Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03793/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/24/2011
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DE IRC.
EFEITO SOBRE A IMPUGNAÇÃO DO PAGAMENTO EFECTUADO AO ABRIGO DO DL 124/96, DE 10/08.
Sumário:· A «voluntas legis» é claramente a de permitir ao contribuinte o pagamento condicional da dívida, ao abrigo do DL 53/88, de 25/2, sem ter de renunciar ao seu direito de impugnar.

· O requerimento apresentado pela recorrente a solicitar a concessão dos benefícios não consubstancia, de forma explícita ou implícita, uma renúncia ao direito de impugnar como foi declarado no despacho recorrido.

· Assim, havendo sido solicitado e autorizado o pagamento do imposto em causa nos autos ao abrigo da Lei nº 53/88, não ocorre, por força da lei ou por vontade das partes, qualquer impedimento ou restrição ao prosseguimento da impugnação judicial contra a liquidação do mesmo imposto.

· Hoje, o n° 3 do artº 9º da LGT ao determinar que o pagamento do imposto nos termos da lei que atribua benefícios ou vantagens no conjunto de certos encargos ou condições não preclude o direito de reclamação, impugnação ou recurso, não obstante a possibilidade de renúncia expressa, nos termos da lei, visou pôr ponto final a certa jurisprudência que entendia que um contribuinte que pagasse o imposto, eventualmente devido, nos quadros de leis que concedem benefícios fiscais (vulgo "amnistias fiscais"), renunciava implicitamente ao direito de reclamar ou impugnar esse pagamento.

· Assim, é hoje pacífico que um contribuinte que receba certos benefícios, ou que pague o imposto em condições mais favoráveis do que aquelas previstas na lei "geral", poderá continuar a exercer todos os direitos previstos na lei contra esse pagamento, sem embargo de o número 3 do artº 9º da LGT permitir que o contribuinte, voluntária e expressamente, renuncie ao direito na declaração de adesão aos princípios e vantagens previstos na lei, tratando-se, pois, de uma renúncia voluntária, não podendo a lei impor tal condição como pressuposto do gozo dos benefícios ou vantagens previstos.

· Por sua vez, no art.°96° do mesmo diploma legal determina expressamente que o direito de impugnação ou recurso não é renunciável, salvo nos casos previstos na lei (nº1) e que a renúncia ao exercício do direito de impugnação ou recurso só é válida se constar de declaração ou outro instrumento formal (nº2).
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo:

1. Inconformada com a decisão proferida pela Mª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou extinta a instância com fundamento na impossibilidade superveniente da lide, nos termos do art.°287° alínea e) do CPC, veio a A...- ENGENHEIRA E CONSTRUÇÃO, S.A recorrer para Tribunal Central Administrativo Sul de tal sentença, pedindo a sua revogação.
Para tanto alega e formula as seguintes Conclusões:
A)O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 21 de Outubro de 2008, que julgou "extinta a presente instância, por impossibilidade superveniente da lide", sendo que a instância em causa tem origem na impugnação judicial apresentada pela ora Recorrente do acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.°8310014524, no montante de 8.834.398$00 (€ 44.065,79) e relativo ao exercício de 1990.
B) A sentença recorrida determinou a extinção da presente instância em virtude do facto de a Administração Fiscal ter procedido à anulação total do acto impugnado, na medida era que havia sido o mesmo integralmente pago pela Recorrente ao abrigo do denominado "Plano Mateus", consagrado no Decreto-Lei n.°124/96, de 10 de Agosto.
C) Entende a ora Recorrente que a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra no presente processo de impugnação assenta em erro de julgamento, concretamente no que respeita à análise da matéria de direito que lhe subjaz.
D) Isto porque, aquele pagamento apenas foi efectuado sob condição, ou seja, na condição de a Recorrente poder continuar a discutir, em sede contenciosa, a legalidade da dívida. Note-se ainda que, de acordo com o despacho proferido pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 20 de Janeiro de 1997, o pagamento efectuado ao abrigo daquele regime não implicava qualquer interferência no que respeita ao prosseguimento das reclamações ou impugnações em curso, isto é, do contencioso tributário que estivesse pendente.
E) Nestes termos, a decisão vertida na sentença recorrida não respeita o determinado pelo legislador, em especial no previsto no citado Decreto-Lei n.°124/96, de 10 de Agosto.
F) Viola-se ainda, em geral, o espírito que anima quer o Código de Processo Tributário (CPT), aplicável à data dos factos tributários relevantes, quer o CPPT, aplicável actualmente, quer, enfim, da Lei Geral Tributária.
G) Tais diplomas pressupõem que o pagamento da dívida em causa não obste à discussão da legalidade da mesma. Dispondo ainda o artigo 96.° da LGT a impossibilidade de renúncia do direito de impugnação ou recurso. Pelo que, só em casos absolutamente excepcionais é que tal renúncia se admite, sendo que a mesma tem necessariamente de constar de declaração ou instrumento formal.
H) No caso concreto, e como resulta dos elementos constantes do presente processos, não só a Recorrente nunca formalizou qualquer renúncia ao direito de impugnação ou de recurso como, ao invés, e pelo contrário, referiu expressamente que o pagamento efectuado ao abrigo do denominado "Plano Mateus", seria sempre feito "sob condição", ou seja, desde que estivesse garantido o seu direito de, em sede própria, nomeadamente através do contencioso tributário de impugnação, discutir a legalidade da dívida, com todas as consequências legais.
I) É, pois, este o erro de direito em causa e que se identifica no presente recurso que urge corrigir. E que, para além da violação das normas e legislação já identificadas, viola anda o disposto no artigo 18.° da Constituição, na medida em que se coarcta o direito de impugnação e de recurso, direito que constitui garantia fundamental de natureza análoga à dos direitos liberdades e garantias.
J) Constitui, pois, erro de direito inferir que, como sucede na decisão recorrida, "A anularão do acto tributário, com a sua eliminação da ordem jurídica, quando efectuada na pendência de processo de impugnação, retira-lhe o respectivo objecto, porquanto a impugnação constitui um processo destinado a um acto em concreto, acarretando a impossibilidade superveniente da lide".
K) Em sentido abertamente contrário pronunciou-se já amplamente a jurisprudência dos tribunais superiores: "1 - A adesão ao regime de benefícios fiscais concedido pelo Decreto-Lei n.°124/96 não envolve renúncia ou perda do direito de impugnação judicial e recurso das respectivas liquidações.
2 - Este direito ao recurso contencioso e impugnação judicial dos actos de liquidação de impostos constitui garantia fundamental de natureza análoga à dos direitos liberdades e garantias, por isso mesmo e nos termos do art. 18° da CRP, insusceptível de restrições no seu exercício fundamentadas em meras presunções de renúncia ou desistência.
3 - Assim, não resulta supervenientemente inútil a lide em que tal liquidação se discutia se e quando, na pendência desta, o impugnante, requerendo a sua adesão àqueles benefícios, declarou expressamente não prescindir da respectiva impugnação" - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 1-7-98.
TERMOS EM QUE, ATENTO O EXPOSTO, E EM ESPECIAL A VIOLAÇÃO DAS NORMAS INVOCADAS, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULJADO PROCEDENTE POR PROVADO E EM CONSEQUÊNCIA DEVERÁ A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA, E SUBSTITUÍDA POR SENTENÇA QUE ANALJSE A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL APRESENTADA PELA ORA RECORRENTE, CC-/I AS DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
A FAZENDA PÚBLICA, não contra -alegou.
A EPGA manifestou concordância com a argumentação da recorrente FP, sustentando a procedência do recurso.
Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. – Releva para a decisão do recurso a seguinte factualidade:
a) – A 1ª Direcção de Finanças de Lisboa, através do Of. Nº 4209
de 11/06/1004, informou nos autos que “Em cumprimento do determinado na Nota de Citação n°169 de 28/05/2004, mas recepcionado nestes Serviços em 01/06/2004, do Tribunal Administrativo e Fiscal - Sintra, tenho a honra de informar V. Exa., que a liquidação Adicional de IRC de 1990, no montante de 8.834398$00 correu termos no Serviço de Finanças de Lisboa 10, no entanto compulsado o Sistema Informático de IR verificamos que o IRC de 1990, liquidação n°8310014524 de 8.834.398$00 (44.065,79 €) foi anulada na sua totalidade em 13/01//1998. Nesta liquidação a empresa pagou em 19/06/1997 o montante de 6.346.280$00 (31.655,11 €), o qual foi em 19/01/1998, pelos mesmos Serviços Centrais determinado a respectiva anulação do pagamento.” – cfr, fls. 139.
b) - Na sequência desse ofício foi proferida a decisão recorrida, que é do seguinte:
“ (…)
Na pendência da impugnação verifica-se que a Administração Fiscal procedeu à anulação total do acto impugnado (cfr. fls. 139 dos autos).
Notificadas as partes nada vieram dizer ou requerer (cfr. fls. 140).
A impugnação judicial insere-se no denominado contencioso de anulação, pelo que, a respectiva procedência, traduz-se, consoante as circunstâncias, na declaração de nulidade, de inexistência, ou na anulação, total ou parcial, do acto tributário (cfr. art. 124.° n.°1 do CPPT).
A anulação do acto tributário, com a sua eliminação da ordem jurídica, quando efectuada na pendência de processo de impugnação, retira-lhe o respectivo objecto, porquanto a impugnação constitui um processo destinado a um acto em concreto, acarretando a impossibilidade superveniente da lide.
Assim, por impossibilidade superveniente da lide, deverá ser extinta a presente instância (cfr. artigo 287°, alínea e) do CPC, aplicável por remissão do artigo 2.° alínea e) do CPPT), decisão a que de seguida, se procederá.
DECIDINDO
Termos em que, se julga extinta a presente instância, por impossibilidade superveniente da lide. (…)”.

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3.- Na decisão recorrida suscita-se uma questão prévia consistente na extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide ( artº 287º, e) do CPC) pois se o contribuinte paga o imposto, regularizando sua situação tributária com benefício da facilidades fiscais, previstas na Lei ou concedidas pela Administração, o recurso a tal meio, consoante ocorra antes ou depois da instauração do processo de impugnação judicial, obsta à impugnação do imposto devendo a impugnação ser julgada improcedente ou ao prosseguimento da respectiva impugnação.
Das alegações flui que a recorrente, em substância, sustenta que não se pode concluir dos autos que ao pagar o imposto tenha querido aceitar o acto tributário e desistir da impugnação pelo que não se verifica a inutilidade superveniente da lide.
A decisão recorrida tem implícito o entendimento, de que, quando os contribuintes procedem a pagamento de imposto liquidado, como condição de aplicação de facilidades concedidas pelo Estado, aceitam tacitamente a respectiva legalidade pelo que não podem, posteriormente, vir impugná-la ou manter-se a impugnação que haja sido deduzida.
Prova-se nos autos, além do mais, que a recorrente efectuou o pagamento da quantia nos aludidos termos, sem manifestar expressamente o interesse em prosseguir com a presente impugnação, não obstante aquele pagamento, uma vez que na p.i. contestam a exigência e legalidade do imposto em causa.
Será, em tal circunstância, configurável uma excepção peremptória cuja consequência jurídica é a extinção da instância por falta de objecto em virtude do pagamento efectuado nos citados termos e cujo conhecimento é oficioso como decorre dos artºs. 474º, nº.1 al. c) e 500º do CPC e do artº 333º do Ccivil, ponto de vista que parece informar a sentença recorrida do TT1ª Instância?
À luz de certa corrente jurisprudencial do STA sobre a questão em análise, expressa, no âmbito da impugnação judicial, em diversos arestos de que se destacam os Acórdãos de 10/5/89, in RLJ, Ano 123º, nº 3790, pág. 9, de 12/10/88, tirado no Recurso nº 3410, de 13/3/91, no Recurso nº 13 086 e de 5/6/91, no Recurso nº 12 751, aos recorrentes era dada a opção entre pagar e beneficiar do condicionalismo legal ou não pagar e continuar a discutir no Tribunal a legalidade da liquidação.
Exercida a opção pelos aludidos benefícios, ocorreria uma incompatibilidade entre as vantagens obtidas e o prosseguimento do processo pois na conduta dos recorrentes e atento o disposto nos artºs. 567º nº 2 e 681, nºs. 2 e 3 do CPC, se perfilaria uma renúncia ao uso dos meios processuais de reacção em relação à liquidação do imposto.
Para tanto, esgrimem os defensores daquela sensibilidade que a dedução da impugnação judicial é uma mera faculdade e não um dever pelo que intocado ficava o princípio da legalidade consagrado nos artºs. 106º, nº 3, 168º nºs. 1, al. i) e 2 e 268º nº 4 da CRP já que o tributo tinha sido liquidado nos termos legais e inexistia qualquer remissão do imposto pois o que se estabelece é apenas a dispensa do pagamento de juros de mora e de custas.
Por outro lado, sustentam ainda que a opção do contribuinte em aceitar ou não as condições estabelecidas na citada Lei não é incompatível com a obrigação tributária por esta se fundar em relação jurídica indisponível porquanto o pagamento nas condições especiais previstas naquele diploma, traduzindo-se na aceitação das mesmas, tem um efeito semelhante à desistência, à confissão e à transacção em processo civil (artºs. 293º e segs. do CPC ) importando, na senda do ensinamento do Prof. José Alberto dos Reis vazado no seu Comentário do Código de Processo Civil, Vol. 3, Coimbra Editora, pág. 366/373 e no CPC Anotado, 3ª ed. vol.I, pág. 393, a extinção da lide por impossibilidade superveniente da lide por extinção do objecto da impugnação.
De tudo resultava, pois, que a instância se extinguia por impossibilidade superveniente da lide em consequência do pagamento para beneficiar das vantagens facultadas pela lei, ficando o processo sem objecto ( artºs 287º als. d) e), 293 e segs. e 681, nºs. 2 e 3, do CPC «ex-vi» do disposto na al. f) do artº 2º do CPT ), solução que, como vimos, é a propugnada no douto parecer do Digno Procurador da República junto da Instância e pelo Sr. Juiz recorrido.
Tendemos, no entanto, a adoptar a doutrina perfilhada pelo Prof. Teixeira Ribeiro em anotação ao referido Acórdão de 10/5/89 e que já vem sido seguida por alguma jurisprudência do STA como pode ver-se dos Acórdãos de 22/1/92, proferido no Recurso nº 13 478 e de 21/4/93, no recurso nº 15 579 e de 27/11/96 em que se sustenta que «todas as compressões do direito de accionabilidade dos actos tributários têm de constar de lei formal».
Da análise da letra do diploma que estabeleceu as nomeadas facilidades aos contribuintes para a regularização da sua situação tributária, não se vislumbra que aquelas sejam concedidas sob condição de renúncia dos contribuintes à impugnação da liquidação do tributo ou à oposição contra a execução em que a mesma se funde, e/ou que se impeça ou restrinja a instauração ou o prosseguimento de tais processos em virtude de terem beneficiado de tal regime .
É que, como decorre do diploma em referência, as medidas de excepção pelo mesmo instituídas pretenderam beneficiar quer os contribuintes, quer o Estado, pelo que em ambos os pólos está em causa o interesse público cuja realização está subordinada ao princípio da legalidade e à indisponibilidade da obrigação tributária, realidades essas que impõem as seguintes conclusões:
a)- Por via daquelas medidas e porque na lei nada se dispõe nesse sentido, o Estado não abdicou nem podia renunciar a outras para satisfação do seu crédito já que, se não forem aproveitadas as facilidades permitidas por aquele regime ou deixarem de ser cumpridos os requisitos por ele impostos, poderá accionar os mecanismos legais tendentes ao sancionamento do incumprimento e à cobrança da dívida. Na verdade, a renúncia em Direito Administrativo só é admissível quando estamos em presença de um acto pelo qual o órgão, exercendo um poder discricionário, declara que não actuará, ou não exigirá, naqueles casos em que a lei deixa ao seu critério fazê-lo ou não (vd. Marcelo Caetano, «Manual de Direito Administrativo», 9ª ed., reimp. 1980, 1º-461), o que é manifesto não acontecer com o diploma em apreço.
b)- Não resulta da sua letra e não pode ser espirito da lei que a contrapartida do benefício seja a renúncia do contribuinte, mesmo tácita, à utilização dos meios legais de reacção contra o acto tributário em causa ou a execução baseada no mesmo. O que não quer dizer que o contribuinte não possa, ele mesmo, ter renunciado explícita ou implicitamente, a tais meios.
Com efeito, a doutrina conceptualiza a renúncia como extinção de um direito por vontade do seu titular como pode ver-se em Galvão Telles, «Direito das Sucessões», 5ª ed., pág. 71, para quem um direito é objecto de renúncia quando o seu titular abdica dele extinguindo-o.
Também a jurisprudência acentua o carácter voluntário da renúncia como pode ver-se do Acórdão do STJ de 11/6/81 in BMJ, 308º-222 ao considerá-la como a perda voluntária de um direito por manifestação unilateral de vontade ou do Acórdão da Rel. Coimbra de 22/6/77, CJ, 2º-737, em que se expende que a mesma se traduz na perda voluntária de um direito que o renunciante demite de si, sem o atribuir ou ceder a outrém.
No chamado «direito circulatório» a própria AF perfilhou o entendimento, veiculado pelos ofícios-circulares nºs. 4668 e 5149, de que a aplicação do disposto, POR EXEMPLO, no Decreto-Lei nº 225/94, de 5/9, relativamente às dívidas em litígio, não é impeditiva do prosseguimento dos respectivos processos, restituindo-se, se for caso disso, as importâncias a mais arrecadadas em resultado da decisão final devidamente transitada em julgado, e de que ninguém deveria ser impedido de aderir ao regime de que se fala sempre que nesse sentido se manifestasse, cabendo aos tribunais subsequentemente determinar se tal será causa de extinção da lide.
Em termos gerais, a renúncia não é um acto formal ( vd. Acórdãos do STJ de 27/10/72, BMJ, 220º-163 e da Rel. Coimbra de 22/6/77, CJ, 2º 737), embora nos termos do nº 1 artº 110º do CPA se permita aos interessados desistir, mediante requerimento escrito, do procedimento ou de alguns dos pedidos formulados, bem como renunciar aos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
Na tese de que dissentimos e no que à impugnação respeita, o pagamento nas condições do diploma de que se fala, tem o efeito semelhante à desistência, à confissão e à transacção em processo civil (artºs. 293º e segs. do CPC ) importando a extinção da lide por impossibilidade superveniente por extinção do objecto da impugnação.
Mas, quanto à renúncia, devendo concluir-se que por força do nº 1 do artº 110º do CPA a mesma terá de ser expressa, bastará um simples requerimento donde consta de forma clara e inequívoca a vontade de o interessado abdicar dos seus direitos.
No que tange à desistência e como no diploma em apreço não se prevê qualquer ritualismo específico, parece que não será bastante um simples requerimento para a sua manifestação atentas as exigências formais da lei de processo civil estabelecidas no artº 300º do CPC, aplicável ao processo de impugnação judicial «ex-vi» da al. f) do artº 2º do CPT.
A desistência do pedido é do dono da pretensão e dela é o mesmo livre (cfr. artº 296º nº 2 do CPC) devendo, contudo, realizar-se no processo através de termo ou documento autêntico (artº 300º, nº 1 do CPC) para que implique o abandono, a renúncia à pretensão que o autor formulara ( vd. J. Alberto dos Reis, «Comentário ao CPCivil», 3º-477).
Se não forem observadas as formalidades da desistência, confissão ou transacção, que assim não foi exercida nos termos legais, não pode criar-se «um efeito semelhante» com tratamento distinto, operável ao arrepio das normas àquela aplicáveis.
Donde se conclui que, sob pena de fraude à lei (entendida como a violação do espirito da lei, guardada a sua letra- Castro Mendes, Direito Civil.- Teoria Geral, 1979, III-768), não era válida tal desistência ou espécie de desistência, porquanto assim se realizava, por forma inusitada, um tipo legal em vez de outro, a fim de provocar a consequência jurídica daquele que era a extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (cfr. Baptista Machado, «Direito Internacional Público, 2ª ed.-275, Vaz Serra, BMJ, 74º-171 e o Ac. do STJ de 9/5/85, BMJ, 347º-404).
Uma vez que, como se assentou, o regime legal de que vimos falando não determina a renúncia, expressa ou tácita, ao direito de impugnar e devendo entender-se que aquela é um acto formal, manifestamente que o requerimento apresentado pelos recorrentes a solicitar a concessão dos benefícios não consubstancia, de forma explícita ou implícita, uma renúncia ao direito de impugnar.
Inexiste, pois, qualquer manifestação de renúncia, explícita ou implícita, por parte dos recorrentes à presente oposição pois declararam expressamente que mantinham o interesse em prosseguir com o presente processo não obstante aquele pagamento uma vez que contestam a exigência e legalidade do imposto em causa, o que traduz a vontade clara e inequívoca no sentido do prosseguimento da impugnação deduzida.
Teremos de concluir, pois e em definitivo, que, havendo sido solicitado e autorizado o pagamento do imposto em causa ao abrigo do citado diploma, não ocorre, por vontade das partes, qualquer impedimento ou restrição ao prosseguimento da impugnação.
Vejamos se algum obstáculo levanta a lei a esse prosseguimento.
Para o sr. Juiz recorrido, dúvidas não há de que a consequência jurídica do facto de o recorrente ter pago o imposto nos sobreditos termos é a extinção da instância por se ter tornado impossível o prosseguimento desta (a «latere», dir-se-á que nesta lógica argumentativa se configura mais um caso de impossibilidade do que de inutilidade superveniente da lide no prosseguimento da impugnação visto que, atenta a teleologia do processo - anulação da liquidação -, com o pagamento se criaria um obstáculo que impedia que o contribuinte contestasse a exigência e legalidade do tributo já que para ele, «in casu», não é de todo inútil o prosseguimento da instância a cuja extinção se opõe).
Importa, por isso, verificar se em todas ou apenas em algumas situações o ordenamento jurídico obriga a essa.
Para tanto, começa por afirmar-se que o direito de impugnação constitui uma garantia dos contribuintes consagrada no artº 19 al. c) do CPT que só se extingue nos termos da lei ou se o seu titular ao exercício do mesmo expressamente renuncie.
Atenta a natureza da dívida a pagar (imposto) o entendimento da decisão recorrida implicava a negação de uma garantia fundamental constitucionalmente facultada ao contribuinte já que o imposto é uma obrigação «ex-lege» que nasce não por vontade do contribuinte ou da AF nas unicamente pela verificação do pressuposto de facto a que a lei ligou a sua existência pelo que se trata de uma obrigação de direito público que justifica a sua indisponibilidade, sendo esta natureza que impõe que a sua criação esteja sempre sujeita a reserva de lei por injunção constitucional, reserva essa que também abrange todas as garantias conferidas ao contribuinte entre as quais avulta (dito artº 19º, al.c)-do CPT), o direito à impugnação ( cfr. artº 106º nºs 2 e 3 da CRP).
No caso «sub judicio» existe um regime legal excepcional pelo qual o legislador, em prole do interesse público, perspectivado bivalentemente, visou promover o pagamento de inúmeros créditos do Estado, comprometido por sérias dificuldades financeiras dos devedores, através de modalidades de pagamento que pudessem evitar o seu risco de falência.
Na verdade e conforme declaração de princípios proclamada no preâmbulo do DL em causa este visou solucionar, de uma forma directa e objectiva, a situação da justiça fiscal, reconhecidamente ineficaz e provocadora de sérios prejuízos tanto para os contribuintes como para o Estado.
Nesse sentido, as medidas estabelecidas têm como escopo atingir a operacionalidade da justiça fiscal em termos justos, objectivo essencial a prosseguir.
O interesse público do presente regime na já assinalada bivalência emerge claramente ainda do facto de se contemplar que o não aproveitamento de tais facilidades implicará, porque libertados os meios para tal, o accionar imediato dos mecanismos legais adequados à concretização das sanções previstas e da cobrança de dívidas.
Assim a intenção declarada do legislador era a cobrança dos débitos fiscais sem que dela pudessem resultar riscos para os agentes económicos nas referidas vertentes, inexistindo qualquer disposição no diploma limitativa dos direitos do contribuinte compensatória dos benefícios concedidos.
Ora, e no ensinamento de Francesco Ferrara in Interpretação e Aplicação das Leis, 2ª ed., pág. 130, traduzido pelo Prof. Manuel de Andrade, «O jurista há-de ter sempre diante dos olhos o fim da lei, o resultado que quer alcançar na sua actuação prática; a lei é um ordenamento de protecção que entende satisfazer certas necessidades, e deve interpretar-se no sentido que melhor responda a esta finalidade, e portanto em toda a plenitude que assegure tal tutela».
Isso pressupõe que o intérprete não se cinja a meras operações lógicas, antes devendo realizar complexas apreciações de interesses, obviamente dentro do âmbito legal, pois toda a norma tem um escopo a alcançar, uma função e uma finalidade a cumprir, pelo que ela tem de ser entendida no sentido que melhor responda à consecução do resultado que quer obter.
E para se determinar a finalidade prática da disposição de direito, haverá que atender às relações da vida, para cuja regulamentação a norma foi criada e partir do princípio de que a lei quer dar satisfação às exigências económicas e sociais que derivam das relações, procedendo-se à apreciação dos interesses em causa.
«In casu», poderia dizer-se que ocorre uma formulação estreita de mais, que não se entende que tenha sido deliberada, antes se tratando de um silêncio involuntário, havendo que reintegrar o pensamento legislativo tanto mais que é sobre a interpretação extensiva que se baseia a já referida proibição dos actos in fraudem legis , pois, como se refere na obra citada de Francesco Ferrara, pág. 151, «...o mecanismo da fraude consiste na observação formal do ditame da lei, e na violação substancial do seu espírito:-tantum sententiam offendit et verba reservat.O fraudante, pela combinação de meios indirectos, procura atingir o mesmo resultado ou pelo menos um resultado equivalente ao proibido; todavia, como a lei deve entender-se não segundo o seu teor literal, mas no seu conteúdo espiritual, porque a disposição quer realizar um fim e não a forma em que ele pode manifestar-se, já se vê que, racionalmente interpretada, a proibição deve negar eficácia também àqueles outros meios que em outra forma tendem a conseguir aquele efeito».
Mas em bom rigor o que há que operar é uma interpretação abrogante de modo a, nesta situação, negar sentido e valor à norma do artigo 287 e) do CPC, pois se verifica a sua absoluta contrariedade e incompatibilidade com outra norma supra-ordenada e principal que é o ordenamento contido no DL em causa pelas razões «ex abundantis» expostas.
Deve por isso entender-se que a «voluntas legis» é claramente a de permitir ao contribuinte o pagamento condicional da dívida sem ter de renunciar ao seu direito de impugnar.
No mesmo sentido se pronunciou a EPGA no seu douto parecer de que se respiga o seguinte excerto:
“Não surgem dúvidas de que a impugnante pagou ao abrigo do DL n° 124/96 a divida exequenda no âmbito da execução fiscal.
Também não consta, em parte alguma, ter renunciado ao direito de discutir a legalidade da mesma divida. Aliás, em 10.10.97 deduziu a presente impugnação, como resulta de fls. 2 do processo.
A decisão recorrida baseou-se no teor do ofício de fls. 139 para julgar extinta a instância por inutilidade da lide, como resulta de fls. 149 a 151.
Estabelece-se no art.°9 da LGT o acesso à justiça tributária.
Dispondo o n°2 que "Todos os actos em matéria tributária que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos são impugnáveis ou recorríveis nos termos da lei".
E, no n° 3 que:"o pagamento do imposto nos termos da lei que atribua benefícios ou vantagens no conjunto de certos encargos ou condições não preclude o direito de reclamação, impugnação ou recurso, não obstante a possibilidade de renúncia expressa, nos termos da lei."
Este número 3 do art.° 9 visa "(…) pôr ponto final a certa jurisprudência que entendia que um contribuinte que pagasse o imposto, eventualmente devido, nos quadros de leis que concedem benefícios fiscais (vulgo "amnistias fiscais"), renunciava implicitamente ao direito de reclamar ou impugnar esse pagamento.
Passa a ser claro que um contribuinte que receba certos benefícios, ou que pague o imposto em condições mais favoráveis do que aquelas previstas na lei "geral", poderá continuar a exercer todos os direitos previstos na lei contra esse pagamento.
O número 3 permite, contudo, que o contribuinte, voluntária e expressamente, renuncie ao direito na declaração de adesão aos princípios e vantagens previstos na lei.
Sublinhe-se que se trata de uma renúncia voluntária, não podendo a lei impor tal condição como pressuposto do gozo dos benefícios ou vantagens previstos." - in anot. Anot. ao art.°9° da LGT comentada e anotada por Diogo L. C., Benjamin S. R. e Jorge L. Sousa, 2ª reimpressão 1999, Vislis Editores.
Por sua vez, no art.°96° do mesmo diploma legal estatui-se que "1. O direito de impugnação ou recurso não é renunciável, salvo nos casos previstos na lei.
2. A renúncia ao exercício do direito de impugnação ou recurso só é válida se constar de declaração ou outro instrumento formal."
Aliás, a jurisprudência dominante é unânime em decidir que o pagamento da dívida exequenda não afecta os seus direitos de impugnação administrativa ou contenciosa previstos na lei, inclusivamente através de oposição à execução fiscal, quando esta for o meio processual adequado para essa impugnação art.°204°, n°1 als. a), b) e h) do CPPT. - neste sentido ver Acs. do STA de 25.11.09, 07.10.09, 01.07.98, in procs.0753/09, 0532/09 e 22489, respectivamente.
Não podia, pois, ter-se decidido como se decidiu, com os dados disponíveis, julgar extinta a instância por inutilidade da lide.
A lide continua, pois, pertinente e pertinente o conhecimento do mérito da causa.
A ser assim, como é, a sentença recorrida não poderá manter-se.
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Como decorre dos autos, a Srª. Juíza «a quo» pôs termo ao processo, declarando a extinção da instância de impugnação judicial decorrente da inutilidade superveniente da lide, por isso se abstendo de conhecer do pedido.
Uma vez que a decisão objecto do recurso não contém probatório, entende-se que não há lugar ao conhecimento do mérito da causa em substituição do TT1ª Instância, a mesma deve baixar à 1ª instância para se proceder a um julgamento da matéria de facto
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4.- Por todo o exposto, concede-se provimento ao recurso e ordena-se a baixa dos autos para julgamento da matéria de facto e oportuna prolacção de sentença .
Sem custas.
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Lisboa, 24/05/2011
(Gomes Correia)
(Lucas Martins)
(Magda Geraldes)