontra sujeita às percentagens máximas para as avaliações de desempenho de Muito Bom e de Excelente - o que encontra cabal justificação na situação que origina aquele suprimento e na circunstância de o efeito de tal avaliação se circunscrever ao concurso de promoção a que o interessado se haja candidatado ou ao procedimento para efeitos de mudança de escalão (o que pode ocorrer em qualquer altura do ano); e, por fim, c) Nas fases de reclamação e recurso hierárquico interpostos das avaliações do desempenho, aquelas percentagens máximas que limitam as avaliações de desempenho de Muito Bom e de Excelente não vinculam nem o dirigente máximo do serviço nem o membro do governo competentes para apreciação da impugnação administrativa em causa - pois que tal impugnação ocorre, necessariamente, em momento posterior ao da harmonização das avaliações pelo Conselho de Coordenação da Avaliação (que tem em vista verificar o cumprimento das quotas para as avaliações máximas ao nível do organismo) e entendimento diverso eternizaria o próprio procedimento, anual, de avaliação do desempenho.» De onde resulta que da redução do tempo necessário para a promoção decorrente do citado art. 15.°, n.º 4, da Lei n.º 10/2004, não se extrai nenhuma limitação quanto ao modo de obtenção da notação Muito Bom na avaliação de desempenho e não podem existir dúvidas de que as situações supra transcritas e devidamente consideradas na sentença recorrida, constituem ainda avaliação do desempenho, no quadro do SIADAP, dos trabalhadores em causa. Razão pela qual se considera, também, que a situação prevista no art. 17.° do Decreto Regulamentar n.° 19-A/2004 está abrangida pela previsão da norma constante do art. 15.°, n.º 4 da Lei n.° 10/2004 – com o paralelismo que o tribunal a quo efetuou, e bem, no nosso entender –, numa interpretação conjugada com o disposto no art. 7.°, n.º 2 do Decreto-Lei n.° 262/88, de 23.07., que determina que o tempo de serviço prestado pelos membros dos gabinetes se considera, para todos os efeitos, como prestado no lugar de origem, «não podendo igualmente ser prejudicados nas promoções a que, entretanto, tenham adquirido direito, nem nos concursos públicos a que se submetam, pelo não exercício de atividade no lugar de origem». E, na verdade, onde a lei não distingue não cabe ao interprete distinguir – cfr. art. 9.º, n.º 3, do CC – sendo que, ademais, a interpretação pela qual pugna o Recorrente, consubstanciaria uma interpretação restritiva. Neste sentido, também, Soledad Ribeiro, Jaime Alves e Sílvia Matos, in anotação IV ao art. 17° do Decreto Regulamentar n.° 19-A/2004, in SIADAP Anotado, por Coimbra, 2006, pg. 120. Em face do que, e sem necessidade de mais amplas considerações, será de manter a sentença recorrida, ao ter anulado o ato impugnado, que excluiu a associada do A., ora Recorrido, do procedimento concursal em apreço, na medida em que esta, ao ser detentora de uma avaliação de Muito Bom referente ao ano de 2007, tal avaliação, mesmo que obtida ao abrigo do art. 17.° do Decreto Regulamentar n.° 19-A/2004, de 14.05., pode beneficiar do regime previsto no art.15.°, n.º 4, da Lei n.° 10/2004, de 22.03.
III. Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, e em manter a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 16.12.2021 Dora Lucas Neto (Relatora) Pedro Nuno Figueiredo Ana Cristina Lameira |