Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:174/15.6BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:07/08/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IVA.
ISENÇÃO.
VENDA DE TÍTULOS DE DIREITO REAL DE HABITAÇÃO PERIÓDICA.
Sumário:1. A questão de saber se a actividade do impugnante corresponde à de mero angariador de compradores de títulos de direito real de habitação periódica ou se, pelo contrário, o mesmo intervém no negócio, como vendedor, com liberdade de estipulação do mesmo, constitui enunciado fáctico relevante na integração da norma de isenção do artigo 9.º/27/e), do CIVA.

2. A veracidade de tal enunciado fáctico deve ser apurada pelo tribunal atendendo aos meios de prova disponíveis nos autos.

3. Cabe ao tribunal apurar a matéria de facto relevante com vista a integrar as várias soluções plausíveis da questão de direito suscitada.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
 Acórdão


Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

C......., com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé, que julgou improcedente a impugnação judicial por si apresentada, contra as liquidações de IVA e juros compensatórios de 2010 a 2014, no valor de € 11.099,79.

O Recorrente, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«Tudo visto formulam-se as seguintes conclusões:

1ª. O Recorrente é, conforme resultou provado, um prestador de serviços cuja atividade foi inicialmente enquadrada no âmbito do artigo 9º do Código do IVA, com efeitos a partir de 15 de setembro de 2010.

2a. A Autoridade Tributária, na sequência de uma ação de fiscalização, manifestou a sua discordância em relação ao enquadramento do Recorrente, por entender que a atividade por si exercida não é suscetível de beneficiar da isenção prevista no artigo 9° do Código do IVA.

3ª. A Autoridade Tributária pode legitimamente proceder a correções no enquadramento da atividade dos sujeitos passivos, desde que tais alterações apenas produzam efeitos para o futuro.

4ª. A análise do conteúdo das declarações de início de atividade, permite concluir inequivocamente que o enquadramento para efeitos de IVA, no regime normal ou nos regimes de isenção, é da responsabilidade da Autoridade Tributária.

5ª. Ainda que incumba no sujeito passivo o preenchimento e a entrega da declaração de início de atividade, a verdade é que os elementos dela constantes apenas são vinculativos após a validação que, obrigatoriamente, tem que ser efetuada pela Autoridade Tributária.

6ª. Na verdade, no campo 9, o sujeito passivo declara os dados que espera vir a ter da sua atividade, cabendo à Autoridade Tributária, mediante o preenchimento do campo 10, que é de uso exclusivo dos Serviços de Finanças, validar os dados que foram indicados e proceder ao enquadramento no regime normal ou nos regimes de isenção.

7ª. A Autoridade Tributária tinha conhecimento, desde o início, da atividade que o Recorrente pretendia exercer, já que, no campo 8 da supra mencionada declaração de início de atividade, teve que proceder à respetiva indicação expressa e colocar o código da atividade económica (CAE) que lhe corresponde.

8ª. Não pode a Autoridade Tributária ter conhecimento da atividade que o sujeito passivo vai exercer, validar todos os dados a ela inerentes e o respetivo enquadramento em sede de IVA e  proceder, passados alguns anos, à alteração com efeitos retroativos, sem colocar em causa, na relação jurídico-tributária, os princípios da irretroatividade e da segurança jurídica.

9ª. Este entendimento tem expresso acolhimento na lei vigente, já que é o próprio n° 3 do artigo 35° do Código do IVA que dispõe de forma clara e inequívoca que "As declarações são informadas no prazo de 30 dias pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que se pronuncia sobre os elementos declarados e quaisquer outros com interesse para a apreciação da situação ".

10ª. A impossibilidade de aplicação retroativa encontra-se expressamente prevista na lei a propósito da prestação de informações vinculativas, conforme se pode verificar pelo disposto no n°16 do artigo 68° da Lei Geral Tributária.

11ª. O normativo referido dispõe expressamente que as informações vinculativas podem ser revogadas, com efeitos para o futuro, após um ano a contar da sua prestação, precedendo audição do requerente, nos termos da presente lei, com a salvaguarda dos direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos.

12ª. O artigo 68°-A da Lei Geral Tributária refere expressamente que a Administração Tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, não podendo ser invocáveis retroativamente perante os contribuintes que tenham agido com base numa interpretação plausível e de boa-fé da lei as
orientações genéricas que ainda não estavam em vigor no momento do facto tributário.

13ª. Este entendimento tem vindo a ser seguido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, conforme se pode verificar através do acórdão de 29 de fevereiro de 1996, referente ao processo C-110/94, usualmente designado por acórdão Inzo.

14a No acórdão mencionado refere-se expressamente, no ponto n° 21, que "...como observou a Comissão, o princípio da segurança jurídica opõe-se a que os direitos e obrigações dos sujeitos passivos dependam de factos, de circunstâncias ou de acontecimentos que se produzem depois da sua verificação pela Administração Fiscal.

15a Daí resulta que, a partir do momento em que a Autoridade Fiscal aceitou, com base nos dados fornecidos por uma empresa, que lhe seja atribuída a qualidade de sujeito passivo, este estatuto já não pode, em princípio ser-lhe depois retirado com efeitos retroativos devido à ocorrência ou não ocorrência de determinados acontecimentos".

16ª. Neste contexto, conclui o acórdão em causa no ponto n° 25, "...que exceto no caso de situações fraudulentas ou abusivas, a qualidade de sujeito passivo do IVA não pode ser retirada a essa sociedade com efeitos retroativos, quando, perante os resultados desse estudo, foi decidido não passar à fase operacional e coloca-la em liquidação, de modo que a atividade económica projetada não deu origem a operações tributáveis ".

17ª. Tudo visto, são ilegais as liquidações adicionais do IVA, tendo em conta que o enquadramento no regime de isenção foi efetuado pela Autoridade Tributária e que a respectiva alteração, a ser possível, apenas pode ter efeitos para o futuro, sob pena de violação do princípio da irretroatividade e da segurança na aplicação das normas.

18ª. A atividade do Recorrente sempre foi dirigida no sentido de angariar clientes e promover os serviços, garantindo, em termos finais, a concretização da respetiva venda por parte da empresa que os comercializa.

19ª. Na douta sentença não resulta provado, nem sequer por indícios, que a atividade diária do Recorrente não consistia na realização de sucessivas reuniões com clientes novos ou com clientes que já eram detentores de alguns dos serviços que a empresa comercializa, aos quais apresentava os produtos, com a indicação das respetivas características e preço, fechando o contrato, no caso de haver acordo.

20ª. Também não ficou demonstrado, já que o Tribunal a quo dispensou a inquirição das testemunhas arroladas, por entender que a matéria controvertida é exclusivamente de direito, que o Recorrente, no exercício da atividade, apresentava os produtos, evidenciava as respetivas características e procedia à respetiva negociação.

21ª. Segundo o entendimento da Prof. Dra. Clotilde Celorico Palma, na matéria relacionada com a venda de direitos de habitação turística, "...foi acolhido pela Administração Fiscal o entendimento sufragado num parecer elaborado por J.G. Xavier de Basto e António Lobo Xavier ".

22ª. A elaboração do parecer, "...foi solicitada pelo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais tendo em vista clarificar o tratamento em IVA das situações qualificadas como transmissões de direitos reais de habitação periódica e como direitos de utilização turística, tendo o entendimento acolhido sido expressamente consagrado no Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA)”.

23ª. Em conformidade com a orientação veiculada no parecer, "...quando o direito de habitação periódica se apresenta como um direito real a transmissão de tais direitos é sujeita a IMI, pelo que a respetiva transmissão está isenta de IVA, por aplicação directa do n°31 do artigo 9°do Código do IVA.

24a A isenção do n° 31 do artigo 9° do Código do IVA não abrange a transmissão de direitos obrigacionais de habitação turística (DOHT), isto é, dos direitos de habitação turística".

25a. A situação dos direitos obrigacionais de habitação turística, "...ao tempo não regulamentados, não foi prevista no Código do IVA, existindo, assim, uma lacuna de previsão e regulamentação na disciplina das isenções em sede deste imposto " .

26ª. O parecer em causa, acolhido pela Administração Fiscal, dispõe que "Os títulos de direitos obrigacionais de habitação turística têm todas as características para serem enquadráveis no conceito de demais títulos a que se refere a alínea f) do n°28 do artigo 9°do Código do IVA.

27ª. A inclusão dos títulos de direitos obrigacionais de habitação turística na antedita isenção, permite chegar a uma solução neutra, equiparando o seu tratamento com o concedido aos direitos reais de habitação periódica, o que deverá constituir uma preocupação central do IVA ".

28a Em conclusão, a actividade levada a efeito pelo recorrente, que consiste na promoção, negociação e comercialização de serviços relacionados com a utilização de imóveis para férias, é suscetível de enquadramento no âmbito da isenção prevista na alínea e) do n° 27 do artigo 9a do Código do IVA, na redação em vigor à data em que os serviços foram prestados.»

Termina, pedindo que o recurso seja julgado procedente, procedendo-se à revogação da sentença e, em termos finais, determinada «a anulação das liquidações adicionais do IVA referente aos períodos de junho de 2010 a março de 2014, por manifesta violação dos princípios da irretroatividade e da segurança na aplicação das normas ou, no caso de assim se não entender, por violação da isenção prevista na alínea e) do n° 27 do artigo 9.° do Código do IVA».

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A Recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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II.        FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«1. De Facto
Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as soluções plausíveis de direito, considera-se provada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:
A) O Impugnante esteve coletado desde 15.04.2007 pela atividade principal de “Comissionista”, CAE 1319, tendo ficado enquadrado para efeitos de IVA no Regime de Isenção do artigo 9.º do CIVA, tendo cessado a atividade em 28.02.2012 e reiniciado em 02.03.2012 já no regime de isenção do art.º 53.º do CIVA – cfr. fls. 3 a 5 do processo instrutor apenso.
B) O Impugnante foi sujeito a uma ação de inspeção interna a coberto das Ordens de Serviço n.ºs OI201401055/56/57/58 e 59, de 14.07.2014, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Faro, iniciada em04.08.2014 e concluída em 05.08.2014, de âmbito parcial de IVA, em relação aos anos de 2010 a 2014 – cfr. fls. 10 a 15 do processo instrutor apenso.
C) Em 03.09.2014 foi elaborado o Relatório Final da Inspeção, que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual resultaram correções em sede de IVA para os anos de 2010 a 2014, apurando imposto em falta no valor total de € 10.332,97 e de cujo teor se retira, em síntese, o seguinte:
«[…] // III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL // […]
Embora o sujeito passivo considere que os serviços por ele prestados aproveitam a isenção do art.º 9.º do CIVA (motivo invocado para isenção de IVA em alguns recibos, noutros foi o artigo 53° do CIVA), isso não acontece uma vez que os mesmos consistem na promoção dos direitos de utilização sobre imóveis dando-os a conhecer ao público em geral e angariando potenciais clientes que se mostrem disponíveis para os conhecer e comprar, não havendo qualquer intervenção do sujeito passivo na negociação dos contratos ou na venda dos mesmos.
Assim em termos de enquadramento fiscal em sede de IVA, o S.P, surgiu indevidamente no art.º 9.º do CIVA, dado que apesar de receber à comissão, não desenvolve em absoluto qualquer actividade enquadrável neste artigo.
Logo, observa-se uma incongruência no enquadramento do IVA, pois tratando-se de prestação de serviços de angariação de potenciais clientes de direitos de utilização sobre bens imóveis e que não tem cabimento no art.º 9.° do CIVA, tem-se de se aferir qual o enquadramento a considerar. // […] // Assim sendo, os montantes auferidos pelo sujeito passivo a partir de 1 de Fevereiro 2010, relativos à angariação de potenciais clientes de direitos de utilização sobre bens imóveis, encontram-se sujeitos a IVA, porquanto os serviços prestados Inserem-se no conceito de prestação de serviços nos termos dos art.º 1.º, n.º 1, alínea a), art.º 2.º, n.º 1, alínea a) e art.º 4.º, n.º 1 todos do CIVA, já que não se lhe aplica qualquer isenção prevista no CIVA (art.º 9.º ou art.º 53.º).
Os citados serviços efectuados por intermediário agindo em nome e por conta de outrem, ligados ao alojamento do sector hoteleiro (ou em sectores com funções análogas) estão abrangidas pela regra geral de localização dos serviços prestados a sujeitos passivos, vertida no artigo 6.º, n.º 6, alínea a) do CIVA.
O valor tributável destas prestações de serviços é, nos termos do art.º 16.º, n.º 1 do CIVA, o valor das contraprestações obtidas dos adquirentes (cliente).
Decorrente deste procedimento resulta falta de liquidação de IVA nos termos do art.º 18.º, n.º 1, alínea c) do CIVA, conforme discriminado nos quadros em anexo 1 (um quadro por ano) ao presente projecto de relatório. Refira-se que os valores globais atingem os montantes de €2.686,62, €4.575,08, €1.285,24, €1.576,27 e €209,76, respectivamente para 2010, 2011, 2012, 2013 e 1º trimestre de 2014. //[…]» – cfr. fls. 10 a 15 do processo instrutor apenso.
D) Atos impugnados: Na sequência da ação de inspeção referida em C) foram emitidas as seguintes liquidações de IVA e de juros compensatórios:

Liquidação n.º
Período
Valor
Data limite pagamento
voluntário
IVA/JC
.......
1003T
€ 322,21
31-12-2014
IVA
.......
1003T
€ 55,44
31-12-2014
JC
.......
1006T
€ 776,44
31-12-2014
IVA
.......
1006T
€ 125,81
31-12-2014
JC
.......
1009T
€ 682,92
31-12-2014
IVA
.......
1009T
€ 103,88
31-12-2014
JC
.......
1012T
€ 905,29
31-12-2014
IVA
.......
1012T
€ 128,58
31-12-2014
JC
.......
1103T
€ 780,68
31-12-2014
IVA
.......
1103T
€ 103,18
31-12-2014
JC
.......
1106T
€ 224,08
31-12-2014
IVA
.......
1106T
€ 27,36
31-12-2014
JC
.......
1109T
€ 1.987,21
31-12-2014
IVA
.......
1109T
€ 222,57
31-12-2014
JC
.......
1112T
€ 1.583,11
19-11-2014
IVA
.......
1203T
€ 950,74
19-11-2014
IVA
.......
1209T
€ 265,18
19-11-2014
IVA
.......
1212T
€ 69,32
19-11-2014
IVA
.......
1303T
€ 363,59
19-11-2014
IVA
.......
1306T
€ 325,47
19-11-2014
IVA
.......
1309T
€ 356,34
19-11-2014
IVA
.......
1312T
€ 530,87
19-11-2014
IVA
.......
1403T
€ 209,76
19-11-2014
IVA

– cfr. Docs. 1 a 23 juntos com a p.i..
E) O Impugnante tem por atividade de angariar clientes e promover os serviços, garantindo a concretização da respetiva venda por parte da empresa que os comercializa, em função de diretivas previamente estabelecidas e limites estabelecidos em termos de descontos e brindes promocionais – por acordo.
F) O Impugnante exerceu a atividade qua antecede para as sociedades L......... Sucursal em Portugal e S......... S.A. que se dedicam à comercialização de direitos de utilização sobre bens imóveis – facto não controvertido.
G) Pela referida atividade o Impugnante é remunerado através do pagamento de comissões pelo qual emite “recibos verdes” sem liquidar IVA, com fundamento na isenção do art.º 9.º do Código do IVA – por acordo.
H) Em 18.02.2015 foi apresentada a presente Impugnação – cfr. fls. 2 dos autos.

Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão do mérito da causa.
*

Motivação de facto:
A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos e do processo instrutor apenso, referenciados em cada uma das alíneas do probatório e ainda com base na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados.»


X

2.2. Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento em que terá incorrido a sentença sob recurso no que respeita à determinação da matéria de facto e ao correcto enquadramento jurídico da causa.

2.2.2. A sentença julgou improcedente a impugnação, considerando, em síntese, que:  
«(…) o Impugnante, enquanto prestador de serviços não atuava de modo a ocupar o lugar de uma das partes no contrato, na medida em que não lhe era conferida a possibilidade de negociação dos detalhes das prestações, antes ficando sujeito às condições e termos previamente estabelecidas pela entidade para a qual prestava os serviços técnicos de angariação de clientes e promoção dos serviços».

2.2.3. Antes de entrarmos na apreciação do objecto do recurso, cumpre referir que por decisão sumária do Juiz Conselheiro Relator, de 02.03.2016, o STA declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do objecto do recurso jurisdicional em apreço.  Aí se consigna, designadamente, que: «[n]o caso, como bem nota o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, constata-se que o recorrente manifesta clara divergência com as ilações de facto retiradas do probatório e expressas na sentença, nomeadamente nas conclusões 18a 19a e 20a em que alega factualidade e tira ilações de facto que contrariam a factualidade vertida na alínea E) do probatório. // Com efeito o recorrente parece sustentar que, no desempenho da sua actividade, intervinha activamente na negociação e venda dos direitos de habitação para turismo (DHT), quando do probatório, tal como entendeu a decisão recorrida, resulta, inequivocamente, que o recorrente, no exercício efectivo dos serviços prestados, não actuava de modo a ocupar o lugar de uma das partes no contrato, uma vez que não tinha poderes para negociar detalhes das prestações, antes estando sujeito às condições e termos previamente estabelecidos pela entidade para a qual prestava os serviços técnicos de angariação de clientes e promoção dos direitos de utilização sobre imóveis. // Com a alegação de tal factualidade pretende o recorrente obter evidentes consequências jurídicas, como decorre das conclusões 21a a 29a ou seja, que a actividade por si desempenhada está isenta de tributação em IVA ao abrigo do estatuído no artigo 9°/27/e) do CIVA. // Verifica-se, pois, que as questões controvertidas não se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, antes pelo contrário implicam também a necessidade de dirimir questões de facto, em relação às quais o recorrente manifesta divergência com o decidido, pelo que, no caso sub judice, não estamos perante recurso fundamentado exclusivamente em matéria de direito».

2.2.4. Nos presentes autos está em causa a interpretação/integração da norma do artigo 9.º/27/e), do CIVA, na qual se estabelece que «[e]stão isentas do imposto: [a]s operações e serviços, incluindo a negociação, mas com exclusão da simples guarda e administração ou gestão, relativos a acções, outras participações em sociedades ou associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias e dos títulos representativos de operações sobre bens imóveis quando efectuadas por um prazo inferior a 20 anos».

A questão que se suscita consiste em saber se a actividade do impugnante se subsume no normativo em apreço. A norma que está na base do artigo 9.º/27/e), do CIVA, é o artigo 135.º/1/f), da Directiva IVA[1], a qual tem o teor seguinte: «Os Estados-membros isentam as seguintes operações: // As operações, incluindo a negociação mas excluindo a guarda e gestão, relativas às acções, participações em sociedades ou em associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias e dos direitos ou títulos referidos no n. º 2 do artigo 15».

A propósito da interpretação do preceito em apreço, o TJUE (Acórdão de 13.12.2001, P. C-235/00), teve ocasião de sublinhar o seguinte:
«O artigo 13.°, B, alínea d), n.° 5, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que // a expressão «operações relativas a títulos» se refere a operações susceptíveis de criar, modificar ou extinguir os direitos e obrigações das partes sobre títulos, // a expressão «negociação relativa a títulos» não se refere aos serviços que se limitam a fornecer informações relativas a um produto financeiro e, eventualmente, a receber e processar os pedidos de subscrição dos títulos correspondentes, sem proceder à respectiva emissão».

A propósito da interpretação do preceito em exame, no Acórdão do STA, de 09.05.2018, P. 01648/15, louvando-se na jurisprudência do TJUE, considerou-se que: «(…) incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, no litígio no processo principal, as operações efetuadas por…podem ser consideradas «operações financeiras», na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, pelo facto de terem sido realizadas sobre títulos de natureza jurídica comparável à dos títulos especificamente mencionados no artigo 135º, n.º 1, alínea f), da Diretiva IVA. (…) // No caso vertente, segundo o que resulta do Probatório e do alegado pelas partes, o recorrente não presta um serviço, uma actividade correspondente à de um intermediário remunerado para prestar um serviço a uma das partes num contrato relativo a operações financeiras sobre títulos, pelo que, assim, a actividade por si desempenhada não cabe na previsão do disposto no referido art. 9º, nº 27, al. e) do CIVA (uma vez que também não cabe na previsão do art. 135º, nº 1, al. f) da Directiva IVA)».

O recorrente alega, seja em sede de recurso, seja na petição inicial da presente impugnação, que a sua actividade sempre foi dirigida no sentido de angariar clientes e promover os serviços, garantindo, em termos finais, a concretização da respetiva venda por parte da empresa que os comercializa; que a referida actividade consiste na promoção, negociação e comercialização de serviços relacionados com a utilização de imóveis para férias, pelo que é suscetível de enquadramento no âmbito da isenção prevista na alínea e) do n° 27 do artigo 9a do Código do IVA, na redação em vigor à data em que os serviços foram prestados.

Em face do exposto, forçoso se torna concluir que a questão a dirimir consiste em saber se a actividade do recorrente corresponde à de um intermediário remunerado, que actua em nome de umas partes, com vista à celebração do contrato de compra e venda dos títulos em causa, ocupando a posição da mesma na celebração do contrato ou se o impugnante/recorrente constitui um promotor ou um angariador, mas não um vendedor, e como tal não está abrangido pela norma de isenção em referência. O recorrente ofereceu prova testemunhal, mas a mesma foi rejeitada por despacho do tribunal recorrido de 07.07.2015..

Do teor da petição inicial, bem como das alegações de recurso, resulta que o enunciado da alínea E) do probatório, pode enfermar de falta de aderência à realidade, dado que contraria a posição do impugnante expressa nos autos.

«Cabe ao tribunal apurar a matéria de facto relevante com vista a integrar as várias soluções plausíveis da questão de direito suscitada. Para além das diligências requeridas, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados».[2] Nos termos do disposto no artigo 662.º/2/c), do CPC, o tribunal ad quem deve ainda, mesmo oficiosamente, «[a]nular a decisão proferida em 1.ª instância quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos discriminados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta».

Está em causa a impugnação da liquidação de IVA de 2010 a 2014, cujo núcleo rescisório decorre da pretendida demonstração do erro nos pressupostos de facto da liquidação contestada. O recorrente apresenta versão diferente dos factos da que foi acolhida no relatório inspectivo, na medida em que invoca ser o vendedor dos títulos em causa, e não um mero angariador de clientela em favor de terceiro, sem qualquer poder de estipulação sobre o contrato de compra e venda a outorgar.

A base probatória da sentença deve ser alargada e precisada, com vista a aferir do bem fundado da presente pretensão impugnatória, através da prova testemunhal requerida, conciliada com os demais elementos constantes dos autos.

Ao não proceder à referida inquirição, a sentença incorreu em défice instrutório, determinante de anulação do processado, ao abrigo do disposto no artigo 662.º/2/c), do CPC, devendo, por isso, os autos ser devolvidos ao tribunal a quo, para que proceda à diligência requerida e à prolacção de nova decisão.

Em face do exposto fica prejudicado o conhecimento objecto do recurso.


DISPOSITIVO


Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em determinar a anulação da sentença, ao abrigo do disposto no artigo 662.º/2/c), do CPC, devendo, por isso, os autos ser devolvidos ao tribunal a quo, para que proceda à diligência requerida e à prolacção de nova sentença.

Custas pela Fazenda Pública, sem prejuízo da dispensa de taxa de justiça, dado não ter contra-alegado.

Registe.

Notifique.

O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Lurdes Toscano e Maria Cardoso.


 (Jorge Cortês - Relator)

____________________

[1] DIRECTIVA 2006/112/CE DO CONSELHO, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, publicada no JOUE, n.º 2006.L0112.
[2] Acórdão do TCAS, de 09.7.2020, 9281/16.7BCLSB.