Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:99/21.6BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:05/26/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:OPOSIÇÃO
REVERSÃO
ERRÓNEA FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - Não constitui errónea fundamentação se o despacho qualifica a revertida de administradora ou gerente e ela é presidente da direcção de uma Associação, que também é indistintamente referida no despacho como sociedade.
II - E isso porque os pressupostos factuais e jurídicos da reversão operada nos termos do art.º 24.º, n.º1 da LGT são idênticos para todas as categorias de cargos sociais (administradores, directores e gerentes) e pessoas colectivas (associações, fundações, sociedades).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

M… recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que por prescrição da dívida exequenda relativa ao período de 01/2012 a 09/2012, julgou parcialmente procedente a oposição deduzida no processo de execução fiscal n.º 0501200701029274 e apensos que corre termos na Secção de Processo Executivo de Castelo Branco do Instituto de Gestão Financeira da Segurança, I.P., originariamente instaurado contra a “Associação Regional dos Agricultores Biológicos” e contra si revertido por dívidas de contribuições, cotizações e encargos abrangendo o período de Outubro a Dezembro de 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 e Janeiro a Setembro de 2015.

Nas alegações, formula as seguintes e doutas conclusões:
«
i) O procedimento administrativo de reversão da execução contra a Recorrente está viciado de nulidade por:
a. Falsidade dos fundamentos vertidos no despacho de reversão, quando se refere que o despacho de reversão consigna alegadas declarações prestadas pela Recorrente em sede de audiência prévia que são comprovadamente falsas, observando o exercido do direito de audiência prévia por escrito (Doc. 3 junto à oposição) e o teor do despacho de reversão (Doc. 1 junto à contestação);
b. Por erro na fundamentação de facto e de direito na responsabilização da Recorrente no processo de reversão, adveniente do chamamento numa qualidade que não assume (de gerente ou administradora) de uma pessoa jurídica erradamente identificada (sociedade).

ii) Subsidiariamente, caso V. Exas. assim não o entendam, deverão considerar-se prescritas as cotizações e contribuições melhor identificadas em 28), na medida em que o prazo para cumprimento é de mais de 5 anos em relação à interrupção da prescrição.

Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. suprirão, requer-se que a sentença proferida pelo tribunal a quo seja revogada e julgado nulo o procedimento de reversão.

Subsidiariamente, caso V. Exas. assim não o entendam, deverão julgar prescritas as cotizações e contribuições melhor identificadas em 28).
Fazendo-se assim a acostumada justiça!».

Contra-alegações não foram apresentadas.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo que ao recurso interposto deve ser negado provimento, mantendo-se o decidido in totum.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), são estas as questões que importa apreciar: (i) se os enunciados fundamentos da reversão enfermam de erro; (ii) se há dívidas prescritas para além daquelas que a sentença como tal declarou.

3 – MATÉRIA DE FACTO

Em sede factual deixou-se consignado na sentença recorrida:
«

Com interesse para a decisão da causa dão-se como provados os seguintes factos:

1. Em 22.09.2017 a coordenadora da Secção de Processo de Castelo Branco do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. elaborou o “Projecto de decisão - reversão”, cuja cópia a fls. 119 do processo executivo aqui se dá por reproduzida - cfr. projecto de decisão - reversão de fls. 119 do processo de execução fiscal.

2. Em 26.09.2017 foi assinado o aviso de recepção do ofício elaborado pela coordenadora da Secção de Processo de Castelo Branco do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., no âmbito do processo de execução fiscal n.º 0501200701029274 e outros, destinado a notificar a Oponente da preparação do processo para efeitos de reversão da execução fiscal e para exercer o direito de audição prévia – cfr. ofício, projecto de decisão e aviso de recepção de fls. 118 a 120 do processo de execução fiscal.

3. Em 11.10.2017 a Oponente apresentou na Secção de Processo de Castelo Branco do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. um requerimento pelo qual se pronunciou em sede de audiência prévia, com o teor que aqui se dá por reproduzido e transcreve:
“(…)
Eu, M…, não tenho nada a ver com o processo supra identificado, nem tenho nenhuma dívida para com Vossas Exas, pelo que requeiro a Vossas Exas a anulação do processo supra identificado, de que fui notificada para exercer o direito de audição.
(…)” - cfr. requerimento de fls. 130 do processo de execução fiscal.

4. Em 19.10.2017 a técnica superior da Secção de Processo Executivo de Castelo Branco do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. elaborou a informação que aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:
“(…)
1. DADOS DO PROCESSO
(…)
2. DOS FUNDAMENTOS
(…)
Da base de dados do sistema da Segurança Social, resulta que M…, nif 168…, foi administradora no período a que se reporta a dívida dos autos, no período de 2007/01 a 2015/09, no decurso do qual terminou o prazo de pagamento da dívida exequenda.
Na sequência de notificação para o efeito, exerceu a administradora o direito de audição prévia, alegando em suma:
a) Não exercício da gerência de facto;
b) Ilegitimidade por não figurar no título executivo;
Analisados os fundamentos, conclui-se que não lhe assiste razão, porquanto:
a) Não exercício da gerência de facto
De acordo com a informação da Equipa de Identificação e Qualificação do Centro Distrital de Segurança Social de Castelo Branco do Instituto da Segurança social, I.P. - “Do processo de inscrição da Associação entregue em 17-05-1999, consta o nome de M…- NISS 110….” verifica-se que a gerência da executada originária competia, no período em que a dívida foi contraída à administradora mencionado em epígrafe.
(…)
Da base de dados da Segurança Social consta que a mesma era remunerada enquanto membro de órgão estatutário da empresa executada.
(…)
3. CONCLUSÃO
Em conclusão, e atendendo aos elementos constantes no processo encontram-se preenchidos os requisitos exigidos no n.º 2 do art. 23.º da L.G.T., em conjugação com o art. 153º do C.P.P.T., para efectivação da reversão contra a responsável subsidiária de acordo com o definido artº 24º da L.G.T., devendo a presente execução fiscal ser revertida para M…- NISS 110….
(…)” - cfr. informação de fls. 148 e 149 do processo de execução fiscal.

5. Em 19.10.2017 a coordenadora da Secção de Processo de Castelo Branco do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. exarou o seguinte despacho sobre a informação identificada no ponto anterior do probatório: “Concordo com as conclusões da presente informação. Assim, é revertida a presente execução fiscal, em relação à administradora da executada ASSOCIAÇÃO REGIONAL AGRICULTORES BIOLÓGICOS, nos termos do artigo 153º, nº 2 do Código do Procedimento e do Processo Tributário, bem como nos do artigo 23º, nº 2, e 24º da Lei Geral Tributária; Proceda-se à citação (…)” - cfr. despacho de fls. 131 do processo em suporte informático.

6. Em 23.10.2017 foi assinado o aviso de recepção do ofício elaborado pela coordenadora da Secção de Processo de Castelo Branco do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., destinado a citar a Oponente no âmbito do processo de execução fiscal, na qualidade de responsável subsidiário, para o pagamento da quantia exequenda no valor de EUR 80.672,34 e acrescidos, no montante de EUR 21.204,87 - cfr. despacho de reversão e ofício de citação de fls. 148 a 151 do processo de execução fiscal.

7. A quantia exequenda provém da falta de pagamento das seguintes contribuições e cotizações em dívida referentes ao período de Outubro a Dezembro de 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, Janeiro a Setembro de 2015 - cfr. notificação de valores em dívida de fls. 152 a 156 do processo de execução fiscal.

8. Em 23.11.2017 deu entrada, na Secção de Processo Executivo de Castelo Branco do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., a petição inicial dos presentes autos – cfr. cabeçalho da petição inicial de fls. 1 do processo em suporte informático.

9. Em 16.03.2021 a Coordenadora da Secção de Processo Executivo de Castelo Branco exarou, no âmbito do processo de execução fiscal, despacho de prescrição que aqui se dá por reproduzido e transcreve parcialmente:
“(…)
Nos termos do art.º 175.º C.P.P.T., declarado prescrito a divida constante dos processos executivos indicados no quadro infra e anteriores ao ano de 2012, atendendo a que o único facto interruptivo da prescrição relativamente à revertida M…– NIF 168…. ocorreu 06 de setembro de 2017, já que para se poderem considerar os factos interruptivos que ocorreram relativamente à executada originária, a responsável subsidiária aqui em causa, teria que ter sido citada até ao termo do 5º ano subsequente ao da liquidação, o que não aconteceu.
Tudo nos termos do disposto no artigo 63 da Lei n.º 17/2000, de 8 de agosto que se manteve inalterável pelas Leis de Bases nºs 32/2002 de 20 de dezembro, nº 4/2007 de 16 de janeiro e Lei nº 110/2009 de 16 de setembro que dispõem que a obrigação do pagamento das contribuições à segurança social prescrevem no prazo de cinco anos a contar da data em que deveriam ter sido cumpridas e o prazo de prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança e nos termos do o nº 3 do referido artigo 48º da LGT que dispõe que: “A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal for efetuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação.”
Proceda-se à atualização em SEF e insira-se em notas de processo, nos termos da orientação interna nº 01/DGD/2012.


(…)” - cfr. despacho de fls. 131 a 132 do processo em suporte informático.
*
Não existem quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa que importe fixar como não provados.
*
A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada assentou na análise dos documentos juntos aos autos e ao processo de execução fiscal, conforme discriminado supra no probatório.».

4 – MATÉRIA DE DIREITO

Se bem apreendemos das conclusões e do corpo alegatório, a Recorrente, desde logo, não se conforma com a validação que a sentença recorrida fez da reversão na medida em que esta enuncia pressupostos que não se verificam, porquanto a originária devedora não é, nem nunca foi, uma sociedade e a recorrente não é, nem nunca foi, sua gerente ou administradora mas sim presidente da direcção da Associação, o inquina a decisão administrativa de reversão de erro de fundamentação, conducente à ilegitimidade passiva da recorrente para a execução.

Como se apreende do probatório, a Recorrente foi notificada para audição prévia no procedimento de reversão e respondeu dizendo nada ter a ver com o processo, nem com a dívida (cf. ponto 3 do probatório).

A Exequente interpretou o declarado pela ora recorrente como alegação do não exercício da gerência de facto e da sua ilegitimidade substantiva por não figurar no título executivo (cf. ponto 4 do probatório).

Na P.I. de oposição, a Recorrente veio sustentar que a Exequente, aqui recorrida, tresleu o que declarara em audição prévia, nunca se tendo referido a qualquer exercício ou não da “gerência de facto” ou a qualquer título executivo, mas apenas que a reversão contém fundamentação errónea na medida em que não é, nem nunca foi, administradora ou gerente da Associação executada, mas sim dela presidente (cf. art.º 4.º da P.I.), nem a Associação é, ou alguma vez foi, uma sociedade.

Como ressalta do despacho de reversão que constitui o doc.1 junto à P.I., a oponente foi chamada ao processo por reversão das dívidas da Associação Regional dos Agricultores Biológicos e na mencionada qualidade de administradora da executada originária no período de 2007/01 a 2015/09, a que se reportam as dívidas. Porém, no mesmo despacho e como parte integrante da sua fundamentação, é referido, indistintamente, que “verifica-se que a gerência da executada originária competia, no período em que a dívida foi contraída, à administradora mencionada…”; “a administradora identificada teria que ter uma intervenção activa em tudo o que dissesse respeito ao funcionamento da sociedade e sua vinculação em relação a terceiros, exercendo, de facto, as funções de gerência”; “…não logrou a interessada demonstrar que, enquanto administradora não praticou actos relativos à administração da referida sociedade”.

Pretende a Recorrente que a fundamentação vertida no despacho de reversão, incluindo a que foi assumida a partir da sua resposta em audição prévia é falsa, inquinando de nulidade todo o procedimento de reversão.

Salvo o devido respeito, não acompanhamos a posição da Recorrente. A reversão concretizou-se com expressa referência ao art.º 24.º, n.º 1 alínea b), da Lei Geral Tributária, que dispõe:
«Artigo 24.º
Responsabilidade dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos
1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
2 – (…)».

Ora, como resulta daquele preceito, a responsabilidade subsidiária dos membros de corpos sociais é recortada nos mesmos termos, quer o responsável tenha a qualidade de administrador, director ou gerente de uma pessoa colectiva, não distinguindo a lei na determinação dessa responsabilidade, consoante as entidades geridas se tratem de associações, fundações ou sociedades (cf. art.º 157.º do Código Civil e 11.º da LGT).

Assim, não alcançamos como se possa razoavelmente sustentar uma errónea fundamentação só porque o despacho de reversão se refere, indistintamente, à revertida oponente ora como gerente, ora como administradora e nunca como presidente da direcção da Associação que é, ou foi, e se refira à entidade gerida também como sociedade, porque os pressupostos factuais e jurídicos da responsabilidade subsidiária que foi accionada são os mesmos para qualquer categoria de gestores (administradores, directores e gerentes) e de pessoas colectivas (associações, fundações e sociedades).

No que em particular respeita à resposta em audição prévia, convenhamos que a oponente pouco mais que nada disse e o teor ambíguo do pouco que disse, à luz do critério interpretativo objectivo das declarações do art.º 236.º do Código Civil, consente a interpretação que a Exequente deduziu daquilo que disse, como aliás bem concluiu a sentença recorrida.

Improcede este fundamento do recurso que se prende com o vício substantivo da errónea fundamentação do despacho de reversão.

Já se entrevê que não procede a também alegada falta de fundamentação formal do despacho de reversão, porque contextualmente e no quadro do regime legal aplicável não assume qualquer ambiguidade ou contradição lógica a referência à qualidade da revertida como administradora ou gerente e nunca de presidente da direcção da Associação, que ela é, ou era, elemento este que a Recorrente entende omitido da fundamentação.

Passando à questão da prescrição das dívidas, a sentença declarou prescritas as dívidas relativas ao período de 01/2012 a 09/2012, como claramente expressado no dispositivo.

Ora, as certidões de dívida que a Recorrente identifica no ponto 28 das alegações de recurso, reportam-se todas a dívidas provenientes de cotizações, contribuições e coimas abrangidas naquele lapso temporal. Como assim, encontram-se já abrangidas pela declaração judicial de prescrição, parte não impugnada da sentença (cf. artigos 635/5, 628.º e 619/1 do CPC).

Tudo visto, pelas indicadas razões, é de confirmar a sentença recorrida e negar provimento ao recurso.

5 – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Condena-se a Recorrente em custas.

Lisboa, 26 de Maio de 2022.



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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha